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Psicologia

versión impresa ISSN 0874-2049

Psicologia vol.15 no.1 Lisboa ene. 2001

 

Análise de dados qualitativos aplicados às representações sociais

Qualitative data analysis applied to social representations

Costa Pereira*

*Professor coordenador na escola superior de comunicação social do instituto politécnico de lisboa.

 


RESUMO

Este artigo fornece-nos um insight sobre metodologia e análise de dados aplicada às representações sociais. Em primeiro lugar, apresentamos um quadro conceptual sobre representações sociais e os domínios do constructo que justificam a análise para o identificar. Depois, apresentamos uma análise conceptual acerca de elementos cognitivos, tais como protótipos e esquemas, que nos ajudam a construir mapas cognitivos onde se identifica a estrutura da representação social. Em segundo lugar, exploramos diferentes metodologias de recolha de dados e mostramos como estas metodologias nos remetem para resultados diferentes. Finalmente, identificamos diferentes técnicas de análise de dados que são aplicáveis às representações sociais, tais como a análise de similitude, a análise de correspondências, o MDS e o INDSCAL.

Palavras-chave Representações sociais, análise qualitativa, análise de similitude, análise de correspondências, MDS, INDSCAL.


ABSTRACT

This paper provide us an insight about methodology and data analysis on social representation. On a first time we present a conceptual framework on social representation and the domains on the construct that justify analysis to identify it. Then we explain a conceptual analysis about cognitive elements, like prototypes and schemas, that help us to build the cognitive maps where we identify the structure of the social representation. On a second time we explore the different methodologies on data collection and how they send to different results. Finally we identify the different techniques on data analysis that are applied on social representations, similarity analysis, correspondence analysis, and MDS and INDSCAL.


 

Introdução

A análise de dados qualitativos tem vindo a assumir um papel cada vez mais importante no estudo das ciências sociais. O desenvolvimento da informática, que se efectuou na última década, levou à criação de pacotes estatísticos que nos permitiram aumentar consideravelmente as amostras dos estudos qualitativos para números inacessíveis anteriormente. Este facto permitiu que as investigações neste domínio tivessem crescido significativamente, com uma tendência para uma generalização, à medida que os pacotes informáticos se iam tomando cada vez mais amigáveis.

Nestas investigações de natureza qualitativa, a análise de dados tem feito recurso a um conjunto de análises estatísticas, que se podem agrupar em quatro domínios: as Análises de Semelhanças, as Escalas Multidimensionais (MDS), as Análises Factoriais de Correspondências e as Análises Hierárquicas ou de Clusters. Cada uma delas, por si só, fornece-nos uma informação limitada do fenómeno, no entanto a sua aplicação em conjunto já nos permite ter uma visão de características mais global. Se a análise de semelhanças, por um lado, nos revela campos semânticos muito próximos, a escala multidimensional, por sua vez, identifica com mais força dissemelhanças, isto é, oposições que se manifestam em campos semânticos diferentes. As análises factoriais de correspondências, a partir de uma informação global, revelam estruturas que permitem enquadrar os campos semânticos, o que sendo que as análises hierárquicas nos permitem identificar grupos semânticos bem definidos.

Neste trabalho vamos tentar descrever estas técnicas, de uma forma aplicada ao estudo das representações sociais, procurando analisar as suas forças e as suas fraquezas, seguindo um percurso de análise que se inicia nas análises de semelhanças, segue pela escala multidimensional e termina na análise factorial de correspondências. Para além destas análises estatísticas, iremos mostrar algumas técnicas de recolha de dados tal como foram operacionalizadas por Vergès (1993a).

Como o artigo se centra no estudo das representações sociais, e num segundo ponto, iremos posicionarmo-nos no seu campo de análise, seguindo um modelo essencialmente representacional, admitindo que não existem diferenças significativas entre discurso e pensamento, recorrendo ao que é comum e partilhado entre os indivíduos. Este posicionamento torna-se necessário, uma vez que não existe consenso entre todos os que investigam nesta área, o que leva a que cada um privilegie as suas técnicas de recolha de dados e, por sua vez, as de análise dos dados. Não pretendemos, neste artigo, entrar no debate que se tem gerado sobre a Psicologia social Europeia, nomeadamente o que diz respeito às representações sociais como Jesuíno (1993) refere. Fizemos uma opção e seguimos com ela na linha das investigações que temos desenvolvido. Se o leitor desejar seguir outras metodologias e outras formas de analisar os dados relativos às representações sociais, pode consultar Doise, Clémence e Lorenzi-Cioldi (1992), DiGiacomo (1980), Soczka (1985), Vala (1984) e Guimelli e Rouquette (1992).

Um modelo para estudar as representações sociais

Para o estudo das representações sociais, propõe-se um modelo tentando conciliar alguns elementos das duas principais correntes actualmente em estudo, a estruturalista e a genética, aplicando na sua operacionalização os desenvolvimentos efectuados sobre a lógica natural por Grize, Vergès e Silem (1988), e os estudos empíricos dos esquemas de Marshall (1990a). Este modelo, como atrás se referiu, entra na lógica representacional.

Quadro teórico do modelo

A teoria das representações sociais, na perspectiva da corrente genética iniciada por Doise (1992), comporta três conceitos chave: o campo da representação, os Princípios organizadores e a ancoragem. A corrente estruturalista, iniciada por Abric (1976), organiza a representação em dois grandes sistemas: um central e outro periférico

No esquema da figura 1, propõe-se uma possível articulação entre os elementos propostos pela corrente estruturalista com a teoria do núcleo central, e os propostos pela genética desenvolvida por Doise (1986) com a teoria dos princípios geradores de tomada de posição. Ambas as teorias procuram compreender como a representação social se materializa numa estrutura mental. Em simultâneo, concordam que o estudo das representações exige uma análise ao campo da representação, onde as crenças do senso comum são objectivadas aos princípios organizadores de tomadas de posição, em que se incluem as diferenças inter individuais em termos de adesão às crenças e aos processos de ancoragem que suportam os princípios organizadores de tomadas de posição num conjunto de relações simbólicas e sociais (Tafani, 1997; Spini, 1997).

