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Ex aequo

versão impressa ISSN 0874-5560

Ex aequo  no.30 Lisboa dez. 2014

 

ESTUDOS E ENSAIOS

 

Existe uma psicanálise sem Édipo?

Existe um psicoanálisis sin Edipo?

Does a psychoanalysis without Oedipus exist?

 

Caterina Rea1

1Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira, Campus de São Francisco do Conde, Bahia, Brasil. E-mail: caterina.rea@bol.com.br

 

RESUMO

Diante deste momento de crise do discurso e da prática analíticos, este texto visa se perguntar se uma saída desta situação não consistiria no encontro da psicanálise com os estudos de gênero. Isso lhe consentiria se liberar dos pressupostos ontológicos e universais que ainda a atravessam, a começar pelo complexo de Édipo. Nossa hipótese é que a psicanálise precisa levar em conta seu inevitável revés político ou seja a historicidade do seu discurso como da sua prática. Pode-se imaginar uma psicanálise sem Édipo, enquanto centrada na figura de Antígona? Esta versão da psicanálise permite imaginar uma multiplicidade de formas sócio-afetivas que desatam a referência a uma norma ou papel de gênero predefinidos.

Palavras-chave: Édipo, gênero, ordem simbólica, psicanálise.

 

RESUMEN

Frente a este momento de crisis del discurso y de la practica del psicoanálisis, este texto pretende levantar una pregunta: ¿una posible salida de esta situación no consistiría en el encuentro del psicoanálisis con los estudios de género? Este encuentro le permitiría liberarse de los presupuestos ontológicos y universales que todavía la atraviesan, a comenzar por el complejo de Edipo. Nuestra hipótesis es que el psicoanálisis tiene que llevar en cuenta su inevitable revés político, a saber el carácter histórico de su discurso como de su practica. ¿Podemos imaginar un psicoanálisis sin Edipo como centrado en la figura de Antígona? Esta versión de psicoanálisis permite imaginar una multiplicidad de formas socio-afectivas que desatan la referencia a una norma de género predefinida.

Palabras clave: Edipo, género, orden simbólico, psicoanálisis.

 

ABSTRACT

Psychoanalysis is facing nowadays a moment of crisis. This paper pretends to ask if a solution wouldn’t reside in the confrontation of psychoanalysis with gender studies. This would allow psychoanalytical discourse to free from ontological and universal principles, such as Oedipus complex. Our hypothesis is that psychoanalysis has to assume its political reverse, the historicity of its practice and of its discourse. Can we imagine a form of psychoanalysis without Oedipus, thus based in the figure of Antigone? This version of psychoanalysis allows imagining a multiplicity of socio-affective forms lives questioning the reference to a predefined gender norm.

Keywords: Gender, Oedipus, Symbolic order, Psychoanalysis.

 

Introdução2

A psicanálise é destinada a uma morte lenta, mas inexorável? Ela encarna uma prática destinada a ser suplantada, porque inapta, agora, para elevar o espírito do tempo e as exigências que lhe são próprias? Sabemos que ela não vive, hoje, o seu melhor momento e que parece cada vez mais ameaçada pela suposta eficiência das terapias cognitivas e comportamentais. Diante deste panorama desolador, uma saída talvez consistisse no encontro entre a psicanálise e o campo dos estudos de gênero e um processo de reformulação que a liberaria de seus pressupostos ontológicos e universais, a começar pela versão clássica do complexo de Édipo. Em outras palavras, acreditamos que se a psicanálise tem um futuro, este não pode deixar de envolver a reavaliação de seus retrocessos políticos e sociais, ou seja, da historicidade, tanto de seu discurso quanto de sua prática. Dizendo isso, apontamos o caráter histórico e socialmente determinado da maioria das categorias teóricas e das interpretações clínicas que sustentam o campo psicanalítico, tais como: o complexo de Édipo, a lei de castração, a figura paterna identificada como o garantidor da lei e da autoridade, ou mesmo a representação da histeria considerada, no célebre estudo do caso Dora, como enfermidade feminina devido à rejeição, por parte da mulher, da suposta norma da sexualidade feminina. Podemos dizer que essas categorias remetem a um tipo de sociedade, como a que situa-se na virada entre o século XIX e XX, centrada na família patriarcal e numa ordem de gênero que atribuem às mulheres o papel de esposas e mães. A ordem familiar / patriarcal, expressão de um contexto histórico determinado, se tornou, no discurso da psicanálise ortodoxa, quadro de fundo e um ideal a ser atingido.

A antropóloga e feminista Gayle Rubin afirma que a psicanálise, tanto a freudiana como a estruturalista, descreve de forma penetrante, o «dispositivo social sistemático» (Rubin, 1998/2009: 5) a moldar as mulheres como subalternas e domesticadas ao poder masculino. Porém, o discurso psicanalítico não se torna uma análise crítica da sociedade e da opressão às mulheres, constituindo-se, implicitamente, uma aliada do sistema político e cultural opressor que descreve.

