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Ex aequo

versão impressa ISSN 0874-5560

Ex aequo  n.19 Vila Franca de Xira  2009

 

«Esta é a minha casa»: A intersecção entre a raça e o género no romance Brick Lane de Monica Ali e no filme de Sarah Gavron

 

Margarida Esteves Pereira

Instituto de Letras e Ciências Humanas, Universidade do Minho

 

Resumo

Este artigo pretende questionar a representação da identidade a partir da perspectiva da raça e do género, assumindo, pois, como fundamental a intersecção entre estas duas variáveis na sua análise. Parte-se do princípio de que a variável de género poderá introduzir alterações na perspectiva do que é a integração multicultural no âmbito das sociedades ocidentais. Usaremos como objecto de análise nesta discussão o romance Brick Lane de Monica Ali e o filme com o mesmo título de Sarah Gavron.

Palavras-chave Brick Lane, romance, filme, género, multiculturalismo.

 

Abstract

«This is my home»: the intersection between race and gender in Monica Ali’s Brick Lane and in Sarah Gavron’s film

This essay aims at questioning the representation of identity from the dual perspective of race and gender, assuming in its analysis that the intersection between the two variants is fundamental. The article takes into consideration that gender is an important variant that may introduce changes in the way we view multicultural integration within western societies. The novel Brick Lane, by Monica Ali, as well as the film under the same title by Sarah Gavron will serve as our objects of analysis in this discussion.

Keywords Brick Lane, novel, film, gender, multiculturalism.

 

Résumé

«Ma maison est ici»: l’intersection entre la race et le genre dans le roman Brick Lane de Monica Ali et dans le filme de Sarah Gavron

Cet essai vise à questionner la représentation de l’identité du point de vue de la race et du genre, en assumant comme essentielle l’intersection entre les deux catégories. On part, donc, du principe que la catégorie du genre pourra introduire des altérations dans la perspective de ce qui constitue l’intégration multiculturelle au sein des sociétés occidentales. Le roman Brick Lane, de Monica Ali et le film avec le même titre de Sarah Gavron seront nos objets d’analyse en cette discussion.

Mots-clé Brick Lane, roman, filme, genre, multiculturalisme.

 

1. Ser mulher: uma visão transcultural ou localizada?

Num artigo sobre a forma como a «raça» e o «género» se articulam na definição de uma certa memória histórica, Vron Ware chama a atenção para o modo como a crítica feminista ou, mais concretamente, a historiografia feminista não tem tido em consideração, na sua teorização, as diferenças étnicas e raciais e a forma como estas se inter-relacionam com as questões de género1. Sendo certo que, durante muito tempo, o feminismo liberal teve uma tendência para menosprezar a articulação com a classe e com a raça2, parece-me que actualmente o discurso sobre as questões do pós-colonial tende a passar por cima de considerações sobre o género na sua teorização das questões da diferença étnica ou racial. Não está no intuito deste artigo questionar qual das posições teóricas se encontrará mais próxima de um discurso politicamente correcto, o que seria um empreendimento algo fútil e limitador. Contudo, enquanto mulher não posso deixar de sentir o quanto a questão do género é frequentemente excluída das discussões sobre o pós-colonial. Concordo com Vron Ware, quando esta afirma:

[…] [u]m exame ao modo como o branco (a «raça») se intersecta com o género e a sexualidade pode deslocar o que por vezes se aproxima de uma obsessão com a diferença para o conceito menos em voga da ligação relacional. Pois as noções do que constitui a feminilidade/masculinidade brancas são construídas em relação àquelas que se referem à feminilidade/masculinidade negras e vice-versa (Ware, 1998: 144-45).

É, pois, esta ideia de ligação relacional entre mulheres que me interessa aqui abordar, no sentido de perceber o modo como a identidade de género pode estabelecer ligações que abrangem ou superam a identidade étnica ou racial. Por outras palavras, o que me interessa aqui perceber é o modo como mulheres provenientes de raças, etnias e culturas diferentes podem estabelecer ligações e modos de entendimento que se sobrepõem a todas essas outras diferenças.

Penso que o género nos poderá também ajudar a inverter a direcção das recentes políticas de integração, baseadas na rejeição do multiculturalismo e da diversidade cultural. Tal como é referido por Paul Gilroy em After Empire: Melancholia or Convivial Culture (2004), num contexto político e social tão adverso às políticas multiculturais, nunca será demasiado lembrar que aquilo que nos une é mais do que aquilo que nos separa. Nas palavras deste autor:

Até há bem pouco tempo, os ideais dos quais derivavam estas ideias [as ambições utópicas de multiculturalismo] não acarretavam automaticamente qualquer motivo de vergonha, nomeadamente, seria aceite que os seres humanos são bem mais iguais entre si do que são desiguais e que o reconhecimento do valor, dignidade e semelhança essenciais impõe restrições à forma como podemos comportar-nos se queremos agir com justiça (Gilroy, 2004: 4, minha tradução).

