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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.22 Coimbra set. 2019

https://doi.org/10.12707/RIV19037 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)

RESEARCH PAPER (ORIGINAL)

 

Eficácia de um programa educacional baseado no empowerment na perceção de autoeficácia em utentes com diabetes

Effectiveness of an empowerment-based educational program in self-efficacy perception in patients with diabetes

Eficacia de un programa educativo basado en el empoderamiento en la percepción de la autoeficacia en pacientes con diabetes

 

Matilde Almeida*
https://orcid.org/0000-0001-9986-4498

Maria Rui Miranda Grilo Correia de Sousa**
https://orcid.org/0000-0002-6669-8339

Helena Maria Almeida Macedo Loureiro***
https://orcid.org/0000-0003-1826-5923

 

* MSc., Enfermeira, Clinica da Glória - Cuidados de Saúde Lda., 3810-151, Aveiro, Portugal [matildealmeidacarlos@gmail.com]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica; recolha de dados; tratamento e avaliação estatística; análise de dados e discussão; escrita do artigo. Morada para correspondência: Rua 31 de Janeiro, nº 19, r/c, fracção I/J, 3810-155, Aveiro, Portugal.

** Ph.D., Professora Adjunta, Escola Superior de Enfermagem do Porto, 4200-072, Porto, Portugal. Investigadora do CINTESIS/ NURSID [mariarui@esenf.pt]. Contribuição no artigo: orientadora da investigação; conceção do programa de intervenção; escrita do artigo.

*** Ph.D., Professora Adjunta, Escola Superior de Saúde da Universidade de Aveiro, 3810-193, Aveiro, Portugal [hloureiro@ua.pt]. Contribuição no artigo: co-orientadora da investigação; conceção metodológica; redação do artigo.

 

RESUMO

Enquadramento: Estudos sugerem que modelos educativos baseados no empowerment, implementados em pessoas com diabetes, poderão fomentar a melhoria da autoeficácia percecionada. Esta variável é considerada relevante na autogestão do regime terapêutico.

Objetivos: Avaliar a eficácia de um programa educacional baseado no empowerment, na perceção de autoeficácia, em utentes com diabetes mellitus tipo 2.

Metodologia: Estudo quasi-experimental, com avaliação antes e após implementação do programa, com intervalo de 6 semanas. Amostra aleatória randomizada, constituída por 42 participantes (grupo experimental = 19; grupo de controlo = 23), inscritos numa unidade de saúde familiar da Administração Regional de Saúde do Centro. O Diabetes empowerment Scale - Short Form (DES-SF) foi o instrumento utilizado para determinar a eficácia do programa. Foram assegurados todos os procedimentos formais e éticos.

Resultados: Os utentes submetidos a um programa educativo baseado no empowerment apresentaram uma maior perceção de autoeficácia (p = 0,000), comparativamente com aqueles que seguiram o regular protocolo de vigilância.

Conclusão: Os programas educacionais baseados no empowerment parecem contribuir para uma melhoria da autoeficácia percebida, pelo que poderão ser assumidos como estratégias a aplicar a utentes com diabetes mellitus tipo 2.

Palavras-chave: autoeficácia; diabetes mellitus tipo 2; educação para a saúde; empoderamento para a saúde; enfermagem; programa educacional

 

ABSTRACT

Background: Studies suggest that empowerment-based educational models, implemented in patients with diabetes, may encourage the improvement of perceived self-efficacy. This variable is considered relevant in the therapeutic regimen self-management.

Objectives: To evaluate the effectiveness of an empowerment-based educational program in patients with type 2 diabetes mellitus.

Methodology: A quasi-experimental study, with two different evaluation moments, with a 6-week interval. A randomized sample of 42 participants (experimental group = 19; control group = 23), registered in a family health unit of the ARS of Central Portugal. The Diabetes empowerment Scale - Short Form (DES-SF) was the instrument chosen to determine the program’s effectiveness. All formal and ethical procedures were assured.

Results: Patients subjected to the empowerment-based educational program presented a higher self-efficacy perception (p = 0.000) than those who followed the regular surveillance protocol.

Conclusion: empowerment-based educational programs seem to contribute to an improvement in perceived self-efficacy and should, therefore, be used as an educational strategy for patients with type 2 diabetes mellitus.

