SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.serV número5Protocolo de intervenção individual baseado na terapia de estimulação cognitiva em idosos com perturbação neurocognitiva ligeiraSintomatologia musculosquelética nos estudantes de enfermagem: o papel dos fatores psicossociais índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283versão On-line ISSN 2182-2883

Rev. Enf. Ref. vol.serV no.5 Coimbra mar. 2021  Epub 10-Jun-2021

https://doi.org/10.12707/rv20096 

Artigo de Investigação (Original)

Reações à queda do cabelo e estratégias de enfrentamento dos adolescentes com doença oncológica

Reactions to hair loss and coping strategies in adolescents with cancer

Reacciones a la caída del cabello y estrategias de afrontamiento en adolescentes con enfermedad oncológica

Cristiana Maria Pinho Oliveira1 
http://orcid.org/0000-0002-3139-9064

Manuel Gameiro2 
http://orcid.org/0000-0002-3630-161X

1 Centro Hospitalar Universitário de São João, Porto, Portugal

2 Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem (UICISA: E), Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (ESEnfC), Coimbra, Portugal


Resumo

Enquadramento:

O cancro na adolescência tem um impacte importante no desenvolvimento psicossocial e físico, sendo a queda do cabelo considerada foco de grande ansiedade e stresse.

Objetivos:

Identificar as reações emocionais à queda do cabelo dos adolescentes com doença oncológica; as estratégias de coping mais utilizadas; e as percecionadas como mais eficazes; bem como, analisar as relações entre reações emocionais e estratégias utilizadas; e as relações entre variáveis demográficas/clínicas e reações emocionais, estratégias utilizadas e respetiva eficácia.

Metodologia:

Estudo quantitativo, transversal, descritivo-correlacional, com uma amostra de 30 adolescentes.

Resultados:

Salienta-se que a queda do cabelo é um problema considerado grande/urgente, sendo a tristeza/choro e o medo/irritabilidade as emoções que melhor descrevem a reação dos adolescentes. Os resultados indicam, também, as estratégias mais utilizadas, as percecionadas como mais eficazes e a existência de relações entre reações emocionais e estratégias de coping utilizadas, assim como, entre variáveis demográficas, reações emocionais e estratégias.

Conclusão:

O conhecimento das reações à queda do cabelo destes adolescentes e das estratégias de enfrentamento, é essencial para uma prática de enfermagem mais direcionada.

Palavras-chave: adolescentes; coping; doença oncológica; queda do cabelo; enfermagem

Abstract

Background:

Cancer in adolescence has a significant impact on psychological and physical development, and hair loss is a major cause of anxiety and stress.

Objectives:

To identify emotional reactions to hair loss in adolescents with cancer, the most frequently used coping strategies, and those perceived as most effective; to analyze the relationship between emotional reactions and the strategies used and between demographic/clinical variables and emotional reactions, strategies used, and their efficacy.

Methodology:

Quantitative, cross-sectional, descriptive-correlational study with a sample of 30 adolescents.

Results:

Hair loss is a large/emergency problem, and sadness/crying and fear/irritability are emotions that best describe the adolescents’ reactions. The results also show the most frequently used strategies, those perceived as most effective, and the relationships between emotional reactions and coping strategies used and between demographic variables, emotional reactions, and strategies.

Conclusion:

The knowledge of these adolescents’ reactions to hair loss and their coping strategies is essential for a more targeted nursing practice.

Keywords: adolescent; coping; cancer disease; hair loss; nursing

Resumen

Marco contextual:

El cáncer en los adolescentes tiene un gran impacto en el desarrollo psicosocial y físico, y la pérdida de cabello se considera un foco de gran ansiedad y estrés.

Objetivos:

Identificar las reacciones emocionales a la caída del cabello de los adolescentes con enfermedad oncológica; las estrategias de coping más utilizadas, y las que se perciben como más eficaces; así como analizar las relaciones entre las reacciones emocionales y las estrategias utilizadas, y las relaciones entre las variables demográficas/clínicas y las reacciones emocionales, las estrategias utilizadas y su respectiva eficacia.

Metodología:

Estudio cuantitativo, transversal, descriptivo-correlacional, con una muestra de 30 adolescentes.

Resultados:

Se destaca que la caída del cabello es un problema considerado grande/urgente, en el cual la tristeza/llanto y el miedo/la irritabilidad son las emociones que mejor describen la reacción de los adolescentes. Los resultados también indican las estrategias más utilizadas, las percibidas como más eficaces y la existencia de relaciones entre las reacciones emocionales y las estrategias de coping utilizadas, así como entre las variables demográficas, las reacciones emocionales y las estrategias.

Conclusión:

Conocer las reacciones a la caída del cabello de estos adolescentes y sus estrategias de afrontamiento es esencial para una práctica de enfermería más enfocada.

Palabras clave: adolescente; coping; enfermedad oncológica; caída del cabelo; enfermeira

Introdução

O cancro, uma doença que ameaça a vida, tem implicações físicas e psicossociais importantes, nos adolescentes (Pérez & Martínez, 2015). Segundo estes autores, um adolescente portador de cancro possui a carga adicional de lidar com uma doença potencialmente mortal, com os tratamentos e com as decorrentes alterações físicas provocadas pelos mesmos.

A queda do cabelo, induzida pela quimioterapia, é considerada como tormentosa e incitadora de rótulos em ambiente público, conduzindo a restrições sociais (Young & Arif, 2016). É evidenciada na literatura como a pior parte do tratamento, sendo o aspeto que gera mais ansiedade e angústia, exigindo uma profunda mobilização emocional, que pode conduzir, frequentemente, a inadaptação (Minanni et al., 2010).

Assim, os adolescentes submetidos a tratamento de um cancro têm de lidar com várias situações de stresse, necessitando de recorrer a estratégias de enfrentamento.

Na tentativa de suporte efetivo e capacitação dos adolescentes com cancro, para a adoção de estratégias de enfrentamento, visando lidarem melhor com a queda do cabelo, a intervenção dos profissionais tem sido, essencialmente, direcionada numa lógica de antecipação, centrada no problema, e não tanto focada na regulação das emoções.

Todavia, esta dimensão adaptativa tem sido perspetivada também como fundamental, especialmente, na fase de choque, de maior impacte emocional, e quando as situações são avaliadas como fora do controlo pessoal.

A evidência científica, sobre as reações de cariz emocional à queda do cabelo, em particular por parte dos adolescentes com doença oncológica, é escassa. O seu estudo e a análise da relação entre essas reações e as estratégias de enfrentamento utilizadas por estes poderá constituir uma mais-valia para a intervenção direcionada dos profissionais, em particular dos enfermeiros.

Nesta linha de pensamento, foram definidos como objetivos para este estudo: identificar as reações emocionais à queda do cabelo dos adolescentes com doença oncológica; identificar as estratégias mais utilizadas pelos adolescentes para lidarem com a situação; identificar as estratégias de coping percecionadas como mais eficazes pelos adolescentes; analisar as relações entre as reações emocionais e as estratégias utilizadas pelos adolescentes, para lidarem com a situação de perda do cabelo; analisar as relações das variáveis demográficas (sexo; idade) e clínicas (modo de perda do cabelo) com as reações emocionais, as estratégias utilizadas pelos adolescentes e a perceção da respetiva eficácia.

Enquadramento

Em Portugal, surgem, anualmente, 350 novos casos de cancro pediátrico, uma doença que aumenta cerca de 1% ao ano. A incidência é superior nos rapazes e na faixa etária entre os 15 e os 19 anos, rondando os 150 a 200 novos casos por milhão de adolescentes (American Cancer Society, 2014).

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), considera-se adolescente o indivíduo entre os 10 e os 19 anos. A adolescência consiste num período de transição para a idade adulta, e constitui um período de múltiplas mudanças a nível físico, psíquico e emocional, nomeadamente, de desenvolvimento e de ajustamento (Hockenberry & Wilson, 2016; Moules et al., 2017).

Além das mudanças físicas, inerentes ao período da adolescência, é de salientar os aspetos de desenvolvimento cognitivo e psicossocial nesta faixa etária, uma vez que influenciam de modo direto a forma como os adolescentes lidam com o impacte da doença e a forma como gerem os fenómenos que constituem as fontes de stresse.

