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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283versão On-line ISSN 2182-2883

Rev. Enf. Ref. vol.serV no.8 supl.1 Coimbra dez. 2021  Epub 04-Mar-2022

https://doi.org/10.12707/rv20203 

Artigo de Investigação (Original)

Curso de Licenciatura em Enfermagem: Panorama do ensino de liderança em Portugal

Undergraduate Nursing Degree: Overview of leadership education in Portugal

Grado en Enfermería: Descripción general de la enseñanza del liderazgo en Portugal

Maria Manuela Frederico Ferreira1 
http://orcid.org/0000-0003-4032-9911

Alexandre de Assis Bueno2 
http://orcid.org/0000-0002-3311-0383

Maria de Lurdes Lomba1 
http://orcid.org/0000-0003-1505-5496

1 Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem (UICISA: E), Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (ESEnfC), Coimbra, Portugal

2 Universidade Federal de Catalão, Brasil


Resumo

Enquadramento:

A liderança eficaz na prática de enfermagem relaciona-se com a preparação dos estudantes durante a formação académica.

Objetivo:

Identificar conteúdos sobre liderança nos programas do Curso de Licenciatura em Enfermagem em Portugal.

Metodologia:

Consulta online dos programas das unidades curriculares de 17 cursos com conteúdos acessíveis, de 39 instituições de ensino superior que lecionam enfermagem, em setembro-dezembro de 2018. Dados organizados com o software Excel para caracterização das unidades curriculares e análise de conteúdo com software IRAMUTEQ 0.6 alpha 3.

Resultados:

Identificados conteúdos sobre liderança em unidades curriculares que apresentavam os termos “gestão” e/ou “administração”, associados com “enfermagem” e/ou “saúde”, e outros termos associados, salientando-se “organização dos cuidados de saúde”.

Conclusão:

O ensino da liderança está presente como conteúdo programático em todos os currículos, embora não seja lecionada como disciplina própria em nenhum dos Cursos de Licenciatura. Reconhece-se ser fundamental o ensino da liderança para o desenvolvimento de habilidades e competências dos estudantes. Não foram encontradas nas unidades curriculares dos cursos ligações do ensino da liderança à prática clínica.

Palavras-chave: enfermagem; estudantes de enfermagem; educação superior; liderança; educação baseada em competências

Abstract

Background:

Effective leadership in nursing practice is associated with students’ preparation during their academic training.

Objective:

To identify leadership content in Portuguese undergraduate nursing programs.

Methodology:

Online consultation of course unit syllabuses of 17 undergraduate nursing programs from 39 higher education institutions, whose content was available, conducted between - December September-December 2018. Data were organized using Excel software to characterize the course units, and content analysis was performed using IRAMUTEQ 0.6 alpha 3 software.

Results:

Leadership content was identified in course units that present the terms “management” and/or “administration,” associated with “nursing” and/or “health,” and other related terms, particularly “health care organization.”

Conclusion:

Leadership education is present as content in all programs, although it is not taught as a specific course unit in any undergraduate nursing degrees studied. Leadership education is recognized as essential for developing students’ abilities and skills. No links between leadership education and clinical practice were found in the course units.

Keywords: nursing; students, nursing; education, higher; leadership; competency-based education

Resumen

Marco contextual:

El liderazgo eficaz en la práctica de la enfermería se relaciona con la preparación de los estudiantes durante la formación académica.

Objetivo:

Identificar los contenidos sobre liderazgo en los planes de estudio del Grado de Enfermería en Portugal.

Metodología:

Consulta online de los programas de las unidades curriculares de 17 grados con contenidos accesibles de 39 instituciones de educación superior que imparten enfermería, en septiembre-diciembre de 2018. Datos organizados con el software Excel para caracterizar las unidades del grado y análisis de contenido con el software IRAMUTEQ 0.6 alpha 3.

Resultados:

Identificados los contenidos sobre liderazgo en las unidades del grado que presentaban los términos “gestión” y/o “administración”, asociados con “enfermería” y/o “salud”, y otros términos asociados, entre los que destaca “organización de la atención sanitaria”.