Gilroy refere que estes ideais, que se têm vindo a perder, estão necessariamente associados à derrota da Esquerda e à perda de uma ideia de internacionalismo e de cosmopolitismo, que foram desde sempre condições fundamentais para a existência de movimentos como o feminismo e o socialismo. Vivemos, assim, numa época em que o internacionalismo (ou a globalização, se quisermos) se tornou a condição de existência fundamental da sociedade, mas onde, paradoxalmente, se assiste a um ambiente político em que «as filiações cosmopolitas e transnacionais se tornaram suspeitas e são agora praticamente impensáveis fora dos estritos códigos do discurso sobre os direitos humanos, as emergências médicas e as catástrofes ambientais» (Gilroy, 2004: 5, minha tradução).

Como nos é relembrado por Gilroy, de facto, o feminismo tem sido historicamente um movimento que se caracteriza pela sua internacionalização, como ficou exemplarmente descrito nas palavras de Virginia Woolf em Three Guineas, quando afirma: «como mulher não tenho nenhum país. Como mulher não quero nenhum país. Como mulher o meu país é o mundo inteiro». Penso que esta é uma perspectiva que não deveria ser perdida, embora não possa deixar de ser conjugada com uma perspectiva mais localizada, pois, como também já aprendemos, o ser mulher não determina um essencialismo biológico-cultural independente do espaço físico-social em que cada mulher se encontra. Naturalmente, da mesma forma que considero pertinente ter em vista as palavras de Woolf, pois nos relembram uma particular conjugação de esforços de um determinado grupo social que se sente oprimido, em detrimento de uma perspectiva sectária presente em muitas das concepções «localizadas» desses grupos (permitindo uma abordagem da questão no sentido daquilo a que Gilroy chama a convivialidade), também não podemos deixar de ter em conta a particular localização de cada mulher, tal como nos é relembrado, num outro tempo, por Adrienne Rich, no ensaio pioneiro «Notas para uma política da localização»3. Mas penso que é importante termos consciência de que a crítica que Rich desfere à ideia de internacionalismo proposta no ensaio de Virginia Woolf não é feita em defesa de uma qualquer outra ideia de nacionalismo. Quando Rich critica Woolf na forma como a sua frase deslocaliza a mulher, fá-lo, não em função da questão estritamente geográfica, mas sim da forma como a história e, nesse sentido, também a geografia, marcam indelevelmente o corpo de cada mulher, individualmente considerada. Será interessante relembrar aqui as palavras de Adrienne Rich, quando afirma:

Pondo de parte lealdades tribais e ciente de que os estados-nação são hoje em dia pretextos usados pelas corporações multinacionais para servirem os seus interesses, preciso de compreender como é que um lugar no mapa se torna também um lugar na história dentro do qual, como mulher, como judia, como lésbica, como feminista, sou criada e tento criar (Rich, 2002: 17).

É, portanto, da conjugação destes dois aspectos, a saber, uma certa ideia mais ou menos universal sobre aquilo que nos une enquanto mulheres e uma ideia individualizada do que é ser mulher, numa geopolítica específica, num determinado espaço socioeconómico, que poderemos estabelecer pontes de comunicação entre diferentes culturas, etnias ou raças.

É, precisamente, a questão de uma suposta universalidade da categoria mulher que poderá ser mais dificilmente sustentável, tendo em conta as dificuldades acarretadas pela definição do próprio conceito. Essa é uma discussão que não cabe no espaço limitado deste ensaio, mas gostava de colocar a questão aqui, partindo da forma como ela foi tratada por pensadoras como Julia Kristeva (1981), Luce Irigaray (1992), Rosi Braidotti (1994) ou Donna Haraway (2002), as quais pensaram a noção de identidade feminina (e, mais concretamente, a noção de subjectividade) a partir da necessidade de inscrever a categoria mulher numa noção de sujeito que não se subsumisse ao universalmente considerado, isto é, um modelo masculino, que se reproduziria, fazendo cópias de si próprio, «gerando a sua força do mesmo modelo, do modelo do mesmo: o sujeito (…)» (Irigaray, 1992: 136), para usar as palavras de Luce Irigaray4. Trata-se de pensar o feminino a partir de teorias radicalmente antiessencializantes e, sobretudo, de teorias que promovem uma radical diferença da mulher, no sentido derrideano do termo, isto é, fora da lógica dicotómica que marcou, durante tantos anos, o pensamento ocidental5. A partir de conceitos como os de «sujeito nómada» (Braidotti, 1994) ou o de «ciborgue» (Haraway, 2002)6, passamos a entender o sujeito feminino na sua mais completa diferença, um ser plural e em constante mutação.

Partindo, pois, destes pressupostos e, nesse sentido, tentando não cair em lógicas binárias com as quais não estou de acordo, parece-me, ainda assim, importante não cair na tentação de abrir de tal forma o conceito de feminino que se torne impossível falarmos de mulheres no plural. Por outras palavras, penso que a consciência que temos das nossas identidades diferenciadas não nos poderá impedir de, conscientemente, nos integrarmos num colectivo, o qual reconhece, pelo menos, uma estrutura social comum no patriarcado. Esta questão está muito bem resumida num artigo assinado por Saraswati Raju e publicado na revista Gender, Place and Culture, onde a autora coloca a pergunta: «Somos diferentes, mas será que conseguimos falar?» (Raju, 2002: 173). Neste artigo, a autora apresenta um ponto de vista que me parece importante ter em conta nos estudos feministas: as diferenças que existem entre as mulheres, sejam elas étnicas, raciais, culturais ou outras, não nos podem impedir de encontrar um denominador comum no modo como o discurso patriarcal se apresenta como um elemento reconhecível por todas, «embora», como é referido por Raju, «grupos diferentes possam seguir modos diferentes de eliminar as raparigas» (Raju, 2002: 175).

Uma ideia relativamente transcultural da mulher ajuda-nos a analisar de outro modo textos que têm muitas vezes sido vistos como conservadores e retrógrados de um ponto de vista menos empenhadamente feminista. Por exemplo, o caso dos filmes da realizadora indiana Gurinder Chadha, que têm sido apontados como condescendendo com estereótipos enraizados na sociedade ocidental, nomeadamente na sociedade inglesa, sobre a cultura indiana7.

Em filmes como Bhaji on the Beach ou Bend it like Beckham, por exemplo, a tendência multicultural poderá servir o propósito da propaganda do estado, como afirma Rajeev Balasubramanyam em «The Rhetoric of Multiculturalism» (2008), mas, por outro lado, não deixa de acentuar muito mais as similaridades entre as duas culturas do que as diferenças. Assim, independentemente das visíveis diferenças culturais entre os ingleses de origem indiana e os outros, deixa-se entrever que os estereótipos relacionados com o género são bastante mais transculturais do que é por vezes admitido pelo discurso liberal dos países ocidentais. Se é certo que, em Bend it like Beckham, o desejo de ser uma jogadora de futebol se encontra bem mais reprimido pela jovem indiana do que pela jovem anglo-saxónica que a incita a juntar-se à sua equipa, não é menos certo que ambas sofrem uma visível pressão familiar (especialmente por parte das mães) para rejeitarem esse desporto masculinizante e adoptarem comportamentos considerados mais femininos em ambas as culturas.

Sendo certo que num filme como Bend it like Beckham (2002) a tendência para uma ideia mais transcultural da imagem da mulher poderá sugerir uma tentativa de fugir ao «peso da representação» étnica, conforme referem Dengel-Janic e Eckstein (2008), também me parece de realçar que, por outro lado, aí se acentua o «peso da representação» do género. Neste filme, como também em Bhaji on the Beach (1993), as mulheres são as principais promotoras da sua caminhada para uma autonomia necessária, deixando-se aqui de algum modo transparecer que não é o peso da sua cultura indiana que as impede de fazerem esse progresso, pois os limites que lhes são impostos não deixam de estar muito presentes também nas vidas das mulheres ocidentais.

 

2. O romance Brick Lane de Monica Ali

Tendo em conta o exposto anteriormente, parece-me importante abordar o romance de Monica Ali não no âmbito das teorias multiculturais, mas dando particular atenção à questão do género, pois parece-me que a viagem que Nazneen enceta, mais do que uma viagem geopolítica entre o Bangladesh da sua infância e a Londres onde vive a maior parte da sua vida, é uma viagem interior, que lhe permite reformular uma ideia adquirida do que é ser mulher. Nesse sentido, esta viagem vai-lhe permitir re-perspectivar a sua vida, não já em função daquilo que a sociedade e a cultura em que nasceu e cresceu esperam dela, mas sim a partir do seu próprio desejo e da sua vontade. Curiosamente, o romance é antecedido por duas epígrafes que parecem negar tudo aquilo que os movimentos emancipatórios do século XX nos habituaram (e bem) a rejeitar: a ideia de que nascemos pré-destinados/as e que esse destino, que nos marca desde que vimos ao mundo, é inelutável:

«Sternly, remorselessly, fate guides each of us; only at the beginning, when we’re absorbed in details, in all sorts of nonsense, in ourselves, are we unaware of its harsh hand».

Ivan Turgenev

[Com firmeza e sem remorso, o destino guia cada um de nós; só ao princípio, quando estamos absortos nos detalhes, em todo o tipo de disparate, em nós próprios, é que não nos damos conta da sua dura mão].

 

«A man’s character is his fate».

