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Ex aequo

versão impressa ISSN 0874-5560

Ex aequo  no.41 Lisboa jun. 2020

 

EDITORIAL

Editorial

Virgínia Ferreira

 

Neste quadragésimo primeiro número da ex æquo reunimos um conjunto de textos sobre temas diversos, que têm em comum a mobilização de metodologias qualitativas de investigação científica. A organização do dossier sobre Epistemologias, metodologias e produção de conhecimento crítico de matriz qualitativa em Estudos sobre as Mulheres, de Género e Feministas esteve a cargo de Cristina C. Vieira e Sofia Bergano, ambas especialistas em Ciências da Educação, com amplo domínio destas metodologias, incluindo a sua apresentação didática em manuais.

Como se pode ver na Nota Prévia, este dossier resultou da parceria estabelecida com o 8.º Congresso Ibero-Americano em Investigação Qualitativa (CIAIQ2019) e a 4.ª World Conference on Qualitative Research (WCQR2019). Feita uma primeira seleção de textos a incluir, a partir da avaliação dos resumos das comunicações, foi lançado o desafio às respetivas autoras e autores para procederem à sua ampliação tendo em vista a publicação. Uma vez recebidos, os textos foram ainda objeto de uma última avaliação. Da seleção feita, resultou um conjunto de seis textos sobre temáticas e proveniências muito diversas, incidente sobre problemas sociais que afetam em especial as mulheres. Da sua diversidade e relevância nos dá conta o texto de apresentação do dossier. Neste Editorial, incumbe-me dar conta, ainda que brevemente, do contexto em que este número da revista foi produzido e dos textos e outro material extra dossier.

Este número da ex æquo foi produzido ao longo dos três primeiros meses da crise pandémica da COVID-19, cujos impactos na comunidade académica e científica estão ainda por conhecer em profundidade. É sabido que nenhuma crise é neutra sob o ponto de vista de género, acarretando impactos diferenciados para diferentes tipos de pessoas em função do estatuto, reconhecimento e acesso a recursos de que dispõe. As especificidades desta crise e a experiência de crises anteriores permitem antecipar uma especial severidade dos impactos para as mulheres, também no contexto académico, tendo em conta a ‘ordem de género' vigente. Algumas análises instantâneas e testemunhos rapidamente divulgados durante estes meses, mas também os dados disponibilizados por várias diversas publicações relativos à prevalência de submissões de autoria feminina e masculina, apontam para uma significativa quebra de produtividade feminina. As medidas de contenção do coronavírus repercutiram-se especialmente na ambiguidade da posição social das mulheres, entre o público e o privado, entre a casa e a universidade, entre o trabalho do cuidado e o trabalho académico. O confinamento tornou mais penosa a negociação entre público e privado, sobre a qual se organizam as carreiras. As académicas mães, em especial as que compõem famílias monoparentais, estão entre as que mais se ressentem do confinamento e do isolamento social. O mesmo se diga das que ocupam posições de grande precariedade.

Outro impacto da crise pandémica fez-se sentir no trabalho de investigação, interrompido por via da impossibilidade de acesso ao terreno de investigação (laboratórios ou comunidades humanas) e as dificuldades acrescidas para manter o «normal» funcionamento em regime de teletrabalho (num contexto de condições sociais excecionais, exacerbadas pelos desafios emocionais inerentes à pandemia). Temos todos os motivos para pensar que as mulheres foram as mais afetadas pela situação: ocupando, em geral, as posições de maior precariedade e de menor estatuto, são elas que mais frequentemente sentem as dificuldades e stress associados à gestão do tempo, do home office em que há constantes interrupções por atividades de cuidado (de crianças ou outras pessoas dependentes) ou, ainda, que são sobrecarregadas com tarefas de care of academic family, na expressão de Guarino e Borden (2017), ou seja, com tarefas administrativas, de envolvimento de públicos, tutorias, gestão de cursos, etc.

Pensando, nas ciências sociais, em particular, é para nós claro que as metodologias qualitativas, que implicam um grande envolvimento com participantes nas pesquisas, estão a ser, sem dúvida, particularmente relegadas para segundo plano, mesmo quando se tenta ultrapassar a situação de distanciamento físico e social, com recurso a tecnologias. Ora, as metodologias qualitativas são um pilar fundamental dos Estudos sobre as Mulheres, dos Estudos de Género e dos Estudos Feministas. Os textos incluídos no dossier deste número da ex æquo são mais uma demonstração dessa afirmação.

Na secção de Estudos e Ensaios, voltamos a encontrar metodologias qualitativas (análise do discurso e entrevistas semiestruturadas), mas também as quantitativas. Concretizando, Sonia Núñez Puente e Diana Fernández Romero analisam «La misoginia popular como contramovimiento: estudio de la resemiotización y los discursos manipulativos como desafíos contra el feminismo». Com base em três estudos de caso, desconstroem os discursos de partidos de direita, como o VOX, em Espanha, que se baseiam em quadros interpretativos vinculados a conceitos como «ideologia de género» ou «feminazi». É um contributo muito relevante para a compreensão de discursos cada vez mais presentes na política.

Ainda em Espanha, Raúl Payá Castiblanque denuncia a «La invisibilidad normativa de los riesgos psicosociales que afectan a las mujeres trabajadoras. El caso español en perspectiva europea». Com efeito, o autor mostra como a subestimação dos riscos psicossociais afetam sobretudo as mulheres trabalhadoras.

Os dois textos que se seguem incidem sobre a realidade portuguesa: Rita Pinto e Alexandra Oliveira enfatizam a importância das visitas íntimas para a adaptação das mulheres à prisão no texto sobre «Reclusão feminina: As implicações da visita íntima na adaptação à prisão»; e Filipa César, Alexandra Oliveira e Anne Marie Fontaine, na sua análise sobre «Mães cuidadoras, pais imperfeitos: Diferenças de género numa revista portuguesa para mães e pais» ajudam-nos a ter uma leitura mais fina de uma revista de grande difusão nacional – a Pais & Filhos – que evidencia fortes marcas de ambivalência num discurso que, apesar de apelar a modelos de paternidade mais partilhados, continua a chamar a atenção para as exigências do papel que incumbe às mães como «principal e insubstituível cuidadora », reforçando desse modo uma clara diferenciação de género.

No último artigo incluído neste número, Ana R. Pinho, Liliana Rodrigues e Conceição Nogueira ensaiam uma desconstrução da parentalidade em homens trans* que engravidam no texto que intitularam «(Des)Construção da parentalidade trans*: Homens que Engravidam». A revisão teórica que fizeram expõe as múltiplas questões que a situação destas pessoas suscita e a pouca resposta que encontram nas nossas sociedades dominadas pela heteronormatividade.

A secção de Recensões, por fim, convida-nos a acompanhar de perto as leituras que a Adriana Bebiano, a Elizângela Costa de Carvalho Noronha e o Tiago Rolino fizeram, respetivamente, das coletâneas editadas por Yvette Taylor e Kinneret Lahad, sobre Feeling Academic in the Neoliberal University – Feminist Flights, Fights and Failures, por María José Gámez Fuentes, Sonia Núñez Puente e Emma Gómez sobre Re-writing Women as Victims: From Theory to Practice, e, ainda, a obra de Adriana Ramos de Mello, sobre Feminicídio: uma análise sociojurídica da violência contra a mulher no Brasil. Todas constituem excelentes e oportunas sugestões de leitura.

A ex æquo continua a tentar ser um pilar de apoio ao aprofundamento e à visibilização dos Estudos sobre as Mulheres, de Género e Feministas. O objetivo é destacar a importância de manter a igualdade de género na agenda dos nossos locais de trabalho e nas nossas organizações, bem como na preparação de respostas das políticas públicas, em situação de crise pandémica ou não.

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