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Revista de Enfermagem Referência

versión impresa ISSN 0874-0283versión On-line ISSN 2182-2883

Rev. Enf. Ref. vol.serV no.6 Coimbra abr. 2021  Epub 14-Sep-2021

https://doi.org/10.12707/rv20046 

Artigo de Investigação (Original)

Fatores que colocam em perigo o desenvolvimento das crianças e jovens referenciados às comissões de proteção

Risk factors for the development of children and young people referred at a commission for the protection

Factores que ponen en peligro el desarrollo de los niños y jóvenes remitidos a la comisión de protección

1 Escola Superior de Saúde Egas Moniz, Monte de Caparica, Portugal

2 Instituto Politécnico de Leiria, Leiria, Portugal


Resumo

Enquadramento:

Assistir crianças em situação de risco e/ou perigo exige uma avaliação criteriosa, que conduza a uma decisão sustentada e coerente.

Objetivos:

Identificar os fatores de risco dos cuidadores que colocam em perigo as crianças e jovens referenciados à Comissão Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ).

Metodologia:

Este estudo descritivo de abordagem qualitativa, realizado entre outubro e dezembro de 2018 teve como amostra 20 processos de crianças/jovens referenciados a uma CPCJ. A informação recolhida dos processos foi analisada através da técnica de Bardin.

Resultados:

Como cuidadores surgem os progenitores (54%), sendo a negligência a problemática mais elevada das crianças sinalizadas à CPCJ. Quanto aos fatores de risco, destacam-se as condições financeiras da família; necessidades inerentes ao desenvolvimento da criança e os métodos de disciplina; problemas comunicacionais; problemas de saúde mental e a ausência de suporte da família alargada, seguida dos padrões de relação familiares.

Conclusão:

Identificaram-se fatores de risco que poderão permitir a construção de um instrumento para uma avaliação concertada e consequente medida adequada às necessidades das famílias.

Palavras-chave: cuidadores; perigo; risco; proteção; crianças; jovens

Abstract

Background:

Helping children at risk or in danger requires careful assessment to make a sustained and coherent decision.

Objectives:

To identify caregiver-related risk factors that jeopardize the lives of children and young people referred to a Commission for the Protection of Children and Young People (CPCJ).

Methodology:

This descriptive exploratory study with a qualitative approach was conducted between October and December 2018 with a sample of 20 case files of children/young people referred to a CPCJ. The information collected from the case files was analyzed using Bardin’s technique.

Results:

The majority of caregivers are the parents (54%). Neglect was the most common problem among the children referred to the CPCJ. The following risk factors were highlighted: the family’s financial conditions; needs inherent to the child’s development; discipline methods; communication problems; mental health problems; lack of extended family support; and family relationship patterns.

Conclusion:

Risk factors were identified that could contribute to the development of an instrument for a concerted assessment adjusted to the families’ needs.

Keywords: caregivers; danger; risk; protection; children; young people

Resumen

Marco contextual:

Asistir a los niños en situaciones de riesgo y/o peligro requiere una evaluación cuidadosa, que conduzca a una decisión fundamentada y coherente.

Objetivos:

Identificar los factores de riesgo de los cuidadores que ponen en peligro a los niños y jóvenes remitidos a la Comisión de Protección de los Niños y los Jóvenes (CPCJ, por sus siglas en portugués).

Metodología:

Este estudio descriptivo exploratorio de enfoque cualitativo, realizado entre octubre y diciembre de 2018, tuvo como muestra 20 casos de niños/jóvenes remitidos a una CPCJ. La información recogida en los procesos se analizó mediante la técnica de Bardin.

Resultados:

Como cuidadores surgen los progenitores (54%), y es la falta de cuidado el mayor problema de los niños remitidos a la CPCJ. En cuanto a los factores de riesgo, cabe destacar las condiciones económicas de la familia; las necesidades inherentes al desarrollo del niño y los métodos de disciplina; los problemas de comunicación; los problemas de salud mental y la falta de apoyo de la familia extensa, seguida de los patrones de relación familiares.

Conclusión:

Se identificaron factores de riesgo que podrían permitir la construcción de un instrumento para una evaluación concertada y la consiguiente medida adecuada a las necesidades de los hogares.