Heraclitus

[O carácter de um homem é o seu destino]

(Ali, 2007: 9)

Estas duas epígrafes – uma de Ivan Turgenev e outra de Heráclito – vão desencadear sentimentos e expectativas contraditórias numa leitora que saiba que a autora do romance, Monica Ali, é uma mulher nascida no Bangladesh de um casamento misto (mãe inglesa e pai bengalês), que viveu na Inglaterra desde os três anos de idade e que estudou em Oxford e que o enredo do romance revolve em torno de uma protagonista nascida no Bangladesh e transplantada para Londres, onde, conforme nos é dito na contracapa, se vê obrigada a «tomar as rédeas da sua vida» [«take control of her life…»].

Na verdade, à medida que vai entrando na narrativa, a leitora apercebe-se de que estas epígrafes, tal como os estereótipos culturais que a elas conduziram (e que não são apanágio exclusivo da cultura muçulmana na qual Nazneen as aprende), estão aí para serem depostas e negadas. O romance Brick Lane de Monica Ali narra a história de Nazneen, nascida numa pequena aldeia do Bangladesh, cuja vida sofre uma brutal mudança quando o seu pai, usando da sua prerrogativa patriarcal e paterna de escolher o marido das suas filhas, resolve casá-la com um homem muito mais velho, que vive em Londres. O romance faz um enfoque sobre o processo de adaptação da jovem Nazneen à sua vida na cidade de Londres, bem como sobre o seu crescimento, enquanto mulher do Bangladesh, vivendo numa grande cidade cosmopolita e estranha. Nesse sentido, o romance opera uma intersecção entre a raça e o género enquanto variantes fundamentais
na configuração da identidade de Nazneen e na sua autoconsciencialização e auto-empoderamento.

No início do romance encontramos uma protagonista que passivamente aceita o seu destino, não pondo em questão nenhum dos actos que afectam a sua vida, nomeadamente, a forma como o seu pai a obriga a fazer um casamento com um homem mais velho, forçando-a, consequentemente, a deixar a sua aldeia natal. Nazneen é-nos apresentada ao longo do romance como alguém que aprendera a lidar com a sua vida como algo que tem de ser suportado («endured»), pois a tal a obrigava a sua condição de mulher: «O que não podia ser alterado tinha de ser suportado. E como nada podia ser alterado, tudo tinha de ser suportado. Este princípio governava a sua vida. Era mantra, condição e desafio» (Ali, 2007: 16)8.

Este era um ensinamento que lhe havia sido transmitido pela mãe, da qual tinha sempre ouvido esse mantra. Lembrava-se de ouvir a sua mãe dizer-lhe, por exemplo: «Se Deus quisesse que fizéssemos perguntas tinha-nos feito homens» (Ali, 2007: 80). E, mais tarde, mulher feita e com filhos, na sua casa de Londres, as palavras da mãe revisitavam-na em forma de sonho ou visão, em que esta invariavelmente a relembra da sua condição, como no momento em que Nazneen se vê confrontada com a tomada de decisões sobre a sua vida – algo que lhe era profundamente estranho – e, tomada por um delírio febril, é visitada pela imagem da sua mãe, que lhe diz:

«When you were a little girl, you used to ask me, “Amma, why do you cry?” My baby, do you know now?» […] «This is what women have to bear. Once when you were a little girl, you could hardly wait to find out».

[…]

Nazneen turned and looked at her and Amma smiled, showing her curved yellow teeth. «God tests us», she said. «Don’t you know this life is a test? Some He tests with riches and good fortune. […] Others He tests with illness and poverty, or with jinn who come in the shape of men – or of husbands». […] «Come down here to me and I will tell you how to pass the test».

[…]

Amma began to cackle, and she did not cover her teeth and her mouth became wider and wider and the teeth became longer and sharper and Nazneen put her hands up to cover her face.

«It’s easy. You just have to endure» (Ali, 2007 322-3).

[«Quando eras criança, costumavas perguntar-me, “Amma, por que choras?” Sabes agora, filha? […] Isto é o que as mulheres têm de suportar. Na altura, quando eras uma menina, mal podias esperar para descobrir».

[…]

Nazneen virou-se e olhou para ela e a Amma sorriu, mostrando os seus dentes amarelos e curvos. «Deus testa-nos», disse. «Não sabes que esta vida é um teste? Alguns são testados com riqueza e boa sorte. […] Outros são testados com doença e pobreza, ou com génios que vêm sob a forma de homens – ou maridos». […] «Vem aqui abaixo até mim e eu ensino-te a passares o teste».

[…]

A Amma começou a gargalhar sem tapar os dentes; a cara foi ficando cada vez mais larga e os dentes cada vez mais longos e afiados e Nazneen tapou a cara com as mãos. «É fácil. Só tens de aguentar»].

No romance, há desde o início uma antevisão daquilo em que Nazneen se iria tornar, o que nos é dado numa prolepse, que nos irá remeter para o final da narrativa e que nos permite antever o desenvolvimento da personagem no sentido de uma maior autonomia:

So that when, at the age of thirty-four, after she had been given three children and had one taken away, when she had a futile husband and had been fated a young demanding lover, when for the first time she could not wait for the future to be revealed but had to make it for herself, she was as startled by her own agency as an infant who waves a clenched fist and strikes itself upon the eye (Ali, 2007: 16).