Conclusión:

La enseñanza del liderazgo está presente como contenido programático en todos los planes de estudio, aunque no se imparta como asignatura en ninguno de los grados. Se reconoce que la enseñanza del liderazgo es esencial para el desarrollo de las habilidades y competencias de los estudiantes. No se encontraron vínculos entre la enseñanza del liderazgo y la práctica clínica en las unidades curriculares de los grados.

Palabras clave: enfermería; estudiantes de enfermería; educación superior; liderazgo; educación basada en competências

Introdução

A liderança é uma temática objeto de múltiplas definições, abordagens e perspetivas, sustentada por várias teorias, sendo que, não obstante a sua antiguidade, é com a Teoria das Relações Humanas que assume relevância (Thompson et al., 2017).

Inicialmente mais ligada ao mundo empresarial e dos negócios, a liderança alargou o seu campo de ação, sendo hoje estudada em diferentes áreas do conhecimento, incluindo a educação, os cuidados de saúde e a enfermagem. Neste âmbito, a liderança destaca-se como um instrumento no processo de trabalho de enfermagem, contribuindo para a gestão das equipas, a tomada de decisão e a resolução de conflitos (Fischer, 2016).

Dada a relevância da liderança no processo de trabalho em enfermagem, e como ponto de partida para uma investigação documental, foram formuladas três questões: Que instituições de ensino superior que lecionam o Curso de Licenciatura em Enfermagem em Portugal têm informação online disponível sobre os programas das unidades curriculares (UC)? A informação disponível permite identificar e selecionar conteúdos relacionados com liderança? Os conteúdos relacionados com liderança estão tendencialmente enquadrados em que UC? Neste contexto, o estudo teve como objetivo identificar se existem conteúdos discriminados sobre liderança nos programas das UC do Curso de Licenciatura em Enfermagem, em Portugal.

Enquadramento

A realidade atual da sociedade e das organizações de saúde (como seja a contenção de custos e a sobrecarga das pessoas) exige que os enfermeiros sejam ágeis, autoconscientes e agentes da mudança e da melhoria dos resultados em saúde (Waite & Brooks, 2014), o que requer competências de liderança alargadas. Este aspeto já tinha sido referido pela Organização Mundial da Saúde, quando afirma que a liderança é necessária para um ambiente de trabalho saudável, sustentando a noção de que a mesma deve existir em todos os níveis dos serviços de enfermagem (Duygulu & Kublay, 2011).

Os enfermeiros que trabalham em equipas multiprofissionais devem possuir conhecimentos para prestarem cuidados de saúde adequados e aceitarem as responsabilidades da gestão profissional e da liderança (Ebrahim, 2018; Smith et al., 2018). Necessitam ainda de desempenhar um papel de apoio e coordenação, assegurando a continuidade dos cuidados, no sentido de fazer a diferença no processo de provisão dos serviços de saúde (Duygulu & Kublay, 2011).

Globalmente, as competências de liderança permitem ao enfermeiro ampliar a sua capacidade de pensamento, ter mais iniciativa, além de uma maior possibilidade de agir e tomar decisões de forma autónoma, procurando melhores práticas e novas estratégias de atendimento ao utente (Laut et al., 2018). No contexto do ensino, isso inclui a graduação dos estudantes de enfermagem através de contribuições teóricas, bem como da sua aplicação prática nos contextos clínicos.

Há uma preocupação internacional com a qualidade da liderança na prática de enfermagem e o seu vínculo com a preparação dos estudantes durante a sua formação académica. Na verdade, a liderança estratégica é uma das quatro metas do Plano Estratégico do ICN 2019-2023 (ICN, 2019) para dar resposta a atuais e futuras necessidades de cuidados de saúde. No entanto, tem sido sugerido que os enfermeiros recém-formados nem sempre estão preparados para desempenharem papéis de liderança (Scammell et al., 2020).