O diagnóstico de cancro na adolescência é especialmente complexo. Nesta fase, além da doença e do sofrimento, os adolescentes com cancro têm de encarar, concomitantemente, as exigências inerentes à faixa etária, pois apesar de já terem adquirido as competências cognitivas, que lhes permitem perceber a dimensão da doença, ainda não possuem condições de maturidade e de experiência de vida, que lhes sirvam de referência de autoeficácia para enfrentar este duplo conflito (Gameiro, 2012; Pérez & Martínez, 2015).

Contudo, o impacte psicológico produzido nos adolescentes por estes fatores causadores de stresse depende dos mecanismos de proteção, que podem incluir estratégias de enfrentamento, promovendo a adaptação e a resiliência (Sorgen & Manne, 2002).

Na perspetiva de Lazarus e Folkman (1984), o processo de enfrentamento, muitas vezes, designado de coping, pode ser definido como o conjunto de esforços cognitivos e comportamentais, em constante mudança, para controlar (reduzir ou tolerar) situações, que são avaliadas como stressantes por um indivíduo (Lima & Enumo, 2014; Pascual et al., 2016). Deste modo, o coping refere-se a atividades orientadas para a adaptação, que exigem algum esforço.

Questões de investigação

Quais as reações emocionais à queda do cabelo dos adolescentes com doença oncológica?

Quais as estratégias de coping mais frequentemente utilizadas para lidarem com esta situação?

Quais dessas estratégias são consideradas como mais eficazes?

Existe relação entre as reações emocionais e as estratégias utilizadas?

Existe relação entre as variáveis demográficas (sexo e idade) e as reações emocionais, as estratégias utilizadas e a perceção da sua eficácia?

Existe relação entre a forma como ocorreu a perda do cabelo e as reações emocionais, as estratégias utilizadas e a perceção da sua eficácia?

Metodologia

De acordo com a natureza do problema e face aos objetivos delineados, desenvolveu-se um estudo quantitativo, transversal, descritivo-correlacional.

A população acessível deste estudo foi o conjunto de adolescentes com diagnóstico de doença oncológica a realizar tratamento no serviço de oncologia pediátrica de um hospital central especializado da zona centro do País, no período da colheita de dados, que decorreu entre 5 de maio e 5 de outubro de 2018.

A amostra foi constituída através do método de amostragem não probabilística consecutiva, obtendo-se desta forma 30 adolescentes que satisfaziam os critérios de inclusão. Os critérios de inclusão foram os seguintes: diagnóstico de doença oncológica; idade entre os 13 e os 19 anos; queda do cabelo há pelo menos 1 mês e no máximo há 1 ano; e ser capaz de ler, interpretar e escrever, respondendo ao questionário.

Foram consideradas as seguintes variáveis centrais: reações emocionais; estratégias de enfrentamento e perceção da eficácia das estratégias. Como variáveis independentes, considerámos as demográficas (sexo; idade) e clínicas (modo de perda do cabelo).

Os dados foram colhidos no referido serviço de oncologia (internamento e hospital de dia), através do autopreenchimento de um questionário dirigido aos adolescentes.

A primeira parte do questionário foi elaborada com o intuito de recolher informação para a caracterização sociodemográfica e clínica da amostra. De seguida, para avaliar as reações emocionais à queda do cabelo, incluiu-se a escala How big is your problem (Elsa Support, 2016), que relaciona a dimensão do problema com as reações ao mesmo, e a primeira parte do Kidcope (Spirito et al., 1988), para avaliar o distress relacionado com a situação. Por fim, incorporou-se a parte do Kidcope que avalia as estratégias de enfrentamento utilizadas e a perceção da respetiva eficácia. Complementarmente, incluíram-se duas questões, de resposta aberta, relacionadas com avaliação das estratégias de enfrentamento.