[De modo que, aos trinta e quatro anos de idade, depois de ter tido três filhos e de lhe ter sido tirado um, quando tinha um marido fútil e lhe tinha calhado em destino um jovem amante muito exigente, quando pela primeira vez não podia esperar que o futuro lhe fosse revelado mas teve ela própria de o fazer, foi surpreendida pela sua própria agência, como uma criança que tivesse desferido um golpe de punho fechado contra o seu próprio olho].

O romance está repleto de várias outras pequenas anacronias narrativas, nomeadamente, analepses que continuamente remetem o leitor para o espaço geográfico do Bangladesh natal de Nazneen. Este surge-nos, assim, mediado pela sua visão romântica de um espaço paradisíaco e bom, em contraponto com o aglomerado urbano e cinzento onde Nazneen vive a maior parte da sua vida. Assim, Nazneen vê-se confinada a um espaço, primeiro, do seu próprio corpo feminino, onde se inscrevem as marcas de um destino adverso e, depois, ao espaço geográfico de um bloco habitacional cinzento e acanhado, que a constrange e a enclausura; contra esse espaço, ela projecta a memória do seu Bangladesh natal, que assim surge romanticamente associado, não a um espaço de liberdade, pois, como vimos, a história de vida da sua mãe em tudo nega essa asserção, mas, ainda assim, a uma qualquer ideia de paraíso associado à palavra casa, como parece ficar implícito no seguinte monólogo interior:

She looked at her stomach that hid her feet and forced her to lean back to counter its weight. She looked and she saw that she was trapped inside this body, inside this room, inside this flat, inside this concrete slab of entombed humanity. They had nothing to do with her. For a couple of beats, she closed her eyes and smelled the jasmine that grew close to the well, heard the chickens scratching in the hot earth, felt the sunlight that warmed her cheeks and made dancing patterns on her eyelids (Ali, 2007: 76).

[Olhou para o estômago que lhe escondia os pés e a obrigava a encostar-se para trás para contrabalançar o peso. Olhou e viu que estava presa dentro deste corpo, dentro deste quarto, dentro deste apartamento, dentro desta laje de concreto e de humanidade sepultada. Não tinham nada a ver com ela. No espaço de alguns batimentos, fechou os olhos e sentiu o cheiro de jasmim que crescia perto do poço, ouviu as galinhas a raspar a terra quente, sentiu a luz do sol que lhe aquecia as faces e desenhava esquemas de dança sobre as suas pálpebras.]

Ao longo do romance há uma idealização, por parte da protagonista, desse espaço que significa a sua origem e a sua casa, pois, apesar de ter aceitado obedientemente o destino que lhe estava reservado, essa aceitação, conforme é sugerido no texto, está ligada a uma profunda, permanente, mas simultaneamente uma quase inconsciente infelicidade. Até porque, para agravar ainda mais as suas provações (o seu teste), o destino (ou Deus) havia-lhe dado e tirado um filho (que morre ainda bebé).

Tal como é sugerido na citação anterior, Nazneen é obrigada a fazer uma opção: por um lado, tem o marido que, finalmente, ao final de dezassete anos e farto de estar numa cidade, num país, numa cultura que não lhe confere o valor e o estatuto que ele acha merecer, decide voltar para o Bangladesh para começar uma vida nova e, portanto, terá de levar a família com ele; por outro lado, tinha arranjado um amante jovem, muçulmano, um activista político e religioso, que a pede em casamento, pretendendo que ela se divorcie do marido. Perante esta situação, Nazneen, que nunca tinha sido confrontada com uma tomada de decisão, fica bloqueada. Tem um colapso, seguido de um profundo sono, do qual como que renasce, pronta a tomar a sua vida nas mãos e a decidir o seu futuro. Dadas as opões, Nazneen decide-se por uma terceira via, a sua, e fica em Londres com as filhas (que não queriam regressar), dando provas de que, como é referido pelo marido, deixara de ser uma «rapariga da aldeia», isto é, uma mulher passiva e obediente, para se tornar uma mulher autónoma e segura das suas decisões.

Esta é uma história que apela a uma globalidade de mulheres e não só a uma comunidade de mulheres muçulmanas. É evidente que a ruptura e transcendência de estereótipos é algo comum a muitas mulheres por todo o mundo e fazem parte da redefinição dos conceitos essencialistas do que é ser um homem ou do que é ser uma mulher. Porém, o texto do romance relembra-nos que o que aqui está em causa é também uma diferença étnica e cultural, mas não resolve esse aspecto de um modo simples ou linear. Por exemplo, não cai no facilitismo paternalista e ocidental de apontar dedos acusadores às diferenças culturais mais óbvias – como é o caso dos casamentos arranjados – ou de mostrar uma perfeita ocidentalização da protagonista.

