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Ex aequo

versão impressa ISSN 0874-5560

Ex aequo  n.22 Vila Franca de Xira  2010

 

A Explosão dos úteros: Mulheres palestinianas entre o patriarcal e o colonial1

 

Shahd Wadi

Universidade de Coimbra

 

Resumo

Nas diferentes guerras através da história, as mulheres e os seus corpos foram sempre objecto do exercício do poder das forças em conflito. Desde a ocupação israelita da Palestina em 1948, o conflito israelo-palestiniano tornou-se um dos mais complexos na história contemporânea. O discurso nacionalista e patriarcal palestiniano faz dos corpos das palestinianas uma arma contra estas e contra o inimigo, enquanto Israel utiliza os mesmos corpos para controlar o povo palestiniano. As mulheres palestinianas usam, por um lado, os seus corpos para resistir à sua sociedade patriarcal e por outro para resistir à ocupação israelita. Recorrendo à análise das representações dos corpos de mulheres palestinianas em «histórias de vida», procuro neste artigo analisar simultânea e comparativamente os silenciamentos e a resistência dos corpos das mulheres.

Palavras-chave Mulheres palestinianas, ocupação israelita, corpo, cultura de honra.

 

Abstract

The Explosion of the Uterus: Palestinian Women between the Patriarchal and the Colonial

In different wars throughout history, women and their bodies were always considered «objects» of different conflicting forces to practice their power and influence. Since the Israeli occupation of Palestine in 1948, the Israeli-Palestinian conflict has become one of the most complicated in modern history. The Palestinian nationalist patriarchal discourse consider the bodies of Palestinian women as a weapon against the women themselves and against the enemy, while Israel uses the same bodies to control the Palestinian people in general. Palestinian women, on the other hand, bring their bodies to be the resisting tool of its patriarchal society and the Israeli occupation at the same time. By analyzing the representations of Palestinian women's bodies in «life histories», this article looks through the resistance and silencing of women's bodies simultaneously and comparatively.

Keywords Palestinian women, Israeli occupation, body, culture of honor.

 

Résumé

L'explosion des Utérus: Les Femmes Palestiniennes entre le Patriarcal et le Colonial

Aux différentes guerres à travers l'histoire, les femmes et leurs corps ont toujours été considérés des «outils» pour l'exercice du pouvoir des forces antagonistes. Depuis l'occupation israélite de la Palestine en 1948, le conflit israélo palestinien a devenu un des plus complexes de l'histoire contemporaine. Le discours palestinien nationaliste et patriarcal rend les corps des femmes palestiniennes une arme contre elles mêmes et contre l'ennemie, tandis que Israël utilise les mêmes corps pour contrôler le peuple palestinien. Les femmes palestiniennes font usage de leurs corps pour résister à leur société patriarcal d'un côté, et pour résister à l'occupation israélite. Faisant recours aux représentations des corps des femmes palestiniennes en «histoires de vie» j'essaye dans cette article d'analyser simultanément et relativement les silences et la résistance des corps des femmes.

Mots-clés Femmes palestiniennes, occupation israélite, corps, culture d'honneur

 

«on dirait une ville, c'est un cimetière. On dirait un chant et c'est la dernière note d'un soupir: On dirait une montagne, c'est un mirage celui qui faisait tinter les clés du monde s'en est allé, l'oreille sourde. Les laboureurs de sables ont pris la fuite abandonnanat leur moisson de gris il semble qu' une couleur naisse de l' incolore, parfois, dit-on. Mais il fait nuit. (…) Tu as reçu une lettre de Beyrouth pleine de brassees de fleurs et de promenades: Tu envoies une lettre parisienne pleine de soucis. Tu n'as plus une robe à te mettre. Tu n'as plus envie de voir tes amis».
Françoise Collin, 2008, On dirait une ville2
«Começar, assim, não por um continente, por um país ou por uma casa, mas pela geografia mais próxima – o corpo».
Adrienne Rich

 

Introdução

Começo por analisar o conflito israelo-palestiniano não pelas bombas, pelos mísseis, pelos checkpoints, pelo muro de separação ou pelos «acordos de paz». Abordarei o conflito a partir da geografia/política mais próxima e central: o corpo. E pergunto: será que os corpos das mulheres palestinianas têm uma configuração localizada no conflito3?

Os corpos das mulheres palestinianas4 são socialmente, culturalmente e politicamente (des)codificados e (re)lidos de diferentes maneiras; este artigo discute a relação entre a consciência política das mulheres palestinianas e o lugar dos seus corpos na luta. Ou seja, questionar o efeito da participação/resistência política contra a ocupação «sobre» a sexualidade das palestinianas, numa sociedade que acredita em conceitos como a «cultura de honra»5.

Das condições desumanas em que vive o povo palestiniano, sob ocupação israelita desde 1948, resultaram várias resistências políticas e culturais. Interessam-me aqui as formas de resistência(s) das mulheres palestinianas, sobretudo não sofrem apenas a ocupação externa, mas vivem ainda numa sociedade marcadamente patriarcal. As histórias de vida das mulheres palestinianas que se encontram coligidas e publicadas, mas largamente por analisar e discutir, são o meu recurso principal para reflectir sobre estas questões6.

O discurso nacionalista e patriarcal palestiniano faz dos corpos delas uma arma contra o inimigo mas também contra as próprias mulheres. Também Israel procura utilizar esses mesmos corpos para controlar por inteiro o povo palestiniano. Por sua vez, as mulheres palestinianas usam os seus corpos por um lado para resistir à sua sociedade patriarcal e por outro lado para resistir à ocupação israelita. Falar de corpos significa, no entanto, analisar a situação social, cultural e política das mulheres, o que implica analisar o conflito israelo-palestiniano em si mesmo. Será que os corpos das mulheres palestinianas aparecem no conflito israelo-palestiniano como a arma, o campo de batalha e o alvo? «Arma», «campo de batalha» e «alvo» de quem e contra quem?