Uma das funções da escola é instrumentalizar os estudantes no decorrer do seu processo de formação no sentido do desenvolvimento continuo de competências no decorrer da sua carreira profissional. Entre estas competências, destaca-se a competência de liderança (Peres et al., 2018). É fundamental que os estudantes compreendam a relação entre saúde local e desafios globais e pretendam contribuir para a definição e implementação de soluções para esses desafios. Basicamente, os docentes de enfermagem devem criar as condições propícias para que os estudantes aprendam a trabalhar com diferentes populações, para os preparar para refletir e intervir nas diferentes circunstâncias de saúde ou de doença, promovendo a melhoria da qualidade de vida das populações e da sociedade em geral, contribuindo desse modo para a modificação da realidade de saúde das populações (Peres et al., 2018; Waite & Brooks, 2014).

No ensino de enfermagem é fundamental adotar definições básicas de liderança que incluam: a capacidade de conceber ou encontrar soluções para problemas identificados; criar uma visão e inspirar os colaboradores a seguirem a mesma; promover o desenvolvimento de competências nos colaboradores, adaptadas aos contextos de trabalho; e influenciar os outros a trabalhar em prol de objetivos comumente identificados (Parmenter, 2013). Assim, é possível criar condições para que os estudantes exerçam a liderança profissional, no sentido de melhorar e intervir nos sistemas em que há injustiças ou disparidades de saúde (Waite & Brooks, 2014).

Apesar das competências de liderança serem requeridas em todos os níveis da profissão, desde a formação acadêmica que se estende por todo percurso profissional, programas focados no desenvolvimento da liderança são escassos nos currículos ao nível da graduação em enfermagem, como também nos programas de pós-graduação e em educação permanente no trabalho (Peres et al., 2018).

Questões de investigação

Que instituições de ensino superior que lecionam o Curso de Licenciatura em Enfermagem em Portugal têm informação online disponível sobre os programas das UC? A informação disponível permite identificar e selecionar conteúdos relacionados com liderança? Os conteúdos relacionados com liderança estão tendencialmente enquadrados em que UC?

Metodologia

O presente estudo caracteriza-se como uma investigação documental, do tipo descritiva, e com a utilização de abordagem, sobretudo, qualitativa para análise dos dados.

A primeira fase do estudo contemplou a identificação de todas as instituições de ensino superior em Portugal que lecionam o Curso de Licenciatura em Enfermagem.

A segunda fase destinou-se à pesquisa e à análise da informação disponível online. Foram apenas utilizados dados que estão em acesso livre nos websites da Direção-Geral de Ensino Superior (DGES) ou das Escolas Superiores de Enfermagem/Escolas Superiores de Saúde. Os dados foram recolhidos de setembro a dezembro de 2018. Pelo fato de serem dados públicos não foi solicitada qualquer autorização para a pesquisa, nem submissão a qualquer Comissão. Tratando-se de uma pesquisa desenvolvida com informação de domínio público e que não interage diretamente com seres humanos, as resoluções que regulamentam a ética em pesquisa não se aplicam ao estudo.

Após a identificação das instituições de Ensino Superior, foi realizado o acesso aos websites institucionais, com o objetivo de identificar os conteúdos sobre liderança na estrutura curricular do Curso Superior de Enfermagem.

Os dados recolhidos foram organizados numa matriz de análise com o software Excel para caracterização das instituições de ensino superior e seus respetivos cursos de Enfermagem. As descrições das UC que contemplavam tópicos relacionados com a liderança foram ordenadas e submetidas à análise de conteúdo. Por último, com auxílio do software IRAMUTEQ (Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires) 0.6 alpha 3, versão brasileira, foram desenvolvidas análises estatísticas sobre os segmentos de textos e palavras com a apresentação da árvore máxima de similitude na correlação da liderança com outros temas em gestão, conforme a sua presença na descrição das UC.

Resultados

Foram identificadas 39 instituições de ensino em Enfermagem em Portugal, sendo 22 públicas e 17 privadas. Os Cursos de Licenciatura em Enfermagem disponibilizam de 25 a 320 vagas por ano letivo, com 16 cursos a oferecer entre 60 e 85 vagas e, apenas três com número de vagas superior a 250.

As disciplinas relacionadas com a liderança estão presentes em sete cursos no decorrer do 3º semestre, e em outros dois cursos, também durante o 2º ano de formação, porém sem especificar o período. Em sete cursos de licenciatura, a lecionação dos conteúdos de liderança ocorre no 3.º ano de formação, nomeadamente em quatro cursos a lecionação dá-se no 5º semestre e em três cursos no 6º semestre. A maioria dos cursos leciona as disciplinas com conteúdos no âmbito da liderança no decorrer do 4.º ano, nomeadamente 16 cursos no 7.º semestre e três cursos no 8º semestre. Em quatro cursos, as informações sobre o período em que decorre a disciplina não foi disponibilizado no site da instituição de ensino superior.

Do total dos cursos identificados, apenas 17 instituições de ensino superior tinham disponível as informações detalhadas das UC nos respetivos websites.

Os conteúdos discriminados sobre liderança na formação do estudante foram identificados em UC que apresentavam, na sua designação, os termos “gestão” e/ou “administração”. Em 22 UC estes termos surgem associados à palavra “enfermagem” e em outras dez UC, associados à palavra “saúde”. Em duas UC, o nome da disciplina contém tanto “enfermagem” como “saúde”. Em duas UC estava presente o termo “empreendedorismo”. As expressões “organização do cuidado”, “supervisão clínica” e “desenvolvimento profissional” surgiram apenas, isoladamente, em uma disciplina. Todas as UC identificadas possuíam carga horária distribuída entre componentes teóricas e teórico-práticas.

Verificou-se que a temática “liderança” não é lecionada como disciplina própria em nenhuma das Escola de Enfermagem da amostra e, como conteúdo programático, está presente em sete UC. Em três delas, a liderança está relacionada com a capacidade de delegar. Por sua vez, surge relacionada com a resolução de conflitos, desenvolvimento de competência, capacidade de direção e teorias sobre liderança uma vez, nas componentes curriculares.

O corpus textual em que se enquadra, do ponto de vista temático, o ensino da liderança, permite identificar precisamente a relação existente entre os temas. Recorreu-se a uma análise de similitude, no sentido de estabelecer a conexão entre os elementos evocados e organizar os dados em análise, numa estrutura sistematizada e hierarquizada, conforme pode ser observado na Figura 1.

Figura 1: Similitude de palavras extraídas dos programas das unidades curriculares que apresentam o tema de liderança 

A árvore de similitude apresenta como léxico central a palavra “saúde”, uma vez que a mesma se apresentou com o maior número de conexões, conforme mostra a sua posição em um primeiro plano no processo de hierarquização léxica. Em segundo plano, observa-se a sua associação com as palavras “gestão”, “enfermagem” e “organização”, o que define a estrutura básica e principal da árvore máxima. O tema central desta investigação, “liderança”, surge num nível seguinte, com conexão direta com o léxico principal (saúde), mas com poucas conexões derivadas.

Discussão

O presente estudo respondeu às questões formuladas, porém, não está isento de limitações. Assim, sublinha-se o facto de não ter sido possível identificar com precisão os conteúdos abordados nem a forma como são abordados ou o tempo que lhes é destinado, (uma vez que essa informação não estava acessível online). Ressalta-se também, como limitação, o fato de, face à metodologia adotada, não ter sido possível abranger todas as instituições de ensino que lecionam o Curso de Licenciatura em Enfermagem. Fundamental também seria o aprofundamento deste estudo através do contato direto com os professores que lecionam nos Cursos de Licenciatura de Enfermagem.

O ensino em Enfermagem reconheceu a necessidade de incorporar a liderança no seu currículo para que os enfermeiros adquirissem as competências necessárias de liderança para a gestão do cuidado junto aos utentes, familiares, outros funcionários e à comunidade em que atuam (Dyess & Sherman, 2011; Parmenter, 2013; Patterson & Krouse, 2015).

Na similitude de palavras extraídas neste estudo, “gestão” demonstra uma relevância superior à palavra “administração”, o que se alinha com o fato de os termos não serem sinónimos, uma vez que, historicamente, a administração passou a ter referência às questões relacionadas diretamente ao processo administrativo e o termo gestão uma somatória de conteúdos das mais diferentes áreas do saber. Contudo, verifica-se muitas vezes que o termo é utilizado de forma aparentemente indistinta e, neste estudo, não foi possível diferenciar conteúdos em UC que utilizam a designação administração versus as que utilizam a designação gestão.

A árvore de similitude apresenta outra relação entre dois termos importantes na formação acadêmica do enfermeiro líder. A palavra “gestão” estabelece uma interface entre a supervisão e avaliação. A supervisão estabelece como prioridade a observação dos fenómenos e a consequente manutenção da qualidade dos processos. Na atualidade, a supervisão tem sido percebida na função de orientação e, nesse sentido, a supervisão assume um caráter de expressão da liderança.

A interface da supervisão com a avaliação na liderança ocorre no estabelecimento dos objetivos. Os objetivos são fundamentais tanto para a supervisão do processo, pois eles sugerem parâmetros de acompanhamento e orientam a modelagem dos mesmos, como para a verificação dos resultados alcançados, uma vez que eles contribuem para a definição dos resultados esperados e expressam-se na comparação entre o real e o ideal. Nesse sentido, uma avaliação satisfatória acerca da supervisão pode ocorrer a partir de quaisquer benefícios percebidos. Portanto, é essencial que na formação de enfermeiros líderes haja espaço para a formação e capacitação dos estudantes de enfermagem na supervisão e na avaliação.

Nas conexões de palavras que emergiram com “organização”, tais como “conflito” ou “delegação”, considerou-se estarem claramente relacionadas com competências de liderança. Esta opinião apoia-se no Regulamento do Perfil de Competências do Enfermeiro de Cuidados Gerais da Ordem dos Enfermeiros (2015), que, nas suas 96 competências, não explicita especificamente o termo “liderança”, contudo, destaca a competência “delega e supervisiona tarefas”. Esta competência considera que o enfermeiro avalia as necessidades e o tipo de cuidados a serem prestados aos utentes, e, na sua priorização, assume a delegação de tarefas e respetiva supervisão dos profissionais que lhe são funcionalmente dependentes, tornando-se deste modo, o responsável pela globalidade dos cuidados prestados aos utentes.

Na ação de liderar, o enfermeiro tem a possibilidade de organizar os recursos disponíveis a fim garantir a qualidade e a continuidade na gestão do cuidado, tal como é evidenciado pelas conexões presentes entre os termos “saúde”, “organização” e “cuidado”. A organização ocorre em diversos níveis que se sucedem, desde os recursos humanos em enfermagem e sua disposição nos diversos setores de um serviço, quer nos recursos materiais, na distribuição para sua utilização e controle para reposição, quer na organização dos dados colhidos na elaboração do processo de enfermagem. Assim, a organização é uma competência indispensável para o enfermeiro no exercício de suas funções administrativas e assistenciais e com reflexo direto na produção do cuidado.

Segundo Scammel et al. (2020) a observação de papéis de liderança em ação é um objetivo fundamental dos estágios clínicos dos estudantes de enfermagem, a fim de integrar a teoria da liderança com a aplicação prática. A aprendizagem dos estudantes com enfermeiros experientes pode ser útil em termos de modelagem de comportamentos positivos de liderança. No entanto, verificou-se neste estudo a ausência de conexões entre liderança ou termos relacionados com o ensino clínico, surgindo apenas, isoladamente, numa disciplina o termo “supervisão clínica”.

Por outro lado, os mesmos autores advogam que a teoria e a competência da liderança devem ser introduzidas o quanto antes e revistas ao longo do programa. Nos cursos de enfermagem portugueses estudados, verificou-se que em sete dos 17 cursos, alguns conteúdos programáticos do âmbito da liderança são introduzidos num período ainda inicial da formação (2.º ano), no entanto a maioria dos cursos opta por abordar as questões relacionadas com a liderança já no fim do curso, no 4.º ano da licenciatura.

