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Psicologia

versão impressa ISSN 0874-2049

Psicologia vol.14 no.1 Lisboa jan. 2000

 

A emoção expressa das famílias e o tratamento de doentes esquizofrénicos crónicos

Families expressed emotion and the treatment of chronic schizophrenics

 

Filipe Damas dos Reis1; Fátima Lourenço2; Jacinto António3; Ana Marques4; António Paiva5; Julieta Chainho6; Amália Silva7; Ana Real8; Victor Cotovio9; Paulina Santos10; Nélia Silva11

1-11Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Hospital Nossa Senhora do Rosário, Barreiro.

 


RESUMO

Numa amostra de 33 esquizofrénicos crónicos, estudaram-se os efeitos clínicos do tratamento psicofarmacológico com neurolépticos durante 12 meses de seguimento. Os sintomas dos doentes foram avaliados pela PANSS, GAF e impressão clínica global (ICG), no início e fim do seguimento. A emoção expressa (EE) das famílias foi avaliada pela Camberwell Family Interview. Vinte famílias da amostra eram do tipo EE alta e treze do tipo EE baixa. Comparando as melhoras clínicas dos doentes nos dois grupos de famílias, verificou-se que os doentes que viviam com famílias de EE baixa tiveram melhores resultados na escala de sintomas positivos da PANSS e na GAF que os doentes que viviam com famílias de EE alta. Os resultados parecem estar de acordo com a teoria da activação psicofisiológica (arousal) provocada pelo stress que seria maior nos doentes das famílias de EE alta e menor nos de famílias de EE baixa. Assim, é de admitir que os efeitos da medicação em 12 meses de seguimento possam relacionar-se com o tipo de EE das famílias dos doentes.

Palavras-chave Esquizofrenia; neurolépticos; emoção expressa.


ABSTRACT

The authors study the clinical effects of neuroleptic treatment in 33 chronic schizophrenic patients. Patients' symptoms were evaluated with the PANSS, GAF and clinical global impression before and after a 12-month follow-up. The families' expressed emotions (EE) were evaluated by the Camberwell Family Interview. 20 families of the sample are high EE and 13 low EE. Comparing the patients clinical scores in this two families groups, the data show that patients living in low EE families have better results in PANSS positive symptoms and GAF scores than patients living in high EE families. These results are interpreted according the stress theory of psychophysiological activation (arousal). Patients living with higher EE relatives will be exposed to a higher stress than patients living with low EE relatives. The neuroleptic's pharmacological effects seem to be related with the EE of chronic schizophrenics' families in a follow-up of 12 month.


 

Os estudos da emoção expressa das famílias dos esquizofrénicos, depois da descoberta do tratamento neuroléptico em 1952, transformaram radicalmente o tratamento da esquizofrenia.

Com os neurolépticos usou-se pela primeira vez um medicamento que não só actuava nos sintomas como fazia a profilaxia das recaídas e dos reinternamentos, quando tomado como tratamento de manutenção.

Sem medicação, os sintomas reaparecem após um ano, em cerca de 70% dos doentes. Com a medicação, essa taxa reduz-se para 30% (Liberman, 1991).

Os primeiros neurolépticos, chamados típicos pelas suas propriedades e efeitos secundários, actuavam sobretudo nos sintomas produtivos e eram pouco eficazes nos sintomas negativos. Actualmente usam-se neurolépticos atípicos que são igualmente eficazes nos dois tipos de sintomas e têm menos efeitos secundários (Pickard, 1995).

A importância da descoberta destes medicamentos pode verificar-se quando traduzida na redução dos tempos de internamento hospitalar e no retorno dos doentes à sua actividade social e à família.

Foi precisamente ao estudar as famílias dos doentes que se descobriu a importância dos factores psicossociais na morbilidade da doença (Brown, Carstairs, & Topping, 1958).

Desde a década de 70 que se passaram a ter em conta estes novos factores no tratamento e reabilitação dos doentes esquizofrénicos.

A teoria da activação psicofisiológica (arousal) provocada pelo stress sofreu novo impulso ao constatar-se que, em famílias hostis e hipercríticas, os doentes recaem mais do que nas famílias tolerantes e pouco hostis (Sturgeon, Turpin, Kuipers et al. 1984).

Que os doentes esquizofrénicos crónicos eram mais sensíveis ao stress que os doentes agudos ou as pessoas normais, já se sabia (Serban, 1975). Que as atitudes da família poderiam constituir um factor de agravamento ou de protecção da doença, revelou-se uma constatação paradoxal quando Brown a descreveu pela primeira vez (Brown, Carstairs, & Topping, 1958).