Na nossa perspectiva, procuramos materializar essa articulação afirmando que existe um movimento circular entre estes elementos, tentando conciliar as dimensões sociais com as individuais. Assim, a ancoragem com os seus processos de categorização e as suas inserções sociais específicas determina os princípios organizadores (tomadas de posição) e o campo da representação. Por sua vez, o campo das representações possui conteúdos que estão sujeitos a uma estrutura hierarquizada em torno de um núcleo central (Abric, 1976). Esta estrutura contém dois sistemas fundamentais, um central e outro periférico, que em permanente dinâmica influenciam as ancoragens e as tomadas de posição, colocando em relevo duas dimensões, uma individual, através das atitudes a influenciaram os princípios organizadores das tomadas de posição, e outra social através das pertenças grupais.

Para clarificar o nosso modelo vamos fazer uma breve incursão teórica sobre a lógica representacional, que se baseia na produção discursiva. Deste modo, podemos dizer que esta produção mostra os efeitos e as consequências das representações sociais, podendo, deste modo, afirmar-se que a representação se transmite, se desenvolve e se transforma através da palavra (Rouquette, 1990). Assim a linguagem é o meio que leva as coisas a produzirem sentido, onde os significados são criados e traçados e ainda onde os pensamentos, as ideias e os sentimentos são representados na cultura, para poderem ser compreendidos. Ao funcionar como uma prática significante, a linguagem fornece um modelo de funcionamento da cultura e da representação, através da semiótica. Por sua vez, é a semiótica que analisa a forma pela qual a linguagem e a representação produzem significados (Hall, 1997). É esta produção discursiva utilizando a linguagem que se pretende utilizar na recolha de dados para a representação social.

Por outro lado, o nosso modelo baseia-se na cognição social, a qual pode dar uma contribuição para estudar o campo das representações sociais nos seus conteúdos e sua estrutura, bem como nas suas ancoragens. Neles se incluem os processos de categorização e de esquematização, que de seguida abordaremos.

Nos processos de categorização, pode afirmar-se que "o processo de ancoragem é, em determinados aspectos, similar ao processo de categorização e de esquematização estudado pelos psicólogos da cognição social " (Jesuíno 1997, p. 3). A representação é materializada por processos de categorização (Moliner 1996). Este processo de categorização pode mesmo ser comparado ao da categorização protótipica, quando se afirma que " nós classificamos julgamos pessoas e coisas comparando-as com o protótipo” (Moscovici 1984 p. 34). Nestes processos, as categorias organizam-se em torno de um protótipo que é o membro da categoria que melhor a define e que possui um conjunto de propriedades que representam a categoria permitindo-lhe ser lidado na memória de trabalho. Os protótipos servem como representações cognitivas da sua categoria. Um protótipo é um conjunto específico de expectativas, onde não existe informação organizada, mas que é tratado como um objecto psicológico, como uma entidade em si própria.

Nos processos de esquematização, emergem os esquemas como a base do processamento de informação na mente humana. Assim, os esquemas são organizações de elementos cognitivos capazes de se transformarem em objectos abstractos, que possam ser utilizados na memória de trabalho (Andrade, 1995). Eles estão na base do processamento da informação, o que leva a que não se possam estudar as representações sociais sem recorrer ao conceito de esquemas, na medida em que segundo Marshall (1995):

(1) Os esquemas são um dos meios que a memória recorre para fazer a armazenagem da informação que possui;

(2) Os esquemas possuem uma representação construída através das ligações que se estabelecem entre os seus vários elementos, constituindo uma rede de significações;

(3) As ligações nos esquemas estabelecem-se a vários níveis. Num primeiro nível, os esquemas agrupam-se com ligações entre si sobre o objecto dado. Num segundo nível, no interior do esquema os elementos ligam-se entre si na rede de significações que o esquema materializar. Num terceiro nível micro, cada elemento pode ainda possuir várias significações e estabelecer a sua própria rede de ligações. O grau de ligações nos esquemas é uma das características mais importantes que se pode determinar para um dado esquema. São elas que mostram o grau de coesão e força do esquema. Estas ligações são identificadas pelas teorias dos grafos (Marshall 1990b; Grize, Vergés e Silem 1988). Num esquema típico, o elemento ou elementos alvo estão ligados a outros elementos. Todos os elementos directamente ligados a elementos activos tornam-se também activos, estendendo a activação aos outros elementos que estão ligados. As ligações podem provocar quer activação quer inibição dos esquemas. Assim, se um esquema for incompatível com outro irá inibilo, se compatível activa-o. O nosso modelo não permite medir estes níveis de activação;

(4) Os esquemas são flexíveis e possuem muito mais informação do que aquela que é utilizada numa situação particular, o que conduz a que em situações concretas nem toda a informação seja activada. Deste modo, o esquema pode ser activado por várias formas;

(5) Os esquemas variam na sua dimensão: podem ser de largo espectro ou específicos para uma dada situação. Nos esquemas de grande dimensão, os sujeitos têm tendência em os subdividir em sub conjuntos. Os esquemas podem aparecer de duas formas: uma com três elementos sob a forma de triângulos processados conscientemente pelo sujeito, outra com mais de três elementos na forma de círculos processados inconscientemente (Grize, Vergés e Silem 1988);

(6) Os esquemas raramente aparecem isolados, eles têm tendência a incorporar-se uns nos outros. Assim, um esquema pode servir como uma orientação para vários outros, como se pode ver nos mapas cognitivos das análises lexicográficas de Grize, Vergés e Silem (1988).