Por um lado, Chanu, o marido arranjado de Nazneen, embora seja um homem demasiado cheio de si e incapaz de dar atenção à sua mulher ou às suas filhas, não é um homem mau, embora não fosse uma escolha ditada pela paixão ou pela sua vontade, como havia sido o caso da sua irmã Hasina, cuja vida amorosa é sempre colocada em contraponto com a de Nazneen. Hasina havia fugido de casa para realizar um «casamento de amor», mas este tinha falhado e ao longo da vida apercebemo-nos, através das cartas que esta vai enviando à irmã, de que todas as suas escolhas amorosas estão destinadas ao fracasso, nomeadamente, pelo modo como os homens que povoam a sua vida acabam por abusar dela. Contudo, Nazneen vai descobrindo que o seu marido não tinha sido, apesar de tudo, uma má escolha de seu pai, pois tratava-se de um homem bom que ela poderia aprender a amar, conforme fica explícito no monólogo interior indirecto da personagem:

Abba did not choose so badly. This was not a bad man. There were many bad men in the world, but this was not one of them. She could love him. Perhaps she did already. She thought she did. And if she didn’t, she soon would because now she understood what he was, and why. Love would follow understanding (Ali, 2007: 121-2).

[O Abba não tinha escolhido assim tão mal. Este não era um mau homem. Havia muitos homens maus no mundo, mas este não era um deles. Podia amá-lo. Talvez já o fizesse. Pensava que sim. E se não o amava, não tardaria a fazê-lo, porque agora compreendia o que ele era e porquê. O amor seguir-se-ia à compreensão].

E quando teve a possibilidade de fazer o seu próprio casamento de amor, recusa.

Por outro lado, durante todo o romance não precisamos, enquanto leitoras e, posteriormente, enquanto espectadoras do filme, de sentir que Nazneen é uma mulher ocidental para compreendermos os seus problemas; na verdade, penso que os compreendemos porque os seus problemas são muito transversais e transculturais. Nazneen é uma muçulmana que não descura os seus deveres religiosos (ao contrário do marido, a quem ela nunca viu pegar no Corão para rezar), que não deixa nunca de usar o seu sari e que não sente necessidade, como a sua amiga Razia, de fazer gala, perante a comunidade bengalesa, da sua ocidentalização. Embora tenha consciência de que o sari é uma roupa que de algum modo inibe os seus movimentos, literal e figurativamente, ela nunca deixa de o usar. A uma dada altura do romance, o monólogo interior da personagem vai nessa direcção, como que ecoando as palavras do narrador de Orlando, de Virginia Woolf, quando afirma, em defesa da androginia da sua personagem «que são as roupas que nos usam e não nós a elas» (Woolf, 1998: 180). No romance de Monica Ali, de algum modo se evocam estas palavras, quando, mais uma vez, num diálogo interno indirecto, a personagem refere:

Suddenly, she was gripped by the idea that if she changed her clothes her entire life would change as well. If she wore a skirt and a jacket and a pair of high heels then what else would she do but walk around the glass palaces on Bishopsgate, and talk into a slim phone and eat lunch out of a paper bag? If she wore trousers and underwear, like the girl with the big camera on Brick Lane, then she would roam the streets fearless and proud. […]
For a glorious moment it was clear that clothes, not fate, made her life (Ali, 2007: 277-8).

[De repente foi tomada pela ideia de que se mudasse de roupa toda a sua vida mudaria também. Se vestisse um fato de saia e casaco e um par de saltos altos, que outra coisa poderia fazer senão caminhar por entre os palácios de vidro de Bishopsgate, falar para um telefone muito fininho e almoçar o conteúdo de um saco de papel. Se vestisse calças acompanhada apenas por uma peça de roupa interior, como a rapariga com a grande câmara em Brick Lane, poderia, então, deambular pelas ruas destemida e orgulhosa (…)].
Por um glorioso momento parecia claro que a roupa, e não o destino, moldavam a sua vida].

No entanto, Nazneen mantém-se fiel ao seu sari, o que não a vai impedir de se tornar uma mulher mais autónoma, destemida e orgulhosa, como que afirmando que a sua autodeterminação não depende, afinal, das roupas que veste.

 

3. O filme de Sarah Gavron

Numa entrevista dada aquando do lançamento do filme Brick Lane (2007), Sarah Gavron refere que o seu interesse na adaptação do romance de Monica Ali se deve ao facto deste contar uma história transcultural e transgeracional, mas também ao facto desta narrativa revolver em torno da história de uma mulher e da sua viagem interior como pessoa. Nesse sentido, trata-se de uma narrativa com características universais, uma história de uma mulher específica, que poderia apelar a várias outras mulheres em todo o mundo. Na sua adaptação, como tentaremos aqui demonstrar, Sarah Gavron conta, de facto, uma história que se centra sobre a viagem de autoconhecimento e auto-empoderamento de uma mulher do Bangladesh, o que a torna duplamente estranha à cultura ocidental para a qual é transplantada, mas na qual não parece conseguir inserir-se.

A adaptação que Sarah Gavron faz do romance vai, assim, centrar-se, predominantemente, na viagem que a protagonista faz ao seu interior, no sentido de descobrir a sua própria subjectividade. Porque esta é uma interpretação possível do romance, trata-se de uma opção óbvia da realizadora centrar-se nos aspectos daquilo que poderemos chamar a viagem interior de Nazneen. Para tal, Sarah Gavron usa a montagem paralela, alternando no filme imagens da paisagem bengalesa com imagens do aglomerado urbano em que Nazneen vive em Londres. Esta montagem vai pôr em destaque as duas realidades de Nazneen, uma interior, associada às memórias do Bangladesh e outra realidade exterior, a vivida por Nazneen em Londres. As imagens relacionadas com a vida de Nazneen no Bangladesh, que foram filmadas na Índia, suscitam no espectador a ideia de uma paisagem paradisíaca e um sentimento de nostalgia, que é fortemente associado à memória da personagem. Esse efeito de nostalgia é acentuado pela banda sonora associada à paisagem idílica do Bangladesh natal, bem como pelo uso da narrativa na primeira pessoa, com recurso à voz-off.

O uso da voz-off é, aliás, uma constante ao longo do filme, o que põe em destaque a necessidade de perspectivar a narrativa a partir de Nazneen, o centro de todo o enredo. Deste modo, embora contendo como pano de fundo o confronto entre culturas, o filme, tal como o romance, vai pôr em destaque a narrativa de um percurso de uma mulher bengalesa que se descobre como sujeito. Assim, entre os amores e os desamores desta mulher – uma grande parte do filme gira em torno da relação apaixonada entre Nazneen e Karim, o jovem muçulmano por quem esta se apaixona – vamos seguir o percurso de Nazneen no sentido da busca de autonomia, o que é afirmado na parte final do filme, com a tomada de decisão de ficar com as suas filhas em Londres, não acompanhando o marido na viagem de regresso.

A surpresa será, não tanto a ideia de que ela fica, pois as filhas precisam do seu apoio para não saírem do seu país, mas porque esta é a decisão que Nazneen toma a partir da sua própria vontade. Como é dito no filme, a protagonista descobre que aquela era, afinal, a sua casa. Numa cena intimista, apresentando uma fraca iluminação do ambiente interior da casa que a família habita em Londres, Nazneen resolve muito calmamente dizer ao marido, em resposta ao seu apelo à partida («I cannot stay»), que, então ele deve ir, mas que ela própria não poderá fazê-lo.

Nazneen demora esse tempo todo da sua vida a perceber que aquele espaço confinado do aglomerado de cimento em que vive é, afinal, o seu espaço de liberdade e, muito simbolicamente, o filme termina com a imagem de uma Nazneen liberta de constrangimentos e do peso do destino, a rir e a brincar na neve com as filhas.

 

4. Algumas considerações finais sobre a intersecção entre a questão do género e da raça

Este final poderá ser visto como um apelo aos ideais do multiculturalismo. Num mundo pós-onze de Setembro de 2001, que aparece como pano de fundo de ambas as narrativas, a asserção, por parte da protagonista, de que aquela é a sua casa, reafirma a crença nesses ideais e fá-lo a partir de uma perspectiva que inclui a necessidade de pensar a diferença a partir da raça e/ou etnia, mas tendo também em consideração a questão eventualmente mais transcultural do género. É o facto de a protagonista destas narrativas ser uma mulher que condiciona a sua aceitação de Londres e do modo de vida ocidental como fazendo parte de si. É em Londres, mesmo no acanhado apartamento, inserido num desumanizado aglomerado habitacional de tijolo e cimento, que ela encontra a sua liberdade, isto é, a sua autonomia e independência, que lhe permite uma vida liberta dos constrangimentos patriarcais.

Isto é algo que qualquer mulher deverá poder entender, independentemente da sua diferente localização social, cultural, étnica ou racial. O facto de estarmos conscientes de que a raça ou a etnia, a classe e a cultura de que cada mulher é proveniente modificam o modo como se situam no mundo não nos deveria impedir de entender e de reconhecer elementos comuns a todas estas
vivências. Como refere Saraswati Raju:

É certo que as diferenças existem e que os indivíduos não podem estar ligados por categorias universais. Mas que tal reconhecermos que mulheres individualmente posicionadas podem ainda assim pertencer a um contexto mais abrangente e que, apesar das diferenças entre si, poderá existir uma ligação/aliança entre as mulheres, porque os processos de posicionamento social dos homens colocam as mulheres numa posição de desvantagem? (Raju, 2002: 177).