Programas de intervenção familiar, para redução da emoção expressa das famílias, passaram a ser associados ao tratamento medicamentoso e à reabilitação dos doentes (Hogarty & Goldberg, 1973).

Estes trabalhos têm sido replicados em diferentes países e parecem mostrar que doravante deverão ser considerados no arsenal terapêutico da esquizofrenia (Kavanagh, 1998).

Se os neurolépticos devolveram o doente à sociedade, também tornaram necessário ter em consideração os processos de coping de que as famílias carecem, assim como o treino de aptidões necessárias à integração social dos doentes.

A família como instituição é a interface e lugar privilegiado onde o social e a cultura se manifestam e influenciam o indivíduo mentalmente doente.

Mostrar qual o efeito da emoção expressa das famílias no tratamento psico-farmacológico dos doentes é o objectivo deste trabalho.

Método

Amostra

A amostra é constituída por 33 doentes esquizofrénicos de ambos os sexos, com idades compreendidas entre os 18 e os 50 anos.

Todos os doentes vivem com a família, estão em tratamento psiquiátrico ambulatório e fazem medicação neuroléptica, associada ou não a outros psicofármacos.

A média de idades dos doentes da amostra é 32,8 anos e o tempo médio de evolução de doença é 9,4 anos.

Os sexos dos doentes estão na proporção de um terço para os do sexo feminino (11) e dois terços para os do sexo masculino (22). A maioria, 26, são solteiros, casados 3 e divorciados 4.

Como habilitações literárias: 6 têm a 4.a classe, 11 o ciclo preparatório, 13 o ensino secundário e 3 o ensino complementar. Relativamente à sua actividade profissional, 20 não trabalham, estão no activo 9 e em 4 a situação profissional é desconhecida.

A estes 33 doentes correspondem 45 familiares, 18 do sexo masculino e 27 do sexo feminino. Os graus de parentesco dos familiares são 20 mães, 13 pais, 2 maridos, 5 irmãs, 1 irmão, 1 avô, 1 avó e 2 de outros graus de parentesco. Dos 33 doentes, 7 vivem com o pai e a mãe, 13 com a mãe, e 5 com o pai, e 8 com outros familiares. As famílias monoparentais constituem 55% dos agregados familiares da amostra.

Os diagnósticos dos doentes, segundo a DSMIII-R são os seguintes: 19 doentes com esquizofrenia paranóide, 7 com diagnóstico não especificado, 4 com esquizofrenia residual, 2 com psicose esquizoafectiva e 1 com esquizofrenia de tipo desorganizado.

Pretende-se estudar o efeito do tratamento neuroléptico na psicopatologia dos doentes e saber quais as eventuais diferenças desse efeito quando se considera o tipo de emoção expressa das família dos doentes.

Os doentes foram avaliados duas vezes. Uma no início e outra após 12 meses de tratamento controlado.

Todos os doentes incluídos no estudo estavam em tratamento na consulta externa de psiquiatria, medicados com neurolépticos típicos, associados ou não a outros psicofármacos.

As avaliações clínicas dos doentes foram feitas pelos médicos assistentes, através da Positive and Negative Syndromes Scale (PANSS; Kay, 1991) e pela Global Assessment Fonctioning Scale (GAF; APA, 1987). Para além destas avaliações, os médicos assistentes preencheram o questionário de impressão clínica global (ICG) dos doentes no início e fim do seguimento. Contabilizaram ainda os doentes que recaíram nesses 12 meses.

PANSS

Trata-se de uma escala de avaliação dos sintomas da esquizofrenia. É constituída por quatro escalas: sintomas positivos, sintomas negativos, sintomas de psicopatologia geral e uma quarta escala compósita, obtida pela diferença entre os scores dos sintomas positivos e dos sintomas negativos.

Em vez desta última escala, utilizámos, à semelhança de outros estudos, o score global, obtido pelo somatório das três primeiras escalas.

Os itens destas três escalas são graduados em sete níveis de intensidade; de ausente a extremo. As duas primeiras escalas, sintomas positivos e negativos, são constituídas por sete itens cada. A terceira, de psicopatologia geral, é constituída por 16 itens.

Os valores médios destas escalas são, respectivamente, 20 para os sintomas positivos, 22 para os sintomas negativos, 40 para a psicopatologia geral e 82 para o score global.

GAF

Esta escala avalia o funcionamento global dos doentes e o grau de severidade da doença. Trata-se de uma escala que varia de 1 a 90 pontos, agrupados de 10 em 10.

ICG

A impressão clínica global é uma escala de impressão clínica, em que são avaliados três parâmetros distintos: a severidade da doença, a aderência do doente ao tratamento e as melhoras do doente, tendo como referência a consulta anterior ao início do estudo.

A severidade é avaliada em cinco graus: de ausente, a extrema, a aderência; em três graus: de não adere a adere hem, e as melhoras; em sete graus: de muito melhor a muitíssimo pior.

Consideraram-se recaídas, durante o período de seguimento, o agravamento dos sintomas ou o seu reaparecimento após remissão.

A emoção expressa (EE) das famílias foi avaliada pela Camberwell Family Interview. Este método de entrevista individual, feita a cada familiar sem a presença do doente, permite classificar os familiares como de EE alta, se revelaram seis ou mais comentários críticos ou hostilidade ou sobre-implicação emocional, e como de EE baixa, quando não satisfazem nenhum dos critérios referidos.

Para classificar um agregado familiar como de EE alta, basta que pelo menos um dos familiares tenha uma EE alta.

Nas famílias de EE baixa todos os familiares são do tipo EE baixa (Leff & Vaughn, 1985).

Os médicos assistentes dos doentes incluídos no estudo desconheciam qual o tipo de EE das famílias.

Resultados

Os resultados das variáveis clínicas da amostra revelaram, no início do estudo, valores relativamente baixos nos scores dos sintomas positivos, percentil 20, e ligeiramente elevados nas escalas de sintomas negativos e de sintomas psicopatológicos gerais, respectivamente percentis 65 e 60 (aferição americana) (quadro 1).

O score médio da escala GAF é 48, mediana 50, d.p. 13,5 e intervalo 30-80, correspondendo a "sintomas graves ou grave incapacidade social, ocupacional ou escolar".

Na impressão clínica global, avaliada pelos médicos assistentes, obtiveram-se para os diferentes parâmetros no início do estudo, os scores que apresentamos no quadro 2.

Estes valores correspondem a severidade média, boa aderência e mesmo estado desde a última consulta anterior ao início do estudo.

Os parâmetros da ICG não se correlacionam entre si.

A matriz de correlações das escalas da PANSS mostra que as diferentes escalas se correlacionam de forma muito significativa (quadro 3).

A GAF inicial correlaciona-se de forma inversa com todas as escalas da PANSS; s. positivos, r=-0,54; s. negativos, r=-0,67; s. psicopatologia geral, r=-0,53; e total, r=-0,63.

O estudo das correlações entre os parâmetros da ICG e as escalas da PANSS revelou os resultados que apresentamos no quadro 4.

A severidade, tem maior correlação com os sintomas negativos e as melhoras com os sintomas positivos, isto é, são considerados piores os doentes com mais sintomas negativos e melhores os que têm mais sintomas positivos. A adesão ao tratamento não se correlaciona com nenhuma escala da PANSS.

O efeito do tratamento neuroléptico nos sintomas psicopatológicos é avaliado pela diferença dos scores antes e depois, isto é, após 12 meses de seguimento. Calculado pelo teste t para amostras emparelhadas, revelou nas diferentes escalas os resultados do quadro 5

Apenas a escala dos sintomas positivos não mostra diferença significativa dos resultados. Estes foram confirmados pelo teste de Willcoxon. Paradoxalmente, nesta amostra, os neurolépticos típicos não revelaram efeitos nos sintomas em relação aos quais são mais eficazes, os sintomas positivos.

Os 45 familiares entrevistados pela CFI foram classificados, segundo o tipo de emoção expressa, na seguinte proporção: 49% (22) eram do tipo EE baixa e 51% (23) do tipo EE alta.

Das 33 famílias, 20 foram classificadas como de EE alta (60,6%) e 13 como de EE baixa (39,4%).

Durante o seguimento recaíram 42% (14) dos doentes da amostra. O tipo de EE das famílias mostra relação com as recaídas conforme se pode observar no quadro 6

Para estudar o efeito do tratamento neuroléptico, segundo o tipo de EE das famílias, torna-se necessário estudar a equivalência dos dois grupos no início do estudo, comparando os de EE alta com os de EE baixa.

A comparação (teste t para amostras emparelhadas) dos scores iniciais das escalas da PANSS revelou os resultados expostos no quadro 7

Não há diferenças significativas entre os grupos de EE das famílias, para os scores da PANSS.

Os valores que revelam maior semelhança inicial são os da escala de sintomas positivos.

A escala GAF mostra uma diferença tendencialmente significativa, entre as famílias de EE alta (44,3) e as famílias de EE baixa (53,2), p=0,06.

O score médio da GAF, em doentes do grupo de famílias com EE alta, corresponde "a alguma incapacidade no teste da realidade, na comunicação ou incapacidade séria nas áreas do trabalho, escolares, relações familiares, julgamento, pensamento ou humor".

Para o grupo de famílias com EE baixa o score médio da GAF corresponde a "sintomas moderados ou moderada dificuldade no funcionamento social, ocupacional ou escolar".

Relativamente à impressão clínica global inicial os resultados não mostram diferenças significativas, como se pode verificar no quadro 8

O grau de severidade dos doentes é moderado nos dois grupos. Os doentes de ambos os grupos aderem bem à terapêutica, e em relação à última consulta, os de famílias de EE alta mantinham o mesmo estado de melhoras, e os de família de EE baixa estavam ligeiramente melhores.

Comparando os grupos quanto à idade, tempo de evolução da doença, proporção de doentes do sexo masculino, de doentes activos e solteiros, os resultados são os do quadro 9

Não há diferenças significativas entre as amostras dos doentes dos dois grupos de famílias.

A comparação dos scores da PANSS antes e depois (teste t para amostra emparelhadas), segundo o tipo de EE das famílias, mostra algumas diferenças significativas nos doentes que vivem com famílias de baixa expressividade emocional, conforme se pode verificar no quadro 10.

Os doentes que vivem com famílias de EE alta não melhoram em nenhuma escala da PANSS. Aqueles que vivem com famílias de EE baixa melhoram nos sintomas positivos — valores confirmados pelo teste de Willcoxon (figura 1).

Os scores médios da escala GAF, antes e depois, mostram não haver diferença nas famílias de EE alta. Nos doentes de famílias com EE baixa antes e depois (p<0,04), há aumento do score médio da GAF (figura 2).

Análise dos resultados

Amostra

A amostra é constituída por doentes esquizofrénicos crónicos, com um elevado tempo médio de evolução da doença. Há um predomínio de doentes do sexo masculino: dois terços da amostra em relação aos do sexo feminino.

A percentagem de doentes sem actividade profissional é grande, cerca de 60%, e a maioria são solteiros, 70%.

A percentagem de lares monoparentais é igual a 55% da amostra.

Considerando os scores iniciais da PANSS, GAF e ICG pode caracterizar-se clinicamente melhor a amostra. O score dos sintomas positivos é reduzido, quando comparado com os scores médios dos sintomas negativos e de psicopatologia geral.

O score médio da GAF inicial, (48) corresponde à média, "sintomas sérios e séria incapacidade de funcionamento social". A ICG mostra severidade moderada, boa aderência e ligeiras melhoras.

No estudo das correlações, é interessante a constatação de que os médicos avaliam a severidade ou as melhoras dos doentes em função dos sintomas predominantes. Se há mais sintomas negativos é maior a severidade, se há mais sintomas positivos há menos severidade e também mais melhoras. Esta relação traduz bem o perfil da eficácia dos neurolépticos típicos.

Para interpretar estes resultados é necessário ter em conta que os doentes se encontravam, antes do estudo, já em tratamento médico.

Sabe-se também que os neurolépticos típicos, únicos disponíveis na altura em que o estudo foi feito, têm maior eficácia no tratamento dos sintomas positivos que no dos negativos. Esta é uma possível explicação para o score relativamente baixo dos sintomas positivos, quando comparado com o das outras duas escalas, sintomas negativos e psicopatologia geral. O que também está de acordo com os resultados da ICG.

Efeitos do tratamento neuroléptico

Para conhecer o efeito terapêutico dos neurolépticos, procedemos à comparação antes-depois dos scores da PANSS e GAF, não considerando a EE das famílias. A comparação mostra haver reduções significativas nos sintomas negativos, psicopatologia geral e score global. Só os sintomas positivos não variam.

Este aspecto pode parecer paradoxal, mas é necessário considerar, como foi dito, que os doentes no início do estudo já estavam em tratamento com neurolépticos típicos. Eventualmente, os efeitos destes neurolépticos nestes sintomas já tinham sido obtidos, não havendo melhoras significativas posteriormente.

O score médio da GAF, apesar de ter melhorado ligeiramente, passou de 48 para 50, não revelou diferença significativa.

De um modo geral podemos dizer que houve um efeito do tratamento para melhor, como o atestam os scores globais da PANSS.

Emoção expressa das famílias

As EE das famílias da amostra revelaram maior percentagem (60,6%) de famílias de EE alta que de EE baixa (39,4%).

Apesar de estarem a fazer tratamento regular, recaíram 42% dos doentes da amostra, o que é uma percentagem elevada.

A comparação das recaídas com as EE das famílias mostra que recaem mais os doentes que vivem com famílias de EE alta (60%), do que com famílias de EE baixa (15%) (p<0,05).

Estes resultados levantam a questão do efeito stressante das famílias de EE alta nos doentes. Apesar de ainda não se conhecerem bem quais os processos pelos quais as EE das famílias actuam no doente, alguns autores defendem a hipótese de se tratar de um processo complexo de interacção entre o doente e os familiares hipercríticos e hostis.

Por um lado, parece haver nos doentes uma hiperactivação do SNS (arousal) quando em presença destes familiares (Venables, 1966; Hamilton, 1976; Sturgeon et al, 1984; Tarrier et al, 1997; Scotto & Bougerol, 1997). Por outro lado, os familiares revelam uma maior reactividade emocional aos sintomas e comportamentos dos doentes (Irwin et al, 1995).

Assim, durante a transacção do doente com um familiar de EE alta, gerar-se-ia uma espiral de stress que cessaria com o fim da transacção (transacção cruzada) (Bern, 1977), o que reforçaria simultaneamente o mutismo do doente e o comportamento hostil e crítico do familiar.

Nos familiares com sobre-implicação emocional o processo é diferente. A intrusividade do familiar é acompanhada pelo comportamento infantilizado e regressado do doente. Algumas vezes estes familiares também revelam criticismo, mas mais raramente a sobre-implicação emocional se associa à hostilidade.

Efeitos dos neurolépticos e tipo de EE das famílias dos doentes

A comparação inicial entre os doentes de famílias de EE alta e os doentes de famílias de EE baixa revela que os do primeiro grupo são mais graves que os do segundo, embora as diferenças não sejam significativas, quer relativamente aos scores da PANSS quer da ICG. Há apenas diferença tendencialmente significativa na GAF.

Outras variáveis, como a idade, o tempo de evolução da doença, a proporção dos sexos nos dois grupos e a percentagem de doentes solteiros, não revelaram diferenças.

Deste modo podem considerar-se os dois grupos como equivalentes no início do estudo.

A variação dos scores da PANSS, antes-depois, quando se considera o efeito neuroléptico associado ao tipo de EE das famílias, mostra só haver diferenças significativas na escala de sintomas positivos nos doentes que vivem com famílias de emoção expressa baixa. No grupo de doentes que vivem com famílias de emoção expressa alta não há diferenças significativas antes e depois. Neste grupo o score médio da escala de sintomas positivos aumentou, sendo o seu valor inicial semelhante nos dois grupos de famílias. Contudo, no grupo de doentes que vivem com famílias de EE baixa, após os 12 meses de seguimento, o score médio dos sintomas positivos baixou significativamente.

Resultados semelhantes verificaram-se nos scores da GAF. Estes resultados estão de acordo com os referidos por Barrowclough e Tarrier (1992), quando consideram que um nível elevado e mantido da activação fisiológica (arousal) do doente resulta no retorno dos sintomas psicóticos positivos, como seria o caso dos doentes que vivem em famílias de EE alta, o que não aconteceria nos doentes das famílias de EE baixa. Também para Leff e Vaughn (1981), o efeito de protecção da terapia neuroléptica de manutenção é superior nos doentes que vivem em famílias de EE baixa e menor naqueles que vivem em famílias de EE alta.

Para além das dimensões da amostra, outros aspectos neste trabalho estão sujeitos a reparos críticos. O primeiro é o de ainda não haver uma padronização da PANSS para a população portuguesa. O outro é o de apenas se terem feito duas avaliações, início e uma no fim do seguimento. Mais avaliações enriqueceriam certamente as conclusões acerca da importância da emoção expressa das famílias no tratamento dos doentes.

Também, pelo facto de se ter formado a amostra apenas com doentes crónicos de evolução prolongada, se podem levantar dúvidas na interpretação dos resultados. Doentes mais graves e com pior evolução têm mais famílias de EE alta que doentes menos graves.

A confirmarem-se os resultados em eventuais trabalhos de replicação, e com amostras mais representativas, as implicações para o tratamento integrado, doente-família, poderão traduzir-se numa optimização dos efeitos terapêuticos dos psicofármacos.

Também no tratamento ambulatório dos doentes, para além de se ter em consideração a EE das famílias, se deverá recorrer a outras estratégias de intervenção terapêutica que permitam quebrar o ciclo EE alta-recidivas, como sejam o treino de competências sociais e a inclusão das famílias em programas de coping e de suporte social (continuidade de cuidados).

 

Referências

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