Sublinha-se que todas as UC analisadas na amostra ofereciam uma componente teórica e uma componente teórico-prática. Observamos, assim, uma abordagem da liderança numa dimensão ampla, embora ausente nos ensinos clínicos. Esta ausência gera oportunidades limitadas para ‘aprender a liderar’ e para incentivar os estudantes a testarem comportamentos de liderança. A simulação de experiências em contexto teórico-prático poderá, no entanto, fornecer experiências de aprendizagem alternativas promotoras de algumas competências de liderança.

Sendo sensível às dificuldades crescentes nos locais da prática, torna-se cada vez mais necessário desenvolver em sala de aula estratégias que permitam criar experiências que possibilitem aos estudantes praticar papéis de liderança, resolução de problemas, delegação e supervisão, entre outros (Dyess & Sherman, 2011; Maughan et al., 2016; Park & Kim, 2017), o que poderá ocorrer nas aulas teórico-práticas. As habilidades de desenvolver comportamentos de liderança transformadores que apoiam mudanças em ambientes de prática não são facilmente adquiridas, mas podem ser desenvolvidas e o potencial dos novos enfermeiros não pode ser negligenciado (Dyess & Sherman, 2011; Abelha et al., 2018).

Conclusão

Perante os resultados obtidos na amostra em estudo, salienta-se que o ensino da liderança nas escolas de enfermagem está presente em todos os currículos acessíveis, de forma mais ou menos direta, uma vez que temas correlacionados com a liderança constam nos conteúdos das unidades curriculares.

O ensino da liderança na formação em enfermagem é fundamental para o desenvolvimento de habilidades e competências que capacitem o estudante e futuro enfermeiro para a tomada de decisão, a resolução de problemas, a negociação, a orientação da equipa, e a prestação de cuidados com qualidade, mas ainda assim não se situa nos léxicos centrais da similitude de palavras. Pela transversalidade e importância da temática, fica, contudo, a esperança de que conteúdos de liderança sejam abordados em diferentes unidades curriculares, ainda que não estejam expressos em seus programas.

A pesquisa atual e a prática baseada em evidências demonstraram a necessidade do desenvolvimento de competências de liderança em estudantes de enfermagem e em enfermeiros da prática clínica, no entanto, existe uma escassez de estudos e de conhecimentos sobre as habilidades de liderança nos enfermeiros sem cargos de gestão.

Não obstante as limitações apontadas, este estudo pode ser o ponto de partida para desenvolver um intercâmbio académico e difusão no sentido de assegurar o diálogo e o desenvolvimento colaborativo entre docentes em relação ao ensino da liderança no ensino em enfermagem. Desse intercâmbio, poderão fazer parte a discussão de estratégias, a definição de conteúdos programáticos, o intercâmbio de material (in)formativo, a realização de encontros entre docentes e ainda a possibilidade de formar grupos de trabalho interinstitucionais.

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7Como citar este artigo: Ferreira, M. M., Bueno, A. A., & Lomba, M. L. (2021). Curso de Licenciatura em Enfermagem: Panorama do ensino de liderança em Portugal. Revista de Enfermagem Referência, 5(Supl. 8), e20203. https://doi.org/10.12707/RV20203

Recebido: 04 de Janeiro de 2021; Aceito: 15 de Outubro de 2021

Conceptualização: Ferreira, M. M., Bueno, A, A., Lomba, M. L.

Tratamento de dados: Bueno, A, A., Ferreira, M. M.

Metodologia: Ferreira, M. M., Bueno, A, A.

Redação - rascunho original: Ferreira, M. M., Bueno, A, A., Lomba, M. L.

Redação - análise e edição: Lomba, M. L.

Autor de correspondência Maria Manuela Frederico Ferreira E-mail: mfrederico@esenfc.pt

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