A aplicação deste questionário foi precedida da realização de um pré-teste. Com os dados da totalidade da amostra, foi calculado o alfa de Cronbach para os itens do Kidcope, que correspondem às três questões referentes ao nível de distress, sendo o valor obtido de 0,889. Para as restantes dimensões do Kidcope (frequência de utilização das estratégias de coping e avaliação da respetiva eficácia), a noção de fidelidade ficou limitada à informação fornecida, pelos autores. No estudo de Spirito et al. (1988), os resultados atestaram a estabilidade temporal (teste-reteste) e a validade concorrente do questionário. Para além disso, considerámos como relevante a ampla utilização deste instrumento em estudos de investigação.

O projeto de investigação obteve parecer favorável da Comissão de Ética da Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem (UICISA: E), da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra.

Paralelamente, no sentido de ser conferida autorização para realização do estudo no serviço de oncologia pediátrica, obteve-se autorização por escrito da diretora do serviço.

Para se utilizar a versão portuguesa do questionário Kidcope, obteve-se autorização formal do autor, por correio eletrónico.

Foi, também, elaborado um formulário de consentimento informado (um dirigido aos adolescentes e outro aos pais), tendo sido solicitado a todos os participantes no estudo e respetivo pai/mãe o consentimento livre e esclarecido, por escrito.

Os dados foram analisados com apoio do programa informático IBM SPSS Statistics, versão 24.0. Para sistematizar os dados, utilizaram-se técnicas da estatística descritiva. Para análise inferencial, considerando a natureza e a pouca descriminação na medição das variáveis centrais, procedeu-se à respetiva dicotomização, dispondo as frequências dos dados em tabelas 2x2. Como, na quase totalidade dos casos, as frequências esperadas inferiores a 5 excediam o recomendado para a aplicação válida do teste de χ2, foram considerados, os resultados dos testes exatos de Fisher.

Caracterização sociodemográfica e clínica da amostra

A amostra era maioritariamente do sexo masculino (70,00%), as idades variavam entre 13 e 18 anos e, na sua grande maioria, residiam em meio urbano (43,33%) e suburbano (43,33%).

Em relação ao tipo de cancro, verificou-se que a maioria (43,33%) era do foro hematológico, sendo que a menor percentagem correspondia aos tumores das gónadas (13,33%). A média de tempo de diagnóstico era de 6,18 meses. Os adolescentes da amostra foram submetidos a quimioterapia, radioterapia e cirurgia. A queda do cabelo ocorreu na maioria (76,67%) de forma rápida e total. O tempo decorrido entre a ocorrência da queda do cabelo e a colheita de dados variou entre 1 e 12 meses.

Resultados

Avaliação subjetiva da dimensão do problema e reação emocional prevalente

A maioria (60,00%) dos adolescentes considerou a queda do cabelo como um problema grande/urgente. Quanto à reação emocional prevalente, 40,00% da amostra indicou a tristeza/choro como a emoção que melhor descreve a sua reação emocional à queda do cabelo e 30,00% assinalou o medo/irritabilidade (Tabela 1).

Tabela 1: Distribuição da amostra segundo a avaliação subjetiva da dimensão do problema e as reações emocionais prevalentes (n = 30) 

Nota. Md = mediana; DP = desvio-padrão.

Reações emocionais de distress

A emoção tristeza apresenta uma média de intensidade superior às restantes emoções. A raiva apresenta a menor intensidade registada, mas constitui a emoção em que a amostra se revelou menos homogénea (Tabela 2).

Tabela 2: Distribuição da amostra segundo as reações emocionais de distress (n = 30) 

Nota. DP = desvio-padrão.

Estratégias de enfrentamento utilizadas e avaliação da respetiva eficácia

As estratégias de enfrentamento mais utilizadas pelos adolescentes para lidarem com a situação da perda do cabelo são a resignação, indicada pela totalidade dos adolescentes. A distração, a reestruturação cognitiva e a resolução de problemas foram assinaladas, todas elas, por 90,00% da amostra. A estratégia assinalada como menos frequente foi o isolamento social, apontado por 53,33% da amostra (Tabela 3).

Tabela 3: Distribuição da amostra segundo as estratégias de enfrentamento utilizadas e a avaliação da respetiva eficácia (n = 30) 

Nota. Md = mediana; DP = desvio-padrão.

#pelos adolescentes que recorreram à estratégia.

