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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283versão On-line ISSN 2182-2883

Rev. Enf. Ref. vol.serVI no.1 Coimbra dez. 2022  Epub 17-Jun-2022

https://doi.org/10.12707/rv21005 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)

Cuidados omissos em contexto de cuidados domiciliários: Razões na perspetiva dos enfermeiros

Nurses’ perspectives on the reasons for missed care in home care settings

Cuidados omitidos en la atención domiciliaria: Razones desde la perspectiva de los enfermeros

Maria da Conceição Saraiva da Silva Costa Bento1 
http://orcid.org/0000-0001-8311-4537

Abel Paiva e Silva2 
http://orcid.org/0000-0002-3362-4165

1 Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, Coimbra, Portugal

2 Escola Superior de Enfermagem do Porto, Porto, Portugal


Resumo

Enquadramento:

Os cuidados às pessoas dependentes no autocuidado a viver no domicílio e a sua provisão são uma realidade complexa e multidimensional, não estando em muitas situações garantida a sua completude. São escassos os estudos que analisam as razões deste fenómeno.

Objetivo:

Conhecer as razões que, na perspetiva dos enfermeiros, subjazem à existência de cuidados que não são realizados ou que não são realizados com a frequência esperada às pessoas dependentes referenciadas para cuidados pelas equipas de cuidados continuados domiciliários.

Metodologia:

Estudo de natureza qualitativa com recurso à técnica do focus group.

Resultados:

Os cuidados incompletos são concetualizados pelos enfermeiros como um fenómeno que se inicia num problema - escassez de recursos/tempo - associado a fatores organizacionais e condições da família para o exercício do papel de cuidador, que leva à decisão de priorizar cuidados resultando em cuidados omissos ou incompletos. Este é um processo que gera mal-estar nos enfermeiros.

Conclusão:

É necessário um modelo de cuidados domiciliários que dê resposta em completude às necessidades.

Palavras-chave: assistência domiciliar; enfermagem; segurança do paciente; gestão da qualidade

Abstract

Background:

The delivery of care to people who live at home and depend on others for care is a complex and multidimensional reality where there are often situations of unfinished care. Few studies analyze the reasons for this phenomenon.

Objective:

To explore nurses’ perspectives on the reasons for missed care or care that is not provided as frequently as expected to dependent people referred to home-based long-term care teams.

Methodology:

Qualitative study using the focus group technique.

Results:

Nurses conceptualize unfinished care as a phenomenon that starts with a problem - lack of resources/time - associated with organizational factors and the family’s conditions to assume the caregiver role, which leads to the decision to prioritize care resulting in missed or unfinished care. This process causes discomfort among nurses.

Conclusion:

There is a need for a home care model that fully meets the needs.

Keywords: home nursing; nursing; patient safety; quality management

Resumen

Marco contextual:

Los cuidados que se prestan a las personas dependientes en el autocuidado que viven en su domicilio es una realidad compleja y multidimensional, y en muchas situaciones no se garantiza que sea completa. Hay pocos estudios que analicen las razones de este fenómeno.

Objetivo:

Conocer las razones que, desde la perspectiva de los enfermeros, subyacen a la existencia de cuidados que no se prestan o que no se prestan con la frecuencia esperada a las personas dependientes derivadas por los equipos de atención continuada a domicilio.

Metodología:

Estudio cualitativo llevado a cabo mediante la técnica del grupo focal.

Resultados:

Los cuidados incompletos son conceptualizados por los enfermeros como un fenómeno que parte de un problema - la falta de recursos/tiempo - asociado a factores organizativos y a las condiciones familiares para el ejercicio del papel del cuidador, lo que lleva a la decisión de priorizar los cuidados, que se traduce en una falta de cuidados omitidos o incompletos. Este es un proceso que genera malestar en los profesionales.

Conclusión:

Es necesario un modelo de atención domiciliaria que satisfaga plenamente las necesidades.

Palavras-chave: atención domiciliaria de salud; enfermería; seguridad del paciente; gestión de la calidad

Introdução

A omissão de cuidados de enfermagem é um fenómeno que tem vindo a ser estudado no âmbito dos cuidados hospitalares desde os primeiros anos do século XXI (Jones et al., 2015). A nível internacional, a prevalência de cuidados incompletos em cuidados de agudos é relatada por 55-98% dos enfermeiros (Jones et al., 2015). Os cuidados omissos, incompletos, inacabados, ou deixados por fazer são definidos “como a omissão de qualquer aspeto dos cuidados necessários ao doente, que é omitido (em parte ou no todo) ou atrasado” (Kalisch et al., 2009, p. 1510). Os estudos neste domínio sugerem que os principais fatores que influenciam a prevalência de cuidados omissos estão relacionados com o ambiente em que os enfermeiros trabalham, as exigências associadas ao estado de gravidade dos doentes e o número de enfermeiros disponível para prestar esses cuidados (Phelan et al., 2018a). No que diz respeito aos cuidados de enfermagem prestados na comunidade, existem poucos estudos, e ainda são mais escassos os que incluem a análise do fenómeno nos cuidados domiciliários (Sworn & Booth, 2020).