Keywords: self efficacy; diabetes mellitus, type 2; health education; empowerment for health; nursing; educational program

 

RESUMEN

Marco contextual: Los estudios sugieren que los modelos educativos basados en el empoderamiento, implementados en personas con diabetes, pueden fomentar la mejora de la autoeficacia percibida. Esta variable se considera relevante en el autocontrol del régimen terapéutico.

Objetivos: Evaluar la eficacia de un programa educativo basado en el empoderamiento y la percepción de la autoeficacia en pacientes con diabetes mellitus tipo 2.

Metodología: Estudio cuasiexperimental, con evaluación antes y después de la implementación del programa, con un intervalo de 6 semanas. Muestra aleatoria, compuesta por 42 participantes (grupo experimental = 19; grupo de control = 23), inscritos en una unidad de salud familiar de la Administración Regional de Salud del Centro. La Diabetes empowerment Scale - Short Form (DES-SF) fue el instrumento utilizado para determinar la efectividad del programa. Se garantizaron todos los procedimientos formales y éticos.

Resultados: Los pacientes que se sometieron a un programa educativo basado en el empoderamiento tuvieron una mayor percepción de la autoeficacia (p = 0,000) en comparación con los que siguieron el protocolo de vigilancia regular.

Conclusión: Los programas educativos basados en el empoderamiento parecen contribuir a mejorar la autoeficacia percibida, por lo que pueden asumirse como estrategias para aplicar a los pacientes con diabetes mellitus tipo 2.

Palavras clave: autoeficacia; diabetes mellitus tipo 2; educación para la salud; empoderamiento para la salud; enfermería; programa educativo

 

Introdução

A prevalência estimada da diabetes mellitus (DM) tipo 2 na população portuguesa tem vindo a aumentar, apresentando, em 2015, valores de 13,3% em pessoas com idades compreendidas entre os 20 e os 79 anos, o que significa que mais de um milhão de portugueses nesta faixa etária era portador desta doença (Direção-Geral da Saúde, 2017). O tratamento da DM não implica a sua cura, mas sim uma correta e complexa autogestão do regime terapêutico, para, desta forma, minimizar ou evitar o aparecimento de complicações a longo prazo. Assim, o objetivo primordial do tratamento é o controlo dos níveis de glicemia dentro dos valores desejados, o que contribui para a manutenção de qualidade de vida através da prevenção e/ou minimização do risco de desenvolver complicações tardias (Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal, 2017).

A educação para a saúde (EpS) deve ser centrada na pessoa, promovendo conhecimentos, competências e habilidades necessárias à autogestão da doença, mas incorporando também as suas necessidades, objetivos, valores e experiências de vida (American Diabetes Association, 2017). A EpS tem como finalidade apoiar a pessoa na tomada de decisão, na resolução de problemas e nos comportamentos de autocuidado (American Diabetes Association, 2017). Neste contexto, a perceção de autoeficácia é referida pela literatura como sendo uma das variáveis mais preditoras desses comportamentos. Os programas educacionais tradicionais que privilegiam a transmissão de informação sobre a doença e o seu tratamento parecem não ter tanto impacto como aqueles que, tendo como filosofia subjacente o empowerment, se centram na pessoa e nas suas capacidades para seguir os objetivos que esta delineou para a sua saúde (Anderson & Funnell, 2005). Por conseguinte, é urgente abandonar o modelo tradicional de EpS, focado essencialmente na doença e na prescrição de comportamentos, e transitar para um modelo centrado na pessoa, que promova o seu empowerment (Anderson & Funnell, 2005).

Embora em Portugal se desenvolvam alguns programas direcionados às pessoas com DM, estes são pouco divulgados, e não parecem basear-se em modelos conceptuais que já tenham sido previamente testados, carecendo também de uma avaliação rigorosa do seu impacto. Em 2015, foi desenvolvido um programa de intervenção baseado no modelo do empowerment, denominado Viver em Harmonia com a Diabetes, tendo apresentado resultados satisfatórios em várias variáveis psicossociais, comportamentais e clínicas, nomeadamente na perceção de autoeficácia e nos comportamentos de autocuidado. Porém, o objetivo destes autores centrou-se no envolvimento dos enfermeiros da prática clínica, concretamente na procura de novas formas de apoiar a pessoa com diabetes a integrar e gerir a sua doença, na análise dos fatores que influenciam os comportamentos de autocuidado, bem como na conceção do respetivo programa (Sousa et al., 2017). Na sua implementação foram realizadas duas avaliações, antes e após, mas sem um grupo de controlo e uma amostra aleatória (Sousa et al., 2017).