(7) Os processos colectivos na mente das pessoas são influenciados pelos esquemas e não obedecem a regras universais. Assim, cada pessoa desenvolve as suas estruturas mentais que vão estar em interacção com as estruturas que existem no mundo externo. Existe uma relação circular entre estas duas estruturas, como evidenciamos na figura 1. Esta relação encontra-se, quer nos processos de aprendizagem, quer nos processos de compreensão, na medida em que o sistema cognitivo não pode expressar significados (falar, escrever etc.) sem a forma externa física que transporta esses significados. Deste modo, a representação social como um processo colectivo materializa-se num conjunto de esquemas que obedecem a uma lógica natural (Moliner 1989). Grize considera que a noção chave da lógica natural é o processo de esquematização, e "que um dos processos da lógica natural é o de colocar em evidência a maneira pela qual a esquematização transforma progressivamente os objectos de pensamento e a imagem final que ela propõe" (Grize, 1989, p. 156). Alógica natural é, deste modo, um instrumento que permite a compreensão dos processos de esquematização no contexto das representações sociais, e que nós pretendemos explicitar na análise de dados através dos grafos produzidos a partir das análise de semelhanças.

Vergès (1989), distingue três processos no funcionamento cognitivo dos actores sociais. O primeiro refere-se a um processo de selecção dos elementos organizadores da representação, e que sugere ser o núcleo organizador da representação na perspectiva de Abric (1976). O segundo, a um processo conotativo onde se atribuem os significados aos elementos seleccionados. O terceiro, a um processo de esquematização que organiza o conteúdo da representação numa rede, onde cada elemento só adquire significado através das relações que estabelece com os outros.

Para concluir a organização cognitiva, vamos fazer um breve resumo dos modelos das representações mentais na memória explicitados por Smith (1998). Ele distingue quatro modelos. São eles: as redes associativas, os esquemas, os "exemplares" e as representações distribuídas. Em cada um deles se operacionalizam determinadas variáveis chave, que a breve descrição que se segue nos evidencia:

(1) Nas redes associativas, as representações são construídas por nós com ligações de diferentes tipos. Os nós são conceitos pré existentes que se podem materializar num traço, num conceito ou num conjunto de conhecimentos. As ligações formam-se quando os objectos são experienciados ou pensados em conjunto e possuem diferentes forças de ligação. A memória de longo prazo está organizada em redes associativas e a de curto prazo em subsistemas destes. Tem uma base semântica muito acentuada. (Carlston e Smith, 1996; Fiske e Taylor, 1991);

(2) Os esquemas, aparentemente contrários às redes associativas, são representações alargadas com uma estrutura significante interna. Representam conhecimentos gerais e não específicos. São entidades independentes com a sua lógica própria. A sua primeira função é de fornecer uma interpretação sobre uma nova informação específica, baseada na informação já existente. E ocorrem ao nível pré consciente (Markus e Zajonc, 1985; Carlston e Smith, 1996; Fiske e Taylor);

(3) Os "exemplares" são modelos que procuram fornecer um exemplo que possa servir de referência, o que mostra a sua ligação aos processos de categorização. Este, modelo, não se serve, de abstracções, mas de realidades, o que leva a que quando surge uma nova informação ela será comparada com traços existentes na memória que lhe podem servir de exemplo, como um protótipo de uma categoria (Linville, Fisher e Salovey 1989, Smith, 1988,1990);

(4) As representações distribuídas são modelos onde um conceito ou um objecto é representado por um padrão de activação, através de um conjunto de unidades de processamento constituídas num módulo. Este módulo representa um todo onde a informação se encontra em interacção representada por nós e ligações de diferentes forças. Uma nova informação será tratada contingencialmente, com diferentes padrões de activação de acordo com as situações específicas, o que poderá conduzir a que o resultado final seja impreciso ifuzzy). A formação do conhecimento representado é, explicitamente, modelada, e a reconstrução das memórias explícitas são contextualizadas contingencialmente. A informação nova adquirida recebe uma interpretação esquemática em função do conhecimento pré existente (Devine, Hamilton e Ostrom, 1994; McClelland e Rumelhart, 1985).

O estudo das representações sociais tem de ter em consideração estes estudos da memória que se apresentaram de uma forma muito sucinta. O campo das representações, materializado nos seus conteúdos e estrutura, procura conhecer como a informação se armazena na memória, se relaciona e se activa. A produção discursiva que se recolhe dos sujeitos é organizada tendo em consideração a lógica natural, através de modelos matemáticos onde se incluem a análise de semelhanças e a teoria dos grafos (Degenne e Vergès 1973; Flament 1986). Os mapas cognitivos, obtidos com esta organização dos dados, fornecem uma interpretação das realidades obtidas onde se vai recorrer aos modelos explicitados sobre a organização das representações mentais, quer às redes associativas, quer aos esquemas e redes distribuídas, obedecendo à lógica natural.

As análises de semelhanças, ao analisarem estruturas locais, vão deste modo, produzir mapas cognitivos que nos permitem interpretar a representação, através dos triângulos, círculos e estrelas que são produzidos (Grize, Vergès e Silem, 1988). Estes mapas cognitivos são um grafo simples e não são mais do que um conjunto de nós e ligações entre as categorias, formando esquemas que foram operacionalizadas e que representam as várias componentes de informação que as pessoas fornecem (Marshall, 1995).

Operacionalização do modelo

Neste modelo, o que pretendemos estudar em primeiro lugar é o campo das representações. E ele que está disponível, em primeiro lugar, quando recolhemos a informação dos sujeitos, e é a partir dele que vamos fazer as inferências relativas à identificação de uma representação social, nos vários domínios que estão descritos no modelo.