Palestina no feminino: os corpos no discurso nacionalista palestiniano

No discurso nacionalista palestiniano, seja nas suas vertentes política, cultural ou literária7, as forças do ocupante israelita são descritas como Al-mughtasebin, «os violadores», uma palavra que se tornou sinónimo de ocupante. «Eles» violam a terra: a Palestina/ a terra/ a nação aparece como uma mulher, normalmente a mãe de todo o povo palestiniano. A este respeito Hanan Mikha'il Ashrawi (apud Najar & Warnock, 1992: 260) salienta: «As mulheres encontram o seu caminho para literatura… não enquanto retratos de si próprias, mas como encarnação do inatingível, a meta perfeita: fertilidade, a terra abundante, o útero da sociedade, a própria Palestina». A feminização da terra transmite uma imagem da mulher idealizada, divina e no caso palestiniano «ela» é ainda uma vítima de violação e ocupação.

A ligação simbólica entre a Palestina e a mulher está centrada na ideia do desejo de conquista e de controlo da terra e da mulher. Como argumenta Mary Layoun (2001:148), «existe um obstáculo principal à posse-da-mulher/terra como realização nacional»8; sendo a terra – a mulher ocupada, surge sempre a aspiração de satisfazer o desejo nacional e sexual (2001:148).

Para os diferentes partidos políticos na Palestina a figura da «mãe»9 e o seu papel (fazer filhos) é central no conflito. As declarações públicas do movimento islâmico confirmam a importância deste papel: «Na resistência, o papel da mulher muçulmana é tão importante como o do homem. Ela é a fábrica de produzir homens». (Jad apud Ania Loomba, 1998: 216). Esta ideia não é apenas adoptada pelos grupos islâmicos. Yasser Arafat, por exemplo, também se dirigia às mulheres como «as mães da nação» (Jad, 2008).

Depois da realização de um atentado suicida pela primeira vez levado a cabo por uma mulher, em 2000, o líder islâmico Ahmad Yasin afirmou que o Hamas não estava a pensar em recrutar mulheres para esse papel, visto que ainda havia homens para o desempenhar. Segundo ele, o papel das mulheres deveria ser centrado na família, em ter e educar filhos numa educação islâmica.

As informações sobre as ishtish'hadiat (bombistas suicidas)10 mostram que a maioria delas tinha tido dificuldades em encontrar um partido político que as apoiasse. No entanto, o Hamas contradisse o seu discurso político – que considera as mulheres (leia-se: corpos de mulheres) no conflito como apenas portadores de combatentes – utilizando uma mulher para realizar um atentado suicida em 2004. Aliás, a primeira Istish'hadia do Hamas, Reem Al-Raiashi, foi a primeira mãe suicida na Palestina a utilizar o seu corpo como arma contra a ocupação.

Muitas mulheres aceitam e orgulham-se do seu papel como «fábrica de homens» e algumas líderes ainda promovem este papel. Por exemplo, Samiha Khalil 11 dedicou um prémio às famílias com mais crianças: «Percebo que ter muitos filhos seja um fardo para as mulheres, mas nós estamos numa batalha pela sobrevivência, e a preocupação de Israel com a nossa elevada taxa de natalidade tem que ser levada a sério. Israel quer a terra sem palestinianos nela» (apud Najar & Warnock, 1992: 47). Rishmawi comenta assim esta atitude: «Para mudar esse tipo de consciência, o povo palestiniano tem que sentir que a sua sobrevivência não está ameaçada. As práticas de procriação mudarão, quando as palestinianas estiverem confiantes que não perderão as suas crianças por causa da doença ou da guerra» (apud Najar & Warnock, 1992: 177).

Peteet (1991: 184) explica porque é que as mulheres adoptam voluntariamente este papel: «na verdade, não é pela nação que as mulheres fazem filhos, mas ao conceber e falar sobre fertilidade e procriação nestes termos, elas ganha mum sentimento de contribuição para luta nacional». Como Um Muhammad (apud Pettet, 1991: 185) confirma: «Nós, as mulheres palestinianas, temos batin 'askari [literalmente: útero militar, figurativamente: damos à luz combatentes]».

No entanto, este orgulho no contributo para a resistência é misturado com uma atitude de resignação, que se sente nas palavras de uma mãe: «Nós, as mulheres palestinianas, damos à luz, educados e entregamos os nossos filhos pela revolução» (apud Peteet, 1991: 185). As mulheres sentiam-se, muitas vezes, obrigadas a aceitar o papel dos «úteros militares», com medo de serem vistas como pouco patriotas, ou até para confirmar que tinham realmente um papel importante a desempenhar na resistência. No entanto, algumas reconhecem que o seu corpo é utilizado/abusado pelo discurso nacionalista: «O meu corpo não é uma fábrica de armas. É o meu corpo» (apud Robin Morgan, 2001:274). Todavia, é muito raro encontrar uma afirmação como esta. Esta mulher resiste à objectivação do seu corpo, mas arrisca-se a ser acusada de traição do seu papel na resistência, um papel que apenas abarca o seu útero.

Férteis, misteriosos e perigosos: os corpos no discurso do ocupante

No discurso israelita, a relação entre os dois lados do conflito é representada de forma metafórica como uma relação de homem/mulher. Palestina é a mulher e Israel é o homem: o colonizador é o patriarca. Golda Meir, a primeira-ministra israelita nos anos 1970, descreveu Palestina como: «a noiva indesejável» (apud Fátima Qasem, 2007: 118). Como mulher (leia-se: frágil) e precisa da defesa e da ajuda do homem (Israel). No entanto, quando rebelde, perde as suas qualidades «femininas» e torna-se numa mulher indesejável.