Neste estádio do conhecimento, considerou-se pertinente realizar o presente estudo quase experimental, com o objetivo de avaliar a eficácia do programa Viver em Harmonia com a Diabetes na perceção de autoeficácia em utentes com DM tipo 2.

 

Enquadramento

A intervenção na área da DM é uma das maiores emergências de intervenção em saúde do século XXI, em função do quadro epidemiológico que assume nas sociedades contemporâneas. Os dados reportam que atualmente cerca de 424,9 milhões de adultos no mundo sofrem de DM (International Diabetes Federation, 2017). Em Portugal, esta é considerada umas das patologias prioritárias a necessitar de uma intervenção estratégica devido, entre outros fatores, à sua magnitude, severidade da incapacidade, mas também possibilidade de autocontrolo.

Para que este controlo seja possível, a pessoa deverá ter um papel central no seu plano de cuidados, sendo elemento ativo no seu tratamento (International Diabetes Federation, 2017). Na DM o autocuidado é encarado como um processo evolutivo de desenvolvimento não só de conhecimentos, mas também de capacidades, que permitem que a pessoa seja capaz de aprender a viver, no seu contexto social, com a natureza complexa da patologia. O papel do autocuidado na DM carece de uma extrema importância, pois os principais cuidados diários são prestados pelas pessoas e/ou pelas suas famílias (International Diabetes Federation, 2017).

A educação terapêutica para o autocuidado tem sido considerada essencial para que as pessoas alcancem os resultados desejados e sejam capazes de adotar comportamentos promotores de uma adaptação saudável à diabetes e com qualidade de vida (Menino, Dixe, & Louro, 2016). Assim, a EpS é um dos pilares do tratamento da DM tipo 2, sendo que esta não deverá restringir-se a uma troca de informação. O profissional de saúde deverá planear um programa adequado tendo em conta as necessidades de saúde e características de cada pessoa, família e comunidade (Brunton & Polonsky, 2017).

É crucial que as intervenções desenvolvidas pelos enfermeiros, nesta área, sejam monitorizadas, numa perspetiva da qualidade, pois só desta forma, será possível traçar um plano de cuidados baseado na evidência disponível (Menino et al., 2016). Estas intervenções devem também ser direcionadas para as variáveis que interferem nos comportamentos das pessoas.

As crenças de saúde são um dos principais focos a abordar nos programas de autogestão da doença, em utentes com DM. Segundo Saad et al. (2017), as crenças de autoeficácia influenciam diretamente a adesão terapêutica, pois uma maior perceção de autoeficácia está associada a um maior desempenho dos comportamentos de autocuidado. Bandura (1989), define autoeficácia como a crença de que a pessoa é capaz de executar o comportamento pretendido com sucesso, de modo a produzir o resultado ambicionado, sendo capaz de exercer controlo sobre a sua própria motivação, processos de pensamento e padrões de comportamento. O conceito de autoeficácia psicossocial refere-se à vontade e à capacidade das pessoas em se empenharem em variadas mudanças comportamentais a nível preventivo e de gestão da doença, englobando várias dimensões como a gestão de aspetos psicossociais da diabetes, a insatisfação com o tratamento, a prontidão para mudar e para estabelecer e atingir objetivos relacionados com a diabetes.

A utilização do empowerment como abordagem na EpS pretende, para além de transmitir conhecimentos, reforçar as atitudes adequadas na pessoa e construir um processo contínuo de motivação e envolvimento, promovendo uma troca de conhecimentos, poder e responsabilidades entre esta e o profissional de saúde, o que poderá traduzir-se numa melhoria da autoeficácia (Anderson & Funnell, 2005). Os diferentes estudos referem que programas de autogestão da diabetes baseados no empowerment são mais eficazes em comparação com a abordagem educacional tradicional (Chen, Wang, Lin, Hsu, & Chen, 2015; Cortez et al., 2017; Funnell, Tang, & Anderson, 2007; Sousa et al., 2017). Os mesmos são centrados nas necessidades específicas de cada pessoa, numa perspetiva abrangente que contempla todos os determinantes que afetam o bem-estar individual (Cortez et al., 2017; Funnell et al., 2007). Além disso, a prestação de cuidados de saúde não deve limitar-se a aliviar um mal-estar, mas pelo contrário, deve ser direcionado para instruir e capacitar o utente, com o objetivo de melhorar a sua capacidade de autogerir o seu estado de saúde e a sua perceção de autoeficácia (Cortez et al., 2017; Ratner, Davis, Lhorka, Wille, & Walls, 2017; Chen et al., 2015).