O estudo do campo das representações é constituído por um saber comum que objectiva um conceito e uma imagem ou um esquema figurativo (Spini, 1997, p. 35). Determina-se a partir da produção discursiva efectuada pelos sujeitos. Para tal, identificam-se os conteúdos da representação que são o universo semântico utilizado para descrever a representação. A estrutura da representação será efectuada a dois níveis:

(1) Um primeiro, baseado no simples cruzamento das frequências de ocorrência dos conceitos associados ao objecto da representação, com a sua ordem de evocação. Permite determinar os elementos do núcleo central e do sistema periférico, obtidos pela produção discursiva de forma livre e espontânea. Estes são confirmados, ou não, a partir da importância que essas evocações possuem para o sujeito em termos da representação. A primeira representa a disponibilidade da informação na mente do sujeito; a segunda representa o processamento controlado da informação relativamente ao objecto;

(2) Um segundo, onde se introduz alguma subjectividade, é efectuado a partir de uma organização dos dados em categorias numa base prototípica. O protótipo, considerado o conceito mais frequente, vai dar significado à categoria. Com esta organização dos dados, constrói-se uma matriz de semelhanças baseada em índices de semelhança. Os índices de semelhança devem ser escolhidos em função dos fenómenos que se pretendem investigar, maioritários, parcelares ou de implicação (Vergès 1993b). A análise lexicográfica da matriz, baseada na teoria dos grafos, produz então o mapa cognitivo que permite efectuar as análises locais operacionalizando, os nós e as ligações entre as categorias, dando corpo aos esquemas. São, em seguida, determinados dois tipos de relações, uma que remete para a identificação das relações de semelhança que permitem identificar uma estrutura subjacente (grafo conexo ou árvore máxima), e outra que identifica os locais de maior densidade nas relações de semelhança e que nos remete para uma análise hierárquica dos elementos da representação (Degenne e Vergès 1973). A este segundo nível, identifica-se, então, uma estrutura da representação mais complexa que permite confirmar, ou não, a centralidade dos elementos do núcleo central e, mais claramente, como a representação social se organiza cognitivamente.

O estudo das ancoragens, quer sociológica, quer psicológica, vai ser efectuada a partir das diferenças obtidas entre os vários grupos em estudo, nas significações que regem as regulações simbólicas como afirma Doise (1992/1993, p. 189):

a significação de uma representação social está sempre imbricada ou ancorada nas significações mais gerais que intervêm nas relações simbólicas próprias a um dado campo social.

São as ancoragens que vão explicar e descrever o funcionamento dos meta-sistemas sociais. A ancoragem sociológica é dada pelas inserções específicas dos indivíduos ou dos grupos, nas relações sociais partilhadas. São, deste modo, as pertenças socioprofissionais, o género, a afiliação religiosa ou política que mostram o nível sociológico e cultural da ancoragem (Spini, 1997). A ancoragem psicológica refere-se aos sistemas de valores e às crenças gerais intra e interpessoais. São as atitudes, os factores, que nos mostram o nível psicológico da ancoragem. Jaspers e Fraser (1984) sugerem que os sujeitos partilham uma representação social de acordo com a avaliação que dela efectuam. Estudar a ancoragem das atitudes nas relações sociais que as geram leva a estudá-las como as representações sociais (Doise, 1989, p. 224).

Deste modo, a ancoragem psicológica vai ser determinada a partir das avaliações positivas, negativas ou neutras que os sujeitos efectuaram dos estímulos que evocaram. Cada sujeito vai, deste modo, ser identificado com uma avaliação através de um índice de positividade:

 

 

que tem uma variação entre -1 e +1. Os resultados são, em seguida, categorizados da seguinte forma: (1) quando o índice se encontra entre -1 e -0,4; (2) entre -0,39 e +0,40 e (3) entre +0,41 e +1 (De Rosa, 1993 b). Em seguida, verifica-se, se a organização cognitiva dos sujeitos varia de acordo com o seu grau de avaliação da representação, a partir dos grupos de sujeitos em cada uma das avaliações. Finalmente, efectua-se uma análise confirmatória com a Escala Multidimensional, na variante INDSCAL, para identificar o espaço próprio de cada grupo. Para a ancoragem sociológica efectua-se de modo similar, mas agora com os outros grupos, nomeadamente as origens sociais dos sujeitos.

Técnicas de recolha de dados

Na recolha de dados qualitativos pretende-se que o sujeito possa dar livre expressão ao seu saber, dando corpo às teorias que desenvolve na sua mente, ou seja, qual a lógica natural que lhe está subordinada. Para o efeito estão já construídos, um conjunto de instrumentos de recolha de dados, que nos permitem identificar essa lógica. Especificamente para as representações sociais, os mais significativos são os seguintes:

Ao nível das evocações perante um estímulo

A Rede Associativa de De Rosa (1993b). Esta técnica consiste em colocar numa folha um círculo com o estímulo inserido no seu interior, e solicitar ao sujeito para escrever as evocações com ele relacionadas, construindo um conjunto de árvores ligadas ao estímulo à semelhança das redes da memória semântica de longo prazo, como se pode observar na rede construída na figura 2.

Ainda se pede às pessoas para hierarquizarem, por ordem de importância, as evocações que efectuaram, assim como a sua avaliação em termos de positivo, negativo ou neutro

As Evocações Livres de Vergès (1993a). Esta técnica, menos elaborada que a anterior, coloca uma palavra ou um conceito relevante para a investigação e em seguida solicita às pessoas para evocarem palavras ou frases curtas, num mínimo de três e num máximo de oito, colocando-as ordenadamente numa folha de notação. Também se solicita às pessoas para avaliarem, de forma positiva, negativa ou neutra, cada uma das evocações, bem como as duas que considerem serem as mais importantes, como consta na figura 3 para o mesmo estímulo Eu

 

 

A Carta Associativa de Abric (1994). Esta técnica coloca, também, um conceito estímulo que vai induzir um conjunto de evocações para as quais lhes é fornecido um percurso. Assim, coloca-se a palavra estímulo, em seguida pede-se ao sujeito para colocar a primeira evocação que lhe ocorre e, finalmente, pede-se-lhe que associe essa evocação com a palavra estímulo e produza uma outra associação. Um exemplo pode ser observado na figura 4 para o estímulo

 

 

Outros instrumentos de recolha de dados (Vergès, 1993a)

Vergès desenvolveu um conjunto de processos de recolha de dados qualitativos, bastante interessante, que permitem identificar de forma muito clara a lógica natural nos sujeitos. Um primeiro instrumento, que o autor chama de relacional, coloca uma série de estímulos, presentes numa representação ou fazendo parte de um constructo em círculo, e pede aos sujeitos para estabelecerem relações entre eles através de linhas que estes traçam a ligar os estímulos. Um exemplo é dado na figura 5, para o conceito de modernização das empresas.