Quanto à eficácia das estratégias, o apoio social constitui a estratégia percecionada como mais eficaz de todas, sendo que a maioria dos adolescentes (91,67%) a reconheceu como muito eficaz (Tabela 3).

Relação entre as reações emocionais e as estratégias utilizadas

Os adolescentes que referem mais tristeza tendem a recorrer em maior proporção ao pensamento desiderativo (p = 0.003) e à reestruturação cognitiva (p = 0,009). Os que manifestam alta intensidade de raiva utilizam o pensamento desiderativo (p = 0,006) em maior proporção e aqueles que manifestam uma ansiedade mais alta tendem, em maior proporção, ao isolamento social (p = 0,081; Tabela 4).

Tabela 4: Análise das relações entre as reações emocionais de distresse e as estratégias de coping utilizadas (n = 30) 

LS Correlação no limiar da significância (0,05 < p < 0,10).

** Correlação significativa (p < 0,01).

Os adolescentes, que apresentam um nível mais alto de distress global tendem a utilizar, em maior proporção, a reestruturação cognitiva (p = 0,021), a resolução de problemas (p = 0,021) e o pensamento desiderativo (p = 0,001; Tabela 5).

Tabela 5: Análise das relações entre as reações emocionais e as estratégias utilizadas, tendo por base o distress global (n = 30) 

* Correlação significativa (p < 0,05); ** Correlação significância (p < 0,01).

Relação entre as variáveis demográficas e as reações emocionais, as estratégias utilizadas e a perceção da sua eficácia

Sexo

No sexo feminino predominam adolescentes que manifestam elevada ansiedade face à perda do cabelo, enquanto que no sexo masculino, a maior proporção revela baixa ansiedade (p = 0,004). Os rapazes recorrem em maior proporção ao apoio social do que as raparigas (p = 0,049; Tabela 6).

Tabela 6: Análise das relações entre o sexo e as reações emocionais, as estratégias de coping utilizadas e a perceção da sua eficácia (n = 30) 

# Pelos adolescentes que recorreram à estratégia.

* Correlação significativa (p < 0.05); ** Correlação significativa (p < 0.01).

Quanto à perceção de eficácia das estratégias, no sexo masculino prevalecem os adolescentes, que demonstram uma perceção de eficácia elevada da estratégia de coping resolução de problemas (p = 0,030). No sexo masculino, esta estratégia foi considerada como muito eficaz na maioria (94,4%) dos adolescentes que recorreu à mesma. Por sua vez, no sexo feminino verificou-se um equilíbrio entre as adolescentes, que consideram a elevada eficácia da estratégia resolução de problemas (55,6%) e as que indicam a reduzida eficácia da mesma (44,4%; Tabela 6).

Idade

A variável idade foi dicotomizada em dois grupos etários. Salienta-se a existência de relações significativas entre esta variável e a raiva (p = 0,025) e o distress global (p = 0,042). Nos adolescentes com idades superiores (16-18 anos) destacam-se, em maior proporção, aqueles que manifestam alta intensidade de raiva (76,9%), enquanto que, nos adolescentes com idades inferiores (13-15 anos), verificou-se uma maior prevalência dos que manifestam um nível baixo de raiva (70,6%). Similarmente, o distress global alto foi destacado em maior proporção (92,3%), nos adolescentes mais velhos (16-18 anos), em comparação aos mais novos (13-15 anos; 47,1%; Tabela 7).

Tabela 7: Análise das relações entre a idade e as reações emocionais. as estratégias de coping utilizadas e a perceção da sua eficácia (n = 30) 

# Pelos adolescentes que recorreram à estratégia.

* Correlação é significativa p < .05.

Quanto à perceção de eficácia das estratégias utilizadas, não se verificaram associações com a idade dos adolescentes.

Relação entre o modo de perda do cabelo e as reações emocionais, as estratégias utilizadas e a perceção da sua eficácia

O modo de perda do cabelo (lento/rápido; parcial/total) não se evidenciou como relevante para as reações apresentadas pelos adolescentes, nem para as estratégias de coping utilizadas e perceção da respetiva eficácia.

Discussão

Os dados deste estudo evidenciam que a queda do cabelo dos adolescentes com doença oncológica é avaliada subjetivamente como um problema de dimensão grande/urgente pela maioria. A esta experiência estão associadas reações emocionais fortes, nomeadamente, de tristeza/choro e medo/irritabilidade.

Nesse sentido, os resultados corroboram com a literatura, em que a queda do cabelo induzida pela quimioterapia é considerada como uma experiência tormentosa, como o aspeto do tratamento que origina mais ansiedade e angústia e muitas vezes relatada como a pior parte do tratamento (Young & Arif, 2016).

Relativamente às estratégias de enfrentamento, verificou-se que as mais frequentemente utilizadas são a resignação, a distração, a reestruturação cognitiva e a resolução de problemas. Depreende-se, assim, que os adolescentes fazem um esforço para regular a sua resposta emocional à ocorrência da queda do cabelo recorrendo a estratégias de enfrentamento focadas na emoção, embora procurem igualmente alternativas centradas no problema, entre elas, a procura de informação.

Num estudo de Trask et al. (2003), como citado por Decker (2008), os adolescentes, que utilizaram mais estratégias de enfrentamento focadas na emoção, especificamente a reestruturação cognitiva, apresentaram níveis mais baixos de sofrimento, embora as estratégias focadas no problema não se evidenciassem de modo significativo como estando relacionadas com níveis de sofrimento mais elevados. Sorgen e Manne (2002) descobriram que existe correspondência entre o tipo de enfrentamento e a avaliação da controlabilidade. Nas situações em que o sentido de controlo do problema é menor, a adoção de estratégias focadas na regulação emocional está associada a um nível mais baixo de sofrimento, depressão, raiva e ansiedade.

A resolução de problemas não deixa, contudo, de ser assinalada por estes adolescentes, que, simultaneamente, tendem a procurar informação e fazem um esforço para eliminar/circunscrever fatores de stresse relativos à perda do cabelo, nomeadamente, pela utilização de lenços, gorros e bonés, sendo menos comum o recurso a peruca, perfume e roupa bonita. Estes esforços revelam-se de extrema importância, uma vez que permitem aos adolescentes mitigar o stresse causado pelas mudanças na aparência (Burg, 2016; Hockenberry & Wilson, 2016; Lee et al., 2012; Williamson et al., 2010; Young & Arif, 2016).

Quanto à perceção sobre a eficácia das estratégias, os resultados refletem a noção de que as estratégias consideradas pelos adolescentes como mais eficazes são o apoio social, a distração e a resolução de problemas.

Estas evidências são consistentes com as de outros estudos realizados nesta área. Nomeadamente, a importância atribuída ao apoio social (emocional, material e de informação) e ao retorno à vida normal o mais rápido possível (Kyngas et al., 2001, como citado por Decker, 2008). Igualmente, a importância do pensamento positivo, não pensar no tratamento, manter-se ocupado, reinterpretar os ganhos da experiência do cancro e postura filosófica (Weekes & Kagan, 1994, como citado por Decker, 2008).

No entanto, os resultados sugerem que a estratégia registada como sendo a utilizada por mais adolescentes (pela totalidade da amostra do nosso estudo): a resignação, não corresponde àquela que é percebida e indicada como mais eficaz.

Verificou-se que o isolamento social e o pensamento desiderativo foram as estratégias a que correspondem menor eficácia percebida pelos adolescentes.

Relação entre as reações emocionais e as estratégias utilizadas

Destacam-se as relações significativas entre as reações emocionais: ansiedade, tristeza e raiva e as estratégias de enfrentamento: pensamento desiderativo, reestruturação cognitiva, isolamento social e resolução de problemas.

Verificou-se a existência de relação da tristeza com o pensamento desiderativo e a reestruturação cognitiva, no sentido de os adolescentes com maior tristeza recorrerem em maior proporção a estas duas estratégias.

Outra associação significativa apurada no mesmo sentido foi entre a raiva e o pensamento desiderativo. Contudo, esta estratégia de coping é apontada pelos adolescentes como sendo a menos eficaz de todas. O pensamento desiderativo deve, pois, ser considerada como uma estratégia de recurso de emergência para regulação emocional, mas que se revela pouco eficaz com o passar do tempo.