Assim, é necessário trabalhar com o utente no sentido de ele se empoderar, fornecendo-lhe ferramentas para gerir o seu regime terapêutico, promovendo a sua autonomia, autoeficácia e capacidade de decisão. Desta forma, é imperativo abandonar o modelo tradicional e transitar para um modelo centrado na pessoa, compatível com uma abordagem baseada no empowerment (Funnell et al., 2007).

Neste sentido, Anderson e Funnell (2005) propõem um modelo de apoio à mudança de comportamento baseado na filosofia do empowerment, e coconstruído com o cliente, que integra cinco fases: 1ª - identificar o problema; 2ª - Explorar sentimentos associados ao problema; 3ª - Traçar objetivos; 4ª - Elaborar um plano; 5ª- Avaliar os resultados da implementação desse mesmo plano.

 

Questão de investigação

Qual a eficácia de um programa educacional baseado no empowerment na perceção de autoeficácia em utentes com DM tipo 2, que realizam a sua vigilância de saúde numa equipa de saúde familiar?

Hipótese de investigação

Quando submetidos a um programa de educação para a saúde baseado no empowerment, as pessoas com DM tipo 2 apresentam uma maior perceção de autoeficácia do que aquelas que não são submetidas a este mesmo programa.

 

Metodologia

O presente estudo enquadra-se num paradigma positivista e empírico-analítico, de caráter quantitativo. Caracteriza-se ainda como sendo quase experimental, com grupo de controlo, com avaliação em dois momentos.

O seu desenvolvimento decorreu numa unidade de saúde familiar (USF), do Agrupamento de Centros (ACES) de Saúde Baixo Vouga, pertencente à Administração Regional de Saúde (ARS) do Centro. Para a realização deste estudo considerou-se que a população-alvo eram todos os utentes com o diagnóstico de DM tipo 2, inscritos e a realizar a sua vigilância de saúde na unidade selecionada.

O método de amostragem utilizado foi o probabilístico (Figura 1), com recurso às variáveis idade, sexo e tempo de diagnóstico para randomização entre grupo experimental e grupo controlo. Como critérios de inclusão os participantes deveriam ter 18 ou mais anos, aceitar participar no estudo, ter o diagnóstico de diabetes há mais de um ano e possuir capacidades para gerir autonomamente a sua doença. Consideram-se como critérios de exclusão a não aceitação em participar em todas as sessões do programa, no caso do grupo experimental, e a indisponibilidade para o preenchimento do questionário de avaliação inicial e final em ambos os grupos.

O programa implementado denomina-se Viver em Harmonia com a Diabetes (Sousa et al., 2017), programa esse que foi inspirado na filosofia do empowerment, mais concretamente no modelo de mudança comportamental de Anderson e Funnell (2005).

O presente estudo foi implementado em seis sessões de grupo que decorreram semanalmente, com uma duração de, aproximadamente, duas horas por sessão. Cada grupo de intervenção foi constituído por seis a oito participantes. Este programa centrou-se numa abordagem interativa e prática, visando trabalhar, com os participantes, competências para a tomada de decisão e para a resolução dos seus problemas diários. Tal como no estudo de Sousa et al. (2017), os conteúdos do programa educacional foram agrupados em 4 módulos: módulo 1 (o que é para mim a diabetes); módulo 2 (como é que a diabetes afeta o meu dia-a-dia); módulo 3 (quais os meus objetivos em relação à diabetes); módulo 4 (como posso gerir a minha diabetes através da alimentação, do exercício físico, da medicação e da autovigilância).

