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Psicologia

versão impressa ISSN 0874-2049

Psicologia vol.11 no.1 Lisboa jan. 1996

https://doi.org/10.17575/rpsicol.v11i1.597 

A relação entre cognição e motivação ao nível da aprendizagem escolar: Uma análise do modelo das «abordagens à aprendizagem»

 

António Manuel Duarte*

*Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação Universidade de Lisboa

 


RESUMO

O autor procede a uma análise do modelo das «abordagens à aprendizagem», que dá conta da congruência entre padrão motivacional e tipo de estratégia utilizada na aprendizagem escolar. Faz assim a análise das três abordagens identificadas e que se evidenciam pelo cruzamento entre uma motivação que pode ser «de evitamento do insucesso», «intrínseca» ou «orientada para o sucesso» e uma estratégia de aprendizagem que pode ser «superficial», «profunda» ou «mista».


ABSTRACT

The author analysis the «approaches to learning» model. This model illustrates the congruency between motivational pattern and type of strategy used in student learning. The three identified approaches are analysed. They consubstantiate an interaction between a motivation that can be either «based in a fear of failure», «intrinsic» or «based in a hope for sucess» and a strategy either «superficial», «deep» or «achiever».

 


«Em muitas disciplinas consegue-se aprender aquilo que é necessário para passar sem ficar a saber nada de nada», Estudante.

«Nos tempos que correm um número cada vez maior de estudantes procura uma graduação porque possivelmente não lhe ocorre nada mais inteligente para fazer», N. Entwistle, Professor.

Como é sabido, o processo de aprendizagem escolar vive, na generalidade, uma crise profunda. Com efeito os professores, mesmo ao nível universitário, queixam-se de que muitos estudantes revelam um baixo nível de compreensão (Entwistle, 1984) e de que «não sabem escrever» (Beaugrande, 1982; Odell, 1980). Por seu lado, os estudantes testemunham da possibilidade de se envolverem no «jogo da avaliação» sem que realmente aprendam. Por fim, os investigadores em Psicologia Educacional, como Dahlgren e Marton (1978, cit. in Entwistle e Ramsden, 1983), constatam que o domínio bem sucedido do significado técnico de conceitos escolares, por parte dos estudantes, não é geralmente acompanhado duma mudança ao nível das estruturas de conhecimento. Tudo isto tem a ver, provavelmente, com o facto, já enunciado por Bruner (1973), de a escola se ter fechado sobre si própria e ter ritualizado a aprendizagem, que assim se burocratizou.

Assim, cada vez mais se reconhece a premência de sistemas de ensino que estimulem o gosto por aprender e que desenvolvam as competências de aprendizagem como formas de descoberta e de expressão pessoal. No entanto, tal como Entwistle (1990^) refere, não existe uma relação simples entre ensino e aprendizagem. Especialmente nos níveis escolares superiores, onde a percentagem de estudo independente é mais elevada, o comportamento do estudante é apenas em parte influenciado pelas acções instrucionais do professor. Deste modo, saber a forma como os estudantes aprendem e como poderão reagir ao ensino com que são confrontados tornam-se conhecimentos capitais.

O estudo da aprendizagem, tal como ela decorre no contexto escolar, parece assim constituir um elemento chave para a compreensão da crise atrás referida.

A aprendizagem escolar.

Na década de 70 uma «nova vaga» da Psicologia Educacional, donde se destacam nomes como os de Perry, Miller e Parlett, Marton, Hounsell, Biggs, Schmeck ou Entwistle, vai focar directamente a investigação na maneira como os indivíduos aprendem em meio escolar.

Neste contexto teórico, têm sido propostos vários modelos ou conceptualizaçÕes gerais sobre a aprendizagem escolar (Biggs, 1978, 1984, 1987a, 1990; Biggs e Telfer, 1987, cit. in Watkins e Hattie, 1990; Entwistle, 1986, 1990a; Entwistle, Kozéki e Tait, 1989a; Kozéki e Entwistle, 1987; Laurillard, 1979; Ramsden, 1988; Schmeck, 1988a). No essencial, estes modelos tendem a conceber o resultado da aprendizagem escolar como variável dependente tanto de factores pessoais (e.g. capacidades intelectuais) como de factores situacionais (e.g. método de ensino).

Os factores pessoais e situacionais podem ser identificados como anteriores ao processo de aprendizagem propriamente dito, sendo assim conceptualizadas como o input deste processo. No entanto, embora estas variáveis possam influenciar directamente os resultados da aprendizagem, os seus efeitos tendem a ser «filtrados» por um grupo de variáveis mediadoras, que controlam mais directamente o resultado da aprendizagem. Estas variáveis identificam os processos que se manifestam ou actualizam sempre que um estudante se depara com uma situação de aprendizagem. Eles podem ser discriminados em termos das variáveis afectivas presentes nessa situação, donde se destacam o tipo de motivação e o grau de autoeficácia em relação à tarefa particular, e das variáveis cognitivas que aí tomam lugar, nomeadamente, as estratégias de aprendizagem mobilizadas. Também ao nível dos factores mediadores é possível discriminar um factor denominado de «abordagem à aprendizagem» que reflecte a interacção entre variáveis afectivas e cognitivas. Este factor diz respeito à conjugação entre o tipo de motivação e o tipo de estratégia presentes durante o confronto com uma dada tarefa de aprendizagem.

Pelo impacte que têm na qualidade do produto da aprendizagem, as abordagens à aprendizagem parecem constituir uma das principais «chaves» para a compreensão e o melhoramento dos resultados da aprendizagem escolar.

As abordagens ã aprendizagem.

O construto de abordagem à aprendizagem emergiu da constatação de que o tipo de estratégia utilizado para aprender tende a associar-se com o tipo de motivação face à situação de aprendizagem1. Recentemente tem sido defendida a noção complementar, aliás implícita em muitos estudos anteriores, de que a abordagem à aprendizagem envolve igualmente uma componente que diz respeito à forma como o estudante conceptualiza o próprio processo de aprendizagem (Biggs, 1990; Entwistle, 1990^, no prelo; Watkins e Regmi, 1990). A natureza e o número preciso das abordagens, assim como a terminologia empregue para as denominar, varia com os autores, as amostras utilizadas e o método de investigação. A maior parte dos estudos empíricos chega à identificação de duas dimensões que correspondem, respectivamente, a uma abordagem dita «superficial» e a outra dita «profunda». Algumas investigações têm conseguido identificar, para além disso, um terceiro padrão, ao qual corresponde uma abordagem dita «orientada para o sucesso».

A «abordagem superficial» refere-se à interacção entre uma motivação de tipo instrumental e uma estratégia superficial. Nesta abordagem estaria, igualmente, implicada uma concepção «quantitativa» de aprendizagem.

A «abordagem profunda» caracteriza o cruzamento entre uma motivação intrínseca e uma estratégia profunda, estando nela envolvida uma concepção «qualitativa» do processo de aprendizagem.

Por fim, a «abordagem orientada para o sucesso» refere-se à relação entre uma motivação de realização e a utilização «oportunista» quer da estratégia superficial quer da profunda, em eventual conjugação com estratégias de aprendizagem que caracterizam um estudo estruturado de forma metódica. As crenças sobre a aprendizagem inerentes a esta abordagem defendem uma concepção «institucional» do processo de aprendizagem.

Cada uma destas abordagens reflecte-se de modo próprio nas diferentes tarefas de aprendizagem: na tarefa de leitura (e.g. Van Rossum e Schenk, 1984), na de resolução de problemas (Laurillard, 1978 e Ramsden, 1981, cit. porMarton, 1983) e na de composição escrita (Biggs, 1988a; Duarte, 1992).

Procede-se, de seguida, a uma análise mais pormenorizada das três abordagens referidas.

A abordagem superficial.

Os estudantes que utilizam uma abordagem superficial defendem, tipicamente, uma concepção superficial, ou quantitativa, sobre a aprendizagem (e.g. Entwistle, 1990, no prelo). De acordo com esta concepção, a aprendizagem é tida como uma actividade estereotipada, que exige relativamente pouco do sujeito (Laurillard, 1979). Neste sentido, a aprendizagem consiste, sobretudo, num acumular, por memorização, de unidades discretas de informação (e.g. Biggs, 1990). Os elementos retidos são destinados, nesta perspectiva, a serem reproduzidos numa situação de avaliação (e.g. Saljo, 1984) ou a ser aplicados algoritmicamente (e.g. Watkins, Regmi e Astilla, 1991).

Por seu lado, a componente motivacional da abordagem superficial caracteriza-se, principalmente, pela presença dum motivo extrínseco de tipo instrumental e/ou pelo medo do falhanço. A aprendizagem é feita com base num compromisso entre não trabalhar muito e evitar o insucesso (Biggs, 1990).

Os estudantes com uma abordagem superficial apresentam, pois, uma intenção de aprender apenas o minímo necessário à obtenção duma classificação que satisfaça as exigências externas (i.e. passar, assegurar uma colocação profissional ou, simplesmente, «evitar sarilhos») (e.g. Biggs, 1990).

Quanto à componente estratégica da abordagem superficial, ela define-se por envolver uma aprendizagem mais «mecânica» na qual o estudante se deixa «cegamente» envolver. Na realidade, ela refere-se a um tipo de procedimento que é aplicado rotineiramente sem consideração pela tarefa, pelo objectivo ou pelas estratégias alternativas (e.g. Entwistle, 1988). Neste caso, a preocupação do estudante consiste em captar e acumular conhecimentos que possam ser reproduzidos mais tarde, sem necessidade de os integrar e compreender. A estratégia superficial traduz assim um processamento passivo «no sentido duma mente que não funciona de modo liberto e construtivo, estando fechada sobre si própria» (Marton, 1983, p. 294).

Mais concretamente, no que diz respeito aos processos de atenção e percepção, regista-se uma focagem restrita no que é considerado como importante, geralmente por centramento em aspectos específicos que se julga serem os que mais provavelmente serão avaliados (i.e. dados factuais, definições, regras, métodos, etc.) (e.g. Kozéki è Entwistle, 1987).

Por outro lado, visto que a informação é percepcionada como um conjunto de elementos discretos ela é «atomizada» em partes separadas umas das outras, centrando-se o estudante em tópicos isolados sem que se regista a intenção de processar a forma como estes estão integrados (e.g. Biggs, 1987$). A aprendizagem pode ser, deste modo, caracterizada pela ausência duma imagem global ou unificada da matéria em estudo, devido à ausência duma percepção do modo como as partes se relacionam entre si e com outras informações exteriores (e.g. Biggs, 1990). Muitos dos estudantes que utilizam uma estratégia deste tipo podem, por exemplo, ser incapazes de distinguir princípios de exemplos (Entwistle, 1986).

Paralelamente, a estratégia superficial faz emprego de processos de memorização, fazendo apelo à repetição como forma de assegurar a retenção dos elementos aos quais o estudante dá atenção (e.g. Entwistle, 1988). Na realidade, o indivíduo que utiliza uma estratégia deste tipo, tende a efectuar um armazenamento estrito e temporário do maior número possível de elementos que ele julga ser os alvos mais prováveis duma futura situação de avaliação (e.g. Biggs, 1990).

O último dos aspectos mais salientes, que caracterizam a componente estratégica da abordagem superficial, diz respeito ao facto de aquela envolver uma tendência para um tratamento acrítico e pouco criativo da informação. Como tem sido realçado, o estudante com uma estratégia superficial limita-se a aceitar passivamente os conteúdos que lhe são fornecidos, evitando questionar ou reflectir sobre eles (e.g. Biggs, 1987a).

Se atendermos aos reflexos da abordagem superficial na qualidade do produto de aprendizagem, podemos constatar que esta tende a resultar numa reprodução de factos e detalhes mal integrados, sendo a compreensão do tema estudado inexistente ou muito reduzida (e.g. Entwistle, 1988).

A abordagem profunda.

A concepção de aprendizagem típica dos estudantes com uma abordagem profunda envolve uma perspectiva qualitativa sobre o acto de aprender (Entwistle, no prelo).

De acordo com esta perspectiva, aprender consiste num processo activo de abstracção de significado e de interpretação pessoal da informação (Biggs, 1990). Neste sentido, a aprendizagem é percepcionada como uma actividade que exige o relacionamento dum conhecimento formal com a realidade e com a experiência pessoal (Marton e Saljo, 1984; Saljo, 1984). A aprendizagem tem então por objectivo a actualização e o crescimento pessoal, constituindo uma oportunidade de confirmação ou mudança do ponto de vista que se tem sobre um dado objecto (e.g. Watkins, Regmi e Astilla, 1991).

Em termos gerais, a componente motivacional da abordagem profunda caracteriza-se pela intenção em actualizar os interesses e as competências pessoais em matérias particulares, com base em valores ligados ao autodesenvolvimento (e.g. Biggs, 1987/2). Com efeito, o padrão afectivo mais frequentemente envolvido nesta abordagem denota a presença duma motivação intrínseca, sendo a tarefa escolar experimentada como envolvente e satisfatória em si mesma (e.g. Biggs, 1990).

Em oposição à estratégia superficial, a componente cognitiva da abordagem profunda caracteriza-se pelo facto de o estudante empreender um relacionamento activo e pessoalizado com os conteúdos escolares.

A atenção e a percepção do aprendente, que utiliza uma estratégia profunda, parecem centrar-se na estrutura holística da informação, evidenciando uma tentativa de processamento da relação existente entre os vários componentes (e.g. Schmeck e Phillips, 1982). Este facto não implica uma negligência pelos detalhes, mas antes o seu aproveitamento selectivo na medida em que estes exemplificam, ou corroboram, a imagem global (Svensson, 1984). Com efeito, tudo indica que, apesar de a estratégia profunda poder ser utilizada de um modo mais analítico mais global (o que reflecte, possivelmente, diferentes estilos de aprendizagem), ela caracteriza-se, na melhor das suas formas, pelo emprego combinado destas duas modalidades, de acordo com um estilo que foi designado de versátil (Entwistle, 1988).

A focagem na estrutura holística dos materiais consultados está estreitamente relacionada com a procura activa das realidades e dos significados aos quais eles se referem (e.g. Biggs, 1990). Por sua vez, a atenção aos aspectos mais elementares funciona como um exame selectivo das evidências, ou dos passos lógicos, pelos quais se derivam as conclusões (Marton e Saljo, 1984; Thomas e Bain, 1982).

Ao caracterizar-se por uma atenção especial ao significado dos conteúdos processados, a componente estratégica da abordagem profunda envolve «ir para além da informação dada». Na realidade, a utilização duma estratégia deste tipo traduz-se numa integração daquela informação, não só em termos internos, mas também num quadro de conhecimentos ou experiências pessoais, suscitando uma reflexão crítica que permite a descoberta de elementos novos (e.g. Biggs, 1990).

Coerentemente com tudo isto, o desempenho associado a uma abordagem profunda, tende a caracterizar-se pela presença de descrições, justificações e posições críticas que evidenciam um nível elevado de compreensão (Entwistle, 1988). De facto, tem sido demonstrado que um processamento profundo facilita a retenção a longo termo de conhecimentos aplicáveis a situações novas (e.g. Entwistle, 1990).

A abordagem orientada para o sucesso.

Num texto de 1990, Biggs refere-se a uma «concepção institucional» para denominar o modo como os estudantes com uma abordagem orientada para o sucesso definem a aprendizagem. Segundo esta concepção, a prova de que se aprendeu consiste em não ter reprovado; e a obtenção de qualificações elevadas demonstra, por sua vez, a presença duma boa aprendizagem.

A componente motivacional da abordagem orientada para o sucesso é de tipo extrínseco e caracteriza-se por uma necessidade de sucesso ou realização. Com efeito, a preocupação central subjacente a este padrão motivacional parece ser a de fortalecer o autoconceito através da demonstração pública da excelência pessoal comparativamente com os pares (e.g. Entwistle, 1988). Esta necessidade de exibição de mestria é concretizada na procura de qualificações elevadas, independentemente do grau de interesse genuíno pelos conteúdos da aprendizagem (e.g. Biggs, 1990).

A componente estratégica da abordagem para o sucesso tem sido definida, numa certa vertente, como uma orientação organizada e autodisciplinada para com os conteúdos escolares (e.g. Biggs, 1990). Neste sentido, os sujeitos que apresentam uma estratégia deste tipo tenderiam a utilizar as técnicas de estudo tradicionais do «aluno exemplar» conotadas com o sucesso escolar (com ênfase para uma gestão estruturada do contexto temporal e espacial da aprendizagem).

Tem sido também notado que a componente cognitiva da abordagem para o sucesso pode implicar a adopção, quer de uma estratégia superficial, quer de uma profunda (Biggs, 1988). A opção por uma ou por outra seria efectuada, de modo «oportunista», de acordo com os objectivos pessoais e com a percepção do tipo de estratégia que o sujeito julga ser conducente à obtenção de uma qualificação elevada (e.g. Entwistle, 1988).

A abordagem para o sucesso conduz assim ao nível de compreensão que é percepcionado, pelo indivíduo, como condição para este atingir as qualificações elevadas que motivam a sua aprendizagem (e.g. Entwistle, 1988). Tudo se passa como se a qualidade do resultado fosse gerida pelo sujeito, de modo «estratégico», de maneira a este alcançar os objectivos de sucesso que caracterizam esta abordagem.

Tal como já foi referido, o construto de abordagem à aprendizagem tem sido replicado com diferentes amostras, em situações escolares variadas e através de diferentes métodos de avaliação. No entanto, apesar de lidarmos com um construto estável, existe um debate sobre a questão de até que ponto a abordagem manifestada por um indivíduo constitui uma reacção pontual e específica a uma dada situação ou, em alternativa, representa uma característica relativamente estável da sua personalidade.

Existe uma quantidade significativa de estudos que podem apoiar tanto a tese da inconsistência situacional como a da consistência pessoal (e.g. Biggs, 1987a; Marton, 1983). A solução desta questão reside, provavelmente, numa síntese destas duas posições. Na realidade, admite-se que, embora a abordagem utilizada por um estudante possa variar de situação para situação, pode existir uma tendência naquele para utilizar, usualmente, um determinado tipo de abordagem (e.g. Ramsden, 1988). Com efeito, se a abordagem apresentada por um estudante parece depender em parte do modo como está estruturado o contexto de aprendizagem (e.g. questões de exame dirijidas à reprodução de informação), ela também depende de características pessoais mais ou menos estáveis (e.g. nível metacognitivo, estilo de aprendizagem).

De resto, esta questão liga-se, possivelmente, à discussão sobre o tipo de relação existente entre a abordagem superficial e a abordagem profunda. Será que estamos perante duas formas independentes de lidar com a tarefa de aprendizagem, tal como defendido por Biggs (1987), ou será que, tal como é proposto por Marton (1988), nos defrontamos com dois pólos dum continuum? Independentemente do tipo de resposta que quisermos dar a esta questão, convém lembrar que, apesar de ter sido referido que determinados tipos de concepção/motivação tendem a relacionar-se com um determinado tipo de estratégia, originando as abordagens identificadas, tais combinações devem ser vistas em termos probabílisticos. De facto, um estudante com uma concepção qualitativa e/ou com uma motivação intrínseca pode não conseguir actualizar estas componentes através duma estratégia profunda, devido a défices de conhecimento ou de competências de pré-requisito (e.g. Entwistle, 1988). Mais difícil será supor que uma concepção quantitativa e uma motivação instrumental possam conduzir a uma estratégia diferente da superficial (Marton, 1988; Ramsden, 1988). De qualquer modo, numa perspectiva «relacional» sobre as abordagens (Marton, 1988; Svensson, 1984), estas não devem ser tidas como categorias de classificação dos estudantes, mas antes como formas de descrever a maneira como estes experimentam a situação de aprendizagem.

Por outro lado, e para além duma perspectiva apenas descritiva, o que dizer sobre a mecânica interna das abordagens à aprendizagem? Como vimos, a noção de abordagem à aprendizagem chama a atenção para o facto de que a forma como cada um de nós se posiciona epistemológica e afectivamente em relação à situação de aprendizagem, provavelmente condiciona, em grande medida, o nosso comportamento nessas situações. Este condicionalismo pode talvez ser explicado da seguinte maneira: quando um padrão motivacional é muito forte, ele pode influenciar excessivamente a categorização perceptiva das situações, limitando a utilização de outras pistas existentes no ambiente e instalando um comportamento consistente (e.g., se a necessidade de evitar o insucesso é muito forte, todas as situações de aprendizagem podem ser vistas em função da avaliação, o que pode suscitar, invariavelmente., uma estratégia superficial de memorização e reprodução) (Entwistle, 1988; Schmeck, 1988b).

Por fim, é importante realçar o facto de que, embora a abordagem profunda pareça constituir o modo mais desejável de lidar com as tarefas escolares, a abordagem superficial também pode ter as suas vantagens. Com efeito, ela pode ser especialmente adequada à primeira fase de aprendizagem dum conteúdo novo e particularmente útil em situações que enfatizam a reprodução precisa de factos e detalhes, tal como acontece em algumas disciplinas de Ciências, ou noutras, orientadas para uma formação profissional (Biggs e Kirby, 1983). Neste sentido, talvez o elemento «chave» dum bom resultado seja a competência metacognitiva para utilizar «estrategicamente» cada abordagem, tendo em conta, quer as características e os objectivos pessoais, quer o contexto particular de aprendizagem. Na realidade, alguns estudos têm demonstrado que um melhor produto de aprendizagem é alcançado por sujeitos que combinam, de modo versátil, estratégias superficiais e profundas (Biggs, 1979; Watkins e Hattie, 1990).

Conclusão.

A noção de abordagem à aprendizagem poderá ser utilizada por psicólogos, professores e outros técnicos para a caracterização/diagnóstico do processo de aprendizagem. Este construto poderá também ser utilizado de modo a ajudar os estudantes a conciencializar o modo como aprendem e a conhecer outras alternativas de aprendizagem. Os professores poderão também utilizar estas noções para avaliarem (e modificarem) as suas concepções sobre o processo de aprendizagem.

A utilização deste construto por todos os intervenientes no processo de aprendizagem-ensino pode contribuir para que os estudantes entendam a aprendizagem como actividade intrinsecamente reforçante que pode ser abordada de modo profundo ou estratégico.

Por fim, a noção de abordagem à aprendizagem pode ser utilizada no âmbito de uma Psicologia Geral, não directamente preocupada com o melhoramento da aprendizagem escolar. A abordagem que cada um de nós utiliza na situação de aprendizagem radica, provavelmente, no modo como nos orientamos epistemológica, motivacional e cognitivamente em relação à vida no seu todo. Neste sentido, as diferentes abordagens identificadas podem ser vistas como categorias de descrição dos comportamentos que tomam lugar não apenas na situação escolar mas também noutros contextos.

 

Referências

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Notas

1Têm sido identificados dois tipos básicos de estratégias geralmente referidos sob as denominações de «estratégia superficial» e «estratégia profunda». Sinteticamente, podemos definir a estratégia superficial como caracterizando uma aprendizagem orientada para a memorização passiva de elementos da matéria escolar, nos quais o sujeito não reconhece um significado. Por seu lado, a estratégia profunda reflecte um processo activo de aprendizagem, marcado pela preocupação em compreender a informação recebida e em reflectir sobre ela.

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