Palabras clave: cuidadores; peligro; riesgo; protección; niños; jóvenes

Introdução

A violência para com as crianças e jovens é um problema grave, que requer uma identificação e abordagem levada a cabo por profissionais experientes e especializados em matéria de infância e juventude. Nas últimas décadas, a proteção das crianças tem assumido uma importância crescente nas políticas dos países desenvolvidos, havendo várias instituições com estas responsabilidades. No sistema de promoção e proteção das crianças em situação de perigo existem várias linhas de atuação, sendo as Comissões de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ’s) uma estrutura de segunda linha que desenvolve a sua ação em estreita colaboração com todas as outras estruturas (Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens [CNPDPCJ], 2019).

As comissões tomam decisões baseadas nas avaliações elaboradas pelos seus comissários/técnicos (dos quais os enfermeiros são parte integrante) e estas deverão conter toda a informação que possibilite uma resposta adequada nas situações que colocam em perigo o desenvolvimento da criança e dos jovens. Os enfermeiros, enquanto representantes da saúde nas CPCJ’s, da mesma forma que os restantes técnicos, não possuem uma formação específica nesta área, o que leva a uma necessidade de formação e supervisão aquando a avaliação diagnóstica quer dos cuidadores, quer das crianças e jovens. Com este estudo pretende-se identificar os fatores de risco dos cuidadores que colocam em perigo o desenvolvimento das crianças e dos jovens referenciadas à CPCJ.

Enquadramento

O conceito de família encontra-se em transformação e o abuso dentro de casa origina problemas especiais para os sistemas de proteção às crianças (CNPDPCJ, 2019). As jurisdições variam quanto ao grau de julgamento entre os valores concorrentes do direito dos pais de criar os filhos de acordo com as suas convicções, por um lado, e o direito da criança a ser protegida, por outro. Existe uma considerável importância social em garantir que, dentro dos limites, os pais devem ter a liberdade para educar os filhos em concordância com os seus próprios valores e crenças. No entanto, há uma variação em como os sistemas legais regulam a vida da família e, em particular, como eles atribuem poderes e deveres aos pais e determinam as circunstâncias em que a privacidade da família pode ser superada (Schreiber et al., 2013).

Existe a necessidade de uma avaliação completa do contexto familiar, embora não garanta o sucesso, aumenta a probabilidade de suporte apropriado dentro de um prazo razoável. Melhora a qualidade das relações entre os técnicos e/ou comissários das CPCJ, as crianças e os cuidadores (Ward et al., 2014). Para melhorar os resultados de bem-estar infantil é necessária uma mudança de paradigma, reconhecendo os direitos das crianças e dos cuidadores/famílias e a importância da sua participação e envolvimento. São necessários métodos que coadjuvem os profissionais a aumentar a sua competência e confiança no envolvimento eficaz de crianças e famílias em processos de promoção e proteção, incluindo avaliações, porque o desempenho tem implicações nos resultados das suas intervenções (Toros et al., 2018).

Nas últimas décadas, os sistemas sociais de proteção à infância e às famílias mudaram de uma perspetiva assistencial para uma perspetiva centrada na preservação e fortalecimento familiar. Neste sentido, é crucial analisar as trajetórias vitais dos adultos, as suas relações interpessoais e circunstâncias contextuais, não só para conhecer com maior profundidade a dinâmica familiar, mas também porque a eficácia das intervenções depende em grande parte do grau em que se ajustam às necessidades destas famílias. Fatores como a monoparentalidade, o baixo nível educativo, a precariedade económica e viver numa zona insegura dificultam a tarefa de ser pai e mãe. Referimo-nos a estes contextos familiares como famílias em risco psicossocial, porque as adversidades que sofrem - precariedade económica e laboral, violência doméstica, acontecimentos de vida stressantes, entre outros - comprometem frequentemente a sua capacidade para garantir a saúde e o desenvolvimento dos seus filhos, sem, todavia, alcançar um nível de gravidade suficiente que justifique o comprometimento dos direitos parentais.

O comportamento dos pais encontra-se direta e/ou indiretamente relacionado com os problemas comportamentais das crianças e dos jovens, daí que programas que designem o desenvolvimento de competências sociais e educativas dos cuidadores possam minimizar ou até mesmo prevenir as alterações observadas nas mesmas (CNPDPCJ, 2019).

A falta de diretrizes específicas sobre avaliação, limiares de risco e respetivas orientações para definição de níveis e tipos de intervenção faz com que o processo de decisão seja suscetível à subjetividade, com diferentes interpretações pelos diversos técnicos. A tomada de decisão no sistema de proteção tem sido caracterizada como um processo complexo, ambíguo e com erros.

Questão de investigação

Quais são os fatores, associados aos cuidadores, que colocam em perigo o desenvolvimento das crianças e dos jovens referenciadas à CPCJ?

Metodologia

Neste estudo descritivo e exploratório procedeu-se à análise de conteúdo dos processos ativos de uma CPCJ, seguindo as orientações de Bardin.

População e amostra

Para a amostra, o estudo teve por base os processos ativos de uma CPCJ, no ano 2018. Nestes, consta toda a informação referente à situação em que a criança e os cuidadores se encontram e, de acordo com a base de dados, neste ano, eram 242. Nas CPCJ’s são considerados processos ativos todos os que se encontram abertos, independentemente da fase, que poderá ser apenas a sinalização, a fase de diagnóstico, ou com medida de promoção e proteção aplicada. Os últimos são decorrentes de uma tomada de decisão e sujeitos a um acompanhamento pelo gestor de caso, pelo que se considerou ser critério de seleção da amostra.

Em 2018, existiam 56 processos ativos que foram abertos ou reabertos entre janeiro e junho, com medida de promoção e proteção aplicada e em acompanhamento pelo gestor, tendo em conta que a fase de diagnóstico tem uma duração de 6 meses. Destes, foram selecionados os que descreviam avaliações efetuadas a vários cuidadores, perfazendo 20 processos.

Recolha de dados

A recolha dos dados constantes dos 20 processos selecionados foi efetuada entre outubro e dezembro de 2018, após a obtenção de parecer favorável de uma Comissão de Ética para a Saúde (parecer n.º 8710/CES/2018), assim como autorização da comissão restrita da CPCJ. Os documentos constantes nos processos, que comportam entrevistas efetuadas aos cuidadores, os relatórios dos estabelecimentos de ensino que a criança frequenta, os relatórios de natureza clínica, os autos de notícia das autoridades e todos os documentos tidos como pertinentes, recolhidos na fase de avaliação diagnóstica, foram analisados pela investigadora em conjunto com a presidente da CPCJ, por forma a que a informação contida pudesse ser validada. Na análise dos processos foi cumprido o disposto no Artigo 89º da Lei de Proteção das Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP) para a consulta dos processos com fins científicos.

Nos dados recolhidos constam a idade da criança, o número de sinalizações e de reaberturas, a problemática da sinalização e a identificação dos fatores de risco que colocam em perigo as crianças e os jovens.

Análise dos dados

Com os dados sobre fatores de risco dos cuidadores com perigo para as crianças foi constituído um corpus e, na sua análise, utilizada a técnica de análise de conteúdo organizada em três fases: pré-análise, exploração do material e o tratamento e interpretação dos resultados (Bardin, 2015). A análise partiu das propriedades do texto com recorte a nível semântico, podendo a unidade de registo ser uma frase simples ou composta. Para as regras de enumeração foram consideradas a frequência das unidades de registo. Através de procedimentos analíticos, as unidades de registo foram agrupadas e classificadas em dimensões e categorias resultantes da revisão da literatura existente sobre esta temática. Estes procedimentos analíticos foram efetuados pela investigadora principal com a colaboração da presidente da CPCJ e validados pelas restantes investigadoras, de forma a que os mesmos dados tivessem uma classificação igual por analistas (investigadores) diferentes (Bardin, 2015). As divergências de codificação foram resolvidas através da reflexão falada entre as três investigadoras.

Resultados

Dos 20 processos que constituem esta amostra, constatámos seis reaberturas, tendo em conta que os processos poderão ser reabertos sempre que a situação assim o suscitar. A média de idades das crianças a que correspondem os processos analisados é de 12 anos. Das 20 crianças, 14 crianças têm apenas uma sinalização, três crianças têm duas sinalizações, duas crianças com três sinalizações e com quatro sinalizações identificou-se uma criança. Quanto aos cuidadores principais, podemos constatar que ambos os pais surgem com 32%, seguido da mãe com 24%, com uma percentagem mais elevada que qualquer outro elemento. Quanto às problemáticas das crianças sinalizadas à CPCJ, constatamos que a negligência é a mais elevada, seguida dos comportamentos de risco, do abandono escolar e dos comportamentos antissociais. O consumo de estupefacientes, a exposição a comportamentos de risco e a violência doméstica surgem com o mesmo número de sinalizações, o mesmo acontecendo com os maus-tratos físicos, o exercício do poder paternal e o abuso sexual.

Relativamente aos fatores de risco, os mesmos foram agrupados em quatro dimensões: Padrões de interação social e económicos (três categorias); Exercício da parentalidade (quatro categorias), Características do cuidador (cinco categorias) e Características da família (oito categorias). Na Tabela 1, que se refere à dimensão Padrões de interação social e económicos, destacam-se as condições financeiras das famílias como a categoria de maior relevo, sendo a família com elementos sem estabilidade de emprego a subcategoria a mais frequente. Nas condições de habitabilidade é a subcategoria perigos para a saúde (lixo, odores, vermes, desorganização) a que mais se verifica. Na categoria redes sociais de apoio, verifica-se que não ter acesso a ajuda de amigos/vizinhos destaca-se das restantes.

Tabela 1: Categorias, subcategorias e unidades de enumeração dos padrões de interação social e económicos 

Categorias/Subcategorias UE
Condições de Habitabilidade
As crianças dividem o quarto com casais que não são da família 2
As crianças dividem o quarto com os familiares 1
As crianças não têm um espaço para dormir 2
Perigos para a saúde (lixo, odores, vermes, desorganização) 5
Condições financeiras da família
Família com elementos sem estabilidade de emprego 8
Família com elementos que recebem subsídios sociais 3
Família sem elementos com emprego 2
Atividades ilícitas/problemas graves com a justiça 3
Redes sociais de apoio
Não têm acesso a ajuda de amigos/vizinhos 4
Várias mudanças de residência nos últimos três meses 2
Unidades de Enumeração Totais 32

Nota. UE = Unidades de Enumeração.

A dimensão Exercício da parentalidade, representada na Tabela 2, espelha os recursos que presenteiam os cuidadores na forma como correspondem às necessidades das crianças com vista ao seu desenvolvimento harmonioso. Esta dimensão demonstra, pelo destaque das unidades de registo em relação às restantes dimensões, o comprometimento das competências parentais. Na categoria Necessidades inerentes ao desenvolvimento da criança, destaca-se a não existência de uma relação saudável entre irmãos, seguida do não dar atenção à criança e às suas necessidades. Com o mesmo número de unidades de enumeração segue-se a categoria, o Padrão de conduta dos cuidadores com a subcategoria Inexistência de diálogo entre os cuidadores destaca-se das restantes. Seguem-se os métodos de disciplina onde a subcategoria que tem maior relevo é a disciplina excessiva, punitiva e imprópria. A quarta categoria refere-se aos Padrões de supervisão na qual sobressai a ausência de rotinas da criança (horas de ir para a cama, trabalhos da escola, cuidados de higiene).

Tabela 2: Categorias, subcategorias e unidades de enumeração do exercício da parentalidade 

Categorias/Subcategorias UE
Necessidades inerentes ao desenvolvimento da criança
Não dá atenção à criança e às suas necessidades 12
Incapacidade do cuidador em para lidar com os comportamentos da criança 4
Não é oferecido à criança um plano alimentar equilibrado 7
Não existe uma relação saudável entre irmãos 15
Desigualdade do tratamento da criança face aos irmãos 7
Padrões de supervisão
Sem rotinas diárias da criança (horas de ir para a cama, trabalhos da escola, cuidados de higiene) 9
Deixa a criança entregue a si própria 4
Métodos de disciplina
Disciplina é excessiva, punitiva e imprópria 11
Disciplina demasiado permissiva 1
Reage de forma violenta, podendo causar-lhe ou tendo-lhe causado lesões 7
Ausência de limites e/ou rotinas para com a criança/jovem 4
Padrões de conduta dos cuidadores
As mensagens que os cuidadores enviam à criança são contraditórias 4
Inexistência de diálogo entre os cuidadores 21
Cuidador é negligente com a criança 9
Abusa da criança (emocional e sexual) 5
Problemas na aceitação de responsabilidades 3
Expõe as crianças à mudança frequente de companheiros (as) 3
Unidades de Enumeração Totais 126

Nota. UE = Unidades de Enumeração.

A Característica dos cuidadores, que podemos verificar na Tabela 3, trata-se de uma dimensão onde se reflete o perfil dos adultos, que convivem de uma forma direta com a criança, cujos atributos influenciam as competências parentais e o enquadramento socioeconómico dos elementos que pertencem à prole. Estas contribuem para caracterizar o perfil dos adultos que têm responsabilidade no processo educativo da criança aos vários níveis. A categoria que se destaca são os problemas de saúde, onde a subcategoria com uma maior relevância consiste na presença de uma doença mental. Seguem-se os problemas comunicacionais, com a subcategoria referente à dificuldade de comunicação com a criança.

Tabela 3: Categorias, subcategorias e unidades de enumeração referentes às características dos cuidadores 

Categorias/Subcategorias UE
Problemas com consumo de substâncias psicoativas
Cuidadores com abuso de substâncias 4
Problemas comunicacionais
Cuidadores não conseguem comunicar com a criança 11
Problemas de saúde
Comprometimento dos recursos emocionais do cuidador 7
Doença mental diagnosticada 10
Existência de doenças físicas incapacitantes 2
Perpetuador de maus-tratos
Antecedentes de mau trato com outros filhos 4
Natureza do contacto e envolvimento com os outros
Incapacidade para manter relações estáveis e duradouras 2
Unidades de Enumeração Totais 40

Nota. UE = Unidades de Enumeração.

A dimensão Características da família espelhada na Tabela 4, suporta na sua génese um prodígio social presente em todas as sociedades, pretende-se que seja um dos primeiros ambientes de socialização do indivíduo, servindo de padrão, modelo e influência cultural, na qual existe um conjunto de normas, práticas e valores. Estas, contribuem para caracterizar o perfil dos adultos que têm responsabilidade no processo educativo da criança aos vários níveis. A categoria que emerge são os padrões das relações familiares, onde a subcategoria, a família não consegue proteger a criança se destaca. Na categoria suporte da família alargada com apenas uma subcategoria que consiste na inexistência de suporte por parte da família alargada, apresentando esta uma maior incidência.

Tabela 4: Categorias, subcategorias e unidades de enumeração referentes às características da família 

Categorias/Subcategorias UE
Família resistente à intervenção
Não aceita ajuda por parte dos serviços (recursos existentes na comunidade) 2
História familiar
Ausência de modelos adultos positivos 2
Utilização dos cuidados de saúde disponíveis
Não fez a vigilância da gravidez 1
Violência doméstica
Agressões na presença da criança 1
Padrão das relações familiares
A família não consegue proteger a criança 8
A família não controla os comportamentos da criança 2
Os pais têm conhecimento do consumo dos filhos 4
Os jovens consomem porque têm acesso a drogas em casa 1
Família com abusadores sexuais
O abusador sexual é alguém muito próximo da criança 4
Família reconhece os consumos dos jovens
Os pais têm conhecimento do consumo dos filhos 4
Os jovens consomem porque têm acesso a drogas em casa 1
Suporte da família alargada
Inexistência de suporte por parte da família alargada 12
Unidades de Enumeração Totais 42

Nota. UE = Unidades de Enumeração.

Discussão

De acordo com o relatório da CNPDPCJ (2019), a figura materna é a principal cuidadora das crianças e jovens com medidas aplicadas no ano de 2018, o que vem ao encontro ao que encontramos na nossa amostra. Quanto ao tipo de situações de perigo sinalizadas em 2018 com uma maior percentagem, surge a negligência, seguida da violência doméstica, dos comportamentos de perigo e o direito à educação (CNPDPCJ, 2019). O que se verificou neste estudo vai ao encontro do relatório da comissão nacional, a negligência, os comportamentos de risco e o abandono escolar são as problemáticas mais sinalizadas. As informações constantes nos processos das crianças referenciadas à CPCJ vão ao encontro aos estudos realizados (Goltz et al., 2014; Loman & Siegel, 2015), quando constatamos os fatores que colocam em perigo o desenvolvimento das crianças e dos jovens. No que se refere ao contexto onde a família se encontra inserida, assim como, os recursos existentes e de que forma se encontram integrados na comunidade onde trabalham e residem, os dados recolhidos não diferem do que a literatura nos fornece. Duffy et al. (2015) referem que existe uma literatura abrangente sobre os fatores de risco para o abuso e negligência, nos quatro grandes domínios de risco, sendo um dos identificados as características sociais (U.S. Department of Health & Human Services, 2019) englobando a vizinhança violenta, assim como o envolvimento policial e o sentimento de insegurança (Fuller et al., 2015). Os escassos recursos económicos que constatamos na nossa amostra, com a inexistência de um emprego estável são corroborados por vários autores (Benbenishty et al., 2015; Glad et al., 2014; Schneiderman et al., 2012), que consideram a pobreza, a situação de desemprego e as carências económicas um factor preditivo que coloca em perigo as crianças e os jovens. O exercício da parentalidade espelha os recursos que presenteiam os cuidadores na forma como correspondem às necessidades das crianças com vista ao seu desenvolvimento harmonioso. Quanto ao exercício da parentalidade, colocam-se em causa as competências parentais apropriadas para dar resposta aos comportamentos das crianças, o que vem corroborar as informações recolhidas no decorrer deste estudo. Malo et al. (2016) verificaram que a ausência dos pais provoca nas crianças sentimentos de indiferença e rejeição emocional e uma troca de papéis, pela troca de responsabilidades com outros cuidadores. Estas circunstâncias colocam as crianças expostas a maus-tratos psicológicos de uma forma indireta, mas não menos grave (Francisco et al., 2016). A não existência de uma relação saudável entre irmãos e a ausência de rotinas da criança, estão patentes nos estudos efetuados para avaliar o funcionamento familiar (Goltz et al., 2014) sendo a não existência de uma relação saudável entre irmãos um dos fatores de risco referenciados nos processos consultados.

As inexistências de diálogo entre os cuidadores (21 referências), assim como a disciplina excessiva, punitiva e imprópria (11 referências), vão ao encontro dos estudos que relacionam as dinâmicas familiares com as problemáticas da infância/adolescência (Schneiderman et al., 2012).

As insatisfações conjugais refletem-se em problemas exteriores e interiores à criança, tais como, as práticas educativas inadequadas, punitivas e instáveis (Pelton, 2015). Nos cuidadores com alto risco de abuso e negligência infantil, encontram-se os que têm história de consumo e abuso de substâncias (Laslett et al., 2014), sendo também este um dos fatores entre muitos outros que influencia a eficácia geral dos programas de acompanhamento (Goltz et al., 2014).

O facto de o cuidador apresentar uma expectativa irrealista para com a criança, implica o não reconhecimento dos seus comportamentos e das suas necessidades. Se conjugarmos de forma cumulativa outros fatores de risco familiar, estamos perante uma situação favorável para o abuso infantil e a negligência (Schneiderman et al., 2012).

Para Duffy et al. (2015), existe uma literatura abrangente sobre os fatores de risco para o abuso e negligência, e dos quatro grandes domínios de risco identificados, no que se refere aos pais, encontram-se os maus-tratos sofridos durante a infância. A presença de uma doença mental no cuidador, que constatamos neste estudo, encontra-se referida como um dos fatores de risco que colocam em perigo a criança (Glad et al., 2014), tratando-se de um problema que contribui, quando não tratado, para o abuso e os maus-tratos (Jenkins et al., 2018). As relações familiares e a não existência de suporte por parte da família alargada, que encontramos neste estudo são comprovados por outros autores (Benbenishty et al., 2015). No que se refere às características da família, a violência doméstica, o abuso de substâncias, histórico de trauma sofrido pelos pais (maus-tratos e estar institucionalizado), o baixo status socioeconómico está associado a um risco acrescido de várias sinalizações aos serviços de proteção à infância (Pelton, 2015), mesmo que a família não se encontre no limiar da pobreza, mas se habita num bairro com um alto índice de pobreza, a existência de maus-tratos infantis aumenta (Davidson et al., 2019). Os registos que recolhemos neste estudo vêm ao encontro ao que a literatura decorrente da investigação nos fornece. Constatamos também que a investigação nesta área é escassa e espartilhada, não aglutinando todo o contexto de intervenção das CPCJ. No que à enfermagem diz respeito a informação é quase inexistente. Os enfermeiros quer na sua intervenção nas instituições de primeira linha (Cuidados de Saúde Primários), quer nas CPCJ, encontram-se confrontados com as situações de abusos e maus tratos que colocam em perigo as crianças e os jovens, daí que a existência de uma linha orientadora que norteie as intervenções, deve contribuir para uma avaliação célere e fundamentada das famílias e do contexto em que se encontram inseridas. Pretendemos com os resultados deste estudo contribuir para a necessidade de uma investigação consistente nesta área da promoção dos direitos e proteção das nossas crianças. Como limitações elencamos o ter sido desenvolvido apenas em uma CPCJ.

Conclusão

As dimensões construídas a partir da literatura, complementada e aferida com a análise de conteúdo dos processos, compõem toda a estrutura de análise que se pretende lógica e objetiva, quanto à facilidade de interpretação dos resultados. As categorias surgem como fatores de risco de perigo dos cuidadores a ter em linha de conta quando pretendemos avaliar em que situação de perigo a criança se encontra. O presente estudo pretendeu expor a realidade de um serviço de promoção e proteção das crianças, não podendo ser extrapolado para outros contextos, incorpora em si o que a investigação evidencia quanto à problemática das crianças, assim como, os ambientes propícios à ocorrência das várias problemáticas referenciadas na LPCJP. As principais conclusões a retirar são as seguintes: os progenitores são os cuidadores principais das crianças sinalizadas, quer em famílias tradicionais, reconstituídas ou monoparentais; as principais fontes de recolha de informação constante nos processos são as entrevistas efetuadas pelos técnicos aquando da avaliação dos cuidadores, seguido das forças de segurança e dos estabelecimentos de ensino; quanto às problemáticas, a que se destaca é a negligência, seguida dos comportamentos de risco, o abandono escolar e dos comportamentos antissociais; quanto às sinalizações, destacam-se os estabelecimentos de ensino e as forças de segurança.

Quanto aos fatores de risco, verifica-se que na dimensão Padrões de interação social e económicos destacam-se as condições financeiras da família; no Exercício da parentalidade a maior evidência encontra-se nos padrões de conduta dos cuidadores, seguido das necessidades inerentes ao desenvolvimento da criança e os métodos de disciplina; quanto às Características dos cuidadores, evidenciam-se os problemas comunicacionais e os problemas de saúde mental; referente às Características das famílias, sobressai a ausência de suporte da família alargada, seguida dos padrões de relação familiar.

Os fatores de risco que foram identificados comprometem o superior interesse das crianças. Esses fatores de risco têm como finalidade a construção de um instrumento de avaliação onde se encontrem espelhados, de forma clara e concisa, os fatores de risco de perigo, que sirvam de suporte aos técnicos/comissários que constituem as equipas restritas das CPCJ, das quais os enfermeiros são parte integrante. Uma avaliação concertada que possibilite a aplicação de uma medida de promoção e proteção adequada às necessidades das famílias, promovendo o seu bem-estar e desenvolvimento harmonioso, torna-se cada vez mais emergente, considerando que é claro para todos os intervenientes nesta área que o tempo da criança não é o tempo dos adultos.

Referências bibliográficas

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7Como citar este artigo: Simões, A. C., Lopes, S., & Dixe, M. A. (2021). Fatores que colocam em perigo o desenvolvimento das crianças e jovens referenciados às comissões de proteção. Revista de Enfermagem Referência, 5(6), e20046. https://doi.org/10.12707/RV20046

Recebido: 15 de Abril de 2020; Aceito: 16 de Novembro de 2020

Autor de correspondência Aida de Jesus Correia Simões E-mail: asimoes@egasmoniz.edu.pt

Conceptualização: Simões, A. C.

Tratamento de dados: Simões, A. C., Lopes, S., Dixe, M. A.

Metodologia: Simões, A. C.

Redação - preparação do rascunho original: Simões, A. C.

Redação - revisão e edição: Simões, A. C., Lopes, S., Dixe, M. A.

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