Relação entre as variáveis demográficas (sexo e idade) e as reações emocionais, as estratégias utilizadas e a perceção da sua eficácia

No sexo feminino, predominaram adolescentes com manifestações de alta ansiedade, enquanto que no sexo masculino a maior proporção revelou baixa ansiedade.

Face à situação de perda de cabelo, os rapazes recorreram, em maior proporção, ao apoio social comparativamente às raparigas. Estas socorreram-se mais do isolamento social, embora a relação não chegue a ser estatisticamente significativa.

No sexo feminino evidenciou-se a predominância de adolescentes com mais ansiedade e, concomitantemente, destacou-se a relação entre a ansiedade e o isolamento social, como visto anteriormente e de forma consistente.

Os rapazes consideraram, na sua maioria, a resolução de problemas como uma estratégia muito eficaz, enquanto nas raparigas essa noção de eficácia não é tão comum. Essa diferença poderá associar-se ao maior sentido de controlabilidade entre os rapazes, manifesto pela menor ansiedade.

Relativamente à idade, de um modo geral, verificou-se que o distress mais alto é registado, em maior proporção, nos adolescentes com idades superiores (16-18 anos).

O pensamento desiderativo foi a estratégia referida como recurso pela totalidade dos adolescentes mais velhos. Sem incluir esta estratégia, mas considerando outras que exigem o recurso ao pensamento abstrato, Brown et al. (1992), como citado por Decker (2008) verificaram que o uso da distração, da reestruturação cognitiva, da regulação emocional, do apoio social e da resignação aumentam com a idade.

Uma das principais limitações deste estudo prende-se com a inexistência prévia de instrumentos de colheita de dados que dessem resposta a todas as questões de investigação elaboradas. Igualmente, a dimensão reduzida da mesma obriga a uma interpretação cuidadosa dos resultados e prudência nas generalizações.

Conclusão

Dos resultados obtidos, constatou-se que emoções fortes e fora do controlo, as predominantes, aparentemente, conduzem a estratégias de coping mais focadas na emoção, sendo importante valorizar as diferentes formas de confrontação dos adolescentes com o problema e compreender que o enfrentamento mais adequado é aquele que permite ao indivíduo uma adaptação eficaz, independentemente do recurso a estratégias centradas no problema ou na emoção. Nesta investigação, o isolamento social foi assinalado como a estratégia menos utilizada e percebida, como uma das menos eficazes. Assim, é compreensível que a alta intensidade de ansiedade e a consequente desregulação emocional conduza ao recurso de estratégias de reduzida eficácia, asseverando-se imprescindível a intervenção de enfermagem neste âmbito, com a finalidade de facilitar o processo adaptativo eficaz, reduzindo o sofrimento.

Ao nível das implicações para a prática de enfermagem, reconhece-se que é forçoso disponibilizar informação adequada às necessidades apresentadas respondendo às questões e dúvidas colocadas pelos adolescentes; sendo importante informar os adolescentes e respetivos pais que a queda do cabelo ocorrerá, destacando que é transitória e limitada no tempo, e que o cabelo voltará a crescer (podendo crescer diferente e mais bonito). É essencial, planear uma intervenção direcionada, promovendo a utilização de estratégias de coping eficazes, tendo em consideração que as raparigas necessitam de uma intervenção direcionada à regulação da ansiedade; os adolescentes mais velhos (16-18 anos) carecem de uma intervenção intencional para minimizar a intensidade de raiva e distress global. É fundamental que os profissionais, designadamente os enfermeiros, sejam capazes de identificar situações de adaptação ineficaz, o mais precocemente possível, de forma a determinar um encaminhamento adequado dessas situações, não protelando uma intervenção especializada.