Na invasão de Gaza, em Dezembro de 2009, apareceram nos média internacionais – incluindo os israelitas – fotografias de t-shirts de alguns soldados da unidade snipers, habitualmente desenhadas com imagens escolhidas por eles próprios. A imagem mais divulgada foi de uma mulher palestiniana grávida, com véu, com uma arma na mão, e exactamente no centro do alvo. O slogan diz: «1 shot 2 kills». (1 tiro 2 mortos) (veja-se Uri Blau, 2009). A mulher, grávida e com véu, é considerada um perigo, misterioso e desconhecido. Segundo Meyda Yegenolgu (1991: 11), o véu das mulheres orientais funciona «não apenas como algo que faz significar a mulher oriental como misteriosa e exótica, mas também faz significar o oriente como feminino, sempre velado, sedutor e perigoso». A corda da arma na sua mão pode ser vista como cordão umbilical que liga a arma ao seu útero e que é o centro do conflito.

Nota-se que a maioria destas t-shirts consideram as mulheres e os seus corpos como o enfoque da batalha, como por exemplo o slogan «Better use Durex» junto de uma fotografia de uma criança palestiniana morta. Uma outra imagem mostra uma mulher a chorar com um brinquedo na mão e o slogan «todas as mães palestinianas têm que saber que o destino do seu filho vai acabar nas minhas mãos» (veja-se Blau, 2009). A maternidade e a multiplicação do povo palestiniano aparecem como o principal perigo no conflito.

A violação também surge nestes desenhos: a imagem de uma rapariga com nódoas negras e o slogan «parece que foste violada»; ou a imagem de um soldado a violar uma rapariga e o slogan «sem virgens não há ataques terroristas». Sendo algo misterioso, ameaçador e perigoso e os corpos das palestinianas têm que ser (re)moldados pelas mãos do poder colonialista.

A elevada taxa de natalidade palestiniana ameaça a existência de Israel, e está no centro das suas preocupações. Israel é um dos países que realiza mais tratamentos de fertilidade em todo o mundo (quatro vezes mais do que os Estados Unidos). O seguro médico nacional do estado israelita cobre tudo o que encoraja as pessoas a ter filhos/filhas; é o único no mundo que cobre até a inseminação artificial para mulheres solteiras e existe uma lei especial que cria condições muito favoráveis ao recurso às «barrigas-de-aluguer». Ao mesmo tempo, o seguro não cobre contraceptivos e o aborto só é permitido através da autorização de uma comissão especial (veja-se Nada Matta, 2007).

Ambos os discursos israelita e palestiniano, encorajam as mulheres a ter mais filhos, fazendo delas – utilizando as palavras de Trinh Minh-ha «úteros com dois pés…um órgão especializado para a produção-de-crianças» (1989: 37).

Os corpos entre a cultura de honra e a cultura de resistência

Thaqafet Al-'ard, a cultura de honra, é comum na zona mediterrânica. Está relacionada com conceitos como coragem, generosidade e magnanimidade. (Warnock, 1990). «Perder a honra» pode ser causado por um acto individual ou colectivo, ainda que «perder a honra» individualmente signifique a perda de honra da família/comunidade. Na cultura árabe, o conceito de honra está ligado à «feminilidade» e à «masculinidade», os conceitos construídos pela sociedade. No entanto, está sobretudo ligado aos corpos das mulheres. As mulheres têm que manter os seus corpos «honrados» e os homens têm que defender esses corpos de qualquer risco.

O contacto físico dos corpos das mulheres com homens desconhecidos coloca em risco a honra da família ou até da comunidade. As famílias normalmente têm que escolher entre conviver com a desonra e as suas consequências, ou «limpar a honra» um processo que pode envolver o derramamento de sangue.

Devido à situação política na Palestina, «a cultura de honra» entra num processo mais complexo, que deixa a compreensão do que pode colocar a honra em risco pouco clara. Tanto os corpos dos homens como os das mulheres estão igualmente sujeitos à tortura e à dor. Embora os corpos sofram o mesmo, a (des)codificação social desse sofrimento, tortura e até das cicatrizes coloca os corpos das mulheres num lugar diferente.

Enquanto, no caso dos homens, estes são considerados pela sociedade como sinais máximos de «masculinidade», para as mulheres o lugar delas na sociedade fica indefinido (veja-se Peteet, 2000). Por um lado a «cultura de resistência» na sociedade palestiniana apela a todos os indivíduos à participação na luta: qualquer resistência contra a ocupação é considerada um acto heróico. Por outro lado, o contacto físico com homens desconhecidos, ou até a violação, coloca em risco – segundo a sociedade patriarcal – a honra da família, o que deixa as mulheres num lugar ambíguo.

