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Ex aequo

versão impressa ISSN 0874-5560

Ex aequo  no.43 Lisboa jun. 2021  Epub 30-Jun-2021

https://doi.org/10.22355/exaequo.2021.43.14 

Recensões

Recensão: Bisexuality in Europe: Sexual Citizenship, Romantic Relationships, and Bi+ Identities1

1 Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-IUL, Cis-IUL, 1600-078 Lisboa, Portugal.

2 Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, 3000-995 Coimbra, Portugal. Email: mafaldaesteves@ces.uc.pt

Maliepaard, Emiel; Baumgartner, Renate. (orgs.)., Bisexuality in Europe: Sexual Citizenship, Romantic Relationships, and Bi+ Identities. ., London: :, Routledge, ,, 2020. ,, 222 ppp. . ISBN, ISBN: 9780367409227. .


O presente livro, organizado por Emiel Maliepaard e Renate Baumgartner e publicado recentemente em 2020 pela editora Routledge, é a resposta a um convite lançado pelos editores a um conjunto de investigadoras/es que se debruçam sobre a investigação no tema da(s) bissexualidade(s). As contribuições que encontramos nesta obra são sobretudo na área dos estudos das sexualidades críticas, que muito tem contribuído para a fundação e desenvolvimento dos designados Estudos das Bissexualidades no contexto europeu. Esta obra revela-se de suma importância para pensar a partir das margens (epistemológicas, teóricas, temáticas e disciplinares) que constituem o campo dos estudos de género e das sexualidades, abrindo ao desenvolvimento e reconfiguração do campo.

Dividido em três partes - “Cidadania Sexual”, “Relações Românticas” e “Identidades Bi+”-, a obra reúne contributos de investigadoras/es com trabalho desenvolvido em diferentes contextos geográficos europeus. Cada seção inclui 4 capítulos, encerrando com um capítulo de considerações finais.

No capítulo introdutório é apresentada a aproximação epistemológica e conceptual ao tema da bissexualidade, bem como os objetivos e estrutura do livro. Neste capítulo é apresentado o estado atual da investigação sobre bissexualidade e pessoas que desejam mais do que um sexo ou género na Europa. Segue-se uma discussão sobre a investigação europeia com incidência em três temas principais - cidadania sexual, relações românticas e identidades bi+ -, seguida de uma reflexão sobre a terminologia na investigação sobre bissexualidade. Maliepaard e Baumgartner sublinham a importância destes contributos para a investigação em bissexualidade a partir de diferentes contextos, admitindo, no entanto, a dificuldade em conhecer na íntegra a investigação sobre bissexualidade na Europa, visto que as/os académicas/os publicam nas suas próprias línguas. Apesar disso, resulta evidente que a maioria do trabalho em bissexualidade tem sido conduzido a partir do Reino Unido, sugerindo uma maior institucionalização da investigação sobre bissexualidade nesse país (Maliepaard, 2018).

Iniciada a primeira seção, no segundo capítulo, Zeynab Peyghambarzadeh reflete sobre a cidadania sexual a partir de um debate sobre a posicionalidade da bissexualidade no contexto dos procedimentos de conceção de asilo e a invisibilidade que lhe é subjacente enquanto identidade sexual, centrando-se para tal tanto no contexto europeu, como no contexto canadiano.

Em vez de o foco incidir na relação entre o sujeito sexualizado e o Estado, o capítulo 3 centra-se na relação entre sujeito sexualizado e a sociedade. Emiel Maliepaard, a partir das experiências dos ativistas bissexuais na Holanda desde a década de 1990, discute os desenvolvimentos históricos, a organização das comunidades (e riscos do seu colapso) e o modo como as pessoas bissexuais aceitam, resistem ou veem impostos habitus específicos.

No quarto capítulo, Carol Shepard contribui com uma discussão teórica sobre as razões pelas quais os sujeitos bissexuais são regularmente ignorados das comunidades cristãs pela Europa. Fatores como a opressão horizontal, ignorância sobre a bissexualidade e a presença de erotofobia e da supremacia da “santíssima conjugalidade” (sancticity of coupledom), acarretam implicações em termos de saúde mental junto dos membros jovens destas comunidades.

Christian Klesse é o autor do quinto capítulo, trazendo uma reflexão teórica sobre a relação entre o pensamento bifeminista e a não-monogamia desde a década de 1970. Partindo de textos chave de vozes feministas do ativismo bissexual, Klesse evidencia a autonomia (sobretudo erótica) como um dos argumentos a favor de uma bissexualidade não monogâmica e destaca o distanciamento entre pensamento bifeministas e pensamento produzido por feministas lésbicas.

A segunda seção está focada nas “relações românticas”. Annukka Lahti, influenciada pelos trabalhos de Deleuze e Guattari, analisa as identidades e relações bissexuais como emergentes em assemblages, entre corpos humanos e não humanos, e não como realidades fixas. Além disso, Lahti abre um novo campo de investigação com um enfoque nas interações entre as pessoas bissexuais, sua(s) companheira/o(s) e suas relações sociais, para dar sentido às experiências vividas por pessoas bissexuais na Finlândia.

Segue-se o capítulo de Sarah Jane Daly, que explora a relação entre mulheres bissexuais e monogamia. Este contributo discute a interseção entre a literatura empírica e teórica, antes de chamar a atenção para a invisibilidade da bissexualidade nas relações monogâmicas.

No capítulo oito, Renate Baumgartner explora as experiências das mulheres bissexuais que vivem relações não-monogâmicas na Áustria. Para isso, centra-se na compreensão da posição da bissexualidade no contexto das relações românticas. A centralidade da bi-negatividade (de ex-companheiros/as ou internalizada) que é discutida neste texto lança pistas sobre os impactos dos estereótipos em torno da bissexualidade nas escolhas relacionais, negociações e experiências. Também a agência na escolha das relações não monogâmicas é explorada no capítulo.

Nicole Braida, no capítulo nove, discute a interseção entre bissexualidade e não-monogamia nas vidas de pessoas em Itália que se identificam com a plurissexualidade. Partindo de trabalho empírico, a autora reflete sobre a interseção entre bissexualidade e não monogamia, salientando o modo como a binormatividade e a polinormatividade é negociada no quotidiano das vidas sexuais e românticas.

A terceira seção abre com o capítulo 10, onde Robin Rose Breetveld parte de uma abordagem epistemológica em torno das identidades bissexuais e suas experiências. O conceito de injustiça epistémica é introduzido na teorização sobre bissexualidade, onde a difícil posição da bissexualidade é denunciada e onde é possível identificar o apagamento dentro dos discursos de sexualidade existentes.

No capítulo 11, Jenny Kangasvuo apresenta o desenvolvimento da compreensão histórica da bissexualidade e da identidade bissexual na Finlândia e países vizinhos ao focar-se em políticas, publicações populares e experiências de indivíduos bissexuais.

Seguidamente, Nikki Hayfield faz uma análise da existência de investigação em Psicologia Social a nível internacional centrada no reconhecimento dos indivíduos bissexuais e pansexuais. Hayfield discute como os homens gays são vistos como efeminados e as mulheres lésbicas como masculinizadas perguntando-se, partindo da pesquisa experimental existente, se os indivíduos bissexuais e pansexuais serão reconhecidos com base na sua aparência ou identidade visual e se, à semelhança de um gaydar, haverá a existência de um bidar ou um pandar.

A seção encerra com contributos teóricos por Emiel Maliepaard e Renate Baumgartnen onde é apresentado o atual panorama da investigação em bissexualidade na Europa, ao mesmo tempo que são identificados um conjunto de desafios e oportunidades para a investigação futura. Em concreto, é feito um apelo ao estudo e teorização académica que permita a legitimação da bissexualidade enquanto tema relevante de investigação. Para isso é preciso considerar as diferentes realidades que as pessoas bissexuais apresentam. Por outro lado, existe a necessidade de superar aquilo que designam de estudos reparativos, procurando explorar as experiências das pessoas bissexuais e outras plurissexuais que favoreçam maior envolvimento nas teorias sociais existentes, demonstrando contribuições teóricas para pensar a partir do lugar das bissexualidades.

Com esta variedade de contribuições, este livro oferece uma visão global de um conjunto de tópicos relacionados com a bissexualidade que, enquanto conceito teórico, tem sido imaginado de muitas formas. Traz igualmente vozes que contrariam a produção anglo-saxónica e norte-americana que domina a investigação e a teorização da bissexualidade e das vidas das pessoas que desejam mais do que um sexo ou género, valorizando e tornando acessíveis trabalhos produzidos na Europa, vindos de contextos descartados com frequência por serem considerados periféricos.

Apesar do inquestionável contributo deste livro, o tema do bem-estar psicossocial na bissexualidade encontra-se relativamente ausente, parecendo-me essencial que se continue a discuti-lo em relação aos aspetos ligados à orientação sexual, práticas sexuais e sexualidade. Aprofundar os temas ligados ao bem-estar desde uma vertente psicossocial potenciará a institucionalização de práticas promotoras de diversidade, que beneficiará as pessoas bissexuais e terá expressão nos diferentes domínios da vida em sociedade.

Este livro merece toda a nossa atenção. Ao denunciar a ausência de investigação sobre bissexualidade no campo de estudos das sexualidades, bem como ao nível das ciências sociais, responde ao apelo lançado por Monro e Hines (2017), e mostra-nos, uma vez mais, a importância de continuar a pensar o modo como a heteronormatividade e a mononormatividade continuam presentes no controlo e regulação dos corpos e das intimidades. Em suma, as reflexões reunidas nesta obra dão um contributo fundamental para a produção científica, ao mesmo tempo que se constituem como ferramentas para informar as políticas públicas, beneficiando não somente as pessoas bissexuais, como a sociedade em geral, visando um mundo mais diverso, livre e inclusivo.

Nota: Este livro encontra-se disponível em acesso aberto no formato de e-book.

Referências

Maliepaard, Emiel. 2018. “Disclosing bisexuality or coming out? Two different realities for bisexual people in the Netherlands”. Journal of Bisexuality, 18(2), 145-67. DOI: https://doi.org/10.1080/15299716.2018.1452816 [ Links ]

Maliepaard, Emiel e Renate Baumgartner (orgs.). Bisexuality in Europe: Sexual Citizenship, Romantic Relationships, and Bi+ Identities. London: Routledge, 2020. DOI: https://doi.org/10.4324/9780367809881 [ Links ]

Monro, Surya, Hines, Sally, and Osborne, Antony. 2017. “Is bisexuality invisible? A review of sexualities scholarship 1970-2015”. The Sociological Review, 65(4), 663-681. DOI: https://doi.org/10.1177/0038026117695488 [ Links ]

1Esta recensão foi parcialmente tornada possível através do financiamento decorrente do projeto “Diversidade e Infância: transformar atitudes face à diversidade de género na infância no contexto europeu” (2019-2021), financiado pelo Programa Direitos, Igualdade e Cidadania (2014-2020), da União Europeia sob o acordo nº 856680.

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