Um segundo coloca um conjunto de palavras ou conceitos que fazem parte do mesmo constructo ou representação social, e pede-se às pessoas para efectuarem entre um e quatro agrupamentos com esses estímulos, atribuindo a cada um deles um título. Este método é bastante interessante, na medida em que vai pedir às pessoas para efectuarem uma categorização e atribuírem um significado à categoria que construíram. Um exemplo pode ser observado na figura 6, sobre o consumo de leite.

Análise dos dados

Os dados podem ser analisados de diversas formas fazendo recurso a diferentes técnicas estatísticas, tais como as análises de semelhanças, a Escala Multidimensional, as análises factoriais de correspondências e as classificações hierárquicas. Nas evocações, para obtermos uma análise global do fenómeno, aplicamos as três primeiras nas restantes a análise de semelhanças.

Assim, começando pelas evocações livres, elas podem ser analisadas por duas técnicas estatísticas de base: uma que remete para a construção de matrizes de semelhança ou dissemelhança, e outra para a análise factorial de correspondências. As primeiras utilizam uma panóplia de índices de semelhança e permitem, por um lado, determinar estruturas locais dos dados que se apresentam semelhantes utilizando a teoria dos grafos e identificar as dissemelhanças entre os dados, mostrando o que é diferente através da Escala Multidimensional (MDS). A segunda, identifica estruturas subjacentes aos dados a partir da construção de uma estrutura factorial às colunas e às linhas, da tabela de contingência onde se encontram as frequências das evocações por conceito e por sujeito.

Análise dos dados nas questões de evocação

A análise dos dados nestas questões segue duas vias, uma para identificar uma estrutura base dos dados onde se possam identificar os elementos centrais e periféricos da representação social na perspectiva de Abric (1976), outra subsequente que depende das técnicas estatísticas utilizadas.

Análise por frequências e ordem de evocação

Para identificar a estrutura base da representação social, utilizam-se as técnicas desenvolvidas por Vergès (1987/1994), onde ele cruza elementos de natureza quantitativa, as frequências das evocações, com elementos de natureza qualitativa, as ordens das evocações, construindo uma tabela de contingência. Os dados são analisados seguindo as seguintes etapas:

(1) Homogeneização inicial, tendo em consideração transformar os femininos em masculinos ou vice versa, o plural em singular ou vice versa, etc., utilizando como critério de conversão a manutenção das evocações com a maior frequência. Não existe preocupação em se efectuar qualquer análise de conteúdo.

(2) Em seguida, os dados são inseridos numa tabela de contingência cruzando as frequências pela ordem de evocação, de modo a hierarquizar as evocações desde as mais frequentes com menor ordem de evocação até às menos frequentes com maior ordem de evocação. Constroem-se quatro quadrantes utilizando duas partições: uma na frequência, com base na experiência do investigador, e outra na ordem de evocação, utilizando como referência a ordem média de evocação. Os quatro quadrantes construídos são descritos como segue:

— o 1.° (+ +), onde se encontram as evocações de maior frequência e ordem de evocação inferior à média geral das evocações, e que correspondem aos elementos que maior probabilidade têm de pertencer ao núcleo central;

— o 2.° (+ -), com as evocações de maior frequência e maior ordem de evocação, começa como uma primeira coroa do sistema periférico onde se encontram evocações muito citadas, mas sem importância para os sujeitos;

— o 3.° (- +), com as evocações de menor frequência e de menor ordem de evocação, somando uma segunda coroa do sistema periférico onde se encontram as evocações consideradas importantes por um pequeno grupo de sujeitos;

— o 4.° (- -), com as evocações de menor frequência e maior ordem de evocação, consideradas a última coroa do sistema periférico onde se encontram as evocações irrelevantes para a representação e que se torna importante contrastar com as do núcleo central, para aferir a sua importância para a representação.

Esta fase de tratamento dos dados permite-nos identificar o campo da representação, a sua objectivação e parte da sua estrutura com a identificação do sistema central e do periférico. Como exemplo desta análise, podemos visualizar uma estrutura relativa ao estímulo de uma imagem da publicidade da Benetton, a Tribo, nas figuras 7 e 8

Para além desta exposição, vamos também comparar as duas técnicas de recolha de dados referentes à Rede Associativa de De Rosa e à Carta Associativa de Abric

Iremos ver, em primeiro lugar, a Rede num estudo que efectuamos sobre a Benetton, em duas populações jovens de duas Escolas Secundárias de Lisboa. Foram inquiridos 60 jovens em cada Escola, uma com a rede e outra com a carta.

Desta análise, salienta-se, em termos técnicos, que é um conceito com pouca dispersão, centrando-se nos elementos da imagem e as respectivas inferências com ela relacionada. Os elementos do núcleo central, identificados por esta técnica, são evocados por uma percentagem significativa da população. Isto revela uma grande concentração do conceito em termos cognitivos. Foram evocadas 394 palavras, sendo diferentes 183 (46%), o que revela homogeneidade do conceito antes do processo da categorização. É de notar que a ordem de evocação é produto de uma análise global que o sujeito efectua às evocações, depois de as produzir.

Em seguida, vamos mostrar as evocações relativas à carta associativa numa população jovem com as mesmas características da anterior.

Nestas evocações, verifica-se uma maior homogeneidade sobre a imagem da Tribo, do que a produzida pela Rede. Foram produzidas 480 (mais 86) palavras com 181 (38%) diferentes, o que revela maior homogeneização do que na rede associativa. A produção de palavras é maior porque o sujeito é induzido a preencher o limite máximo. A ordem de evocação é definida, aqui, pela sequência em que foram produzidas. Acarta revela que a ordem média de evocação dos elementos centrais é mais elevada do que na rede. As evocações na carta sugerem que elas são produto de uma maior elaboração do pensamento, quer pela introdução da discriminação junto do racismo e diferença, quer por terem explicitado as raças em brancos e negros. Ambas as representações remetem para África, elementos das cores da imagem, das culturas e da doença.

Análise de semelhanças

Na fase seguinte, para identificar uma estrutura mais fina da representação onde se possam identificar os processos de categorização e de esquematização na representação, os dados são agora trabalhados para que se possa construir uma matriz de semelhanças e identificar estruturas locais.

(1) As evocações são, em seguida, agrupadas numa base prototípica onde o termo mais frequente vai servir de protótipo para construir um conjunto de categorias que enquadre o maior número delas, e permita efectuar as análises estatísticas.

(2) As categorias são, em seguida, relacionadas a partir de um índice de semelhança que, neste caso das evocações livres, fará uso do índice de implicação para nos mostrar o grau que uma categoria aparece em simultâneo com outra nos diversos sujeitos. Pretende-se, neste caso, identificar inclusões no campo semântico expresso pelos sujeitos. Considerando uma tabela rectangular com a variável J nas linhas em que existe, não existe (0 ou 1), e a variável I nas colunas nas mesmas condições, o índice obedece à seguinte lógica matemática:

Como se pode verificar, este índice é sempre inferior a um, na medida em que o número de vezes que I e J aparecem em simultâneo é sempre inferior ao número de vezes que I ou J aparecem sozinhos, mesmo sendo pelo mínimo de cada um. Para melhor operacionalização, este índice é multiplicado por 100.

(3) Uma vez construída a matriz simétrica com as categorias, ela vai ser analisada através da teoria dos grafos (Flament, 1965; Rosenstiehl, 1967), em dois níveis: um que nos reporta para a determinação da árvore máxima da matriz (grafo conexo), onde são eliminadas as arestas dos triângulos de valor mais baixo, e que permite identificar uma estrutura entre as categorias mostrando um resumo do grafo. Outro, que remete para uma relação hierárquica e que permite através de uma classificação hierárquica definir níveis por intensidade de índices de implicação, mostrando as relações entre os conjuntos de categorias que se agrupam nos níveis mais elevados de inclusão. Permite, deste modo, identificar as implicações mais fortes que dão significado ao grafo.

A análise deste grafo pode permitir, para além da identificação de uma estrutura entre as categorias e conjuntos homogéneos de significação, confirmar ou não a centralidade dos elementos determinada pelas frequências e ordens de evocação.

Com o grafo assim encontrado é possível ser efectuada uma leitura cognitiva dele. As categorias ficam, deste modo, organizadas por grau de implicação, o que permite analisar o grafo nos mesmos moldes que se efectua para a estrutura semântica da memória de longo prazo, com nós e ligações. Esta análise é semelhante ao que Grize, Vergès e Silem (1988) fizeram com a lógica natural, para mostrar a estrutura das representações, e Andrade (1995), na antropologia cognitiva, para identificar as organizações esquemáticas que se constroem na mente das pessoas.

As análises lexicográficas ao estímulo Tribo, nas duas técnicas de evocação, podem ser visualizadas nas figuras 9 e 10.

Estas análises remetem para organizações cognitivas diferentes. A Rede estrutura a representação em três núcleos de base, enquanto que a Carta mantém dois desses núcleos, diferença e fome, com significações diferentes, e substitui o de África por raças, albina e sociedade, acrescentando-lhe um conjunto de ligações que dão significado à representação. Esta análise da representação da Carta parece remeter-nos para um pensamento mais controlado da informação do que na Rede. Possui uma maior complexidade cognitiva, eventualmente produto de uma maior reflexão a que o processo de evocação obrigou quando deu uma orientação às evocações, obrigando a estabelecer associações com as evocações anteriores. Efectuada uma correlação entre as matrizes de semelhanças obtidas pelas duas técnicas, verificou-se que era bastante baixa (0,26), confirmando, deste modo, as diferenças observadas visualmente.

Estas análises confirmam, na sua essência, a centralidade dos elementos obtidos pelo cruzamento das frequências com as ordens de evocação. O mesmo já não acontece quando as evocações apresentam uma grande dispersão e as categorias construídas são mais frágeis, mais dependentes dos investigadores, e onde os elementos centrais da representação emergem para uma minoria da população em estudo.

Estas análises foram efectuadas com recurso aos programas informáticos EVOC, desenvolvido por Vergès (1993b), e SIMI97, desenvolvido por Barbry e Scano sob orientação de Vergès (1997), bem como AVRIL, desenvolvido por Zeliger (1997).

Análise pela Escala Multidimensional (MDS)

Para esta análise foi utilizada a matriz de semelhanças anteriormente construída para o estímulo Tribo, com as evocações da Carta Associativa, afim de efectuarmos uma análise de convergência e, simultaneamente, podermos analisar agora o que é diferente em detrimento das análises locais. As variáveis em estudo são as categorias anteriormente definidas. Esta técnica permite uma representação visual das categorias, posicionando-as em referenciais de dois ou mais eixos, o que permite assim construir duas ou mais dimensões às quais se atribuem significados.

Esta técnica apoia-se na geometria Euclidiana, tratando as variáveis a partir das distâncias que se estabelecem entre elas. A transformação dos índices de implicação entre as categorias em distâncias exige uma análise cuidada ao modelo que trabalha os dados, para verificar se a transformação se processou a partir de uma relação linear, de acordo com a geometria Euclidiana. O ajustamento do modelo nesta transformação é medido através de um indicador, o stress, que varia entre 0 e 1 e que nos revela o grau de ajustamento desta transformação. Se existir uma linearidade perfeita, o stress será igual a zero (Kruskal e Wish, 1976). Embora nenhum autor refira qual deverá ser o stress adequado para a aceitação da transformação, é usual considerar como aceitáveis os valores que sejam inferiores ou iguais a 0,2. Acima de 0,2 consideram-se aceitáveis os valores que, através das várias análises, revelem um decréscimo acentuado quando se aumentam as dimensões a que os dados se referenciam. Assim, se obtivermos um stress de 0,38 a duas dimensões e 0,28 a três dimensões, poderemos considerar que o modelo é de aceitar a três dimensões. Existe uma relação estreita entre o stress e as dimensões em estudo. Na figura 11, podemos visualizar uma análise a três dimensões com um stress de 0,16 e uma variância explicada de 72%, do estímulo Tribo obtido através da Carta Associativa.

Esta análise revela-nos três dimensões polarizadas. É esta polarização que torna a interpretação mais relevante, na medida que este tipo de análise, como se disse, está mais orientada para as diferenças do que para as proximidades. A Dimensão 1 opõe Albina e Sociedade a Medo. A Dimensão 2 opõe Diferença a Cultura e Racismo. A Dimensão 3 opõe África a Tribo e Raça. Estas dimensões permitem-nos obter uma visão global da estrutura da representação.

Os estudos efectuados por Pereira (1994; 1999), têm mostrado que os elementos considerados como pertencentes ao núcleo central se posicionam num espaço próprio isolado dos restantes. Como a Escala Multidimensional tem a sua força a medir dissemelhanças, podemos assim dizer que são elementos que se diferenciam dos restantes, confirmando uma diferença em relação aos restantes e que nós podemos inferir como uma confirmação à centralidade.

Variante da Escala Multidimensional das diferenças individuais (1NDSCAL)

Nesta variante da Escala Multidimensional, é possível identificar, para além das dimensões onde se enquadram as categorias, os espaços inter individuais quando as respostas são por sujeitos ou por grupos de sujeitos, a que corresponde a sua matriz de relações entre as categorias. Assim, é possível identificar espaços comuns aos sujeitos ou grupos em estudo. Considera-se espaço comum a configuração dos estímulos num espaço a duas ou mais dimensões, o que torna possível identificar as diferenças entre os sujeitos ou grupos em estudo. A figura 12 permite-nos visualizar as diferenças entre as representações obtidas pelas duas técnicas de recolha de dados, a rede e a carta. O modelo revela um stress de 0,20 e uma variância explicada de 38%. O modelo está perfeitamente estabilizado, mostrando-nos a confirmação das correlações entre as matrizes, que são duas representações diferentes ocupando espaços pessoais bem diferenciados.

A Escala Multidimensional simples, e na sua variante INDSCAL, pode ser efectuada no software estatístico vulgarmente conhecido por SPSS (Statistical Package for Social Sciences)

Esta técnica permite-nos, também, identificar as ancoragens das representações, quer sociológicas, quer psicológicas. Para o efeito, identificam-se subgrupos. Para a sociológica, grupos referentes a pertenças sociais. Com estas análises podemos reflectir como estas dimensões sociais afectam as cognições dos sujeitos, logo a estrutura da representação. Para a psicológica, sub grupos por avaliação da representação. Estes, por sua vez, reflectem como as tomadas de posição individuais vão afectar as organizações cognitivas dos sujeitos. A falta de espaço não nos permite mostrar os exemplos que temos relativamente a estas ancoragens, mas que utilizam a técnica exemplificada na figura 12.

Análise factorial de correspondências

Neste artigo não se pretende explicar a análise factorial de correspondências, mas tão só mostrar como ela pode complementar as análises anteriores fornecendo uma outra visão da problemática em questão. Para uma explicação mais pormenorizada desta técnica ver Pereira (1997).

Para o estímulo Tribo as evocações produzidas pela Carta Associativa foram, nesta fase, submetidas a uma análise factorial de correspondências simples. A análise produziu seis factores com uma variância explicada de 43,61%. Na figura 13 pode visualizar-se a projecção dos dois primeiros factores. O primeiro está claramente identificado; o segundo reparte-se por dois pólos opostos.

As contribuições absolutas relevantes de cada um dos factores são as que o quadro 1 nos mostra.

Do quadro 1, pode verificar-se que o Factor 1 pode significar os contrastes entre dia e noite, claro e escuro, em que a Africa é pródiga, dando realce à cor e mostrando multidões. O Factor 2 está polarizado entre os aspectos culturais e da doença e a diferença e a discriminação a que essa mesma doença ou factores culturais estejam sujeitos.

Este Factor 2 complementa a análise de semelhanças onde a diferença está associada ao racismo e à doença (albina), bem como a cultura. No Factor 1 temos uma Africa conotada com a Dimensão 3 da Escala Multidimensional, embora com a análise de semelhanças não se possam retirar inferências directas numa primeira observação.

Tem de se ter em consideração que as análises de semelhanças são efectuadas com categorias, e estas a partir dos termos de base, que neste caso são os que possuem frequência superior a cinco.

Análise de dados para as questões de relação entre conceitos ou agrupamentos

Nesta parte do artigo, vamos dar o exemplo da forma como se tratam os dados das questões anteriormente colocadas sobre a modernização das empresas e os agrupamentos relativos ao consumo do leite.

Questão de relação entre conceitos

Esta questão pode ser analisada com o suporte estatístico fornecido por Vergès (1998). Uma vez construída a base de dados em linguagem ASCII, com as relações efectuadas por cada sujeito, constrói-se uma matriz de relação com índice de semelhança a partir das co-ocorrências verificadas para cada par de conceitos. O exemplo da análise de dados da questão sobre a forma como as pessoas conceptualizam a modernização das empresas, com uma amostra de 450 sujeitos, encontra-se representado na figura 14 através de uma análise lexicográfica (Pereira, 1999).

Esta técnica permite uma análise mais fina da dimensão cognitiva. Com as relações que as pessoas estabelecem directamente é possível identificar, não só, as relações semânticas, mas também as conceptuais que nos permitem inferir uma posição clara sobre a lógica natural dos sujeitos.

A principal força desta técnica é a de identificar os processos de esquematização utilizados pelos sujeitos, uma vez que eles estabeleceram relações directas entre os conceitos. Enquanto que nas questões de evocação inferimos esquemas a partir de relações de implicação, aqui deduzimo-los na base dos fenómenos maioritários expressos pelos sujeitos.

Questão de agrupamentos

Esta questão, como se disse anteriormente, solicita às pessoas para efectuarem a sua própria categorização e, em seguida, que atribuam um significado a essa categorização. Mais uma vez encontramo-nos a identificar um outro elemento da lógica natural das pessoas, agora como elas organizam os conceitos em termos de categorias. Uma vez criada a base de dados, onde cada sujeito vai ser repetido tantas vezes quantos os grupos que construiu, vamos criar a matriz de co-ocorrências para identificar os fenómenos maioritários como na questão anterior. Na figura 15 podemos visualizar uma análise lexicográfica sobre os agrupamentos construídos relativos ao significado do consumo do leite para as pessoas, através de uma amostra representativa dos sujeitos consumidores de leite da Grande Lisboa (Pereira, 1994). Os sujeitos da amostra realizaram até um máximo de quatro agrupamentos.

Com esta técnica, também é possível desenvolver uma análise mais completa que a anterior no domínio cognitivo. A matriz de semelhanças, identificada na figura 11, dá-nos a conhecer os esquemas desenvolvidos relativamente ao significado do consumo do leite para as pessoas. Para analisar os processos de categorização foram analisados os títulos atribuídos aos agrupamentos. Para o efeito, procuramos os esquemas construídos pelos sujeitos e fomos verificar os títulos que foram dados a esses agrupamentos. Assim, as pessoas que mencionaram nos agrupamentos cálcio, alimento completo, energia e vitaminas, atribuíram-lhe títulos que remetem para a composição e qualidades do leite, alimento indispensável e saudável. Este esquema operacionalizado pelos sujeitos da amostra pode ser classificado como 0 leite é um alimento indispensável que, pelas suas qualidades, torna as pessoas saudáveis.

Esta técnica tem, assim, a sua força na forma como associa os processos de categorização com os de esquematização. Temos aqui, mais uma vez, fenómenos maioritários operacionalizados pelos sujeitos, ao utilizarem os termos para realizarem os seus processos de categorização. Com esta questão, é possível, deste modo, ir um pouco mais longe e começar a atribuir significações aos esquemas, na linha do que foi anteriormente descrito, isso é, quando abordamos os esquemas no ponto dois.

Conclusões

O estudo das representações sociais não é simples e não se esgota com a utilização de uma técnica quer na recolha de dados, quer na sua análise, já que todos os métodos de investigação são importantes e compatíveis entre si (Jesuíno, 1993). Conhecer uma representação social, isto é, as ideias que circulam na sociedade sobre um determinado objecto social, não é possível apenas com a verbalização efectuada pelos sujeitos. Temos de apreender o que está a montante, na sociedade, e a jusante, nos efeitos que são produzidos nomeadamente nas práticas.

Neste artigo foi dada ênfase às análises qualitativas, as que mais contribuições podem dar para o estudo das representações sociais No entanto não podemos por de parte as análises quantitativas, que podem e devem ser utilizadas numa fase subsequente quando se conhece melhor o objecto da representação. O estudo das representações deve ter vários momentos. Num primeiro, deve pesquisar-se informação sobre o objecto que nos permita conhecer o campo e conteúdos da representação e desenvolver um vasto reportório, como no caso das questões de evocação. Num segundo, desenvolvem-se técnicas que nos permitem conhecer a estrutura cognitiva, como as questões de relacionamento e as questões de agrupamentos, bem como as aplicações de natureza puramente quantitativa. Podem ainda ser desenvolvidas técnicas que nos permitam confirmar a centralidade do núcleo central, e das funções dos elementos periféricos na estrutura da representação. Finalmente, num terceiro momento, podem, então, aplicar-se técnicas que nos permitam conhecer as várias funções da representação na sociedade e nas pessoas.

Ainda para a primeira fase do estudo das representações, relativo ao campo e conteúdos, podem ser utilizadas, ainda, outras técnicas que não se restringem às questões de evocação. Uma técnica que pode dar muito bons resultados é a de 'Focus Grupos". Esta técnica, muito difundida noutras áreas, tem sido pouco utilizada nas representações sociais, onde começa a emergir. Ela permite, através da entrevista de grupo que se efectua e da dinâmica de grupo daí resultante, desenvolver um vasto conhecimento sobre o objecto da representação.

Construir categorias é uma tarefa complexa. Exige, por parte do investigador, alguns cuidados. A construção de categorias exige que os elementos que a constituem sejam similares entre si, se diferenciem claramente dos elementos das outras categorias e que possuam claramente algo que as caracterize. Como o estudo das representações sociais exige a construção de categorias, que como se sabe é uma das bases das estruturas cognitivas, devemos ter estes cuidados. Uma das formas de minimizar estes problemas é o de construir categorias na base protótipica (Rosch, 1978). Neste caso, recorre-se a protótipos com frequências elevadas que permitem reflectir, com o máximo de fidelidade e clareza, o pensamento dos sujeitos.

Finalmente, fazendo uma retrospectiva às técnicas utilizadas no corpo do artigo, podemos concluir que, nas evocações livres, a Carta Associativa produz maior complexidade cognitiva na estrutura da representação do que a Rede Associativa e as Evocações Livres. A técnica Relacional sobre o conceito permite identificar, mais facilmente, os processos de esquematização que se desenvolvem. A técnica dos Agrupamentos, permite identificar com mais força os processos de categorização. Relativamente às análises de dados, se pretendermos estruturas cognitivas podemos recorrer às Análises de Semelhanças, que nos permitem identificar o que está próximo. Ainda nas estruturas cognitivas, complementando as análises de semelhanças, podemos utilizar a Escala Multidimensional que nos identifica o que está distante, as dissemelhanças. Por outro lado, se pretendermos contextos sociais podemos utilizar as Análises Factoriais de Correspondências, que nos permitem identificar eixos que enquadram a representação. Como complemento, podemos utilizar as Análises Classificatórias Hierárquicas para nos ajudar à significação dos eixos. No entanto, a complementaridade entre as técnicas é o mais aconselhado para que possamos obter todas as vertentes da lógica natural que enquadra o pensamento dos sujeitos, analisando as ideias que circulam na sociedade e como elas se organizam cognitivamente na mente dos sujeitos.

 

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