Este estudo tem como objetivo conhecer as razões que, na perspetiva dos enfermeiros, subjazem à existência de cuidados que não são realizados, ou que não são realizados com a frequência esperada, às pessoas dependentes referenciadas para cuidados pelas equipas de cuidados continuados domiciliários.

Enquadramento

A questão do racionamento/priorização de cuidados (Schubert et al., 2008), tarefas deixadas por fazer (Sochalski, 2004), cuidados incompletos (Jones et al., 2015), cuidados perdidos (Phelan et al., 2018b), ou cuidados omissos (Kalisch et al., 2009), todas designações para os cuidados de enfermagem necessários que são omitidos (em parte ou na totalidade), são realizados com menos frequência que a esperada ou significativamente adiados (Kalisch et al., 2009), tem sido amplamente estudada no contexto da prestação de cuidados em ambiente hospitalar e associada a resultados negativos nos doentes (Jones et al., 2015; Kalisch et al., 2009). Apontando a revisão da literatura, realizada por Jones et al. (2015),existe/a existência de uma elevada prevalência de cuidados deixados por fazer reportada pelos enfermeiros (entre 55 - 98%). O único estudo identificado sobre cuidados omissos, em contexto de cuidados comunitários, foi desenvolvido por Phelan et al. (2018b), na Irlanda. As investigadoras inquiriram uma amostra representativa de enfermeiros que trabalhavam na comunidade, sobre se omitiam cuidados e que cuidados deixavam por fazer, no âmbito do exercício das funções/responsabilidades inerentes à sua prática, tendo concluído que os cuidados perdidos podem ser uma ocorrência significativa também na enfermagem comunitária. Nos domínios dos cuidados, sobre os quais as autoras questionaram os enfermeiros, incluíveis no âmbito dos cuidados domiciliários, os respondentes reportaram 50% de cuidados omissos. Para conhecer melhor este fenómeno fora do contexto hospitalar, são necessários mais estudos, entre eles nos cuidados domiciliários, sendo o padrão de ouro a usar nesses estudos, para a estimativa de cuidados incompletos, a observação direta (Sworn & Booth, 2020).

Os cuidados continuados domiciliários, em Portugal, são assegurados pela Rede Nacional de Cuidados Continuados, pelas Equipas de Cuidados Continuados Integrados (ECCI), integradas nas Equipas de Cuidados na Comunidade dos Agrupamentos de Centros de Saúde (ACES). O acesso a este tipo de cuidados é, no espírito da lei em vigor no país, universal (Decreto-lei no 101/2006 de 6 de junho, 2006). Reúne cada vez maior consenso que a resposta em cuidados continuados deve priorizar e privilegiar os cuidados domiciliários e de base comunitária, mantendo as pessoas dependentes no autocuidado, ou em risco de transição para a dependência, em suas casas, sempre que, mediante apoio domiciliário, possam ser garantidos os cuidados de saúde e o apoio social necessários à manutenção do bem-estar e qualidade de vida (Cylus et al., 2019).

Questão de investigação

Quais as razões que, na perspetiva dos enfermeiros, subjazem à existência de cuidados que não são realizados ou que não são realizados com a frequência esperada às pessoas dependentes referenciadas para cuidados pelas equipas de cuidados continuados domiciliários?

Metodologia

Para conhecer a perspetiva dos enfermeiros optou-se por utilizar uma metodologia de natureza qualitativa, uma vez ser esta a abordagem indicada quando se pretende conhecer “aquilo que os sujeitos experimentam, o modo como eles interpretam as suas experiências e o modo como eles próprios estruturam o mundo social em que vivem” (Psathas, 1974, citado por Bogdan & Biklen, 1994, p.51). Relativamente à técnica de colheita de dados optou-se pelo focus group, uma vez que esta técnica tem como finalidade procurar o sentido e a compreensão dos complexos fenómenos sociais (Galego & Gomes, 2005), sendo apropriada para compreender a relação entre causa e efeito, ajudando a clarificar resultados invulgares (Galego & Gomes, 2005). Na organização desta etapa da investigação seguiram-se as fases subjacentes à implementação de um focus group propostas por Silva et al. (2014): planeamento; preparação; moderação; e análise de dados. Como objetivo do focus group definiu-se: “conhecer as razões que, na perspetiva dos enfermeiros, subjazem à existência de cuidados que não são realizados ou que não são realizados com a frequência esperada às pessoas dependentes referenciadas para cuidados nas ECCI”. Os critérios para a inclusão dos participantes no focus group incluíam ser enfermeiro de uma das equipas de cuidados domiciliários do ACES onde decorreu o estudo prévio quantitativo em que se verificou a omissão de cuidados (proporção de cuidados implementados face aos esperados 66,7%), ter sido responsável pelos cuidados às pessoas dependentes que integraram esse estudo, consentir informadamente participar e ser voluntário para participar. Foi feito contacto telefónico com todos os enfermeiros nas condições de integrar o estudo e enviado convite por correio eletrónico, onde se informavam os participantes dos objetivos do estudo, regras de participação, incluindo o tempo estimado de duração e da possibilidade de desistir durante a entrevista e se pedia confirmação da participação. O grupo ficou constituído por 12 enfermeiros, um de cada equipa. Uma das equipas não integrou o estudo, pois a única enfermeira que a integrava, no dia e na hora da entrevista, não podia participar. A entrevista foi realizada dia 26 de outubro de 2020 com a duração de 3,30 horas, tendo sido gravada, após autorização dos participantes. A moderação foi realizada pela investigadora, tendo tido o apoio de dois investigadores, quer para gerirem os procedimentos de gravação, quer para tomarem notas e apoiar em eventuais questões logísticas que pudessem surgir. Os participantes foram informados sobre os objetivos do estudo e as regras de participação. A entrevista foi aberta com uma questão central: Quais as razões que levam à omissão/incompletude de cuidados?