As activistas políticas foram consideradas, em muitos casos, «soltas»12 (veja-se, Peteet, 1991). Para muitas mulheres, participar na resistência ou entrar na prisão trazia automaticamente a desonra para a família. Siham Abdullah (apud Sahar Khalifa, 1991: 90) afirma que as mulheres casadas são mais activas politicamente porque não têm nada a perder; uma vez que já casaram e a reputação delas já está protegida13. Muitas mulheres deixaram a resistência para proteger a sua honra, ou desenvolveram as suas actividades apenas longe das suas vilas, ou seja, longe das línguas da comunidade (Shalhoub-kevorkian & Abdo, 2006). As prisioneiras – especialmente as primeiras – sofreram em muitos casos a violência acrescida de ser rotuladas como mulheres sem honra. Fairouz Arafa (apud Itimad Mhana, 1992: 114) conta que muitos homens a pediram em casamento, mas recuaram quando souberam que tinha sido prisioneira. No início, a família dela também a tratava como «culpada»:

O meu pai deixou crescer a barba até o dia em que foi visitar-me à prisão […]. Notei que estava a chorar; fez-me perguntas sobre o meu cabelo e as minhas unhas. Depois fez-me a pergunta de que eu estava à espera: «Fizeram-te alguma coisa?» Respondi negativamente […] depois, já não ligava àquilo que as pessoas diziam, mas o que me preocupava era o meu irmão, que recusou visitar-me, considerando a minha prisão uma vergonha para família […] Decidi que quando saísse da prisão responderia abertamente às perguntas das pessoas: isto é uma ocupação, e a prisão não é uma vergonha.

As primeiras prisioneiras sofreram mais deste «lugar ambíguo» do que as que lhes seguiram. Com o aumento da participação das mulheres na resistência e, como consequência, o aumento do número das prisioneiras políticas, o conceito de «honra» começou a ganhar outros contornos.

O silenciamento da resistência e a conquista dos corpos

Frantz Fanon (apud Yegenoglu, 1999) sugeriu que normalmente o colonizador conquista as mulheres como uma forma de destruir a resistência de um povo inteiro. Israel conhece bem o poder que pode exercer através da «cultura de honra», e recorre, por exemplo, à divulgação de histórias infundadas. Quando as tropas judaicas começaram a ocupar as vilas e cidades palestinianas, em 1948, espalhavam rumores sobre violações – de uma dimensão muito superior às ocorridas na realidade – para assustar a população e controlar as suas vilas (veja-se Ilan Pappe, 2006). Muitas pessoas deixaram as suas casas com medo de perder a «honra» da família (Warnock, 1990: 23). Mais tarde, o povo palestiniano começou a resistir à cultura de honra, resistindo assim, ao mesmo tempo, à ocupação. Peteet (1993: 51) explica que:

No início dos anos 1980, o jil al-thawra (a geração da revolução nascida na diáspora) foi célere em criticar esse conceito de honra… o conceito de 'ird «honra» era indestrinçável da palavra ard terra, num jogo de palavras e de significados… (eles) promoveram novos símbolos de uma cultura palestiniana de resistência. Um destes símbolos foi o slogan al-ard abl al-'ird «a terra antes da honra».

Nas prisões israelitas as prisioneiras políticas palestinianas são vítimas de abusos sexuais e ameaçadas com o que é ainda considerado na sua sociedade «honra». Muitas prisioneiras contaram que foram colocadas junto com prostitutas, o que, segundo as forças israelitas, pode danificar a «honra» das palestinianas na sua sociedade. No entanto, Maha Nassar conta que não considerou essa experiência como castigo; pelo contrário, simpatizou com aquelas mulheres (apud Khalifa, 1991: 78).

Sajinat Al-Watan Al-Sajin, (1988), de Tawil, que reúne narrativas de vida de vinte e sete prisioneiras, nota-se que a maioria delas foi ameaçada com a sua honra/ o seu corpo. Mesmo que tivessem sido poucos os casos reais de violação, a «ameaça com a honra» foi sempre uma das armas preferidas de Israel.

Na autobiografia de Odeh (2007), Ahlam Bel Horia, ela menciona que durante o seu tempo como prisioneira política, muitas das perguntas feitas durante o interrogatório eram relacionadas com a sua sexualidade, mais do que com as suas actividades políticas: «Dormiste com quantos homens?. Queres que nós acreditemos que és ainda virgem?» (2007: 142). Conta como foi torturada uma noite inteira para dizer: «sou puta» dez vezes. É significativo que ela tivesse optado por suportar a tortura, em vez de dizer uma frase que, segundo ela, poderia prejudicar a sua «honra». A narrativa da violação também é notável: mesmo quando Odeh ultrapassa as restrições culturais escrevendo sobre a violação, o incidente é descrito numa única frase pequena: «Azrael tentou perfurar o meu útero com um pau» (2007: 149). Ser violada com um pau é de facto significativo: uma violação que não envolve o corpo do violador mas um objecto, retira à violação qualquer contacto humano, tornando-a assim ainda mais humilhante – a mulher surge assim como não sendo objecto de desejo, mais um grau na degradação.

Em termos globais, a violação é ainda uma arma de guerra, sendo utilizada para colonizar o povo através dos corpos das mulheres Será que o colonizador e o patriarca conseguiram silenciar os corpos das mulheres? Ou será que o corpo, o «alvo de poder» (Michel Foucault, 2004), pode tornar-se num sujeito vivo de resistência? Será que as mulheres palestinianas começaram a utilizar o mesmo corpo que foi utilizado como arma (leia-se: objecto), como a sua própria arma de resistência (leia-se sujeito)?

Os corpos das palestinianas: a arma de quem?

A memória do corpo

Começando pela linguagem: as palestinianas tornaram a sua linguagem de guerra num corpo e o seu corpo numa linguagem da resistência. Hélen Cixous (1997: 351) sugere que o corpo da mulher é a sua linguagem. Argumenta ainda: «É com seu corpo que ela sustenta a lógica da sua fala… materializa fisicamente o que está a pensar, significa com o seu corpo». As palavras de Cixous aplicam-se às palestinianas: elas utilizaram o seu corpo como uma linguagem e uma narrativa para descrever a ocupação. Qasem (2007) nota que enquanto os homens usam a linguagem «oficial» dos média para descrever a ocupação dizendo, por exemplo, «quando Israel ocupou a terra», as mulheres escolhem termos como «quando Israel entrou», que na tradução palestiniana sugere penetração sexual.

Leilet Al-Dokhleh (literalmente «a noite de entrada») é um termo utilizado para descrever a noite em que a noiva perde a sua virgindade. O processo de perder a virgindade envolve sangue e dor, para o qual algumas mulheres não estão preparadas e não o esperam. «Tirar a virgindade» e ultrapassar as fronteiras do corpo da mulher é um acto conhecido pela família, mas muitas vezes desconhecido e mesmo contra a vontade da noiva. Qasem argumenta que esta cumplicidade entre «família» e «noivo» é análoga à cumplicidade dos países árabes na ocupação da Palestina por Israel (Qasem, 2007: 119). Isto tudo está ligado na linguagem das mulheres à ocupação e, especialmente, à Nakba14, inscrevendo os eventos históricos na história do corpo, como exprime uma mulher: «estava ainda virgem quando os judeus entraram» (apud Qasem, 2007:121). Para descrever a Nakba, as mulheres criaram uma linguagem «alternativa» e resistiram à linguagem sionista colonialista e à linguagem nacionalista dominante.

A narrativa do corpo na primeira pessoa

As mulheres palestinianas não só tornaram o seu corpo numa linguagem de resistência, como também tornaram a narrativa sobre o corpo numa forma de luta. Muitas falaram dos casos de violação na prisão15, – que a sua cultura obriga a silenciar – e assim utilizaram a narrativa do seu corpo para resistir ao poder exercido «sobre» os seus corpos, por ambas as sociedades.

Tornar públicos os casos de violações resultou, em muitos casos, em comportamentos novos na sociedade, como confirma Basir (apud Najar & Warnock, 1992: 90):

Um passo importante para a libertação foi a nossa libertação do medo de violação.Ao divulgar que os interrogadores israelitas as tinham violado com paus, duas das primeiras prisioneiras políticas aprisionadas em 1967 declararam que este era mais um dos crimes do inimigo, e não é algo que se devessem elas envergonhar-se.

O «julgamento público» das prisioneiras violadas muitas vezes foi considerado uma traição à causa palestiniana. Muitas das prisioneiras foram consideradas heroínas, como confirma a ex-prisioneira Arafa (apud Mhana, 1992, 114): «Depois de sair da prisão, fizeram-me uma zafa16 e ficaram todos felizes pela minha saída e meu pai pediu que saísse e apartasse a mão dos homens com força. Ouvi-os dizer: "é algo para se orgulhar"».

«Apertar a mão aos homens» é significativo; não só era considerada heroína, mas era considerada «como igual» aos homens. A honra começou a perder a sua ligação com o contacto físico: o pai pede-lhe para dar a mão aos homens, confirmando assim que a sua honra continua protegida. O contacto físico aconteceu – dentro e fora da prisão – com o consentimento do «homem da família».

A sociedade palestiniana, sobretudo as mulheres, começou a transformar o conceito de honra em algo relacionado com o patriotismo em vez de algo relacionado com o corpo, como defende Ashrawi: «A nova fonte da "honra" é actividade política das mulheres, e não é a sua castidade; participar na intifada é fonte de honra» (apud Warnock 1990:187). As palavras de Leila Khaled17 confirmam esta nova visão «tentamos dizer que a honra significa mais do que virgindade, que há honra em recuperar a nossa pátria» (apud Morgan, 2001: 211).

O véu: uma prisão libertadora?

As palestinianas não apenas reconfiguraram o conceito de honra: transformaram «objectos de honra» em «objectos de resistência». O véu, que é considerado um dos símbolos de protecção de «honra», foi utilizado para facilitar as actividades das mulheres na resistência. Muitas declararam que o véu lhes deu mais liberdade na participação das reuniões dos seus movimentos, mesmo quando essas reuniões se realizaram à noite (veja-se Jad, 2008).

O véu foi considerado ainda um símbolo de resistência cultural contra o ocupante e uma forma de confirmação de identidade nacional. A persistência de usar o véu significa a resistência contra o colonialismo, como, por exemplo, já tinha acontecido no Irão e na Argélia18. Esta ideia é defendida por Yegenoglu (1999: 137): «foi sobre o seu corpo velado, que ambos o colonialismo francês como o patriarcado argelino projectaram os seus medo, desejos e políticas. O véu tornou-se um símbolo potente nessa batalha».

O véu funcionou como uma «prisão libertadora» para as mulheres. Em 2000, a jovem palestiniana Shifa'a Al-Hindi foi obrigada a tirar o seu véu pelos soldados israelitas. Quando a forçaram fisicamente, cuspiu na cara de um soldado que lhe bateu na cabeça e, em consequência disso, perdeu a vista. Para Al-Hindi, defender o seu véu significou defender a sua identidade e, desta vez, a honra nacional. Como defende Yengenoglu (1999: 119), para as mulheres colonizadas «O seu corpo não simplesmente o que está dentro do véu: mas "ela" é constituído nele e por a ação-do-tecido do véu». Tirar-lhe o véu significa, então, despir-lhe a própria pele.

É significante que Al-Hindi tenha aparecido poucos dias após o incidente num canal televisivo internacional sem véu, confirmando assim que ela apenas defendera a sua liberdade de utilizar o véu: não se tratava de o véu lhe esconder ou não a cara, mas do facto de ser o ocupante que lho queria tirar (veja-se Farouk Wadi, 2000).

Pedaços de corpo ou estilhaços de resistência?

A «cultura de honra» criou como consequência uma «cultura de vergonha» do corpo, a existência do corpo em si é um tabu, e Israel sempre se aproveitou disso, provocando este tabu. Por exemplo, foram relatados incidentes de mulheres que foram obrigadas a tirar a sua roupa no checkpoint com a desculpa de ser um processo de segurança19 (veja-se, por exemplo, Aman, 2007). Um Rami, vendedora de iogurte, passa os checkpoints todos os dias para chegar a Ramallah. Conta que poucos dias após a morte do seu filho pelos soldados israelitas teve que voltar a trabalhar. Um soldado israelita insultou-a e pediu-lhe para levantar o seu vestido para ver se tinha alguma coisa por baixo. Um homem palestiniano começou a gritar: «volta para trás mulher, que vergonha!». Um Rami simplesmente não deu importância e levantou o vestido para poder passar, vender o seu produto e voltar para casa com algum dinheiro (Shalhoub-Kevorkian, 2007: 12).

Um Rami transformou – nas palavras de Shalhoub-Kevorkian (2007) – a sua panela de iogurte num objecto de resistência. Acrescento, ela transformou o seu corpo num «sujeito» de resistência. Deixar o corpo existir foi uma forma das mulheres resistirem a essa «cultura de vergonha» do corpo, e foi sobretudo uma forma de resistência política contra a ocupação.

Rihab Isawi escreveu na parede da sua cela um conselho para todas as prisioneiras, para que não tivessem medo das ameaças do abuso sexual. Conta o seguinte:

Quando o investigador me ameaçou […] olhou para mim com um sorriso sarcástico.Com muita confiança, comecei a tirar a minha roupa; perguntou-me porque estava assim tão indiferente, respondi-lhe: sinceramente, estou numa prisão israelita, há três homens à minha frente, que vão ser quatro com o amigo com quem me estão a ameaçar; será que uma rapariga como eu pode resistir a quatro homens? Não pode resistir (apud Tawil, 1988: 120).

A ameaça de «perder a honra» como arma começava a perder o seu poder. Tal como Isawi, Fátima Al-Kurdi (apud Tawil, 1988: 206) foi ameaçada que ia ser violada por prostitutas; respondeu simplesmente: «e são bonitas?» Estas mulheres afirmaram que os seus corpos não são armas nas mãos do ocupante. São da sua propriedade e estão sob o seu próprio controlo. Elas transmitiram ao ocupante que elas são os seus próprios corpos.

A existência do corpo em si é considerado algo vergonhoso na sociedade árabe dominante e os corpos das mulheres têm que estar escondidos e negados; ironicamente, a cultua árabe, tal como a ocidental, promove a ideia de fazer dos corpos das mulheres um «objecto» bonito, perfeito e desenhado à medida de uma beleza já decidida pela sociedade. Isto obriga as mulheres árabes a ter corpos perfeitos e ao mesmo tempo escondidos. Por isso, muitas mulheres não participaram na resistência com medo de «ficar com o corpo marcado», como revela Abdullah (apud Khalifa, 1991: 90): «A questão não é só a reputação mas também o desfiguramento através da arma; se eu for desfigurada, quem ia casar comigo?»

Israel beneficia deste receio de «desfigurar o corpo» e utiliza-o constantemente para limitar a participação das mulheres na resistência. Firial Salem tinha perdido um olho e os dentes e tinha a cara partida durante a preparação de um explosivo. Assim que acordou de uma semana de coma, o interrogatório seguiu a técnica de quebrá-la psicologicamente através do desfiguramento do seu corpo. A mulher-soldado perguntou-lhe: «vais ter a coragem de olhar a tua cara no espelho?» Respondeu-lhe Salem: «Não estou triste por ter perdido o meu olho esquerdo; através do vidro que substituiu o meu olho posso ver mais, vejo tudo mais claramente, melhor e mais bonito» (apud Tawil 1988: 111).

Salem leva-me a perguntar: será que as mulheres palestinianas conseguiram transformar os seus «pedaços de corpo» em «estilhaços de resistência»?

Hind foi torturada na prisão e cortaram-lhe uma das mamas, que depois lhe voltaram a coser. Quando regressou ao interrogatório, voltou mais forte e mais resistente: «Continua, aqui está a minha outra mama» (apud Warnock, 1990: 152) Khadija Abu Arquob tirou um saco de plástico e dentro dele partes do seu cabelo preto, que lhe foi tirado durante o seu interrogatório sob tortura, que deu ao juiz e ao procurador israelitas (apud Tawil, 1988: 43). Um olho, uma mama e cabelo não são apenas «pedaços de corpo» mas são de facto «estilhaços de resistência».

Corpos explosivos

Segundo Foucault (2004: 118) o corpo humano em qualquer sociedade é um objecto de investimento do poder que o esquadrinha, o desarticula e o recompõe, «[u]ma "anatomia política", que é também igualmente uma "mecânica do poder"». A análise neste artigo tenta mostrar como os corpos das mulheres palestinianas têm vindo a ser disciplinados pelo poder/discurso do ocupante, por um lado, e por uma sociedade marcadamente sexista, por outro. Foucault (2004: 118) afirma ainda: «A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos "dóceis"». Aqui, é obrigatório questionar o efeito da «disciplina» nos corpos das mulheres palestinianas. Será que realmente se tornaram em corpos submissos e dóceis?

Rula Astia (apud Hagar Kotef & Merav Amir, 2007: 977) conta como o seu corpo teve um encontro com (a máquina) do poder:

Apanhámos um táxi e saímos a alguma distância do checkpoint uma vez que os carros não são autorizados a ir até ao checkpoint. Daí seguimos a pé o resto do caminho. Estava com dores. Estavam poucos soldados no checkpoint, que nos ignoraram. Da'ud foi falar com eles, e um deles apontou-lhe a arma. Estava com dores e senti que estava para dar à luz ali mesmo. Deitei-me no chão, na sujidade, e arrastei-me para trás de um bloco de betão para ter alguma privacidade. E lá dei à luz, na sujidade como um animal. Segurei o bebé, ela mexeu-se um bocadinho, mas poucos minutos depois morreu nos meus braços.

Os úteros das mulheres palestinianas são uma ameaça pela existência de Israel; por isso, são continuamente disciplinados na máquina de poder chamada «checkpoints». O útero de Astia e de dezenas de mulheres palestinianas foi forçado a rebentar no checkpoint20. Elas e muitas mulheres – que já mencionei neste artigo –, os seus úteros, e os seus corpos foram alvos directos da batalha no conflito israelo-palestiniano, foram empurrados dentro da máquina de poder, foram castigados e disciplinados.

Mas será que a disciplina patriarcal e colonial transformou os corpos das mulheres palestinianas em corpos «dóceis»? Ou será que esses corpos sob a opressão da máquina de poder rebentaram e se tornaram «explosivos»?

Leila, uma militante que estava a treinar para realizar um ataque suicida, perguntou (apud Hala Jaber, 2003): «Para que serve um corpo quando lhe são tiradas a liberdade e a dignidade?» ou em outras palavras: o que é que se faz com os corpos «disciplinados»?

Uma outra Leila exprime, na sua autobiografia, o que deseja fazer com o seu corpo «disciplinado»: «Farei bombas dos átomos do meu corpo e tecerei uma nova Palestina do tecido da minha alma» (Khaled, 1973: 64). Ela exprime a vontade de muitas mulheres palestinianas: escolher a resistência em vez do silêncio.

As mulheres palestinianas têm sido responsáveis pelas confrontações físicas com o colonizador – especialmente na Intifada – enfrentando com os seus corpos os soldados para salvar os jovens das suas mãos. As mulheres de Beit Hanoun libertaram os homens cercados na mesquita pelas forças de ocupação, colocando os seus corpos na linha dos tiros. E muitas outras utilizaram o seu corpo literalmente como arma física, fazendo-o explodir.

Amal Amireh (2005:230) aborda a questão da seguinte forma: «o corpo da bombista suicida está longe de ser dormente ou inactivo, passivamente à espera de ajuda externa. É decidido, letal e literalmente explosivo… este corpo sai de casa, atravessa fronteiras, e infiltra-se nos territórios do outro. É um corpo proteico em movimento».

Noutras palavras: o acto de ser suicida recusa o papel designado para as mulheres pelo discurso nacional/patriarcal: a fábrica para fazer filhos (homens). Nega ainda a imagem que a ocupação tem dela: um alvo/objecto de guerra, por isso como afirmam Kotef & Amir (2007: 978) no discurso israelita «o corpo que explode em ataques suicidas é sempre masculinizado, mesmo quando o ataque é realizado por uma mulher». Ela dá voz ao seu corpo fazendo-se explodir, tendo em conta o conselho que Cixous (1997: 350) deu a todas as mulheres: «O teu corpo tem que ser ouvido»21.

Uma suicida na fase de preparação disse numa entrevista: «Tenho que dizer ao mundo que se eles não nós defendam, teremos que nos defender com a única coisa que temos, os nossos corpos» (Jaber, 2003). Esta afirmação confirma as palavras de Minh-há (1989: 36): «Não temos corpos, somos os nossos corpos».

A «Intifada» é um verbo que significa agitar-se, especialmente o corpo. Por fim, deixo esta interrogação: será que é possível (re)escrever, (re)inventar, (re)imaginar e (re)incorporar os corpos das mulheres palestinianas? Podemos descolonizar os nossos corpos criando assim uma Intifada do corpo?

Será que estes corpos se tornaram em cinza (leia-se: silêncio) ou será que se tornaram numa explosão (leia-se: resistência)?

 

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Notas

1 Este artigo é uma reescrita de um capítulo da minha tese de mestrado, Feminismos de corpos ocupados: as mulheres palestinianas entre duas resistências, orientado por Adriana Bebiano, defendida em 2010.

2 Epígrafe da responsabilidade da Coordenação do Dossier.

3 Abordarei os momentos mais intensos na luta das palestinianas: a Nakba de 1948; a Naksa 1967; os anos 1960 e 1970, com novas formas de resistência, a Intifada que começou em 1987; os acordos de paz em 1993, o estabelecimento da Autoridade Nacional Palestiniana, e a década de 2000 que inclui a segunda Intifada, a construção de muro de separação racista e o bloqueio e bombardeamento de Faixa Gaza. Nota-se que o colonialismo na Palestina é historicamente e politicamente muito diverso da maioria dos colonialismos europeus na África ou na Ásia; recorro a alguns exemplos de debates sobre feminismos e colonialismos em outros quadros, mas opto por dar mais voz e visibilidade aos debates específicos que sugerem no âmbito dos feminismos palestinianos, adequados a estes contextos específicos, com o objectivo de incluir novas vozes nas narrativas ocidentais dominantes tanto as feministas como aquelas sobre o conflito israelo-palestiniano.

4 As mulheres palestinianas existem na sua pluralidade. As representações, sempre simplificadas, que delas se fazem, variam conforme o momento histórico, e o ponto de vista pessoal, cultural e político. Consciente dos perigos do uso das categorias, por razões pragmáticas irei utilizar «mulher/es palestiniana/s» ou «mãe/s palestinianas» como categorias provisórias, úteis para «identificar» os grupos subalternas, segundo a proposta do «essencialismo estratégico» (veja-se, por exemplo, Gayatri Spivak, 2006).