O Diabetes empowerment Scale - Short Form (DES-SF; Anderson, Fitzgerald, Gruppen, & Funnell, 2003) foi o instrumento eleito para determinar a eficácia do programa, tendo sido aplicado aos participantes por hetero preenchimento em dois momentos distintos, antes do programa (M0) e depois do programa (M1), num intervalo de 6 semanas. O DES-SF foi traduzido e adaptado para a versão portuguesa por Sousa et al. (2017), tendo sido designado como Escala do empowerment na Diabetes. Esta escala permite avaliar a autoeficácia psicossocial, sendo constituída por oito itens em forma de afirmações, que pretendem mensurar a capacidade para: 1) A gestão dos aspetos psicossociais da diabetes; 2) A insatisfação com o tratamento e a prontidão para mudar; 3) A capacidade para estabelecer e atingir objetivos da diabetes. Os participantes poderiam posicionar as suas respostas numa escala tipo likert que varia entre os valores de 1 (discordo totalmente) e 5 (concordo totalmente). O resultado é obtido pela média do somatório de todos os itens, em que valores mais elevados sugerem uma maior perceção de autoeficácia psicossocial. Na determinação da homogeneidade dos seus itens, identificaram-se valores de alfa de Cronbach de 0,82, antes da aplicação do programa educacional, sugerindo uma boa consistência interna do instrumento e sobreponível aos estudos anteriores (Sousa et al., 2017).

O questionário sociodemográfico e clínico foi constituído por perguntas fechadas que permitiram caracterizar as variáveis idade, sexo, estado civil, escolaridade e situação profissional, bem como a avaliação do histórico da diabetes, como a idade do diagnóstico e tempo de doença.

A intervenção empírica foi precedida de um conjunto de procedimentos formais e éticos. O projeto de investigação foi submetido à Comissão de Ética para a Saúde da ARS do Centro obtendo parecer favorável (n.º 16/2017), seguido da obtenção de autorização do coordenador da USF do ACES Baixo Vouga, onde a mesma foi implementada. Foi igualmente realizado um pedido de autorização aos autores do programa educacional Viver em Harmonia com a Diabetes para o reproduzir e aplicar, e foi também solicitada a autorização aos autores das escalas aplicadas.

O estudo respeitou as regras de conduta de investigação expressas na Declaração de Helsínquia e da legislação nacional em vigor referente ao Código Europeu de Conduta para a Integridade da Investigação (All European Academics, 2018) e do Regulamento Geral de Proteção de Dados (Regulamento n.º 798/2018, 2018). Foi garantida a confidencialidade das informações recolhidas, através da codificação dos questionários, e foi assegurado que qualquer informação fornecida pelos participantes aos investigadores não seria acessível a elementos externos à equipa de investigação e à equipa de saúde, de modo a respeitar os princípios éticos em investigação. Somente após o esclarecimento da natureza do estudo, duração, objetivos, método, inconvenientes e riscos, é que foi solicitado aos elementos da amostra a sua participação no estudo. Desta forma, o consentimento informado, esclarecido e livre foi assegurado.

Os dados colhidos foram processados e tratados através do programa estatístico IBM SPSS, versão 24.0, mantendo-se estes preservados de acordo com as regras de proteção de dados e da ciência aberta. Recorreu-se aos testes de inferência estatística Wilcoxon e Mann-Whitney, em virtude da suposição da normalidade das variáveis não ter sido verificada.

 

Resultados

O grupo experimental foi constituído por 10 mulheres (52,6%) e nove homens (47,4%), com uma idade média de 71 anos (DP = 6,8; Mn = 59; Mx = 87). No que diz respeito às habilitações literárias, os participantes apresentavam um nível baixo de escolaridade, tendo a maioria frequentado apenas o ensino primário (n = 14; 73,6%), quatro frequentaram o ensino básico (21,1%) e apenas um participante frequentou o ensino secundário (5,3%). Em termos laborais, a maioria já não se encontrava ativa, por motivo de reforma ou invalidez (n = 17; 89,5%).

O grupo de controlo foi composto por 10 mulheres (43,5%) e 13 homens (56,5%), com uma idade média de 67 anos (DP = 10,45; Mn = 44; Mx = 84). No que concerne às habilitações literárias, também se constatou que a população apresentava um baixo nível de escolaridade, tendo a maioria frequentado apenas o ensino primário (n = 13; 56,5%), dois frequentaram o ensino básico (8,7%), cinco frequentaram o ensino secundário (21,7%), tendo o restante frequentado o bacharelato (4,3%). Apenas dois participantes não responderam a esta questão. Em termos laborais, a maioria já não se encontrava ativa, por motivo de reforma ou invalidez (n = 18; 78,3%).

Foram realizados testes estatísticos para avaliar a homogeneidade dos grupos, em relação às variáveis idade, sexo e habilitações literárias. Verificou-se a homogeneidade dos grupos em relação a estas variáveis (Tabela 1).

 

 

No grupo experimental, a idade média de diagnóstico de DM tipo 2 foi 56 anos (DP = 9,68). O tempo médio de duração da doença foi de 15 anos (DP = 11,67). No que concerne ao grupo de controlo, a média de idade do diagnóstico de DM tipo 2 foi 55 anos (DP = 10,18) e o tempo médio de duração da doença foi de 13 anos (DP = 11,14).

No que concerne à autoeficácia, na avaliação intragrupos, verificou-se uma destacada melhoria na sua perceção no grupo experimental, com resultados estatisticamente significativos (Tabela 2). Pelo contrário, no que diz respeito à perceção de autoeficácia no grupo de controlo, estes valores diminuíram, contudo sem diferenças estatisticamente significativas.

De forma a dar resposta à questão de investigação avaliou-se, no momento final, se existiram diferenças na perceção de autoeficácia no grupo experimental em comparação com o grupo de controlo e verificaram-se diferenças estatisticamente significativas, que demonstram que a perceção de autoeficácia aumentou nos participantes que integraram o programa. Estes resultados confirmam a hipótese de investigação inicialmente formulada, colocando em evidência que a intervenção baseada no empowerment se traduziu numa melhoria da autoeficácia percebida pelas pessoas com DM tipo 2 (Tabela 3).

Também se pode verificar, através dos resultados desta tabela, que antes da intervenção o grupo de controlo apresentava melhor perceção de autoeficácia do que o grupo experimental, com resultados estatisticamente significativos.

 

Discussão

A amostra apresenta características sociodemográficas idênticas às observadas em outros estudos, desenvolvidos com pessoas com diagnóstico de DM tipo 2. A idade média da amostra foi de 77 anos, facto que se encontra refletido no Relatório Anual do Observatório Nacional da Diabetes (Observatório da Diabetes, 2016), visto ser uma doença predominantemente prevalente nas fases de vida mais avançadas. Relativamente ao nível de escolaridade, a maioria dos elementos da amostra apenas frequentou o ensino primário. Este achado é transversal a outros estudos, em populações com a mesma faixa etária e com o mesmo diagnóstico (Aveiro, Santiago, Pereira, & Simões, 2015; Sousa et al., 2017).

Relativamente à autoeficácia, verificou-se uma melhoria na sua perceção no grupo experimental, com resultados estatisticamente significativos, o que poderá ter um impacto significativo na gestão do regime terapêutico (Chen et al., 2015; Cortez et al., 2017; Funnell et al., 2007; Saad et al., 2017; Sousa et al., 2017), o que leva a crer que o programa educacional aplicado proporcionou aos seus participantes uma maior perceção de autoeficácia psicossocial, quando comparados com aqueles que não o experienciaram. Pelo contrário, ao longo do estudo não ocorreram diferenças estatisticamente significativas no que diz respeito à perceção de autoeficácia no grupo de controlo, apesar de se ter verificado uma diminuição do seu valor.

Foram obtidos resultados semelhantes em estudos desenvolvidos por Chen et al. (2015), Cortez et al. (2017), Funnell et al. (2007) e Sousa et al. (2017), que também obtiveram valores mais elevados na perceção de autoeficácia após aplicação de um programa educacional baseado no empowerment, sugestivos de um aumento na autoeficácia percebida.

Chen et al. (2015) aplicaram um programa educacional baseado no empowerment, semelhante ao apresentado anteriormente, para utentes com DM tipo 2, no Taiwan. Os autores concluíram, igualmente, que a intervenção baseada no empowerment permite que os participantes sejam incentivados a encontrar as suas próprias estratégias de coping, as suas metas e os seus objetivos, e que assim estejam mais capacitados para uma correta gestão do autocuidado. Os resultados deste estudo foram reavaliados passados 3 meses, mantendo os mesmos níveis de autocuidado e autoeficácia, o que comprova a eficiência dos programas educacionais baseados no empowerment.

Em 2017, Cortez e colaboradores aplicaram também no Brasil um programa educacional baseado no empowerment, tendo verificado que uma maior perceção de autoeficácia influenciou positivamente a capacidade de aceitação de doença e de autocuidado, e que tal só foi possível através da aplicação de um programa baseado no empowerment, que promoveu o conhecimento sobre o autocuidado e comportamentos e, desta forma, incentivou a tomada de decisão autónoma e consciente. Sousa et al. (2017) desenvolveram uma investigação em Portugal e também encontraram resultados semelhantes, tendo, porém, alertado para a dificuldade dos participantes no início do programa, em definirem metas e objetivos a curto e a longo prazo, relacionados com a sua diabetes.

Uma vez que as intervenções ao longo deste programa foram direcionadas para apoiar e ajudar os utentes a refletirem sobre estes aspetos e a planearem os cuidados de acordo com os objetivos estabelecidos com a equipa de saúde, estas dificuldades foram sendo ultrapassadas, o que permitiu percecionar um aumento na autoeficácia por parte dos participantes (Sousa et al., 2017).

É transversal às investigações mencionadas, que os resultados obtidos não só comprovaram que esta filosofia de cuidados influencia positivamente a perceção de autoeficácia dos participantes, como também permite ao profissional de saúde prestar cuidados adaptados às necessidades de cada utente, contribuindo, dessa forma, para maiores ganhos em saúde. Assim, este estudo enfatiza a necessidade de adotar cuidados mais centrados na pessoa, promovendo uma rotura com o habitual modelo tradicional, que baseia essencialmente as suas intervenções em aconselhamentos mais ou menos prescritivos, no sentido de persuadir a pessoa com diabetes a seguir as instruções de acordo com os objetivos dos profissionais de saúde.

Este estudo, no entanto, não está isento de limitações, que, poderão ter afetado os resultados. Mais concretamente, a obtenção de um maior tamanho amostral foi uma limitação porque esta população-alvo continua pouco recetiva à mudança de paradigma, o que, na nossa perspetiva poderá estar relacionada com uma fraca consciência de que a preservação do seu estado de saúde passa pelo seu próprio envolvimento no processo e não apenas pelas mãos dos profissionais de saúde em atitudes terapêuticas prescritivas. É pertinente acrescentar que se verificou uma perda de amostra ao longo do estudo provavelmente associada ao facto de este ser implementado ao longo de várias semanas o que poderá colidir com a vida dos utentes. Uma maior monitorização dos motivos das perdas será aconselhada bem como uma adequação dos horários às possibilidades dos participantes.

Parece interessante, em estudos futuros, aplicar o mesmo programa em diferentes unidades de saúde que abranjam populações detentoras de distintas características sociodemográficas. À semelhança da proposta colocada por outros autores (Chen et al., 2015; Sousa et al., 2017) considera-se, ainda, a necessidade de, em estudos futuros, ser realizado um follow-up para avaliar os resultados do programa a longo prazo.

 

Conclusão

Os participantes do programa Viver em Harmonia com a Diabetes percecionaram uma maior autoeficácia, o que se traduz numa maior capacidade de operacionalizar objetivos, definir estratégias positivas para gerir a sua doença e mobilizar recursos, quando comparados com os elementos que não participaram no programa educacional. Considerou-se que a aplicação do programa promoveu o envolvimento dos participantes na gestão dos seus cuidados de saúde, incentivou a sua capacidade de tomada de decisões e de resolução de problemas, através da procura e implementação de estratégias adaptativas. Incentiva-se assim a utilização de intervenções desta natureza que possam ajudar a pessoa a refletir sobre os seus objetivos, cuidados e recursos, de forma a integrar a diabetes no seu dia a dia, perseguindo o seu projeto de vida.

Sugere-se a continuidade de estudos desta natureza, com vista a consolidar o efeito do programa e a identificar outras variáveis passíveis de exercer influencia no fenómeno em estudo.

 

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Recebido para publicação em: 18.06.19

Aceite para publicação em: 31.07.19

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