Através da análise dos textos aqui apresentados tentou-se chamar a atenção para a necessidade de uma perspectiva transcultural, que nos permite criar empatia para além das diferenças. O modo como os estudos pós-coloniais enfatizam a questão da raça sobre qualquer outra categoria tende a obstruir uma visão mais abrangente da questão da identidade, pela forma como, precisamente, tende a esquecer outras «categorias» que se intersectam com a da raça ou da etnia.

 

Obras citadas:

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Notas

1 V. Ware, Vron, «Defining Forces: ‘Race’, Gender and Memories of Empire», in Chambers e Curti (1998: 142-56)

2 Veja-se, a este respeito, o ensaio pioneiro de Adrienne Rich sobre as políticas da localização; veja-se, ainda, um ensaio, também ele histórico, de Audre Lorde, onde se identificam várias categorias, para além da categoria «mulher», que se encontram na confluência dos processos de opressão social; aí se afirma: «Algures, nos limites da consciência, existe o que eu chamo uma norma mítica, que cada um de nós, no íntimo do seu coração sabe não corresponder ao que é. Na América essa norma é geralmente definida como branca, magra, masculina, jovem, heterossexual e financeiramente estável. (…) Aqueles de entre nós que se encontram de fora desse poder, identificam geralmente um modo em que somos diferentes e assumimos isso como a primeira causa da nossa opressão, esquecendo outras distorções em volta da diferença, algumas das quais podem ser praticadas por nós próprias. De um modo geral, no interior do movimento das mulheres, hoje, as mulheres brancas concentram-se na sua opressão como mulheres e esquecem as diferenças de raça, preferência sexual, classe e idade» (Lorde, 1994: 36-7, minha tradução).

3 Refiro-me, naturalmente, à crítica que Adrienne Rich faz neste ensaio à frase de Woolf aqui citada, contestando-a do seguinte modo: «Como mulher tenho um país; como mulher, não me posso desligar desse país, condenando pura e simplesmente o seu governo, ou dizendo três vezes: “Como mulher, o meu país é o mundo inteiro”» (Rich, 2002: 17).

4 Faço aqui referência ao livro Speculum de l’autre femme de Luce Irigaray, publicado pela primeira vez em França pelas Edições de Minuit, em 1974 e aqui traduzido a partir da edição americana referenciada em bibliografia.

5 Veja-se, a este propósito, o ensaio de Jacques Derrida, Éperons: les styles de Nietzsche (1978), onde o filósofo francês ataca o essencialismo de género através de uma análise do modo como Nietzsche entende a mulher. Para Derrida, apesar da misoginia expressa na obra de Nietzsche, a forma como o filósofo alemão desessencializa a mulher é fundamental, pois permite a abertura a uma pluralidade de verdades, de onde resulta a abertura a uma definição mais fluída da própria categoria «mulher»: «Il n’y a pas une femme, une vérité en soi de la femme en soi, cela du moins, il l’a dit, et la typologie si variée, la foule des mères, filles, soeurs, vieilles filles, épouses, gouvernantes, prostituées, vierges, grand-mères, petites et grandes filles de son oeuvre» (Derrida, 1978: 83).

6 Refiro-me aqui ao texto emblemático de Haraway, «A Manifesto for Cyborgs», primeiramente publicado em 1981, aqui usado na tradução portuguesa de 2002.

7 Veja-se a este respeito um artigo de Rajeev Balasubramanyam, publicado num volume de ensaios intitulado Multi-Ethnic Britain 2000+: New Perspectives in Literature, Film and the Arts (2008), em que este escritor aponta um dedo acusador a Gurinder Chadha por esta, através dos seus filmes, contribuir para aquilo que ele chama a propaganda do multiculturalismo promovida pelo governo trabalhista. Por outro lado, no mesmo volume de ensaios, Ellen Dengel-Janic e Lars Eckstein (2008), percebem nos filmes de Chadha (entre outros) um fundamento conservador, quer ao nível da forma como a cultura indiana aí é representada, quer ao nível do modo como se projecta uma imagem neo-conservadora das mulheres em filmes como Bend it Like Beckham ou Bride and Prejudice.

8 Nas palavras de Monica Ali: «What could not be changed must be borne. And since nothing could be changed, everything had to be borne. This principle ruled her life. It was mantra, fettle and challenge».

 

Margarida Esteves Pereira é Professora Auxiliar do Instituto de Letras e Ciências Humanas da Universidade do Minho. Fez o seu Doutoramento em Literatura Inglesa pela Universidade do Minho, com uma tese intitulada Do Romance Vitoriano ao Romance Pós-moderno: Reescrita do Feminino em A. S. Byatt (publicada em 2007). É co-organizadora do livro de ensaios Identity and Cultural Translation: Women’s Writing across the Borders of Englishness (2005) e tem vários artigos publicados (nacional e internacionalmente) dentro das suas áreas de interesse.

e-mail: margarida@ilch.uminho.pt

 

Artigo recebido em 30 de Outubro de 2008 e aceite para publicação em 01 de Abril de 2009.

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