5 Existem poucos estudos sobre as mulheres palestinianas no ocidente, e são ainda mais escassos em Portugal. No mundo árabe existem alguns estudos que problematizam «a honra» (Warnock, 1990); proponho-me desenvolver esta questão, para colocar os corpos das mulheres palestinianas como sujeito de investigação e problemática central no conflito.

6 Estas narrativas foram recolhidas por especialistas em diferentes áreas das ciências sociais, não tendo, contudo, sido analisadas. Neste artigo faço uma análise destas narrativas, partindo dos estudos culturais e de uma posição epistemológica feminista.

7 Veja-se por exemplo a poesia de Mahmoud Darwish ou as pinturas de Ismael Shamout, nos quais a Palestina aparece como mulher /mãe.

8 Layoun apresenta esta visão dentro da análise do filme Wedding in Galilee (Layoun, 2001).

9 A imagem da mãe na Palestina está sempre em metamorfose conforme a situação económica, social e política. Sendo um «conceito» constantemente (re)definido pela sociedade. O conflito israelo-palestiniano tem vindo a influenciar a redefinição do conceito da maternidade no terreno. Todavia, a figura da mãe tem uma importância simbólica no contexto palestiniano, a mãe é um ícone nacional sagrado e ligado com a terra da Palestina, o sacrifício e generosidade nacional. O papel das mães é considerado de grande importância segundo o discurso nacionalista patriarcal sendo elas as doadoras ou salvadoras de filhos/as. Mesmo conservando alguns dos símbolos da maternidade da sociedade patriarcal, esta reconhece o seu papel. Por isso, a maternidade está presente no discurso feminista na Palestina como base para exigir paridade.

10 A palavra istish'hadi/istish'hadia significa bomba suicida. A tradução literal será o/a martirizado/ a, ou a pessoa que se sacrifica pela nação. Esta palavra não tem a mesma conotação negativa de «bombista suicida».

11 Líder de uma organização de mulheres In'ash El-usra. Foi a primeira mulher árabe a candidatar-se à presidência do estado em 1996, tendo perdido para Yasser Arafat.

12 Mulheres que segundo a sociedade palestiniana têm «liberdades a mais», ou seja, têm pouco controle de uma autoridade/figura patriarcal da família ou da comunidade, o que lhe permite comportar-se com mais liberdade.

13 Segundo a «cultura de honra», a virgindade é o elemento mais importante a proteger, e só depois vem o resto do corpo. Uma vez que já não são virgens, a honra das mulheres casadas corre menor risco.

14 Nakba é um termo árabe que significa «catástrofe», e é utilizado normalmente para referir o êxodo palestiniano, depois de destruição de mais de 530 cidades, vilas e aldeias palestinianas e a expulsão de mais de dois terços da população palestiniana da sua terra. O dia de Nakba é o dia em que Israel anunciou a fundação do «estado israelita».

15 Veja-se, por exemplo, Odeh 2007, ou o documentário de Buthaina Khoury (direcção e produção), Women in Struggle, 2004.

16 Uma espécie de cortejo tradicional que se faz nos casamentos.

17 Khaled ficou famosa internacionalmente, após o seu papel no desvio de aviões no início dos anos 1970 como militante da Frente Popular pela Libertação da Palestina.

18 Na Argélia as mulheres utilizaram o véu ainda para realizar assaltos militares, embora a utilização do véu tivesse sido, sobretudo, uma reacção à campanha da colonização francesa que tentou tirar-lhes o véu. Nos anos 1970 as iranianas com véu foram um símbolo de resistência ao Xá. O mesmo véu que simbolizou o activismo das mulheres, hoje é utilizado para oprimir as mulheres (veja-se Peteet 1993).

19 Normalmente apenas os homens são despidos nos checkpoints.

20 O Ministério de Saúde Palestiniano relatou 69 casos de parto em checkpoints entre 2004 e 2006.

21 A imagem da mulher suicida contradiz ainda a imagem que os média ocidentais têm da mulher palestiniana/árabe, e desequilibra a imagem que têm do homem suicida, o qual, nas versões mais divulgadas, se suicida para obter as 72 virgens no paraíso. Veja-se, por exemplo no comentário de Anne Applebaum (apud Dorit Naaman, 2007: 936) sobre a suicida Ayat Akhras, «Não apenas ela não era homem, como também não era religiosa, nem afastada da família ou abertamente associada a um grupo radical. Dificilmente seria descrita como uma mulher sem futuro. Era jovem, uma boa aluna, e tinha noivo para casar». A explicação para as mulheres suicidas habitualmente adoptada passa pela vitimização destas mulheres, que diz que se suicidaram para fugir à opressão de uma sociedade machista. Por exemplo, na análise de Barba Victor (2004) iam por razões como não querer casar com o noivo escolhido pela família ou ser estéril. Esta teoria é difícil de sustentar conhecendo a vida pessoal de algumas suicidas, como, por exemplo, Reem Al-Riyashi, a «mãe-suicida». (Para uma visão mais ampla sobre a imagem da mulher suicida no ocidente veja-se Naaman 2007, Amireh 2005).

 

Shahd Wadi é doutoranda em Estudos Feministas na Universidade de Coimbra e bolseira da FCT. Está a trabalhar num projecto sobre as representações dos corpos de mulheres palestinianas nos produtos culturais/artísticos contemporâneos, como lugar de silenciamento e simultaneamente de resistência no contexto do conflito israelo-palestiniano. Tem grau de mestre na mesma área pela mesma universidade com uma tese intitulada «Feminismos de corpos ocupados: as mulheres palestinianas entre duas resistências» (2010). shahdwadi@yahoo.com

 

Artigo recebido em 15 de Abril de 2010 e aceite para publicação em 30 de Agosto de 2010.

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