Referências bibliográficas

American Cancer Society. (2014). Cancer, facts & figures 2014. Author. https://www.cancer.org/research/cancer-facts-statistics/all-cancer-facts-figures/cancer-facts-figures-2014.htmlLinks ]

Burg, A. J. (2016). Body image and the female adolescent oncology patient. Journal of Pediatric Oncology Nursing, 33(1), 18-24. https://doi.org/10.1177/1043454214563759 [ Links ]

Decker, C. L. (2008). Coping in adolescents with cancer: a review of the literature. Journal of Psychosocial Oncology, 24(4), 123-140. https://doi.org/10.1300/J077v24n04_07 [ Links ]

Elsa Support. (2016). Problems and reactions. https://www.elsa-support.co.uk/problems-and-reactions/Links ]

Gameiro, M. (2012). Adaptação dos adolescentes com cancro na fase de tratamento: Uma revisão da literatura. Revista de Enfermagem Referência, 3(8), 135-146. https://doi.org/10.12707/RIII1273 [ Links ]

Hockenberry, M., & Wilson, D. (2016). Wong: Enfermagem da criança e do adolescente (9ª ed.). Lusociência. [ Links ]

Lazarus, R., & Folkman, S. (1984). Stress, appraisal and coping. Springer. [ Links ]

Lee, M.-Y., Mu, P.-F., Tsay, S.-F., Chou, S.-S., Chen, Y.-C., & Wong, T.-T. (2012). Body image of children and adolescents with cancer: A metasynthesis on qualitative research findings. Nursing and Health Sciences,14(3), 381-390. https://doi.org/10.1111/j.1442-2018.2012.00695.x [ Links ]

Lima, A., & Enumo, S. (2014). Enfrentamento em crianças portuguesas hospitalizadas por câncer: Comparação de dois instrumentos de avaliação. Estudos de Psicologia, 31(4), 559-571. https://doi.org/10.1590/0103-166X2014000400010 [ Links ]

Minanni, C., Ferreira, A., Sant’Anna, M., & Coates, V. (2010). Abordagem integral do adolescente com diabetes. Adolescência & Saúde, 7(1), 45-52. https://cdn.publisher.gn1.link/adolescenciaesaude.com/pdf/v7n1a09.pdfLinks ]

Moules, N., Estefan, A., Field, J., Laing, C., Schulte, F., & Strother, D. (2017). A tribe apart: Sexuality and cancer in adolescence. Journal of Pediatric Oncology Nursing, 34(4), 295-308. https://doi.org/10.1177/1043454217697669 [ Links ]

Pascual, A., Conejero, S., & Etxebarria, I. (2016). Coping strategies and emotion regulation in adolescents: Adequacy and gender differences. Ansiedad Y Estrés, 22(1), 1-4. https://doi.org/10.1016/j.anyes.2016.04.002 [ Links ]

Pérez, A., & Martínez, V. (2015). Adolescencia y cáncer. Psicooncología, 12(1), 141-156. https://doi.org/10.5209/rev_PSIC.2015.v12.n1.48909 [ Links ]

Sorgen, K., & Manne, S. (2002). Coping in children with cancer: Examining the goodness-of-fit hypothesis. Children’s Health Care, 31(3), 191-207. https://doi.org/10.1207/S15326888CHC3103_2 [ Links ]

Spirito, A., Stark, L., & Williams, C. (1988). Development of a brief coping checklist for use with pediatric populations. Journal of Pediatric Psychology, 13(4), 555-574. https://doi.org/10.1093/jpepsy/13.4.555 [ Links ]

Williamson, H., Harcourt, D., Halliwell, E., Frith, H., & Wallace, M. (2010). Adolescents’ and parents’ experiences of managing the psychosocial impact of appearance change during cancer treatment. Journal of Pediatric Oncology Nursing, 27(3),168-175. https://doi.org/10.1177/1043454209357923 [ Links ]

Young, A., & Arif, A. (2016). The use of scalp cooling for chemotherapy-induced hair loss. British Journal of Nursing, 25(10), 22-27. https://doi.org/10.12968/bjon.2016.25.10.S22 [ Links ]

8

Recebido: 24 de Junho de 2020; Aceito: 05 de Dezembro de 2020

Autor de correspondência Cristiana Maria Pinho Oliveira E-mail: cristiannaoliveira@hotmail.com

Conceptualização: Oliveira, C.

Metodologia: Gameiro, M.

Tratamento de dados: Oliveira, C., Gameiro, M.

Redação - preparação do rascunho original: Oliveira, C.

Redação - revisão e edição: Oliveira, C., Gameiro, M.

Supervisão: Gameiro, M.

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons