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Revista de Enfermagem Referência

Print version ISSN 0874-0283On-line version ISSN 2182-2883

Rev. Enf. Ref. vol.serV no.5 Coimbra Mar. 2021  Epub June 22, 2021

https://doi.org/10.12707/rv20069 

Artigo de Investigação (Original)

Tradução, adaptação cultural e validação do Meaning in Suffering Test para português europeu

Translation, cross-cultural adaptation, and validation of the Meaning in Suffering Test for European Portuguese

Traducción, adaptación cultural y validación del Meaning in Suffering Test al portugués europeo

1 Politécnico de Leiria, Escola Superior de Saúde de Leiria, Center for Innovative Care and Health Technology (ciTechCare), Leiria, Portugal

2 Serviço de Reumatologia e Doenças Ósseas Metabólicas, Hospital de Santa Maria, Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, Portugal

2Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes, Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa, Portugal

2Centro Académico de Medicina de Lisboa, Portugal

3 Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde (CINTESIS), Escola Superior de Enfermagem do Porto (ESEP), Porto, Portugal

4 Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem (UICISA: E), Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (ESEnfC), Coimbra, Portugal


Resumo

Enquadramento:

As diferenças paradoxais identificadas entre a forma como as pessoas experienciam a dor, independente da sua intensidade, e o sofrimento a ela associado, relacionam-se com os sistemas de crenças e valores.

Objetivos:

Validar o Meaning in Suffering Test (MIST) para a população portuguesa e determinar as suas características psicométricas.

Metodologia:

Este estudo apresenta o processo de adaptação transcultural, realizado numa amostra de 187 pessoas com doença reumática músculo-esquelética (DRM), com recurso a questionário sociodemográfico, clínico e o MIST-P.

Resultados:

A amostra, maioritariamente do sexo feminino, tinha 49,9±12,1 anos. O MIST-P apresenta bons valores de fidelidade (alfa de Cronbach de 0,833). A análise fatorial determinou a organização dos 12 itens em 2 fatores: Sentido e respostas face ao sofrimento e Características subjetivas face ao sofrimento. A escala é estável no tempo (r = 0,844).

Conclusão:

O MIST-P é válido e fiável para a população portuguesa com DRM, tendo potencial para ser aplicado na investigação e na prática clínica de prevenção, controlo e integração do sofrimento inevitável.

Palavras-chave: dor crónica; sofrimento; sentido de vida; escala e validação

Abstract

Background:

The paradoxical differences identified between the way people experience pain, regardless of its intensity, and the suffering associated with it relate to value and belief systems.

Objective:

To validate the Meaning in Suffering Test (MIST) for the Portuguese population and determine its psychometric characteristics.

Methodology:

This study presents the process of cross-cultural adaptation, carried out on a sample of 187 people with rheumatic and musculoskeletal diseases (RMDs), using a sociodemographic and clinical data questionnaire and the Teste de Sentido no Sofrimento (Portuguese version of the MIST - MIST-P).

Results:

The sample was mostly composed of women, with a mean age of 49.9±12.1 years. The MIST-P obtained a Cronbach’s Alpha of 0.833, meaning a good reliability. The factorial analysis organized the 12 items into two factors: Meaning and responses to suffering and Subjective characteristics in the face of suffering. The scale shows stability over time (r = 0.844).

Conclusion:

The MIST-P is a valid and reliable tool for the Portuguese population with RMDs and can be applied in research and clinical practices aimed at the prevention, control, and integration of inevitable suffering.

Keywords: chronic pain; suffering; meaning of life; scale, validation

Resumen

Marco contextual:

Las paradójicas diferencias identificadas entre la forma en que las personas experimentan el dolor, independientemente de su intensidad, y el sufrimiento asociado a este se relacionan con los sistemas de creencias y valores.

Objetivos:

Validar el Meaning in Suffering Test (MIST) para la población portuguesa y determinar sus características psicométricas.

Metodología:

Este estudio presenta el proceso de adaptación intercultural, llevado a cabo en una muestra de 187 personas con enfermedad reumática musculoesquelética (ERM), para lo cual se utilizó un cuestionario sociodemográfico, clínico y el MIST-P.

Resultados:

La muestra, mayoritariamente del sexo femenino, tenía 49,9±12,1 años. El MIST-P presenta buenos valores de fiabilidad (alfa de Cronbach de 0,833). El análisis factorial determinó la organización de los 12 ítems en 2 factores: Sentido y respuestas al sufrimiento y Características subjetivas ante el sufrimiento. La escala es estable a lo largo del tiempo (r = 0,844).

Conclusión:

El MIST-P es válido y fiable para la población portuguesa con ERM, y tiene el potencial de ser aplicado en la investigación y la práctica clínica para la prevención, el control y la integración del sufrimiento inevitable.

Palabras clave: dolor crónico; sufrimiento; sentido de la vida; escala y validación

Introdução

Nos últimos anos, a população adulta da Europa sofreu um aumento progressivo da prevalência de dor crónica (acima de 30%), para cujo controlo ainda não existe perspetiva temporal (Antunes, 2019).

Em Portugal, e sobretudo na população com doenças reumáticas e músculo-esqueléticas (DRM) a dor crónica apresenta uma elevada prevalência. Associado a estas doenças, para além da dor, multiplicam-se também quadros de ansiedade, depressão e sofrimento (Antunes, 2019; Direção-Geral da Saúde, 2018; Harth & Nielson, 2019). A identificação precoce deste sofrimento e o estabelecimento de uma relação terapêutica significativa, assumem particular relevo na abordagem à pessoa cujo sofrimento é ampliado com a crescente consciência da sua fragilidade e finitude (Branco et al., 2016; Harth & Nielson, 2019; Kraus, 2014). Este sofrimento, também designado de existencial ou inevitável, reforça o caráter absolutamente subjetivo da experiência de dor, com domínio sobre a dimensão psicofísica, social e espiritual (noética; Kraus, 2014).

Reconhecendo este sofrimento refratário à terapêutica farmacológica, mas sensível ao cuidado humanizado, e alinhada à proposta logoterapêutica, a filosofia do cuidado para o sentido apresenta a Competência para o Cuidado Incondicional Proativo (CoCIP).

Especialmente em contextos trágicos, como é a vivência de sofrimento, é essencial dar resposta à questão do propósito (significado ontológico) da experiência, para adequar a intervenção no sentido da integração do sofrimento num quotidiano significativo. Esta abordagem valoriza os sistemas de crenças e valores, fortemente associados à consciência de si e à motivação (Kraus, 2014). Nesta perspetiva, o objetivo do presente estudo consiste em validar o Meaning in Suffering Test (MIST) para a população portuguesa e determinar as suas características psicométricas.

Enquadramento

O grave impacto socioeconómico associado à elevada prevalência das DRM na população portuguesa relaciona-se com a dor, o sofrimento, a deformação, a incapacidade funcional, a dependência de terceiros, a perda de qualidade de vida e mortalidade precoce.

A principal fonte de deterioração da qualidade de vida dos doentes com DRM é a dor crónica (90%), seguindo-se a ansiedade (63%) e a depressão (47,5%; Branco et al., 2015). Outro estudo conclui que 69% dos utilizadores dos cuidados de saúde primários com dor crónica classificam a ansiedade e depressão decorrente desta, como causa predominante de diminuição da sua qualidade de vida (Antunes, 2019). Como consequência, tem-se verificado um crescente consumo de ansiolíticos e antidepressivos (Direção-Geral da Saúde, 2018).

Embora nos últimos anos o impacto negativo das DRM possa ter sido mitigado e controlado pelo progresso no diagnóstico e na instituição precoce de terapêutica, a eficácia desta terapêutica continua a ser um desafio para a saúde pública (Branco et al., 2015). Assim, para cuidar da pessoa em sofrimento inevitável, isto é, refratário à terapêutica farmacológica associado à DRM, o profissional de saúde carece de competências especiais e recursos especializados (Geenen et al., 2018).

Para responder a este desafio, no paradigma da humanização dos cuidados, propôs-se a CoCIP, tais como recursos especializados, entre os quais consta a versão portuguesa do Meaning in Suffering Test (MIST-P) de Starck (1985; Kraus et al., 2014).

As experiências de intenso sofrimento e dor envolvem um elevado risco de cair no sem sentido e na apatia. O sofrimento ocupa toda a alma e toda a consciência do ser homem, levando-o muitas vezes a adotar a estratégia de fuga, por não encontrar, no seu interior, o espaço para se perguntar pelo sentido da sua vida e o propósito da experiência que está a viver.

Atribuir um sentido à vida, especialmente no sofrimento, amplia os autolimites e promove a autotranscendência, a qual é altamente terapêutica (Frankl,1999; Kraus, 2014; Starck, 2008). Não é o sofrimento em si que destrói o ser humano, mas o sofrimento sem sentido. A descoberta de sentido durante o sofrimento é então a via mais profunda de consecução de sentido na vida, uma vez que se realiza pelo valor da atitude de gratidão, de compromisso e persistência, que transforma o tempo de espera em esperança. Ainda que quadros clínicos como a depressão e o sofrimento tenham causas distintas, ambos podem originar desespero ou vazio existencial, que é um estado emocional que Frankl (1999) esquematiza na equação D=S1-S2, em que D significa desespero, S1 sofrimento e S2 sentido de vida.

O sentido no sofrimento é assim uma variável de natureza existencial, espiritual ou noética que, quando procede de valores firmes (divinos), confere a capacidade de transformar o tempo de espera em esperança e produzir a paciência. O efeito terapêutico, ou seja, o ganho em saúde da promoção do sentido no sofrimento, será a resiliência na adversidade ou crise (Kraus, 2014).

Ainda que o sofrimento em si não tenha sentido, conseguir identificar o para quê de uma situação de limite pode trazer à consciência significados de vida nunca antes valorizados, e indicar estratégias para viver melhor o presente e olhar com esperança o futuro (Kraus et al., 2014; Starck, 2008).

Baseando-se na sua própria experiência de sobrevivente a campos de concentração nazis, no livro O homem em busca de sentido, Viktor Frankl, o pai da logoterapia, apresenta estratégias que levam em conta a autotranscendência em contextos de sofrimento ou de crise (Frankl, 1999).

Foram os estudos de Frankl e seus colaboradores, que elevaram conceitos no âmbito da dimensão noética como o sentido de vida, sentido no sofrimento, autotranscendência, entre outros, à condição de variáveis empíricas e desenvolveram a ciência em matéria de cuidados mais humanizados e culturalmente sensíveis.

Estudos sobre o constructo sentido de vida em pessoas com DRM têm demonstrado correlação positiva com a autoeficácia para o controlo da dor, com a descoberta de sentido durante o sofrimento e com a autotranscendência; e correlação negativa com os índices de sofrimento, ansiedade, depressão e de atividade da doença (Kraus, 2014). Destes estudos emergiu uma filosofia do cuidado para o sentido que estabelece a CoCIP, como medida terapêutica não farmacológica, de acompanhamento na descoberta de sentido durante o sofrimento inevitável, bem como facilitação na integração.

Este cuidado é incondicional, porque a motivação do profissional de saúde assenta na atitude dialógica e não nas circunstâncias. Como refere a fenomenologia de Husserl, é a Imago Dei, selada no genótipo espiritual do ser humano, que lhe confere dignidade, incondicional. É proativo, porque a atitude dialógica capacita para a antecipação de cuidados psicoespirituais, por vezes inconscientes, mas altamente condicionantes (Kraus et al., 2014).

Na implementação da CoCIP, o Meaning in Suffering Test (MIST) constitui-se como um recurso especializado na abordagem da espiritualidade e orientação para a descoberta do sentido no sofrimento associado à dor da pessoa com DRM (Kraus et al., 2014).

Questão de investigação

O MIST é valido para a população portuguesa de pessoas com DRM?

Metodologia

Para dar resposta a esta questão definiram-se como objetivos validar o MIST para a população portuguesa e determinar as suas caraterísticas psicométricas.

Os dados foram recolhidos entre janeiro de 2010 e novembro de 2011 por amostragem acidental, na sua maioria, a partir de utentes da consulta externa de reumatologia e do hospital de dia de reumatologia de um Hospital do Centro Hospitalar de Lisboa Norte. A amostra ficou constituída por 187 participantes, com idades entre os 19 e os 76 anos (49,9 ±12,1), com predomínio de representatividade do sexo feminino (116; 62,0%). Esta amostra foi posteriormente subdividida em quatro grupos, em função da DRM: grupo com artrite reumatoide (gAR), grupo com espondilite anquilosante (gEA), grupo com fibromialgia (gFM) e grupo com artrite psoriática (gAP).

Para a recolha de dados recorreu-se a um questionário sociodemográfico, clínico e ao MIST, de Starck (1985). O MIST é um dos instrumentos facilitadores do desenvolvimento da CoCIP, integrado no Diretório dos Testes de Logoterapia, tem como fundamento a Teoria do Sentido de médio alcance e mede a extensão ou frequência do sentido encontrado no sofrimento inevitável (Starck, 2008). O MIST é constituído por uma parte (A) quantitativa constituída pela escala unidimensional composta por 20 questões de resposta em escala Likert com sete pontos, variando entre nunca (1) e constantemente (7); e uma parte (B) qualitativa, composta por 17 questões de resposta aberta. A Parte B está mais indicada para orientar as intervenções e não para avaliar a frequência ou extensão do sentido no sofrimento, pelo que foi utilizada no presente estudo.

Tradução e adaptação do MIST para português europeu

Para proceder à tradução e adaptação transcultural do MIST para português europeu, foi solicitada a autorização da autora e respeitadas as recomendações internacionais, resultando a Escala de Sentido no Sofrimento (MIST - P), conforme descrito na Figura 1.

Figura 1: Procedimento de tradução e retroversão do instrumento 

Para avaliar a validade de conteúdo utilizaram-se procedimentos quantitativos e qualitativos. Para tal recorreu-se a especialistas com experiência clínica, investigadores da área da dor e da construção de instrumentos de medida. Os mesmos fizeram a análise qualitativa do instrumento tendo sido igualmente calculada a percentagem de concordância (99%).

O projeto mereceu parecer favorável da Comissão de Ética Para a Saúde do Centro Hospitalar Lisboa Norte (CHLN) (Refª 12/2009) e autorização do Conselho de Administração (Refª DIRCLN-04.JAN.2010-0001) para a realização do estudo. Foram cumpridas todas as guidelines constantes da declaração de Helsínquia e todos os participantes assinaram o consentimento informado livre e esclarecido.

Os dados reunidos foram processados no programa de análise estatística IBM SPSS Statistics, versão 17. A análise descritiva foi efetuada com recurso a frequências absolutas e relativas, medidas de tendência central (médias aritméticas e medianas) e medidas de dispersão e variabilidade (desvio-padrão e o coeficiente de variação). Para avaliar as propriedades psicométricas foram calculadas as medidas descritivas de resumo, as correlações de Pearson para cada item com o total (excluindo-se o próprio item) e o alfa de Cronbach utilizado como medida de fidelidade interna.

Para avaliar a validade foi realizada a análise fatorial exploratória através do método de componentes principais, com recurso à rotação ortogonal de tipo varimax. Para a retenção dos fatores teve-se em consideração valores próprios (eigenvalue) acima de 1 e o gráfico de declive scree plot. Como critério de saturação dos itens, considerou-se valores iguais ou superiores a 0,20 (Marôco, 2014).

Resultados

Apesar de 49,7% da amostra indicar outras comorbilidades como a ansiedade (118; 63%) e a depressão (89; 47,5%), 90% referiu ser a dor reumática a que mais afeta a sua qualidade de vida e 99% toma medicação para controlar essa dor.

Características psicométricas do MIST-P

O estudo psicométrico iniciou-se com a determinação das estatísticas de cada um dos itens, procedendo-se posteriormente à análise de consistência interna. Pela análise dos dados da Tabela 1 verifica-se que as correlações obtidas entre cada item com a sua nota global, quando o próprio item é excluído, são positivas, fracas a moderadas (0,377 e 0,639). Todos os valores da correlação se encontram bastante acima de 0,20 respeitando os critérios definidos (Dancey & Reidy, citado por Filho & Júnior, 2009).

Foram eliminados oito itens (4; 5; 7; 10; 12; 15; 18 e 20) porque apresentavam valores de correlação de Pearson corrigido abaixo do valor considerado aceitável (r < 0,20) e porque a sua eliminação melhorava o valor alfa de Cronbach do total da escala. A consistência interna pode ser considerada boa, pois todos os itens exibem um alfa de Cronbach acima de 0,800, variando entre 0,809 e 0,830, sendo o seu valor para o total da escala de 0,833.

Tabela 1: Estatística descritiva, correlação de Pearson e alfa de Cronbach dos itens com o total, sem o item do MIST-P 

Nota. MIST-P = Versão portuguesa do Meaning in Suffering Test; DP = desvio-padrão. Alfa de Cronbach do Total = 0,833.

Relativamente à estabilidade temporal verificou-se que a mesma é estável pois os valores da correlação de Pearson entre os dados da 1ª e 2ª aplicação (3 semanas de intervalo) são positivos e bons (0,777 a 0,844; Pestana & Gageiro, 2014). Procedeu-se ao estudo da validade de constructo pelo cálculo de uma análise fatorial exploratória (AFE) segundo a análise por componentes principais (Hair et al., 1998). Para analisar os itens da AFE recorreu-se à R-mode fator analysis, sendo a escolha do número de fatores efetuada pela técnica do critério do autovalor ou critério de Kaiser e pela técnica que explica a percentagem da variância considerada adequada pelo pesquisador, indicando o agrupamento dos itens em dois e não três fatores, conforme o estudo original.

Por fim, para aumentar o poder explicativo do significado dos fatores, procuraram-se as soluções pelo meio de rotação de fatores pelo método Varimax (Corrar et al., 2011). Os resultados da AFE comprovam, após sucessivas análises e de acordo com critérios estatísticos e de interpretabilidade segundo a regra de Kaiser (raízes latentes iguais ou superiores a 1; Corrar et al., 2011), uma estrutura fatorial de dois componentes principais (Tabela 2) a que designamos por F1: Sentido e respostas face ao sofrimento e F2: Características subjetivas face ao sofrimento.

Tabela 2: Análise fatorial da MIST-P 

Itens h2 F1 F2
1. Acredito ter a ajuda espiritual (não necessariamente religiosa) para ultrapassar o fardo do meu sofrimento. 0,308 0,434
2. Acredito que o sofrimento leva a pessoa a encontrar novos objetivos, mais compensadores. 0,554 0,741
3. Acredito que entendo melhor a vida devido ao sofrimento que experimentei. 0,530 0,712
4. Acredito que toda a gente tem um objetivo na vida, uma razão para estar na terra. 0,313 0,524
5. Acredito que há sempre esperança no sofrimento. 0,476 0,675
6. Acredito que o sofrimento pode ensinar lições valiosas sobre a vida. 0,445 0,661
7. Acredito que a minha experiência de sofrimento me tenha dado a possibilidade de completar a minha missão na vida. 0,561 0,455 0,595
8. Acredito que algumas coisas boas ocorreram como resultado do meu sofrimento. 0,381 0,512 0,345
9. Acredito que o meu sofrimento faça parte de um grande desígnio embora nem sempre eu o entenda. 0,583 0,734
10. Acredito que a ninguém é dado mais sofrimento do que aquele que pode suportar. 0,607 0,775
11. Acredito que o meu sofrimento deu àqueles que eu amo uma oportunidade de se realizarem. 0,562 0,709
12. Acredito que o sofrimento faz parte da condição humana e acontece a todos mais tarde ou mais cedo. 0,389 0,621

Nota. MIST-P = Versão portuguesa do Meaning in Suffering Test; F1 = Fator 1 (Sentido e respostas face ao sofrimento); F2 = Fator 2 (Características subjetivas face ao sofrimento); h2 = comunalidades.

Apesar da eliminação dos itens e a redefinição/renomeação dos fatores, que se pode dever a vários fatores incluindo a especificidade da amostra, todo este processo foi validado pela autora da escala.

Os valores Kaiser-Meyer-Olkin (KMO = 0,822) e o do teste de esfericidade de Bartlett (X2 = 635,965; p = 0,000) permitem não apenas afirmar que a análise fatorial exploratória é admissível, mas considerar que se trata de uma boa relação entre fatores e variáveis (Corrar et al., 2011; Pestana & Gageiro, 2014).

Os valores das comunalidades (proporção da variância de cada variável inicial explicada pelos fatores extraídos) variam entre 0,308 e 0,607. A percentagem de variância explicada por fator foi para o F1 de 24,943 e o F2 de 22,631 e a percentagem total de variância explicada é de 47,574.

O scree test à versão MIST-P (Figura 2) permite confirmar a adequação da matriz fatorial aos dados analisados, indicando a inclinação da reta, dois componentes, sendo este o valor a que corresponde um maior afastamento entre os valores próprios (Pestana & Gageiro, 2014).

Figura 2: Gráfico de Cattell ou Scree Plot da MIST-P 

Foi igualmente determinada a validade discriminante dos itens tendo-se verificado que os itens da escala se correlacionam mais com o fator a que pertence do que com o fator a que não pertence.

Os valores das correlações (Tabela 3) entre os fatores e entre os fatores e o total da MIST-P são moderados a altos e muito significativos, o que permite afirmar que tendem a medir o mesmo constructo, permitindo interpretações unidimensionais.

Tabela 3: Matriz da correlação de Pearson entre fatores do MIST-P 

F1 F2 TOTAL
F1 1 0,529** 0,925
F2 0,529** 1 0,812**
TOTAL 0,925** 0,812** 1

Nota. MIST-P = Versão portuguesa do Meaning in Suffering Test; F1 = Fator 1 (Sentido e respostas face ao sofrimento); F2 = Fator 2 (Características subjetivas face ao sofrimento). **Correlation is significant at the 0,01 level (2-tailed).

Foi igualmente determinado o alfa de Cronbach de cada um dos fatores da MIST-P, sendo de 0,792 para F1 e 0,731 para F2.

Os dados apresentados na Tabela 4 permitem afirmar que é o subgrupo de participantes com artrite reumatoide (gAR) que apresenta, em média, maior valor não só nos fatores, como no total.

Tabela 4: Caraterização das subamostras de participantes quanto ao sentido no sofrimento 

Nota. F1 = Fator 1 (Sentido e respostas face ao sofrimento); F2 = Fator 2 (Características subjetivas face ao sofrimento); DP = Desvio-Padrão; Subgrupos da amostra = gAR com artrite reumatoide; gEA com espondilite anquilosante; gFM com fibromialgia e gAP com artrite psoriática.

Para melhor entendimento, convém salientar que o total da MIST-P mede a extensão ou frequência com que a pessoa encontra sentido no sofrimento inevitável, podendo apresentar um valor entre 12 e 84. A F1 mede a frequência com que a pessoa encontra sentido (significado ontológico) no sofrimento inevitável e consegue dar respostas pessoais valorativas a esse sofrimento, podendo apresentar um valor que oscila entre 8 e 56. A F2 mede a frequência com que a pessoa vivencia esperança e resiliência no sofrimento inevitável, confirmando os seus valores, tendo uma variação entre 4 e 28.

Discussão

Independentemente da intensidade da dor crónica, as diferenças paradoxais encontradas na forma como as pessoas experienciam e lidam com o sofrimento inevitável a ela associado, podem em parte ser explicadas pelos distintos sistemas de crenças e valores. Para este sofrimento, por vezes incompreendido e inconsciente, nem sempre existem recursos terapêuticos eficazes.

O peso do sofrimento associado à dor que acompanha as DRM continua a ser uma das causas mais temidas da ansiedade, depressão e desespero, que afetam severamente a qualidade de vida dos doentes. Deste modo, a abordagem terapêutica do sofrimento, constitui-se hoje, um desafio para a saúde pública (Branco et al., 2016; Harth & Nielson, 2019; Kraus et al., 2014).

Dando resposta a este repto e de forma a explorar, do ponto de vista empírico, as questões do alívio, controlo e integração do sofrimento inevitável associado à dor da pessoa com DRM, elegeu-se o MIST de Starck (1985) como um dos recursos especializados da CoCIP.

Embora as DRM afetem pessoas de ambos os sexos, de todos os grupos etários e apresentem tendência para aumentar com a idade (Antunes, 2019), os resultados do presente estudo corroboram os dados de Branco et al. (2015): são sobretudo as mulheres (116; 62,0%) e a população adulta (X = 49,9 anos; DP = 12,1 anos), quem mais sofre com estas patologias. Esta diferença pode ser justificada pela esperança média de vida, mais elevada nas mulheres, que aliada a fatores biológicos específicos, contribui para o aumento de comorbidades, como as doenças músculo-esqueléticas e as perturbações da saúde mental (Pache et al., 2015).

Analisando o grupo de doentes com DRM sujeitos a medicação biológica e inscritos na plataforma Reuma em 2012, verifica-se que o gAR era o grupo mais numeroso (898; 58,65%), seguindo-se o gEA (404; 26,38%) e por fim o gAP (123; 8,03%; Canhão et al., 2012). Estes dados nacionais aproximam-se da composição da amostra do presente estudo, em que o maior grupo é o gAR (63; 43,75%), seguindo-se o gEA (50; 34,72%) e por último o gAP (31; 21,52%).

A análise fatorial exploratória do MIST aplicada à população portuguesa com dor crónica reumática permitiu considerar legítima a solução de dois fatores retidos e 12 itens, dando origem à Escala de Sentido no Sofrimento (MIST-P). Os fatores Sentido e Respostas Face ao Sofrimento (Fator 1) e Caraterísticas Subjetivas Face ao Sofrimento (Fator 2), descrevem as medidas do constructo Sentido no Sofrimento, constituindo-se como seus indicadores de validade.

Comparando os três fatores do MIST com os dois fatores da versão portuguesa da escala (MIST-P), reconhece-se que o Fator 1 do MIST-P - Sentido e respostas face ao sofrimento - é a síntese dos Fatores 2 e 3 da escala original e que o Fator 2 - Características subjetivas face ao sofrimento - se refere ao Fator 1 da escala original (MIST). Por sua vez, o item 17 “Acredito que o meu sofrimento deu àqueles que amo uma oportunidade de se realizarem”, integra o Fator 2 na versão portuguesa (MIST-P) e na escala original (MIST) corresponde ao Fator 3.

Verificou-se que o valor de alfa de Cronbach encontrado para o total da escala (0,833) é superior ao alfa de Cronbach do estudo de Kuuppelomäki e Lauri (1998) e ao da escala original (0,810).

Estas diferenças entre a versão portuguesa (MIST-P) e a escala original (MIST) devem-se ao facto de a amostra do estudo ter características diferentes da amostra do estudo da escala original, nomeadamente no que diz respeito à variável dor. Num estudo futuro, a escala deverá ser aplicada com a totalidade dos itens para confirmar a sua estrutura.

A favor da validade de constructo da versão portuguesa da escala (MIST-P) salienta-se o facto da nova estrutura fatorial concordar com os fundamentos que sustentam a atribuição de sentido ou significado ontológico ao sofrimento inevitável, apesar de um item ter sido integrado noutro fator.

A análise fatorial exploratória demonstra a validade da estrutura do MIST-P em duas dimensões: Sentido e respostas face ao sofrimento (F1), constituída por oito itens e Características subjetivas face ao sofrimento (F2), constituída por quatro itens.

Verifica-se que a versão portuguesa do MIST ou Escala de Sentido no Sofrimento (ESS ou MIST-P), revela uma boa consistência interna com um valor de Cronbach de 0,833 (Marôco & Garcia-Marques, 2013; Pestana & Gageiro, 2014), com uma boa estabilidade temporal (Pestana & Gageiro, 2014). Estes resultados confirmam a pertinência de utilizar, em Portugal, esta escala.

Conclusão

Mantendo como eixo central a proposta logoterapêutica, a CoCIP vem dar resposta à abordagem terapêutica não farmacológica, a qual é emergente no acompanhamento da pessoa em sofrimento inevitável, associado à dor crónica, durante a procura de sentido de vida e na integração desse sofrimento numa vida com sentido.

Para implementar esta competência, houve necessidade de adequar recursos especializados, entre os quais o MIST, de Starck (1998).

A versão portuguesa desta escala, designada por Escala de Sentido no Sofrimento (ESS) ou MIST-P permite avaliar, do ponto de vista empírico, a extensão ou frequência com que a pessoa encontra sentido no sofrimento inevitável (existencial, espiritual ou noético), associado à dor crónica da pessoa com DRM. Esta avaliação permitirá ao enfermeiro definir e implementar cuidados espirituais, promotores do bem-estar, da atitude dialógica e da esperança, independentemente da condição clínica da pessoa.

Pode afirmar-se que se trata de um instrumento com boa fiabilidade, bons índices de consistência interna e boa estabilidade temporal.

O presente estudo decorreu no centro hospitalar com maior afluência de doentes com DRM, provenientes de todo o país. Contudo, aponta-se como limitação o facto de ter sido implementado numa única instituição. Considerando a diversidade de contextos e a influência do meio e cultura sobre a experiência de dor e sofrimento, sugere-se que trabalhos futuros com o MIST-P venham a ser multicêntricos.

Conclui-se que a versão portuguesa do MIST, também designada por Escala de Sentido no Sofrimento (ESS), é adequada para ser aplicada à população portuguesa com dor crónica e pode ser usado na investigação e na prática clínica para promover cuidados mais humanizados, nomeadamente, na implementação da CoCIP. Os ganhos em saúde correspondem ao controlo e à integração do sofrimento inevitável numa vida com sentido, pela via da promoção da esperança, apesar da adversidade. Em estudos futuros, sugere-se a aplicação da totalidade dos itens da escala para confirmação da sua estrutura.

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Recebido: 19 de Maio de 2020; Aceito: 26 de Outubro de 2020

Conceptualização: Kraus, T., Dixe, M. A., Rodrigues, M. A.

Tratamento de dados: Kraus, T., Dixe, M. A.

Metodologia: Kraus, T., Dixe, M. A., Rodrigues, M. A.

Redação - rascunho original: Kraus, T., Dixe, M. A., Rodrigues, M. A., Capela, S.

Redação - análise e edição: Kraus, T., Dixe, M. A., Rodrigues, M. A., Capela, S.

Autor de correspondência Teresa Kraus E-mail: teresa.kraus@ipleiria.pt

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