O que hoje é considerado um dos principais elementos obsoletos da psicanálise é sua pretensão de estabelecer um padrão universal e inquestionável de desenvolvimento psicossexual, como uma verdade meta-histórica e originária do funcionamento psíquico, através do qual meninos e meninas tornam-se homens e mulheres, assumindo seus supostos respetivos papeis sócio-sexuais.

Conhecemos bem o mito contado por Aristófanes em O Banquete, de Platão, que descreve o estado de felicidade e plenitude que teria caracterizado as origens da humanidade. Trata-se de um mito fundador que apresenta o nascimento do desejo e da sexualidade orientados e pré-formados por uma condição ontologicamente anterior, a do ser andrógino. Esta constitui uma espécie particular a unificar a forma e a condição do macho e da fêmea. Depois de ter sido cortado ao meio por Zeus, que temia seu poder, ambas as partes do andrógino se procuram e aspiram ao reencontro. «O corpo, tendo sido cortado em dois, tinha uma nostalgia que empurrou as duas metades a se juntarem. Estão se agarrando com as duas mãos, eles se enlaçam uma à outra, na paixão de se fazer um só» (Platon, Le Banquet, 189 d, e, 190 d, 191 a)3. Este mito é de importância central para a psicanálise, não só porque refere à questão da origem do impulso sexual e do desejo, mas também porque parece estabelecer a sexualidade humana em uma estrutura simbólica. A expressão da sexualidade seria o principal exemplo do symbolon: as duas partes de uma cerâmica quebrada que se juntam perfeitamente, pois pré-constituídas e ajustadas para tal reencontro.

Recordamos aqui que o termo symbolon (símbolo) vem do grego symballô, colocar junto. Designava, para os gregos, as duas metades de um objeto quebrado que podem ser reunidas. O gesto unificador do symbolon pressuporia uma reunificação, uma recomposição daquilo que é levado a se ajustar de acordo com uma ordem pré-constituída. Desta primeira expressão indicando uma função de recomposição ou de reconhecimento, o símbolo passa a indicar uma dimensão representativa (algo no lugar de alguma outra coisa), onde, segundo destaca Cornelius Castoriadis, o laço entre estes dois elementos da representação é a cada vez instituído, criado de forma aleatória pelo imaginário social-histórico (Castoriadis, 1975). O que nós queremos questionar nessas páginas, é a concepção de uma ordem pré-dada de onde adviria uma função simbólica quase eterna e imutável.

O modo com que a psicanálise, especialmente a freudiana, apropriou-se desse mito platônico, nos permite questionar a relação, complexa e ambígua, que ela tem com a questão da origem.A origem deve ser aqui entendida como aquilo que supostamente funda a dinâmica da pulsão e do desejo, bem como a norma que orienta e estrutura a vida sexual. Conforme lembra Jean Laplanche, há pelo menos duas ocorrências explícitas do mito edipiano, do Banquete de Platão, na obra de Sigmund Freud. Uma, no começo dos Três Ensaios sobre a Sexualidade, onde Freud o recusa como uma expressão da «teoria popular da pulsão sexual» (Freud, 1905/1987: 38), e outro em Além do princípio do prazer, onde, ao contrário, Freud parece aceitá-lo como uma expressão da teoria regressiva «que faz derivar uma pulsão da necessidade de restaurar um estado anterior» (1920/2001: 106). Pode-se dizer que estas são as duas versões opostas da teoria da sexualidade, ainda presentes no corpus freudiano:

– A pulsão não tem objeto ou objetivo predeterminado, o que a faz algo diferente do instinto.

– A pulsão está enquadrada em um modelo pré-existente que a aproxima do instinto.

 

1. Sexualidade sem objeto e sexualidade pré-formada

Freud nos ensinou bem que a sexualidade humana está longe de ser pré-formada ou previamente constituída por uma origem determinada. A fonte somática da pulsão, por si só opaca e inalcançável, só toma forma ex post, pelas representações múltiplas e não universalmente deriváveis, na história de cada um. No entanto, a partir de 1920, o destino da pulsão parece se amoldar à figura de uma origem pré-determinada, para onde ela deveria voltar. Ainda conforme lembra Laplanche, esta nova versão da pulsão sexual parece ser dificilmente conciliável com a primeira, porque pressupõe uma concepção diferente do fundamento e da origem da dinâmica pulsional: «Depois de ter dito que a sexualidade não era pré-formada, voltamos em Além do princípio do prazer, à ideia de que tudo isso foi dado anteriormente e que apenas pretendemos retornar ao que estava lá desde o início» (Laplanche, 1993: 29). Ou seja, a primeira versão da teoria da pulsão consistia em negar a realidade em si mesma de uma fonte natural acessível diretamente por si só, capaz de certificar e orientar o desenvolvimento da sexualidade humana, pois ela não lhe atribui um objeto específico; já a segunda posição afirma a existência de um ponto presumido de partida para o qual seria necessário voltar.

Por esta reformulação conservadora da teoria da pulsão, Freud define as formas e usos da sexualidade humana a partir de um estado que presume ser ontologicamente primeiro e universalmente válido. O mito contado por Aristófanes no Banquete de Platão toma, portanto, um sentido normalizador, como se ele incarnasse um critério ou um modelo original para orientar e moldar a pulsão sexual. Através da estratégia das origens, a sexualidade da psicanálise está intimamente ligada a uma ordem supostamente normal e normativa, que deveria constituí-la.

O duplo valor desta referência no corpus freudiano parece ilustrar a atitude ambígua da psicanálise no que diz respeito ao pensamento das origens.

Eis então as duas principais ocorrências em que Freud invoca o mito de Aristófanes; em 1905, é para estigmatizá-lo como estando ligado a uma opinião que ele quer destruir, a ideia de uma sexualidade pré-formada; em 1919, ao contrário, é para encontrar precisamente a origem de Eros ou das pulsões de vida (...) em uma unidade originária que pode muito bem ser tida por narcisista (Laplanche, 1993: 28-29).

No primeiro caso, não há nenhuma origem pré-formada destinada a fundar a sexualidade humana; no segundo, ao contrário, esta origem é identificada com a condição unitária à qual a pulsão deve retornar.

 

2. O Édipo na origem das normas

No entanto, a abordagem analítica nos tem mostrado que o primeiro pressuposto é acessível apenas após o fato, apenas posteriormente e na dinâmica temporal de seus vários desenvolvimentos (teoria do après-coup). Ela nos ensinou a desconstruir qualquer abordagem direta e simples da origem. Neste texto, gostaríamos de seguir esta perspectiva, esta atitude ou postura que vê todo o discurso sobre o original como uma reconstrução ex-post por meio do discurso e por meios das mediações sociais e históricas. Nossa postura epistemológica, portanto, afirma que não há origem pura que preceda o dinamismo criativo do ser humano e que o original permanece então inacessível ao conhecimento direto.

É justamente a partir dessa posição epistemológica que relemos e questionamos a figura psicanalítica do Édipo. Acreditamos que, de fato, pela noção do complexo de Édipo, a psicanálise reativa uma dinâmica de tipo fundacionista, destinada a estabelecer uma origem segura e estável de normas que regulam a sexualidade humana, as relações de gênero e de gerações, bem como o funcionamento psíquico (maduro) supostamente único e universal. O originário que o Édipo viria assim reativar é, no fundo, aquele que pretende traçar uma direção pré-estabelecida e pré-determinada do desenvolvimento psicossexual humano: a «verdadeira genitalização da libido» (Bergeret et al., 1982: 31) – nas palavras de Bergeret – reflete a forma de uma sexualidade prévia, pré-formada e normativa, à qual se deve tomar como a única condição para uma boa resolução edipiana. Já o mesmo Freud (1905/1987) apresentava, no terceiro dos Três Ensaios sobre a Sexualidade, a evolução da sexualidade na adolescência segundo papéis e funções de gênero definidos:

Uma nova meta é dada para a realização da qual todas as pulsões parciais colaboram, ao passo que as zonas erógenas se subordinam ao primado da zona genital. Pois, se a nova meta sexual designa aos dois sexos funções bem diferentes, seu desenvolvimento sexual diverge consideravelmente (Freud, 1905/1987: 143).

Segundo esta versão da psicanálise, o complexo de Édipo tem, então, a função de organizar a «evolução afetivo-sexual» (Bergeret et al., 1982: 34) do indivíduo e de definir, de modo universal, «uma estrutura ternária entre a criança, seu objeto natural eo portador da lei» (Bergeret et al., 1982: 34). Ele deve então guiar a sexualidade e o desejo para seu desenvolvimento maduro, autêntico ou definitivo: «Escolha do objeto de amor definitivo, acesso à genitalidade, efeitos sobre a formação de um autêntico superego e de um verdadeiro ideal do Eu» (Bergeret et al., 1982: 34). O Édipo, ou melhor, o momento da sua dissolução coincidiria com a fase da volta para aquele instinto do qual a sexualidade pulsional parecia antes ter se afastado? Encarnaria um caminho predefinido e normalizador do que Laplanche definiu como um «instinto reencontrado» (Laplanche, 1970: 28)?

 

3. Problemas no Édipo e questões de gênero

Como fonte e garantia dos mecanismos da psiquê humana, a noção do Édipo torna-se assim um critério poderoso de demarcação que permitiria distinguir a ordem do normal do campo das múltiplas patologias ou formas não maduras de sexualidade unificadas pela alegada «má resolução» do complexo. No entanto, será que podemos admitir tal versão unívoca do complexo de Édipo?

Portanto, a questão que desejamos colocar destaca aquilo que Judith Butler (1990/2005) já sustentava na primeira introdução de Trouble dans le genre:

Seria a psicanálise uma investigação de tipo antifundacionista que dá lugar à uma complexidade sexual realmente suscetível de desregular os códigos sexuais rígidos e hierárquicos, ou (...) ela preserva um conjunto de pressupostos sobre os fundamentos da identidade que favorecem justamente essas hierarquias (Butler, 1990/2005: 55)?

A resposta a esta questão passa pelo status dado ao complexo de Édipo.

Para Butler, a referência ao mito de Édipo e à sacralização do interdito do incesto não implica somente na perpetuação do patriarcado e em seus vínculos de dominação, como também na constituição de uma ordem simbólica concebida como a origem universal e incontestável da lei que regula as relações de gênero e orienta o desejo para uma «verdade» pré-determinada e estruturante. É justa-mente por essa lei imutável que são marcados os limites da ordem sexual. Não estamos dizendo, com isso, que o pensamento da psicanálise e da ordem simbólica desconheceria e negaria certas condições sócio-históricas nos arranjos humanos e particularmente nos laços de gênero. Entretanto, de acordo com este pensamento, as normas simbólicas não se identificam com as normas sociais, enquanto possam ser pensadas como o que regula e estrutura as relações sociais e a comunicabilidade, ou seja, como condições fundamentais da organização da «Cultura» e da sociedade.

Segundo os estruturalistas – comenta Butler – trata-se daquilo que estabelece as condições universais da possibilidade da sociabilidade, ou seja, da comunicabilidade enquanto capacidade de utilizar a linguagem. Aqui se coloca a importante distinção entre as explicações simbólicas e sociais do parentesco (Butler, 2004 / 2006: 62).

Não podemos deixar de incluir, nesse ponto, o valor político de tal questionamento. Diríamos mesmo que esta abordagem visa enfatizar que a categoria edipiana é o que vem inscrever a abordagem analítica – portanto endereçada à singularidade humana – sobre o terreno político e da instituição social. Então, quais serão as consequências políticas – além das consequências clínicas – de uma reflexão que pretende romper o equilíbrio que a ordem edipiana havia ajudado a moldar e a conservar? O que aconteceria se a mesma diferença sexual, pilar da toda constituição simbólica, aparecesse como o efeito de uma divisão his-tórica entre o privado (tradicionalmente identificado com o feminino) e o público (tradicionalmente identificado com o masculino), direcionada para sustentar a ordem hierárquica da dominação patriarcal?

Antecipemos de imediato o nosso percurso: trata-se de repensar e de reformular as normas edipianas que a psicanálise tinha concebido como universais, bem como a ordem simbólica, como inscritas na dimensão da temporalidade histórica e da instituição. É, portanto, o caso de repensá-las como «vetores de imperativos de gênero» (Butler, 1993/2009: 35) e de relações de poder, ou seja, como expressão de arranjos sociais, com certeza bem estabelecidos, mas não necessários.

Partilhamos das inquietudes de Michel Foucault quanto ao caráter normalizador e normativo da psicanálise, que se sobrepõe ao componente crítico e libertador. «O que é este pudor sacralizante que consiste em dizer que a psicanálise não teria nada a ver com a normalização?» (Foucault, 1994: 759). Nascida como técnica discursiva sobre o sexo, a psicanálise tornou-se um aparato de controle, cuja função é limitar novamente o sexo – através da disciplina e das práticas de confissão (aveu) – às fronteiras da produção da verdade (Foucault, 1976). Por que então suas formulações, tão abertas a respeito da teoria da sexualidade, são tão comumente silenciadas em um dispositivo da sexualidade e em imperativos estagnados da ordem sexual?

Façamos, também, referência à contribuição dos estudos de gênero e particularmente às críticas de Butler sobre essa versão oficial e conservadora da psicanálise, que é muitas vezes impedida de pensar certas posições sexuais e sociais como inteligíveis e viáveis. Não se trata aqui de liquidar o aporte da psicanálise, mas de pensar numa versão mais aberta, historicizada e transgressora de seu próprio discurso. Butler destaca ainda a importância de um diálogo entre a psicanálise e o campo da Teoria e da Política Culturais, diálogo voltado a superar a suposta oposição entre as esferas psíquica e social.

Acho que esse não é um antagonismo necessário – explica a filósofa –, porque a psicanálise pode fornecer uma crítica vigorosa da normalização, uma crítica vigorosa da regulação social, pode nos proporcionar uma teoria da fantasia, pode colocar em questão o corpo natural, pode observar o modo como o poder social toma forma na psique, pois há várias maneiras de se fazer isso. E acho que os movimentos sociais preocupados com isso podem entender melhor sua própria situação, a partir de uma perspectiva psicanalítica (Porchat, 2010: 167).

A riqueza contida na psicanálise, porém, parece ser sacrificada no altar do Édipo e da triangulação familiar à qual seu discurso é habitualmente resumido. O Édipo funda «o uso exclusivo das disjunções do inconsciente» (Deleuze e Guattari, 1972: 70), impondo a assunção de posições identitárias rígidas e imutáveis: «resignação ao Édipo, resignação à castração, renúncia, para as meninas, ao desejo do pênis, renúncia, para os meninos, ao protesto masculino, em suma, ‘assunção do sexo’» (Deleuze e Guattari, 1972: 70). Esta é a crítica de Giles Deleuze e Félix Guattari, que afirmam a necessidade de conceber uma psicanálise além das normas intangíveis que desde sempre pretendem guiar a vida psicossexual. Tais normas vêm, em verdade, orquestrar uma cena – exclusiva e imutável – que pretende descartar o social e o político, fechada na intimidade do complexo familiar para o qual a própria sexualidade é rapidamente redirecionada.

Conforme a expressão de Deleuze e Guattari, Édipo representa o momento idealista e quase ontológico da psicanálise. Ele vem, de fato, fixar o que eles chamam de «inconsciente produtivo» (Deleuze e Guattari, 1972: 63), constituído por vizinhanças, associações e aproximações: «as conexões sem fim, as disjunções sem exceção, as conjunções sem especificidade, os objetos parciais e os fluxos» (Deleuze e Guattari, 1972: 70). A esta fluidez que elimina as fronteiras limpas da identidade, Édipo vem fixar as identidades estáveis e binárias da diferença sexual e dos papéis de gênero, configurando assim a história singular e familiar, a evolução psicossexual de todos e cada um, conforme um cenário predefinido e único.

O inconsciente cessa de ser isto que ele é, uma usina, um atelier, para se tornar um teatro, cena e ato. E nem sequer um teatro de vanguarda, como existia nos tempos de Freud, mas um teatro clássico, a ordem clássica da representação (Deleuze e Guattari, 1972: 64).

Pretendendo definir o funcionamento universal e meta-histórico do psiquismo humano, Édipo torna-se, de fato, uma espécie de representação de transcendência, um princípio normativo e normalizador, o qual parece excluir ou tirar a legitimidade de todas as variações do cenário, de outras possíveis representações desta história.

Usando a contribuição cruzada de autores variados, como Butler, Deleuze, Guattari ou mesmo Foucault e Castoriadis, não estamos, necessariamente, em busca de uma coerência filosófica entre essas diversas referências. O mérito desses autores parece ser, o de mover as bases rígidas em que a psicanálise muitas vezes desconecta o campo psíquico do campo sociopolítico. Seus esforços consistem num investimento na dimensão histórico-política como uma condição para repensar certas categorias da psicanálise, bem como sua ação sobre a esfera psíquica.

Nossa abordagem pretende, ainda, destacar a importância daqueles analistas que, como Sabina Prokhoris ou Michel Tort, deram a si mesmos a liberdade de pensar algo além daquilo que está dentro dos estreitos limites de uma ordem sexual. Assim, a obra da Prokhoris procura desfazer as prescrições «eternas» do sexo, mostrando suas raízes históricas e, portanto, sua condição sempre contingente e mutável. Trata-se, então, de tentar aliviar o sofrimento de nossa existência comumente «doente de padrões» (Prokhoris, 2000: 41), liberando a capacidade criativa e inovadora, a única que nos permite reinventar e imaginar novos espaços de ação e transformação.

Este texto, pretende imaginar, portanto, às margens do interdito, as formas e figuras possíveis de existência singular e de convivência social, que poderão surgir a partir de uma ressignificação temporal do simbólico e da lei do Pai concebida aqui, de acordo com a expressão de Tort, como uma «organização psíquica histórica do poder» (Tort, 2005: 21), da qual é possível traçar a história.

Não pretendemos, assim, abandonar o campo da norma, por meio do qual os nossos corpos e nossas vidas são sempre definidos, mas incluí-lo no horizonte histórico e social da mudança e da transformação, que é aquele de sua possível contestação. Como podemos imaginar um futuro pós-edipiano da psicanálise, de seu discurso, assim como de sua prática? Como abrir caminhos aos complexos de Édipo, para novas expressões históricas e mutáveis, que são todas as variações concretas e múltiplas de nossa existência sócio-afetiva e relacional, que abrem espaço, hoje, para novas experiências sociais e de arranjos parentais?

 

4. Antígona e as variações do cenário

Pensar um destino pós-edipiano da psicanálise equivaleria a tentar manter a profundidade do enigma humano dentro da multiplicidade de suas manifestações. Tal versão da psicanálise se situa além de toda nostalgia do originário, em que este seja concebido como função natural ou como posição simbólica pré-estabelecida à qual o desejo singular dever-se-ia uniformizar.

Elaborar uma versão pós-edípica da psicanálise significa construir uma versão laica e historicizada, tanto do seu discurso como de sua prática. Esta nova leitura da psicanálise poderia ser encarnada pela figura de Antígona, como Butler a apresenta quando se pergunta como seria um mundo onde Antígona pudesse viver (Butler, 2000 / 2003).

Esta referência à figura de Antígona tem por objetivo tornar pensável outros cenários; cenários que, ainda tributários ao Édipo, conduzem para além dele mesmo, na direção de um futuro aberto, que o ultrapassa. Ela significaria, ao mesmo tempo, a impossibilidade para qualquer ser humano de existir fora das normas, e a contingência destas normas, o fato delas serem atravessadas por pontos de fragilidade que permitem modificá-las, resignificá-las, (Beaune e Rea, 2010a e Beaune e Rea, 2010b). Antígona viria assim tornar a própria transgressão em uma forma de interrogação, de questionamento sobre o estatuto – supostamente intangível – destas normas.

Antígona representa, por excelência, uma figura anti-identitária, tendo em conta sua posição problemática no seio das relações de gênero (aparece quase como um homem, na tragédia sofoclea) e de parentalidade (enquanto ao mesmo tempo filha e irmã do seu pai Édipo). Nas peças de Sófocles, Antígona é apresentada com um caráter quase masculino, pois é ela quem cuida do velho pai Édipo, é ela que enfrenta o tirano Creonte. De acordo com a leitura profundamente humana de Butler, ela assume todas as formas de variações possíveis do cenário tradicional (edipiano no sentido da psicanálise), que encontrou na família heteronormativa e, na partilha estabelecida das hierarquias de gênero, sua expressão pretensamente estável e definitiva.

Na história da filosofia e da psicanálise, Antígona é considerada como a figura da impossibilidade de viver. De Hegel a Lacan, a necessidade da sua morte aparece como um fato não questionável, algo que estaria implicado tanto na posição paradoxal que ela ocupa nos equilíbrios dos vínculos humanos, como na sua rebelião tenaz contra os códigos da ordem social e familiar. Figura monstruosa, impossível, «a-polis» (Klimis, 2012) aos olhos de uma instituição baseada no poder patriarcal e machista que limita as mulheres à condição de esposas e de mães reprodutoras, as condições que Anti-gonè (contra a geração/procriação 4) obstinadamente rejeitou. Neste sentido, ela se torna uma ameaça pela ordem instituída: «uma virgem que se fixa num estado normalmente transitório, que rejeita para ela o parto, rejeita a única função que ela pode e deve assumir na sociedade. Em relação às normas do comportamento feminino estabelecidas pela cidade, Anti-gonè só pode ser a-polis» (Klimis, 2012: 256).

Em oposição com esta longa tradição e seguindo as interpretações butlerianas, tentamos apresentar a figura de Antígona como aquela que encarna a possibilidade de uma relação ativa e criadora com respeito à esfera normativa. Além de uma simples exterioridade estática com respeito à lei, da simples oposição à lei, ela encarnaria o caráter modificável e contingente desta. Antígona seria a figura da criação humana histórica, do paradoxo mesmo do ser humano, que não tem uma natureza dada ou uma lei pré-estabelecida à qual deveria se submeter. Ela seria a figura da multiplicidade e da pluralidade das formas culturais e de vida, das figuras do desejo, da sexualidade e dos laços afetivos.

Pela complexidade da sua posição nos laços parentais e de gênero, Antígona viria revelar as múltiplas variações destas possibilidades. Assim, a família tradicional, heterossexual ou centrada na figura do pai não é o único modelo possível, nem o único ao qual se pode legitimamente almejar em nome da família, mas ele é somente uma expressão possível entre tantas outras.

Esta referência a Antígona nos permitiria entender a complexidade de nossos tempos, com as suas inumeráveis reestruturações da família, atravessada pelas experiências de divórcios, novos casamentos, diversas recomposições e for-mas de convivência, mudanças, exílios e imigrações, (Butler, 2000/2003: 31-32). Uma nova situação da família e da parentalidade onde os limites entre os laços biológicos e os laços sociais, solidários ou de amizade não aparecem mais tão seguros e pré-definidos. Hoje, «as relações de parentesco chegam às fronteiras que põem em questão a possibilidade mesma de distinguir entre parentesco e comunidade ou que necessitam uma concepção diferente da amizade» (Butler, 2004/2006: 150).

Longe de concluir a questão somente com uma resposta preconcebida, nossa aproximação com a psicanálise visa a relançar continuamente o questionamento sobre os fenômenos de nosso tempo, fenômenos que, provocando brechas na ordem simbólica, apontam para o que é móvel nas malhas estritas da estrutura. Mas radicalmente, esperamos que esta interrogação sobre o futuro da psicanálise além de Édipo abra um caminho para se considerar a complexidade atual de uma sociedade em mudança. O campo de trabalho recentemente inaugurado pelos estudos de gênero e queer nos ajuda a situar as dimensões políticas da ordem sexual, nas quais operam, hoje, as controvérsias relacionadas às novas for-mas da família e da parentalidade 5(Butler, 2000/2003: 31-32).

Nós defendemos que o Édipo é o terreno inicial desta politização, pois ele é o ponto de encontro da teoria sexual da psicanálise com a dimensão da lei e da organização normativa. A sexualidade, central para a psicanálise, é o tema que se abre, desde o início, para a dimensão política.

Prolongando esta consideração, poderíamos nos perguntar, «o que que teria acontecido se a psicanálise tivesse escolhido Antígona e não Édipo enquanto seu ponto de partida?» (Butler, 2000/2003: 65). Ou seja, se a psicanálise tivesse escolhido não quem, após ter matado seu pai, desejou incestuosamente a mãe, mas quem espalhou perturbação na geração e no gênero, sem jamais se tornar mãe ela mesma. Antígona poderia então nos ajudar a mexer nossos habitus de pensamento sobre o fato de ser pai, mãe, filh@, homem, mulher e a reconsiderar as for-mas dicotômicas que desde sempre opuseram a esfera privada e a pública, a dimensão singular ou familiar e a política (Antígona transcende a esfera privada e torna seu gesto individual um ato que enfrenta o édito do tirano Créon).

Repartir da figura de Antígona para pensar novamente a psicanálise nos conduz a aquela historicização das normas, dos discursos e das prática que estamos aqui procurando. Enquanto situada na fronteira da inteligibilidade, e mesmo nos limites do humano, Antígona nos ajuda a interrogar incessantemente estas fronteiras e as estruturas do poder pressupostas não somente à ordem social, mas também à ordem simbólica. Modificar estes limites do humano e da inteligibilidade, curar nossas existências «doentes de padrões» se torna nesta ótica a tarefa principal desta psicanálise não normativa, preocupada em resgatar as vidas e as relações antes rejeitadas do outro lado da fronteira do inteligível, do normal e do possível.

 

Conclusões

O trânsito pelos estudos de gênero parece-nos, então, particularmente rico de novas possibilidades para uma psicanálise que se situe além do Édipo. Em nossa opinião, o ensinamento mais precioso que se pode obter deste campo de trabalho consiste na possibilidade de uma interrogação constante da família e da sexualidade, bem como de suas expressões históricas. Este caráter subversivo e transgressivo, que questiona as normas pretensamente dadas do dispositivo edipiano, está longe de ser a expressão de um fantasma perverso 6. Trata-se, ao contrário, de uma tarefa humana incontornável que é a reflexão crítica em torno de toda ordem pressuposta como evidente em si mesma. Como afirma o psiquiatra e filósofo Stéphane Nadaud, acerca da contribuição das novas formas parentais à transformação da sociedade instituída, poderíamos dizer que, para a psicanálise, as questões de gênero representam talvez «um dos eventos subversivos que permitem recolocar em questão aquilo que parece evidente – e que de fato não o é jamais; uma destas posições que impedem as coisas de se tornarem rígidas, a fim de que não se instale o totalitário (...)» (Nadaud, 2006: 309).

Poderíamos resumir nosso percurso na expressão de uma transição da concepção psicanalítica clássica de «crise edipiana» à ideia de uma crise do Édipo, a saber, da crise deste paradigma e de sua função normalizante e única. Conforme a expressão de Nadaud, o Édipo e a família devem, de agora em diante, ser declinados no plural como possibilidades singulares e sociais de orientar a própria vida e os laços afetivos dos quais ela é constituída. É desta forma que «se ganhará em clareza ao afirmar que são variações infinitas deste elo intrafamiliar – os complexos de Édipo – que caracterizam as formas infinitas de famílias» (Nadaud, 2006: 140).

A proposta de Butler vai na mesma direção, apontando a uma multiplicação das expressões de Édipo, quase numa explosão de possíveis variáveis culturais e sociais, duma arrebentação de todo o originário, de toda condição primeira e supostamente necessária da ordem humana.

Ele passará a significar, também, as variações infindáveis de possibilidades humanas, das histórias singulares e das expressões do desejo irredutíveis à unicidade da solução edipiana.

Lembramo-nos aqui das palavras de Maurice Merlau-Ponty (1961) em Le visible et l’invisible onde ele esboça, no plano filosófico-antropológico, o que chama de rebentação do originário. «O chamamento ao originário vai em várias direções: o originário rebenta e a filosofia tem que acompanhar esta rebentação, esta não coincidência, esta diferenciação» (Merleau-Ponty, 1961: 165). Esta é a passagem que abre o pensamento à pluralidade das formas humanas, além das marcas de qualquer lógica totalizante. Como para a filosofia merleau-pontiana, seria esse o mesmo desafio, hoje, para a psicanálise frente às questões levantadas por uma sociedade em permanente mudança?

Como poderá operar então esta psicanálise, que reconhece nas categorias sagradas de seu discurso – Édipo, a lei simbólica e a diferença sexual – atos performativos que têm o poder de materializar efeitos subjetivantes? Como operará uma psicanálise sem Édipo, ou melhor, uma psicanálise voltada a acompanhar a pluralização duma ordem antes pensada como única e invariável?

Aqui, só traçamos o esboço de um longo caminho ainda a percorrer... talvez arriscando algo de inédito. Pois, como lembra o poeta, não há para o ser humano outro caminho senão aquele que se traça enquanto se caminha: «Caminante, no hay camino, se hace camino al andar» (Machado). Enigma do desejo e dos laços humanos que se impõem ao pensar... inclusive para a psicanálise.

 

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Artigo recebido em 30 de julho de 2013 e aceite para publicação em 7 de julho de 2014.

 

Notas

1 Caterina Rea é pós-doutoranda do Núcleo Identidades de Gênero e Subjetividades da Universidade Federal de Santa Catarina Barsil. Obteve o doutorado em filosofia na Université de Louvain-la-Neuve (Bélgica) e é autora de varios artigos científicos e ensaios na área da filosofia e dos estudos de gênero. Publicou Dénaturaliser le corps. De l’opacité charnelle à l’énigme de la pulsion, L’Harmattan, 2009, Psychanalyse sans Oedipe. Antigone, genre et subversion, L’Harmattan 2010 e Corpi senza frontiere. Il sesso come questione politica, Dedalo, Bari, 2012.

2 Agradeço a Isadora Machado (doutoranda NIGS/UFSC) pela tradução da primeira parte deste texto e o professor Rodrigo Barros Gewher (Departamento de psicologia/ UFAL) pela tradução da segunda parte e pela revisão deste texto.

3Nós nos referimos aqui à versão do texto de Platão citado por S. Freud (1920/2001: 107) em «Au-delà du príncipe de plaisir». Ressaltamos que, na tradição filosófica ocidental judaico-cristã, e principalmente em sua retomada por Freud, este mito foi considerado como a expressão da falta que atravessa e funda o desejo, e até como um paradigma da heteronormatividade.

4 Para uma leitura mais detalhada dos significados implicados no nome de Antígona, cfr. Sophie Klimis, 2012.

5 Para uma releitura do debate francês sobre a homo-parentalidade e as diferentes posições de psicanalistas, cfr. Perelson (2006). O texto reconstrói as oposições que atravessaram o debate psicanalítico sobre as mudanças no parentesco e nas relações de filiação. Na França este debate foi particularmente forte e o discurso da psicanálise teve – e ainda tem em muitos casos – um papel conservador, por trás da pretensão de neutralidade e de expertise cientifica. Para uma crítica dos usos normalizadores do discurso psicanalítico, na atualidade do debate francês sobre casamento gay e homoparentalidade, cfr. Ayouch, 2012.

6 Muitos psicanalistas discordam com a ideia de politização das questões sexuais e com a necessidade de historicizar as normas edipianas e as formas parentais, considerando que tais reivindicações são a expressão de uma posição perversa e meramente provocatória. Reportamos como exemplo um breve trecho de Gérand Pommier: «Num país como a França, onde a laicidade e a descrença são hegemônicas já há vários séculos, a sexualidade é um empreendimento privado. Cada qual se arranja como pode com as particularidades de seu erotismo e geralmente não deseja fazer deste uma questão pública (...). Pode-se pensar que a reivindicação de reconhecimento torna-se coletiva apenas quando o desejo transgressor da lei, próprio a outras formas de homossexualidade (em particular, a perversa), soma-se à particularidade da renúncia (désistement). De toda sorte, não se pode deixar de considerar, numa reivindicação pública de homossexualidade uma dimensão de vingança ligada à renúncia (désistement) (Pommier, 2002: 81).

Se o Édipo não é a condição sine qua non da cultura, isso não significa que não há lugar para o Édipo. Isso significa simplesmente que este complexo pode assumir uma multiplicidade de formas culturais e que não poderá mais funcionar como uma condição normativa da cultura (Butler, 2004/2006: 150-151).

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