Após a transcrição das entrevistas foi realizado o tratamento e análise dos dados, tendo-se recorrido à análise de conteúdo. Desenvolveu-se o processo sequencial de análise proposto por Strauss e Corbin (2008). Procedeu-se a uma classificação, segmentação e identificação preliminar da informação. De seguida fez-se nova leitura dos textos, compararam-se e agruparam-se por similaridades e diferenças, em torno de cada uma das categorias, de forma a estabelecer, identificar unidades de análise no interior das unidades mais vasta, criando um subsistema de códigos, correspondente às subcategorias. Para interpretar e extrair conclusões a partir dos dados, organizou-se a informação sob a forma de matrizes bidimensionais, reagrupando os dados de acordo com a natureza da relação entre as várias categorias e subcategorias (Strauss & Corbin, 2008). Passou-se depois à redação do texto teórico, construído a partir das categorias analíticas que respondem à questão inicial “quais as razões para a omissão/incompletude de cuidados em cuidados domiciliários?”,

O estudo recebeu a aprovação ética total da Comissão de Ética da Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem, parecer favorável nº 546/01-2019, e da Comissão de Ética para a Saúde da referida Administração Regional da Saúde do Centro, S.A. Os enfermeiros aceitaram voluntariamente participar no focus group, a entrevista foi transcrita e anonimizada e a transcrição bem como a matriz de categorias validadas. Foram respeitados todos os procedimentos éticos relacionados com a pesquisa com seres humanos em todas as etapas da pesquisa.

Resultados

Os participantes no estudo foram 12 enfermeiros de equipas de cuidados continuados domiciliários de um ACES da região centro de Portugal (23% dos enfermeiros que integram as equipas), sendo que 83,3% eram mulheres, todos especialistas em enfermagem de reabilitação e com mais de 10 anos de atividade profissional.

Nos discursos dos enfermeiros emergiram dois grandes temas: um principal, designado como “razões para a incompletude de cuidados” e um segundo tema, designado como “incompletude de cuidados, um processo que gera mal-estar nos enfermeiros”.

A Figura 1 sintetiza os resultados encontrados.

Figura 1: Síntese dos resultados da análise de conteúdo 

Razões para a falta ou incompletude de cuidados de enfermagem

A existência de incompletude de cuidados, isto é, de cuidados que, sendo necessários, não são feitos, ou ficam inacabados, porque não são realizados com a frequência e continuidade necessárias, que designaremos por incompletos, é uma realidade que os enfermeiros, que participaram neste estudo, conhecem bem, que não escondem, e que os angustia. Na impossibilidade de apresentar todos os achados, efetuamos a apresentação daqueles que são mais relevantes.

As razões para não conseguirem implementar os planos de cuidados que consideram necessários são múltiplas e de diferente natureza, podendo ser agrupadas em razões que têm que ver com questões relacionadas com a organização, que concorrem para a falta de tempo, fator central ao redor do qual as restantes dimensões gravitam, que englobámos na categoria “a falta de tempo e a necessidade de dividir o mal pelas aldeias” e as que têm que ver com a continuidade dos cuidados que se espera que a família assegure, que deu origem à categoria “a família não tem condições para o exercício do papel”.

A falta de tempo e a necessidade de dividir o mal pelas aldeias

Relativamente à primeira ordem de razões, que levam os enfermeiros a não disporem do tempo necessário para garantir completude de cuidados e que os obriga a estabelecer prioridades, encontrámos: a dotação inadequada de enfermeiros e organização fragmentada do trabalho; a falta de meios; e a complexidade de cuidados exigida pelas condições de saúde das pessoas dependentes, que exige um conjunto de ações próprias e de articulação com outros atores, muitas vezes difíceis, que consomem tempo de que os enfermeiros não dispõem. A questão dos cuidados incompletos é concetualizada pelos enfermeiros como um fenómeno que se inicia num problema - escassez de recursos/tempo -, a que se segue um processo, em que os enfermeiros têm que tomar a decisão clínica de priorizar cuidados, o que resulta em cuidados deixados por fazer/incompletos.

Dotação inadequada de enfermeiros e organização fragmentada do trabalho

No discurso dos enfermeiros, as razões que relevam à diminuição do número de visitas, menor frequência de cuidados e necessidade de priorizar focos de atenção e intervenções, prendem-se, por um lado, com a falta de enfermeiros e uma inadequada relação entre o número de enfermeiros e o número de pessoas a cuidar e, por outro lado, com a fragmentação e dispersão dos enfermeiros por outras atividades e projetos, para além dos cuidados às pessoas no domicilio. O seu tempo, que consideram pouco para dar resposta às necessidades das pessoas dependentes e seus cuidadores, é ainda distribuído por outras atividades. “Na ECCI de Y são 10 utentes. Somos duas enfermeiras, nenhuma de nós pode estar alocada à ECCI a tempo inteiro, porque para além da ECCI temos que realizar todas as outras atividades da carteira de serviços da UCC” (Enfermeira C).

Falta de meios

A inexistência de meios necessários ao desenvolvimento dos cuidados e as dificuldades no acesso aos mesmos, são relatadas como outro fator constrangedor que influencia a completude de cuidados, entre a falta de meios destacam: dificuldades na gestão dos transportes; falta de recursos materiais; necessidade de adaptar; e indisponibilidade de dispositivos de apoio.

A problemática da gestão e coordenação dos transportes necessários para se deslocarem a casa das pessoas aparece com muita intensidade nas falas dos enfermeiros: “depois, transportes, gestão de transportes entre os vários municípios possíveis, é um quebra-cabeças” (Enfermeiro D).

Os enfermeiros falam ainda de falta de material clínico, dispositivos que facilitem o acesso à informação clínica e a documentação dos cuidados no local onde os mesmos são prestados, dispositivos médicos, ajudas técnicas e produtos de apoio.

Em termos de dificuldades . . . é assim acho que recursos é - se nós tivermos coisas tão simples como agentes físicos, por exemplo uma compressa térmica - não existe, um oxímero - não existe, . . . não temos maneira de ter um aspirador. É muito complicado isto . . . Não temos. E é uma coisa que nos deixa a nós . . . com uma sensação de inutilidade, eu até identifico o problema, até sei qual é o problema, mas . . . E depois lá vão os utentes para a urgência. (Enfermeira D)

A indisponibilidade dos dispositivos (equipamentos, instrumentos, tecnologia e software) dirigidos a prevenir, compensar, monitorizar, avaliar, ou neutralizar as incapacidades, limitação da atividade e restrições na participação é referida, nos discursos dos enfermeiros, como um fator que concorre para a incompletude de cuidados. Atribuem as dificuldades, no acesso a estes dispositivos, a questões relacionadas com a prescrição e à burocracia no acesso aos mesmos.

Face à falta de meios, os enfermeiros reportam um esforço permanente de adaptação à realidade que encontram. Sendo obrigados a improvisar práticas, instrumentos de trabalho e a um ajuste sistemático do conhecimento formal na ação:

Depois também sinto a questão que os colegas também já falaram da falta de material. Confesso que quando cá cheguei à ECCI . . . o que é que eu tinha para trabalhar? As minhas mãos, e os meus conhecimentos, mas não tinha uma pedaleira, um oxímetro . . . tenho umas canadianas e um andarilho. E, portanto, é difícil! Depois acabamos por ter muita imaginação, que eu acho que é isso mesmo que nos vale. A imaginação fértil para tentar adaptar as técnicas aos nossos contextos e às nossas realidades. (Enfermeira G)

Cuidados multidimensionais e complexos

Concorre também, para a incompletude de cuidados, segundo os enfermeiros entrevistados, a natureza complexa e multidimensional dos cuidados de saúde domiciliários, às pessoas dependentes no autocuidado, designadamente o elevado nível de dependência da pessoa no autocuidado; a sua condição de saúde com múltiplas comorbilidades; a maioria das pessoas ser idosa ou muito idosa, com grande vulnerabilidade e fragilidade, o mesmo acontecendo relativamente aos seus cuidadores; a natureza do contexto onde os cuidados são prestados, a casa das pessoas, em que os enfermeiros são “visita”; a natureza relacional da prestação de cuidados necessária, que exige relações com pelo menos uma tríade relacional: enfermeiro, doente, familiar, cuidador, todos a viver processos de transição e adaptação.

A complexidade e multidimensionalidade dos cuidados de saúde às pessoas dependentes exige a participação de equipas multidisciplinares e multiprofissionais e um trabalho de articulação e ligação, que é assumido pelos enfermeiros de forma informal, mas que não é isento de dificuldades. Desde logo os enfermeiros sentem “ausência de uma equipa multidisciplinar”: “Além disso, a ausência de equipa multidisciplinar é um fator, do nosso ponto de vista crucial, para não haver uma efetividade daquilo que é o plano de cuidados que o utente necessita” (Enfermeira F).

Os enfermeiros descrevem também, como desenvolvem o trabalho de ligação/articulação entre os diferentes profissionais e entre as pessoas e os recursos.

Os enfermeiros identificam como problemática a inexistência de articulação formal e referem que a articulação informal depende de cada pessoa, sendo por vezes difícil, consumindo também ela muito tempo e comprometendo a continuidade dos cuidados.

A família não tem condições para o exercício do papel

A segunda ordem de razões enfatizada no discurso dos enfermeiros para explicar a existência de cuidados omissos está relacionada, em muitos casos, com o facto da família, particularmente com os membros que assumem o exercício do papel de cuidador, não terem condições para o exercício desse papel. Agrupámos os dados desta categoria em três subcategorias: “tornar-se um cuidador: da ausência de escolha à inexistência de cuidador”, “idosos a cuidar de idosos” e “o modelo organizativo em uso não responde às necessidades”.

Tornar-se um cuidador: da ausência de escolha à inexistência de cuidador

Na problematização que os enfermeiros fazem sobre as razões pelas quais os cuidadores familiares não têm condições para o exercício do papel, uma das razões prende-se com a questão da escolha, isto é, o modo como a família e os seus membros são levados, pelas circunstâncias, a tornar-se num cuidador, sem que isso corresponda a uma verdadeira escolha. Quer quando a transição para a dependência acontece de forma abruta, nas situações de doença súbita, quer quando acontece de forma gradual, como é o caso das situações de dependência ligadas ao envelhecimento, os familiares são transformados em cuidadores, segundo os enfermeiros, sem que isso corresponda a uma verdadeira escolha:

Eu acho que eles o trazem para casa porque . . . ainda é um bocadinho a nossa sociedade: Ah, a família tem de tomar conta e eu prefiro levá-lo para casa e fica em casa mas depois não estão preparados . . . e contam que os vamos substituir. . . e o modelo em vigor não é de cuidados totalmente compensatórios, nem parcialmente. (Enfermeira M)

A escolha é frequentemente passiva, feita com base na crença, muitas vezes realista, de que não existe mais ninguém para cuidar e de que não existem alternativas aceitáveis. Os enfermeiros têm a ideia de que os familiares não estão verdadeiramente disponíveis para assumir a responsabilidade pelo exercício do papel. São reportadas situações nas quais as pessoas estão longos períodos de tempo sozinhas, sem que lhes seja prestado qualquer cuidado (alimentação, hidratação, mobilização, etc.). Isto é tanto mais preocupante, se pensarmos que 77,7% destas pessoas, a quem os enfermeiros se reportam, não consegue fazer sozinha nenhuma das seguintes ações: virar-se, sentar-se ou transferir-se.

E isto quando o cuidador existe, porque às vezes, aqui na região da UCC de Q a população é muito envelhecida, e nós chegamos lá a casa do utente e está sozinho, passa o dia sozinho, os familiares vão trabalhar, os filhos até estão fora. (Enfermeira J)

Idosos a cuidar de idosos

Uma das principais razões, para além das atrás referidas, aduzidas pelos enfermeiros para explicar a elevada proporção de cuidados que não são realizados, prende-se com a idade dos cuidadores. Idosos a cuidar de idosos, sem capacidade física e/ou cognitiva, para agirem como parceiros nos cuidados, com parcas condições, poucos recursos, vulneráveis e, muitas vezes, também eles a necessitar de ajuda.

Uma outra dificuldade que nós temos é que a maior parte das vezes o cuidador é tão ou mais idoso que a pessoa que é cuidada . . . com 80 e tal anos, 90 . . . não têm capacidade física, muitas vezes não têm capacidade cognitiva . . . para colaborarem connosco como parceiros de cuidados . . . por muito que se esforcem eles não conseguem. (Enfermeira A)

“depois, como também já falaram os colegas, tem a ver com as características dos próprios cuidadores. São idosos a tomar conta de idosos, em condições mínimas, com falta de recursos” (Enfermeira H).

O modelo organizativo em uso não responde às necessidades

Os enfermeiros referem a existência de um conflito de expetativas entre a filosofia que sustenta a oferta de cuidados domiciliários oferecidos e o que as famílias desejam e precisam, dizendo que a família/pessoa esperam um sistema de cuidados totalmente compensatório, em alguns casos, parcialmente compensatório e o modelo de organização vigente apenas permite cuidados enquadráveis num sistema de apoio e educação:

Por exemplo eu tenho sempre o cuidado de perguntar inicialmente o que é esperam de mim, quais são as expectativas - e aquilo que eu tenho, e isto é a perceção que eu tenho, tem o valor que tem, é que as pessoas querem um modelo parcialmente compensatório ou totalmente compensatório, ou seja, na prática estão à espera que nós os vamos substituir. E é isto que é claro, e nós não conseguimos, é impossível ir lá com a frequência diária no simples cuidado. (Enfermeira D)

Por outro lado, os enfermeiros reportam que o acesso a cuidados domiciliários é tardio, perdendo-se muitas vezes a janela de oportunidade ótima para a recuperação. Tendo esta situação muito que ver com problemas na referenciação, que é descrita como complexa e morosa, que deixa as pessoas sem cuidados durante muito tempo:

Os problemas já foram um bocadinho relatados e começam logo pelo processo de referenciação do utente. Ele é complexo. Penso que por muito que seja explicado às equipas de saúde familiar o modo como se faz a referenciação do utente, ele é complexo. (Enfermeira G)

Para além disso, reportam a preocupação por os cuidados domiciliários prestados configurarem uma resposta temporária que, não garante o acompanhamento das pessoas durante os processos de dependência. Os processos de dependência são longos e as pessoas necessitam de acompanhamento contínuo. A pressão para darem alta ao fim de um período de tempo, inculcada pelos indicadores de resultado estabelecidos, traduz-se em perda dos ganhos em saúde conseguidos. Devia haver, segundo os enfermeiros, vários níveis de resposta, desde um nível que assegurasse a totalidade dos cuidados que a pessoa necessita, a um nível de apoio e ensino ao cuidador e monitorização e acompanhamento da pessoa dependente, passando por um nível intermédio em que os cuidados são complementares àqueles que o cuidador assegura. Isto faria com que não tivessem que decidir dar-lhes alta, sabendo que continuam a precisar de cuidados que a família não consegue assegurar, pressionados por indicadores de resultado desajustados:

Estes utentes a quem nós vamos, são utentes que precisam da ECCI numa fase inicial, mas depois precisam de muitos tratamentos de manutenção e o que acontece é que os nossos doentes ao fim de 90 ou 120 dias acabam por ter alta. E depois no dia seguinte já estão novamente a fazer o pedido para nova referenciação, quando voltamos sentimos que já houve aqui muita perda. . . Eu acho que níveis de cuidados para dar resposta ao longo do trajeto de necessidade, fazia todo o sentido. (Enfermeira G)

Outro aspeto muito referido como obstáculo à completude de cuidados é o horário praticado, reportando que a organização do trabalho e dos cuidados é orientada pelo tempo e não pelas necessidades das pessoas. O horário varia, mas predominantemente é, das 9 às 17 horas, ou quando possível, das ou 8 às 20 horas, e em situações excecionais, justificadas, ao sábado. Estes horários, para os quais não vêm alternativa, dado o número de enfermeiros existente, dificultam, nas suas próprias palavras, a continuidade de cuidados, dificultando o acesso das pessoas aos cuidados necessários e deixando as pessoas completamente sozinhas à tarde, à noite e ao fim de semana.

Incompletude de cuidados - um processo que gera mal-estar nos enfermeiros

A consciência da incompletude de cuidados e a necessidade de definir prioridades gera sentimentos de impotência e angústia nos enfermeiros. Os enfermeiros vivem o processo que leva à incompletude de cuidados como dilemático. Por um lado, acreditam que se tivessem condições podiam transformar os cuidados domiciliários prestados num bom modelo de cuidados:

Se tivéssemos alguns problemas revolvidos . . . Mas se nós tivéssemos aqui uma equipa, dotações seguras, equipa multidisciplinar, materiais, transporte . . . que é aquilo que está legislado - por isso nós não estamos a pedir nada de novo . . . é nós termos as ferramentas para podermos, de facto, trabalhar. Eu acho que sim, que era possível cumprirmos a missão que é a da rede de cuidados continuados no domicílio. (Enfermeiro H)

Mas por outro, a realidade vivida, devolve-lhes sentimento de impotência, de inutilidade, de frustração e tristeza, vejamos como estas questões são afloradas no discurso dos enfermeiros:

É dramático [os cuidados que ficam em falta] - mas eu não sei que respostas pode haver para isto, porque estas respostas deveriam ser, sem dúvida nenhuma, ao nível do Ministério, do Governo. No terreno, as equipas que estão no terreno não conseguem fazer muito mais. (Enfermeira C)

“É um fator desmotivante depois para a equipa, neste momento na nossa análise SWOT nós consideramos que uma ameaça é precisamente a desmotivação e a frustração dos elementos da equipa.” (Enfermeiro H).

Ficou patente a angústia moral que sentem, a insatisfação com a situação e o sentimento de que este é um problema não apenas local, mas do sistema como um todo que a expressão que transcrevemos traduz:

Os cuidados de saúde primários são o parente pobre do Serviço Nacional de Saúde e as UCC e ECCI, que as integram, são o parente paupérrimo dos Centros de Saúde. E é com alguma tristeza que eu digo isto porque as pessoas cada vez precisam mais. (Enfermeira H)

Discussão

Como vimos, a falta tempo para a realização dos cuidados necessários é o principal motivo, ao redor do qual os outros fatores gravitam, apontado para que os enfermeiros tenham que priorizar cuidados e deixar cuidados por fazer. O fenómeno de adequar os projetos de cuidados das pessoas aos recurso/tempo (Tønnessen et al., 2011), que os enfermeiros descrevem, não ocorre no vácuo. Resulta sim das condições de possibilidade que são influenciadas, como disseram, por uma multiplicidade de fatores políticos-organizacionais, relacionados com modelo de organização de cuidados como um todo, a gestão operacional e de cuidados, mas também a fatores que se prendem com a natureza complexa dos cuidados à pessoa e aos seus cuidadores familiares. A natureza de fatores é convergente com os encontrados por Sworn e Booth (2020) na recente revisão sistemática sobre o impacto dos cuidados deixados por fazer em contextos de cuidados na comunidade. Os enfermeiros falam-nos dos problemas que encontram, ficando implícito no seu discurso que os diferentes aspetos de estrutura, processo e resultado se influenciam mutuamente.

Os constrangimentos maciços de tempo que condicionam as práticas dos enfermeiros em contexto de cuidados domiciliários têm sido encontrados por vários autores (Martinsen et al., 2018). A elevada carga de trabalho e falta de pessoal leva à decisão de se concentrarem mais nuns aspetos dos cuidados que noutros, que são deixados para trás (Tønnessen et al., 2011; Turjamaa et al., 2014). É também isso que nos contam os enfermeiros neste estudo, que se sentem forçados a tomar decisões que são complexas e que dependem de cada situação encontrada na relação de cuidados, com cada pessoa/família única e diferente, com necessidades de natureza individual e contextual. Esforçando-se continuamente por repartir o seu tempo e esforço de forma justa entre os clientes e avaliar exaustivamente as suas necessidades (Martinsen et al., 2018). Existe um consenso crescente de que as dotações de enfermagem para garantir cuidados seguros são um requisito como parte da garantia da oferta de cuidados de qualidade aos doentes (Ball et al., 2017; Phelan et al., 2018a). Os dados parecem apontar para problemas neste domínio e a necessidade de que se abandonem dotações baseadas em históricos. Parece haver a necessidade de pensar novas formas de cálculo das dotações de enfermeiros que tenham em consideração a nova realidade demográfica e de saúde, as necessidades das pessoas, incluindo variáveis como a elevada dependência dos utentes, a complexidade de cuidados, as necessidades dos cuidadores (quer de capacitação para o exercício do papel, quer para o descanso do cuidador), os tempos variáveis de deslocação a cada domicílio, numa área geográfica que é por vezes alargada, a necessidade de articulação, com outros atores do processo cuidados. Isto se se quiser, que a prática dos cuidados domiciliários, prestados pelos enfermeiros, não tenha que se concentrar na conclusão de tarefas controladas pelo relógio e não pelas necessidades da pessoa dependente, ajustando os cuidados ao tempo disponível, ao invés de corresponder à implementação de um projeto, co-construído com a pessoa dependente e família e centrado na satisfação das suas necessidades e na recuperação do seu máximo potencial de autonomia (Turjamaa et al., 2014).

Também a falta de meios referida pelos enfermeiros tem sido encontrada noutros estudos. Por exemplo, a falta de meios de transporte e o tempo associado à organização e realização das viagens tem sido considerado como um fator que importa prever num modelo de cuidados domiciliário, pelo impacto que pode ter nos resultados dos cuidados e aparece descrito como uma das razões para omissão de cuidados por falta de tempo, sendo um dos aspetos dificultadores dos cuidados nesta área (Neal, 1998; Phelan et al., 2018b).

No domicílio o enfermeiro presta cuidados geralmente sozinho, tendo que gerir um conjunto de imprevisibilidades, no quadro do exercício de uma prática profissional autónoma, com a inerente assunção de responsabilidade pelas decisões que toma e os atos que pratica. Neste quadro, não dispor dos recursos, antecipáveis como necessários, aumenta a incerteza e vulnerabiliza enfermeiros e resultados. A incorporação das ajudas técnicas e dispositivos de apoio, bem como a promoção da sua da utilização, com vista à autonomia das pessoas dependentes, é inerente a uma conceção do cuidado de enfermagem enquadrada no melhor conhecimento disponível, e como alerta Meleis (2012), a valorização dos cuidados também se manifesta pelos recursos disponíveis e utilizados. Não providenciar os dispositivos aconselhados, às pessoas dependentes no autocuidado, configura omissão de cuidados (Phelan et al., 2018a).

A dificuldade de articulação entre setor da saúde e social na prestação de cuidados domiciliários, encontrada neste estudo, está, também, descrita internacionalmente, como um dos problemas existentes na prestação de cuidados nesta área (Cylus et al., 2019). Em consonância com a sugestão dos enfermeiros do estudo, o recurso a gestores de casos, responsável por codefinir com a pessoa/família e os restantes intervenientes no processo de cuidados o projeto de cuidados, tem sido apontada como forma de resolução destes problemas (Cylus et al., 2019).

Um das questões mais enfatizadas nos discurso dos enfermeiros para explicar a existência de cuidados incompletos, foi o facto de, em muitos casos, a família, particularmente os cuidadores familiares, não terem condições para o exercício do papel o que traz exigências de cuidados a que os enfermeiros não conseguem responder uma vez que o modelo de cuidados domiciliários está pensado numa lógica em que a família assume a maior parte de cuidados necessários à satisfação das atividades de vida diária da pessoa dependente no autocuidado. No mesmo sentido, estudos de Beach et al. (2020) referem que apesar dos enfermeiros reconhecerem o papel crítico que os cuidadores familiares desempenham nos cuidados e na manutenção da saúde e bem-estar dos seus familiares dependentes, identificam que a família por um conjunto variado de razões não tenha capacidade para o exercício do papel de cuidadora.

Neste sentido importa pensar um modelo de cuidados de futuro que garanta ajuda profissional relevante de modo que, a pessoa dependente no autocuidado receba os cuidados de que necessita. O importante é que no futuro, qualquer que seja o modelo de cuidados às pessoas dependentes no autocuidado, este crie condições para que todas as pessoas tenham os cuidados de que necessitam, independentemente de terem ou não cuidador familiar e de este estar ou não disponível para cuidar. Um modelo de cuidados domiciliários que garanta o exercício do direito dos prestadores de cuidados de escolherem cuidar; a estarem adequadamente preparados para o fazer; a receberem ajuda relevante, e que simultaneamente responda à questão dos idosos a cuidar de idosos, pois embora a vontade de cuidar seja essencial, é também vital que a capacidade ou habilidade para o exercício do papel de cuidar esteja presente e é imprescindível que esta seja avaliada (Petronilho, 2013). Importa ter presente que, nos processos de dependência, muitos familiares são obrigados a tornar-se proficientes na prestação de cuidados que requerem competências de enfermagem e a fazê-lo dentro de um período relativamente curto, após a admissão aos cuidados domiciliários, o que em muitos casos não é expetável que possa acontecer (Neal, 1998).

Conclusão

A existência de incompletude de cuidados, uma realidade que os enfermeiros, que participaram neste estudo, conhecem bem, que não escondem, e que os angustia. A questão dos cuidados incompletos é concetualizada pelos enfermeiros como um fenómeno que se inicia num problema - escassez de recursos/tempo -, a que se segue um processo, em que os enfermeiros têm que tomar a decisão clínica de priorizar cuidados, o que resulta em cuidados deixados por fazer/incompletos.

A falta de tempo para a realização dos cuidados necessários é assim o fator principal apontados para que os enfermeiros tenham que priorizar cuidados e deixar cuidados por fazer e relaciona-se com fatores como: a dotação inadequada de enfermeiros e organização fragmentada do trabalho; a falta de meios e a complexidade de cuidados exigida pelas condições de saúde das pessoas dependentes, associada à inexistência de capacidade do cuidador familiar para o exercício do papel de cuidador (porque o cuidador familiar não existe, é muito idoso ou ser cuidador não correspondeu a uma verdadeira escolha) o que se traduz em exigências na quantidade e diversidade de cuidados necessários à pessoa dependente, para que o modelo de organização de cuidados domiciliários existente não está preparado no que diz respeito à dotação de recursos humanos e materiais e modo de organização e funcionamento.

A questão das condições para que as pessoas dependentes tenham completude de cuidados é uma questão ética a que mais tarde ou mais cedo, todos, decisores políticos, profissionais e cidadãos seremos chamados a responder. Assim, é necessário desenhar um modelo de cuidados domiciliários que dê resposta às reais necessidades das pessoas, tenham ou não cuidador familiar.

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8Como citar este artigo: Bento, M. C., & Silva, A. P. (2022). Cuidados omissos em contexto de cuidados domiciliários: razões na perspetiva dos enfermeiros. Revista de Enfermagem Referência, 6(1), e21005. https://doi.org/10.12707/RV21005

Recebido: 08 de Janeiro de 2021; Aceito: 12 de Abril de 2021

Conceptualização: Bento, M. C., Silva, A. P.

Tratamento de dados: Bento, M. C., Silva, A. P.

Análise formal: Bento, M. C., Silva, A. P.

Metodologia: Bento, M. C., Silva, A. P.

Redação - rascunho original: Bento, M. C.,Silva, A. P.

Redação - análise e edição: Bento, M. C., Silva, A. P.

Autor de correspondência Maria da Conceição Saraiva da Silva Costa Bento E-mail: cbento@esenfc.pt

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