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Ex aequo
versión impresa ISSN 0874-5560
Ex aequo no.40 Lisboa dic. 2019
EDITORIAL
Editorial
Cristina C. Vieira
O segundo número da ex æquo, publicado no ano em que a Revista comemora duas décadas de vida, convida-nos a refletir sobre um tema ainda pouco explorado na Academia e que se prende com o uso do reconhecimento dos direitos das mulheres como «moeda de troca» na conquista de status na arena internacional. A visão humanista subjacente ao feminismo, que advoga o respeito integral pelos direitos das mulheres sem possibilidade de negociações ou reservas, surge assim deturpada por uma postura de tipo mercantilista, que autoriza benefícios inclusive monetários, no âmbito da ajuda de entidades supranacionais às nações melhor colocadas no «ranking». Contra esta instrumentalização da garantia dos direitos das mulheres, para a obtenção de poder no jogo de forças entre as nações, têm surgido movimentos organizados de mulheres (que também incluem homens), que usam o ativismo como forma de ter voz coletiva. Essas pessoas têm sido no entanto perseguidas, presas e silenciadas de várias outras formas, porque funcionam como contrapoder que perturba os «jogos de bastidores» dos países envolvidos e colocam a nu as evidentes contradições entre a bondade da política externa dos governos e as graves violações dos direitos das mulheres nos países que governam. Na verdade, continua a ser um desafio desvendar a lógica que domina as relações
internacionais que empurra os governos para a aceitação de compromissos indesejados, ou, apenas tolerados, e que resistem a respeitar internamente.
Não há pactos possíveis quando estão em causa direitos humanos inalienáveis, nem a autodeterminação das mulheres deve ser ameaçada pelas disputas geopolíticas entre países. Os quatro textos do Dossier Temático, organizado por Vânia Carvalho-Pinto e por Andrea Fleschenberg, permitem-nos compreender como em nações tão distintas como o Brasil, a Indonésia e a Arábia Saudita as dinâmicas de cooperação, os conflitos e os ativismos trazem à tona a relação entre a defesa da igualdade de género e a obtenção de status por parte de diferentes países no cenário internacional. O texto introdutório das autoras é um excelente ponto de partida para a leitura dos restantes, porque esclarece a complexidade política da temática e, ao mesmo tempo, alerta-nos para a fragilidade e a porosidade das relações internacionais.
O Conselho Editorial da ex aequo agradece às organizadoras do dossier o facto de terem acolhido desde o início o desafio que lhes foi lançado, e também por terem trazido para a Revista contributos científicos de investigadores/as de nacionalidades nunca antes representadas, nos trinta e nove números anteriores.
Na secção de Estudos e Ensaios publicam-se cinco textos, de autores/as da Europa e da América Latina, cuja diversidade de temáticas espelha a indiscutível multidisciplinaridade do campo dos Estudos sobre as Mulheres, de Género e Feministas (EMGF). No primeiro artigo, da autoria de Pedro Saraiva, Virgínia Ferreira e Maria João Silveirinha, é analisada a evolução global da cobertura do desporto
feminino em Portugal, através da análise dos três jornais diários de desporto publicados no país (A Bola, O Jogo e Record), bem como a potencial objetificação sexual de atletas do sexo feminino.
Rita Grave, João Manuel de Oliveira e Conceição Nogueira assinam o segundo artigo, onde discutem os resultados de um estudo qualitativo com pessoas que não se sentem em conformidade com a norma de género, as quais trabalham permanentemente com e contra a ideologia dominante, evidenciando uma diversidade de experiências que conflui com os processos de resistência queer, propondo a desconstrução do género.
O terceiro artigo tem como autora a investigadora polaca Emilia Kramkowska e resulta de um estudo quantitativo alargado, feito com pessoas idosas polacas, acerca das suas perceções sobre o corpo a envelhecer. Os resultados apresentados e discutidos mostram que a discriminação de um corpo envelhecido com base na aparência não é uma utopia.
No quarto artigo desta secção, Marisa Antunes Santiago, Hebe Signorini Gonçalves e Cristiane Brandão Augusto discutem a imbricada problemática da violência sobre as mulheres com base na sua experiência de atendimento a vítimas, no Centro de Referência de Atenção à Mulher no Complexo de Favelas da Maré, no Rio de Janeiro, Brasil. As autoras defendem o desenvolvimento de estratégias
emancipatórias das mulheres que procuram ajuda, que não se traduza numa intervenção vitimizante. Para tal, é fundamental que sejam reconhecidas as suas diferenças individuais e a multiplicidade dos contextos de vida envolvidos, e que se mobilizem recursos locais para a formação de quadros técnicos multidisciplinares, permanentes e qualificados, ao dispor da comunidade.
O quinto e último texto reúne na sua equipa de autores/as Claudia Lazcano Vázquez, Maria Juracy Toneli e João Manuel Oliveira, sendo dedicado à ausência de direitos sociais e cívicos das pessoas trans*, no Brasil. Partindo das elevadas cifras de assassinatos recentes com base em crimes de ódio, discutem a necessidade de considerar a perspetiva interseccional na formulação e implementação das políticas públicas que possam garantir o efetivo exercício da cidadania às pessoas trans*.
As seis Recensões que integram a última parte da Revista reportam-se a livros publicados entre 2017 e 2019, voltando a espelhar a diversidade de temáticas e de nacionalidades das pessoas autoras. Todas as obras em análise resultam de trabalhos coletivos que versam sobre temas como: as violências de género; o lugar do pensamento feminista em Paulo Freire; a afirmação das mulheres no mundo da Arquitetura; o papel das mulheres na Organização Internacional do Trabalho desde o início do séc. XX; as manifestações na internet da literatura latina que é publicada nos Estados
Unidos sobre as pessoas queer; e, por fim, a necessidade de uma abordagem intersecional na educação de pessoas adultas, que interligue género e diversidade.
Entendemos estarem reunidos argumentos suficientes para uma leitura inspiradora e reflexiva, que permita estimular mais investigação sobre as problemáticas abordadas e também a aplicação do conhecimento científico produzido ao desenvolvimento académico e à prática profissional, seja em que área for.