SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.serVI número1Experiencias de violencia en la vida cotidiana de las mujeres consumidoras de drogasRelación de la acción y el razonamiento pedagógico con la trayectoria de los profesores de programas de posgrado en Enfermería índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Indicadores

Links relacionados

  • No hay articulos similaresSimilares en SciELO

Compartir


Revista de Enfermagem Referência

versión impresa ISSN 0874-0283versión On-line ISSN 2182-2883

Rev. Enf. Ref. vol.serVI no.1 Coimbra dic. 2022  Epub 02-Feb-2023

https://doi.org/10.12707/rvi22011 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)

Acolhimento em serviço especializado como estratégia de cuidado ao consumidor de álcool e outras drogas

Patient admission to specialized services as a care strategy for alcohol and other drug users

Acogida en un servicio especializado como estrategia de atención al consumidor de alcohol y otras drogas

Juçara Machado Sucar1 
http://orcid.org/0000-0003-2217-6560

Selene Cordeiro Vasconcelos2 
http://orcid.org/0000-0002-8828-1251

José Carlos Carvalho3 
http://orcid.org/0000-0002-8391-8647

1 Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Universidade do Porto, Porto, Portugal

2 Universidade Federal de Paraíba (UFPB), João Pessoa, Paraíba, Brasil

3 Escola Superior de Enfermagem do Porto (CINTESIS@RISE), Porto, Portugal


Resumo

Enquadramento:

O acolhimento promove o protagonismo do consumidor de álcool e outras drogas, considerando as necessidades individuais e o contexto social.

Objetivo:

Investigar o acolhimento em serviço especializado como estratégia de cuidado aos consumidores de álcool e outras drogas.

Metodologia:

Trata-se de estudo observacional, descritivo-exploratório, analítico, abordagem quantitativa, realizado num serviço especializado, através de colheita de informações do instrumento de acolhimento de 708 utentes.

Resultados:

O acolhimento é realizado pelo enfermeiro, assistente social e psicólogo. O perfil dos consumidores teve predominância de homens (69,8%), ensino fundamental incompleto (40,5%), casados/união estável (53,2%), sem filhos (73,3%), empregados (45,5%), média de idade de 42,67 anos. Destaca-se como fator precipitante do consumo a influência de amigos (52,1%), curiosidade (22,3%) e diversão e festas (15,7%).

Conclusão:

Esta investigação evidenciou a importância do preenchimento completo do instrumento de acolhimento para a elaboração do projeto terapêutico individual, promoção da integralidade da prestação de cuidados e favorecer a construção de uma base de dados, bem como a investigação do perfil dos consumidores para melhorar a compreensão sobre o fenómeno do consumo de drogas.

Palavras-chave: acolhimento; consumidores de drogas; enfermagem; transtornos induzidos por drogas; comportamento aditivo

Abstract

Background:

The patient admission procedure promotes alcohol and other drug users’ active involvement, as it considers their individual needs and social context.

Objective:

To examine patient admission to specialized services as a care strategy for alcohol and other drug users.

Methodology:

This observational, descriptive-exploratory, analytical, and quantitative study was conducted in a specialized service by collecting information from 708 patient admission instruments.

Results:

Nurses, social workers, and psychologists are responsible for admitting alcohol and other drug users. Users are predominantly male (69.8%), with incomplete elementary school education (40.5%), married or in a stable relationship (53.2%), without children (73.3%), employed (45.5%), and with a mean age of 42.67 years. The main precipitating factors for drug use are the influence of friends (52.1%), curiosity (22.3%), and fun and partying (15.7%).

Conclusion:

This study highlights the importance of filling out the patient admission instrument in preparing individual therapeutic plans, promoting comprehensive care, building a database, and studying users’ profiles to further the understanding of the drug use phenomenon.

Keywords: user embracement; drug users; nursing; drug-induced disorders; behavior, addictive

Resumen

Marco contextual:

La acogida promueve el protagonismo del consumidor de alcohol y otras drogas, y considera las necesidades individuales y el contexto social.

Objetivo:

Investigar la acogida en servicios especializados como estrategia de atención a los consumidores de alcohol y otras drogas.

Metodología:

Se trata de un estudio observacional, descriptivo-exploratorio, analítico, con un enfoque cuantitativo, realizado en un servicio especializado, mediante la recogida de información del instrumento de acogida de 708 usuarios.

Resultados:

La acogida la realizan enfermeros, trabajadores sociales y psicólogos. El perfil de los consumidores fue predominantemente masculino (69,8%), con educación elemental incompleta (40,5%), casados/unión estable (53,2%), sin hijos (73,3%), empleados (45,5%), con una edad media de 42,67 años. La influencia de los amigos (52,1%), la curiosidad (22,3%) y la diversión y las fiestas (15,7%) destacan como factores que precipitan el consumo.

Conclusión:

Esta investigación puso de manifiesto la importancia de cumplimentar en su totalidad el instrumento de admisión para elaborar un proyecto terapéutico individual, lo que promueve la integridad de la prestación asistencial y favorece la construcción de una base de datos, además de la investigación del perfil de los usuarios para mejorar la comprensión del fenómeno del consumo de drogas.

Palabras clave: acogimiento; comsumidores de drogas; enfermería; trastornos inducidos por drogas; conducta, adictiva

Introdução

O acolhimento é considerado uma tecnologia leve, amplamente utilizada como primeiro atendimento aos utentes dos serviços no Sistema Único de Saúde brasileiro, a fim de promover a acessibilidade universal e qualificação das relações entre profissionais e clientes, através da escuta qualificada e atenção às suas necessidades de saúde (Belfort, 2021; Brehmer & Verdi, 2010; Macedo et al., 2018). No serviço especializado onde decorreu esta investigação, o instrumento de acolhimento é preenchido com o propósito de elaborar o projeto terapêutico singular para o tratamento ambulatório, internamento ou transferências de acordo com a situação identificada.

É neste contexto que se inserem os consumidores de álcool e outras drogas, os quais vivenciam um fenómeno complexo e multifacetado, com traços diferenciados e específicos, sinalizando a importância de particularizar cada aspecto a ser investigado na sua vida (Araújo et al., 2018; Oliveira & Oliveira, 2021).

Sob a égide de conhecer para cuidar melhor, optou-se por investigar um importante serviço especializado no tratamento de consumidores de álcool e outras drogas, por ser uma fonte de evidências científicas, que permitem sustentar a prática baseada na evidência, além de sediar eventos e discussões científicas acerca da temática.

Inicialmente, este serviço realizava o atendimento aos consumidores de álcool e outras drogas e aos seus familiares por meio do preenchimento de uma folha de identificação, escuta simples. Verificava, também, a indicação para admissão no serviço, que é um procedimento semelhante à triagem. Com o intuito de melhorar este primeiro contacto com os consumidores de álcool e outras drogas, a equipa de saúde propôs incorporar o instrumento utilizado na consulta de enfermagem, como o instrumento de acolhimento oficial do serviço, modificando a lógica da triagem para dar maior atenção à escuta qualificada e resolutividade, que constituem a essência do significado do acolhimento.

Assim, o objetivo deste estudo foi investigar o acolhimento em serviço especializado como estratégia de cuidado aos consumidores de álcool e outras drogas.

Enquadramento

O acolhimento é considerado um dispositivo de atendimento humanizado no contexto da tecnologia das relações ou tecnologia leve, considerando o respeito mútuo, as relações efetivas no trabalho, a resolutividade no atendimento e registo das informações de saúde (Feitosa et al., 2021).

As tecnologias leves incluem o aspeto relacional que ocorre entre as pessoas que procuram a produção da saúde, norteando a atitude profissional centrada no sujeito como um todo indivisível, sua origem social, relações familiares e sua subjetividade (Lopes et al., 2021).

O fenómeno do consumo de álcool e outras drogas exige a compreensão do processo saúde-doença e da dependência química como um problema de saúde pública. A dependência não é causada apenas pelo uso das substâncias, mas como resultado da interrelação entre o consumo, a personalidade do indivíduo e o contexto sociocultural que ele encontra e se instala quando esses três fatores são desfavoráveis (Oliveira & Oliveira, 2021). Apresenta como consequência o comprometimento da qualidade de vida dos consumidores e familiares, além de complicações médicas e psiquiátricas, elevando os índices de morbidade e mortalidade (Santos et al., 2021).

Neste contexto, o enfermeiro atua desde o acolhimento até à implementação do processo de cuidado dos consumidores de álcool e outras drogas em tratamento, destacando-se como um profissional qualificado para exercer essa tecnologia leve por ter na sua essência e no âmbito da sua formação profissional, a capacidade de assistir estas pessoas a partir de uma visão holística necessária para a elaboração do projeto terapêutico individual.

Questão de Investigação/Hipótese

O acolhimento no serviço especializado é utilizado como uma estratégia de cuidado ao consumidor de álcool e outras drogas?

O acolhimento no serviço especializado é uma estratégia de cuidado ao consumidor de álcool e outras drogas.

Metodologia

Trata-se de um estudo analítico, descritivo-exploratório com abordagem quantitativa, que seguiu as diretrizes metodológicas do STROBE (STrengthening the Reporting of OBservational studies in Epidemiology). Realizado num serviço especializado no tratamento de dependência química, localizado em Natal (Rio Grande do Norte, Brasil). O serviço é constituído por uma equipa multiprofissional com uma proposta de trabalho interdisciplinar.

A colheita de dados foi realizada pela investigadora principal através da investigação do instrumento de acolhimento de todos os 708 consumidores de álcool e outras drogas em tratamento, composto por oito módulos: Módulo I: Identificação; Módulo II: Origem do encaminhamento e motivações para o tratamento; Módulo III: Características do uso e abuso de álcool e outras drogas, fatores precipitantes para o consumo de álcool e outras drogas, convicção de ser um dependente; Módulo IV: Condições gerais do consumidor de drogas no momento do acolhimento; Módulo V: Definição do atendimento e termo de compromisso; Módulo VI: Elaboração o Projeto Terapêutico Singular: agendamento/datas; Módulo VII: Avaliação/Alta; Módulo VIII: Mapa de frequência - retornos ao tratamento.

Os dados foram analisados descritivamente por meio de frequências absolutas e relativas para as variáveis categóricas e por média, desvio-padrão e mediana para as variáveis numéricas.

Para avaliar a ocorrência de associação bivariada entre o uso de álcool e outras drogas com as variáveis do perfil demográfico, convicção da dependência e fatores precipitantes do consumo de drogas, foi utilizado o teste Qui-quadrado de Pearson ou o teste Exato de Fisher. No estudo bivariado foram obtidos os valores da significância de cada variável, OR (Odds Ratio) de cada categoria em relação à categoria base e respetivos intervalos de confiança para OR. No modelo de regressão logística multivariada foram obtidos os mesmos parâmetros além do valor da significância de cada categoria em relação à categoria base, a aceitação do modelo e o percentual de classificação correta de casos.

A margem de erro utilizada nas decisões dos testes estatísticos foi de 5% e os intervalos foram obtidos com 95,0% de confiança. Os dados foram digitados em dupla entrada utilizando o programa EXCEL e o programa utilizado para obtenção dos cálculos estatísticos fori o IBM SPSS Statistics, versão 27.0.

A investigação seguiu as diretrizes da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, sendo aprovado pelo Comité de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, sob o CAAE 50905615.2.000.5292 e parecer nº 1.344.527.

Resultados

O tratamento estatístico do instrumento de acolhimento favoreceu a descrição do perfil socioeconómico dos consumidores de álcool e outras drogas, apresentando a suas particularidades e singularidades.

A proposta do serviço especializado onde decorreu a investigação é utilizar o acolhimento enquanto tecnologia leve, guiado por um instrumento específico, visando a elaboração do projeto terapêutico singular, com o objetivo de motivar a integralidade da assistência, promovendo práticas mais resolutivas e integrais a partir do acolhimento e subsequente intervenção da equipa interdisciplinar.

Essa tecnologia leve é desenvolvida no espaço da relação entre o profissional de saúde e o consumidor de álcool e outras drogas no serviço especializado, havendo possibilidade para a corresponsabilização dos envolvidos no processo de cuidar.

A investigação realizada através da análise do instrumento de acolhimento também mostrou que no serviço pesquisado há uma escala fixa dos dias da semana entre enfermeiro, assistente social e psicólogo que se alternam para realização do acolhimento de consumidores de álcool e outras drogas. Dos 983 instrumentos de acolhimento analisados, 552 (56,1%) foram realizados pelo enfermeiro, 261 (26,5%) pelo assistente social, 147 (15,0%) pelo psicólogo e em 23 (2,4%) não houve a identificação do profissional.

Salienta-se que houve uma perda de 275 instrumentos por incompletude das informações relacionadas com o perfil dos consumidores quanto ao padrão de consumo, convicção da dependência e fatores precipitantes ao início do consumo, variáveis que constituíram o foco deste estudo.

A amostra final foi composta por 708 instrumentos de acolhimento de consumidores de álcool e outras drogas, dentre os quais 657 são consumidores de álcool e outras drogas e 51 são consumidores de outras drogas sem o consumo de álcool associado.

A caracterização sociodemográfica considerada para a construção do perfil do consumidor de álcool e outras drogas mostra uma predominância de homens (69,8%), ensino fundamental incompleto (40,5%), casados ou em união estável (53,2%), sem filhos (73,3%), com trabalho (45,5%), sendo a média de idade de 42,67 anos.

Os dados relacionados com o atendimento e com o consumo de álcool e outras drogas, descritos na Tabela 1, evidenciaram que os principais motivos da procura pelo tratamento foram: desejo pessoal (87,0%), vontade própria/ausência de imposição (79,0%), saúde (55,9%) e social (45,8%). O objetivo da procura do tratamento dicotomizou em questões individuais, representadas pelo tratamento do uso ou abuso de drogas lícitas e ilícitas (85,0%) e melhoria do desempenho no trabalho (59,3%), e questões coletivas de reestruturação familiar (50,4%) e reintegração social (47,6%). Os fatores precipitantes do consumo de álcool e outras drogas também apresentaram a mesma tendência, sendo as questões coletivas relacionadas com a influência dos amigos (52,1%), diversão e festas (15,7%) e a curiosidade (22,3%) como questão individual.

Os problemas apresentados pelos consumidores de álcool e outras drogas evidenciaram que os principais prejuízos relacionados com o consumo de álcool e outras drogas foram aspetos clínicos (76,3%), psicológicos (67,9%), familiares (66,9%) e psiquiátricos (65,8%), além de afirmarem ter convicção da sua dependência química (78,7%).

Tabela 1: Características do uso ou abuso de álcool e outras drogas identificadas no acolhimento 

Variável Quantidade (%)
Motivo da procura pelo atendimento (1)
Quer fazer o tratamento 616 (87,0)
Vontade própria (ausência de imposição) 559 (79,0)
Saúde 396 (55,9)
Social 324 (45,8)
Imposição 49 (6,9)
Judicial 18 (2,5)
Objetivo da procura pelo atendimento (1)
Tratar o uso ou abuso de drogas lícitas e ilícitas 602 (85,0)
Melhorar o desempenho no trabalho 420 (59,3)
Reestruturação familiar 357 (50,4)
Reintegração social 337 (47,6)
Reestruturação da saúde 16 (2,3)
Reestruturação financeira 15 (2,1)
Fatores precipitantes do início do consumo da droga
Influência de amigos 369 (52,1)
Curiosidade 158 (22,3)
Diversão e festas 111 (15,7)
Influência dos pais 59 (8,3)
Conflitos pessoais 47 (6,6)
Influência familiar 37 (5,2)
Problema familiar 32 (4,5)
Achando que é bom 28 (4,0)
Problemas sociais 14 (2,0)
Doença 8 (1,1)
Problemas apresentados pelos consumidores
Clínico 540 (76,3)
Psicológico 481 (67,9)
Familiar 474 (66,9)
Psiquiátrico 466 (65,8)
No trabalho 461 (65,1)
Convicção de sua dependência química
Sim 557 (78,7)
Não 151 (21,3)

Nota. (1) = Um mesmo participante poderia apresentar mais de uma alternativa, por isso a soma das frequências é superior à amostra pesquisada.

A idade média do início do consumo de drogas foi de 15,81 anos para o álcool (92,8%), 17,64 anos para a cannabis (39,8%), 22,18 anos para a cocaína (28,7%) e 24,70 anos para o crack (21,8%; Tabela 2), mostrando que o fenómeno das drogas adentra à vida das pessoas na juventude e na fase produtiva, podendo estar relacionada com o comprometimento do potencial de desenvolvimento dos consumidores de álcool e outras drogas e da sua capacidade produtiva, com repercussões na dinâmica comportamental da sociedade, bem como aumento dos riscos para o agravamento para a saúde e manutenção da vida.

Tabela 2: Idade média do início do consumo de drogas 

Droga de consumo Quantidade (%) (1) Idade média ± DP
Álcool 657 (92,8) 15,81 ± 5,12
Maconha 282 (39,8) 17,64 ± 5,76
Cocaína 203 (28,7) 22,18 ± 6,70
Crack 154 (21,8) 24,70 ± 8,59
Tabaco 82 (11,6) Não informado
Psicotrópico 69 (9,7) 29,63 ± 15,50
Inalantes 61 (8,6) 16,02 ± 5,04

Nota. (1) = Os valores percentuais foram obtidos do número total de 708 participantes analisados. Salienta-se que diversos participantes consumiam múltiplas drogas, logo a soma das frequências é superior ao total.

Com o intuito de aprofundar a investigação acerca da importância do preenchimento adequado do instrumento de acolhimento como subsídio para o processo de cuidar destes clientes e ampliar a compreensão sobre o fenómeno do consumo de álcool e outras drogas, optou-se por realizar a análise bivariada que verificou associação significativa (p < 0,05) entre o consumo de álcool e outras drogas e faixa etária (p < 0,001), com OR 9,17 para 13 a 29 anos idade, sexo masculino (p < 0,001), estado civil solteiro (p < 0,024), com OR de 2,95, ocupação (p < 0,001), com OR de 3,53 para empregado em empresa pública/privada e com OR de 2,24 para pessoa autónoma, convicção da dependência química (p < 0,005), com OR de 4,65 (Tabela 3). Esta análise mostra que o consumidor de álcool, associado ou não ao consumo de outras drogas, com esse perfil, apresenta uma tendência para desenvolver problemas de abuso e dependência de álcool e apresentar prejuízos associados.

A diversão e festas foram os principais fatores precipitantes do início do consumo de álcool (OR 4,87), seguido pela curiosidade (OR 2,79) e influência dos amigos (OR 2,10), figurando como fatores de risco para o consumo por apresentarem significância estatística na amostra pesquisada (Tabela 3), sendo norteador de estratégias de prevenção do consumo e de recaídas. Em contra-partida, a influência dos pais e de familiares foi identificada como fator de proteção, visto que não apresentaram significância estatística para essa amostra pesquisada, conforme Tabela 3.

Tabela 3: Fatores precipitantes do início do consumo do álcool e outras drogas 

Nota. OR = Odds Ratio; IC = Intervalo de confiança. (1) = Por meio do teste Qui-quadrado de Pearson; (2) = Por meio do teste Exato de Fisher; (3) = Consumo de álcool e outras drogas; (4) = Consumo de outras drogas sem o consumo de álcool associado. (*) Associação significativa ao nível de 5,0%. (**) Não foi possível determinar devido à ocorrência de frequências muito baixas que produz intervalos para OR muito amplos.

Discussão

O acolhimento, enquanto tecnologia leve, associado ao preenchimento do instrumento específico de acolhimento e escuta qualificada, favorece a quebra de paradigma de um modelo biomédico, caracterizado por imposição do saber profissional e comunicação unilateral, para um modelo de vigilância à saúde, dialógico, centrado na integralidade da assistência e corresponsabilização do processo de cuidado que enfatiza o empoderamento, a autonomia e a transformação social.

Desse modo, a subjetividade e a dignidade humana, tanto dos consumidores de álcool e outras drogas quanto dos profissionais de saúde, são consideradas como um direito inalienável. Neste contexto, todos os envolvidos podem ampliar suas ações para além de um trabalho técnico e hierarquizado, um trabalho com interação social, com maior horizontalidade e flexibilidade dos diferentes saberes, com maior possibilidade de criatividade dos agentes e maior integração da equipa.

A investigação do instrumento de acolhimento a consumidores de álcool e outras drogas num ambulatório especializado evidenciou características sociodemográficas e motivações para o tratamento, como melhoria no desempenho do trabalho, reestruturação familiar e reintegração social, além de perdas, tal como também verificado em estudos anteriores (Gusmão et al., 2017).

Os resultados deste estudo evidenciaram que os participantes relataram estar convictos sobre a sua dependência química. No entanto, as evidências científicas indicam que o consumidor de álcool e outras drogas apresenta dificuldades em reconhecer-se dependente, negando muitas vezes tal realidade, e caracterizando-se por um comportamento de ambivalência (Sousa et al., 2013).

Apesar do início do consumo de drogas ter ocorrido na adolescência, os consumidores apenas procuraram tratamento na fase adulta, motivados principalmente pelo desejo de cuidar-se e pelos prejuízos clínicos relacionados a esse consumo, semelhantes a outro estudo que evidenciou comorbidades relacionadas ao efeito das substâncias químicas, causando o surgimento de patologias clínicas e psiquiátricas (Silva et al., 2018).

O estado civil casado/união estável apresentou significância estatística, diferindo do estudo de Santana et al. (2021), que mostrou maior prevalência de abuso de álcool e outras drogas entre os solteiros, refletindo uma importante mudança no padrão de comportamento socioeconômico e cultural.

Os resultados mostraram ainda uma maior prevalência de abuso do álcool e outras drogas entre pessoas com emprego formal ou informal, podendo estar relacionada a problemas no trabalho e à viabilidade de manutenção do consumo da substância, diferente de outro estudo que mostrou que pessoas desempregadas apresentam maior consumo (Luquini et al., 2018).

Os dados apresentados neste estudo relativos às variáveis motivacionais individuais e coletivas apontam para o padrão de comportamento ambivalente dos usuários de álcool e outras drogas (Neto et al., 2017).

Desta forma, a equipa interprofissional precisa de adquirir competências e habilidades para a gestão adequada desses clientes, estando apta para utilizar estratégias de cuidado adequadas, entre as quais se destaca o acolhimento (Silva et al., 2021).

Nesse sentido, o enfermeiro, atendendo às características da sua formação profissional, insere-se na equipa interprofissional de forma ampliada por meio do acolhimento, atendimentos individuais e coletivos, além de exercer as especificidades de seu exercício profissional e colaborar com outros técnicos para a melhoria do atendimento, elaboração do projeto terapêutico singular e avaliação da prática assistencial (Matos et al., 2017).

A equipa de enfermagem deve compreender o fenómeno do uso/abuso de drogas e executar uma assistência que contemple os diversos níveis de atenção à saúde, além de promover a integração social do consumidor, com vista a elaborar estratégias para a superação e enfrentamento, bem como o desenvolvimento de ações de prevenção como principal foco das políticas de saúde (Silva et al., 2021).

Pode destacar-se como limitação do estudo a incompletude do preenchimento do instrumento de acolhimento, evidenciada pela perda de participantes e consequente redução da amostra.

O estudo apresenta a inovação da utilização do acolhimento como estratégia para fomentar a integralidade do cuidado, através do preenchimento do instrumento de acolhimento e escuta qualificada, subsidiando a elaboração do projeto terapêutico singular. Mostra também a dinâmica comportamental ambivalente de consumidores de álcool e outras drogas e mudanças relacionadas com o perfil sociodemográfico e motivações para o tratamento. Aborda temas pouco explorados como fatores precipitantes para o consumo e convicção de ser um dependente.

Além disso, recomenda o uso da tecnologia da informática atrelado ao instrumento de acolhimento, para favorecer a estruturação de uma base de dados online, para o desenvolvimento sistemático de investigação em prol da melhoria da assistência prestada e da melhoria do serviço de saúde, além de contribuir para reflexões sobre as políticas públicas de atenção integral ao consumidor de álcool e outras drogas.

Conclusão

No serviço onde se realizou este estudo, o acolhimento é realizado pelo enfermeiro, assistente social e psicólogo, por meio de um instrumento de acolhimento específico, norteador do levantamento de informações necessárias para a elaboração do projeto terapêutico singular, utilizando uma escuta qualificada. Esta pesquisa evidenciou a importância da completude do registo das informações colhidas favorecendo a formação de uma base de dados, bem como a investigação do perfil dos consumidores de álcool e outras drogas para promover a integralidade da assistência e ampliar a compreensão sobre o consumo e o consumidor de drogas.

O presente estudo possibilitou compreender o acolhimento a consumidores de álcool e outras drogas atendidos no serviço especializado. A procura para o tratamento foi espontânea e decorrente de prejuízos clínicos e sociais. Os participantes relataram convicção da dependência química e o objetivo da procura do serviço foi tratar o uso/abuso de drogas e para melhorar o desempenho no trabalho.

Do exposto, conclui-se que o instrumento de acolhimento pode ser utilizado como estratégia de cuidado ao consumidor de álcool e outras drogas, por subsidiar uma compreensão ampliada do fenómeno consumo de drogas e a elaboração de um projeto terapêutico singular, além de fornecer informações sistemáticas para o desenvolvimento de investigações, avaliação do serviço e oportunidade de ensino na temática. Esta pesquisa promove reflexões acerca da importância de proporcionar cenários do cuidado especializado e estimular a integração da prática clínica baseada na intersetorialidade, produção do conhecimento científico, avaliação da prática assistencial, exercendo sua contribuição social e de saúde pública.

Os estudos e investigações têm o intuito de contribuir para a produção de evidências científicas robustas, capazes de nortear a tomada de decisão na prática clínica de profissionais acerca da temática e com isso, contribuir para o aprimoramento do acolhimento aos consumidores de álcool e outras drogas e do seu familiar acompanhante. Salienta-se a importância de inserir os familiares no processo de cuidado dos consumidores de álcool e outras drogas e promover um espaço de cuidado para esses familiares, mostrando que o acolhimento é uma estratégia de cuidado ampla e adequada para todo e qualquer cliente, sendo necessárias adaptações a partir do fenómeno ou das necessidades de saúde da pessoa que está a ser cuidada.

Referências bibliográficas

Araújo, C. M., Lira, E. S., Pessoa, K. A., Brito, R. D., & Bastos, M. S. (2018). Drogas: Uma reflexão sobre esse fenômeno. Revista Hum@nae, 12(11), 1-11. [ Links ]

Belfort, I. K., Costa, V. C., & Monteiro, S. C. (2021). Acolhimento na estratégia saúde da família durante a pandemia da Covid-19. APS em Revista, 3(1), 3-8. https://doi.org/10.14295/aps.v3i1.139 [ Links ]

Brehmer, L. C., & Verdi, M. (2010). Acolhimento na atenção básica: Reflexões éticas sobre a atenção à saúde dos usuários. Ciência e Saúde Coletiva, 15(suppl 3). https://doi.org/10.1590/S1413-81232010000900032 [ Links ]

Feitosa, M. V., Candeias, R., Feitosa, A. K., Melo, W. S., Araújo, F. M., Carmo, J. F., Silva, F. D., Barroso, M. E., Pinheiro, M. C., & Brito, A. O. (2021). Práticas e saberes do acolhimento na atenção primária à saúde: Uma revisão integrativa. Revista Eletrônica Acervo Saúde, 13(3), e5308-e5308. https://doi.org/10.25248/reas.e5308.2021 [ Links ]

Gusmão, P. P., Fernandes, R. F., Rezende, R. C., Bonfim, R. S., Porto, Y. V., Fernandes, L. C., & Moura, L. R. (2017). Perfil epidemiológico de uma população de usuários de drogas de Anápolis, Goiás. Revista Educação Saúde, 5(1), 28-37. https://doi.org/10.29237/2358-9868.2017v5i1.p28-37 [ Links ]

Lopes, J. R., Silva, S. C., Fidalgo, C. L., Simão, L. A., Ferreira, M. S., Castelar, M., & Salles, C. (2021). Acolhimento como tecnologia em saúde: Revisão sistemática. Revista de Saúde Pública do Paraná, 4(2), 172-183. https://doi.org/10.32811/25954482-2021v4n2p172 [ Links ]

Luquini, I. M., Sartes, L. M., Ferreira, M. L., Marco, A. A., & Cypriano, J. S. (2018). Associação entre a satisfação no trabalho e uso de álcool: Revisão sistemática. Revista Psicologia-Teoria e Prática, 20(3), 240-261. http://dx.doi.org/10.5935/1980-6906/psicologia.v20n3p262-282 [ Links ]

Macedo, J. P., Abreu, M. M., & Dimenstein, M. (2018). A regionalização da atenção psicossocial em álcool e outras drogas no Brasil. Tempus Actas de Saúde Coletiva, 11(3), 144-162. https://doi.org/10.18569/tempus.v11i3.2432 [ Links ]

Matos, R. K., Santos, G. M., Rocha, R. M., Athayde, A. F., & Brandão, V. B. (2017). Projeto terapêutico singular em um centro de atenção psicossocial (CAPS II). Revista Intercâmbio, 9, 111-130. https://www.academia.edu/36832090/Projeto_terap%C3%AAutico_singular_em_um_centro_de_aten%C3%A7%C3%A3o_psicossocial_CAPS_II_Links ]

Neto, N. T., Constantino, P., & Assis, S. G. (2017). Bibliographical analysis of health production of adolescents undergoing social-educational measures in freedom deprivation situation. Physis: Revista de Saúde Coletiva, 27(3), 511-540. https://doi.org/10.1590/S0103-73312017000300008 [ Links ]

Oliveira, S. P., & Oliveira, G. B. (2021). Drogas e políticas públicas: Reflexões com ênfase na prevenção. Saúde e Desenvolvimento Humano, 9(2), 1-13. http://dx.doi.org/10.18316/sdh.v9i2.6618 [ Links ]

Resolução nº 466/ 2012 do Conselho Nacional de Saúde. (2012). Diário Oficial da União: Nº12. [ Links ]

Santana, G. V., Santos, J. L., Santos, J. M., Alves, L., Menezes, A. F., & Freitas, C. K. (2021). Perfil sociodemográfico e de dependência química dos usuários de um centro de atenção psicossocial especializado. SMAD, Revista Eletrônica Saúde Mental Álcool e Drogas, 17(4), 7-13. http://dx.doi.org/10.11606/issn.1806-6976.smad.2021.155433 [ Links ]

Santos, M. R., Rosas, M. A., Maranhão, L. C., Caldas, A. S., Luna, S. O., Oliveira, M. G., Silva, M. M., Ferreira, M. B., & Facundes, V. L. (2021). Características sobre o uso e abuso de drogas, alterações cognitivas e desempenho ocupacional de usuários assistidos pelo CAPS AD. Research, Society and Development, 10(10), e223101018483. https://doi.org/10.33448/rsd-v10i10.18483 [ Links ]

Silva, B. F., Silva, L. D., Pinto, M. D., Júnior, J. T., Sepp, V. J., Machado, F. V., & Silva, I. C. (2021). Acolhimento terapêutico a dependentes químicos do álcool: Relações familiares. Acta Scientiae et Technicae, 8(2), 163-184. [ Links ]

Silva, F. C., Silva, M. R., Guerino, M., Medeiros, L. B., & Mota, W. H. (2018). Comorbidades associadas ao uso de drogas em usuários que se submeteram ao tratamento em comunidade terapêutica de Cacoal-RO. Revista Biosalus, 3(1),1-11. [ Links ]

Sousa, P. F., Ribeiro, L. C., Melo, J. R., Maciel, S. C., & Oliveira, M. X. (2013). Dependentes químicos em tratamento: Um estudo sobre a motivação para mudança. Temas Psicologia, 21(1), 259-268. http://dx.doi.org/10.9788/TP2013.1-18 [ Links ]

14Como citar este artigo:Sucar, J. M., Vasconcelos, S. C., & Carvalho, J. C. (2022). Acolhimento em serviço especializado como estratégia de cuidado ao consumidor de álcool e outras drogas. Revista de Enfermagem Referência, 6(1), e22011. https://doi.org/10.12707/RVI22011

Recebido: 25 de Janeiro de 2022; Aceito: 22 de Setembro de 2022

Autor de correspondência Juçara Machado Sucar E-mail: jucaramsucar@gmail.com

Conceptualização: Sucar, J. M., Vasconcelos, S. C., Carvalho, J. C.

Tratamento de dados: Sucar, J. M.

Análise formal: Sucar, J. M., Vasconcelos, S. C.

Aquisição de financiamento: Sucar, J. M.

Investigação: Sucar, J. M.

Metodologia: Sucar, J. M., Vasconcelos, S. C., Carvalho, J. C.

Administração do projeto: Sucar, J. M., Vasconcelos, S. C., Carvalho, J. C.

Recursos: Sucar, J. M.

Supervisão: Vasconcelos, S. C., Carvalho, J. C.

Validação: Vasconcelos, S. C., Carvalho, J. C.

Visualização: Sucar, J. M., Vasconcelos, S. C., Carvalho, J. C.

Redação - preparação do rascunho original: Sucar, J. M.

Redação - revisão e edição: Sucar, J. M., Vasconcelos, S. C., Carvalho, J. C

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons