SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número23Percursos, Conquistas e Derrotas das Mulheres na 1.ª República índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Indicadores

Links relacionados

  • No hay articulos similaresSimilares en SciELO

Compartir


Ex aequo

versión impresa ISSN 0874-5560

Ex aequo  n.23 Vila Franca de Xira  2011

 

Ostermann, Ana Cristina; Fontana, Beatriz (Orgs.) (2010), Linguagem. Gênero. Sexualidade. Clássicos traduzidos, São Paulo, Parábola.

 

Tatiane Rosa Carvalho

Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS tatianecarv@gmail.com

 

Linguagem. Gênero. Sexualidade. Clássicos Traduzidos foi lançado na segunda edição do Congresso Internacional Linguagem e Interação na Universidade do Vale do Rio dos Sinos, em junho de 2010. A publicação foi organizada pelas pesquisadoras Ana Cristina Ostermann e Beatriz Fontana, e representa um importante avanço para os estudos acerca de gênero e interação social no Brasil. Graças à iniciativa das autoras, as leitoras e leitores brasileiros têm finalmente à sua disposição a tradução de estudos clássicos, fundamentais para que se possa compreender melhor as discussões acerca das relações entre linguagem, gênero e sexualidade. O objetivo da obra é tornar acessível a diversidade de perspectivas historicamente desenvolvidas, a fim de demonstrar a compreensão de como mulheres e homens interagem. Linguagem. Gênero. Sexualidade. Clássicos Traduzidos promove um panorama dos estudos mais representativos da área de gênero e interação social.

A obra está organizada em artigos de pesquisadoras e pesquisadores consagrados, representando a evolução desde os estudos que apontavam para a dicotomia clássica de estilos de fala de mulheres e homens, passando pelas noções de déficit, dominância e diferença, até os desdobramentos mais recentes, que buscam problematizar as noções essencialistas de «feminino» e «masculino» no uso da linguagem.

O trabalho de Robin Lakoff (1975), Linguagem e lugar da mulher, do qual um extrato encontra-se traduzido na obra de Ostermann e Fontana, inaugura os estudos acerca de linguagem e gênero social. Esse artigo representa a perspectiva de déficit sobre linguagem e gênero na presente coletânea. Lakoff (1975) apresenta as diferenças existentes entre os estilos de fala de mulheres e homens que, de acordo com ela, representam a discrepância existente na posição social desigual ocupada por pelos sexos na sociedade estadunidense.

A perspectiva de dominância está representada nas obras de Fishman (1983) e de Candance West e Don Zimmerman (1987). No artigo denominado O trabalho que as mulheres realizam nas interações, Fishman (1983) examina a relação hierárquica entre homens e mulheres, através do modo como essas relações de poder se manifestam na conversa. A autora analisou a fala de três casais em suas residências, a fim de observar as possíveis relações de poder existentes entre homens e mulheres. A partir da análise do trabalho interacional realizado pelas mulheres nessas conversas e pelo exercício de poder exercido pelos homens ao se recusarem a ser o que ela chama de «um parceiro completo» (p. 44), Fishman (1983) demonstra que a atividade conversacional desses casais na esfera privada é representativa das relações hierárquicas socialmente estruturadas existentes entre homens e mulheres.

West e Zimmerman (1987), no artigo denominado Pequenos insultos: estudo sobre interrupções em conversas entre pessoas desconhecidas e de diferentes sexos, analisam a ocorrência de interrupções como uma reflexão acerca de fatores de gerenciamento da alocação dos turnos de fala, entre eles o sexo dos/as falantes. A pesquisa é baseada em interações entre estudantes universitários de diferentes sexos e os resultados demonstraram que os homens iniciaram um número de interrupções três vezes maior do que aquelas iniciadas pelas mulheres. A autora e o autor argumentam que a assimetria na iniciação das interrupções constitui um diferencial de poder, bem como um meio de «fazer» poder e gênero em interações face a face.

A abordagem da diferença, por sua vez, defende que as formas diferenciadas de falar são resultado do fato de que homens e mulheres são socializados de maneiras diferentes desde sua primeira infância. O trabalho de Deborah Tannen (1990) representa essa perspectiva, através do artigo intitulado Quem está interrompendo? Questões de dominação e controle, que corresponde ao quinto capítulo de Linguagem. Gênero. Sexualidade. Clássicos Traduzidos. Tannen (1990) problematiza as interpretações de estudos anteriores acerca de interrupções, discutindo a necessidade de uma análise meticulosa do que constitui a interrupção nas conversas estudadas. A autora argumenta que para determinar se algum direito de fala está sendo violado, faz-se necessário conhecer bem os/as falantes envolvidos/as na conversa, bem como a situação, a fim de que se possa reconhecer o que o/a falante que interrompe está tentando fazer.

Estudos posteriores a 1990 passam a contestar o essencialismo até então atribuído às relações entre linguagem e gênero social. A partir de então surge um maior interesse em investigar as complexidades envolvidas em fazer gênero por meio da linguagem. O estudo de Penelope Eckert e Sally McConnell-Ginet (1992), traduzido no capítulo seis da coletânea de Ostermann e Fontana é um exemplo dessa nova abordagem. No artigo denominado Comunidades de práticas: lugar onde co-habitam linguagem, gênero e poder, as autoras sustentam que gênero também pode ser negociado e aprendido dentro de comunidades de prática.

O capítulo sete, denominado «É uma menina!»: a volta da performatividade à linguística, de Anna Livia e Kira Hall (1997), explora as relações entre linguagem e gênero a partir da teoria dos atos de fala (Austin, 1962; Searle, 1969). De acordo com as autoras, através da teoria de performatividade de gênero, «afastamo-nos da construção social da sexualidade para nos direcionarmos à construção discursiva de gênero» (p. 121, grifo meu).

Ainda dentro dos estudos que abordam a diversidade, o texto de Deborah Cameron (1998), Desempenhando identidade de gênero: conversa entre rapazes e construção da masculinidade heterossexual, que corresponde ao capítulo final da obra de Ostermann e Fontana, vem ao encontro do conceito de performatividade de gênero. A autora analisou conversas informais entre cinco homens e demonstrou que o uso de oposições convencionais relativas aos estilos masculino e feminino de fala é problemático. Cameron (1998) defende que «é inútil continuarmos a usar modelos de fala generificada que considere implicitamente a masculinidade e a feminilidade como construtos monolíticos» (p. 147).

Os artigos que compõem o livro são de extrema relevância tanto para estudantes e profissionais iniciantes no assunto quanto para profissionais e estudantes com larga experiência de pesquisa. Os textos selecionados por Ostermann e Fontana em Linguagem. Gênero. Sexualidade. Clássicos Traduzidos são os mais representativos dos desdobramentos das pesquisas focalizadas nas relações entre interação social, gênero e sexualidade no mundo. Dado o caráter interdisciplinar do tema, o livro não se destina apenas à interlocução com o público acadêmico de Linguística e Letras, como também de outras áreas do conhecimento que se afiliam a questões de linguagem, gênero e sexualidade. Afinal, como bem observa Marcos Marcionilo (2010), «em matéria de linguagem, gênero e sexualidade, esta-mos todos implicados e refletir sobre esses temas é certamente produzir maior igualdade sem deixar de valorizar as diferenças» (p. 7).

Creative Commons License Todo el contenido de esta revista, excepto dónde está identificado, está bajo una Licencia Creative Commons