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Ex aequo

versão impressa ISSN 0874-5560

Ex aequo  no.44 Lisboa dez. 2021  Epub 31-Dez-2021

 

Recensões

Recensão: Feminist Media Studies

1 Universidade de Coimbra/ICNOVA, Doutoranda em Ciências da Comunicação. Email: bibianagarcezs@gmail.com

Feminist Media Studies. , de, Harvey, Alison. ., Cambridge: :, Polity Press, ,, 2020. ,, 211p. pp.


Em um cenário em que se vive na mídia, sendo esta central ou transversal a diversos aspectos da vida, das nossas subjetividades e práticas (Deuze 2011), e em que as transformações são constantes e cada vez mais velozes, ter uma perspectiva feminista nos estudos midiáticos faz-se mais do que relevante - é, com efeito, imprescindível. Em Feminist Media Studies (2020), livro publicado pela Polity Press, Alison Harvey cumpre com uma importante tarefa neste sentido, a de apresentar, atualizar e problematizar concepções do amplo campo de estudos feministas da mídia, atentando-se não apenas para os avanços (aparentemente) positivos, mas também para uma continuidade histórica de profunda exclusão e marginalização das mulheres e de outros grupos oprimidos.

Inspirada no pioneiro livro de igual título de Liesbet van Zoonen (1994), produzido em uma conjuntura visivelmente distinta da atual, a autora elabora uma obra abrangente, que serve para introduzir e contextualizar novas/os pesquisadoras/es na área, ao mesmo tempo que atualiza quem já aqui pesquisa com novas e diversificadas referências. Indo além das afirmações de que, neste momento, o acesso, a participação e a visibilidade das mulheres na mídia estão democratizados de forma absoluta, muito em razão da tecnologia, Feminist Media Studies promove um olhar atento, crítico e interseccional na produção de conhecimento acadêmico em relação à mídia. Assim, ilumina caminhos possíveis na investigação e demonstra não apenas a versatilidade deste campo, mas também a sua importância.

Organizada em sete capítulos, focados em conceitos e contextos iniciais, metodologias feministas de investigação, representação, estudos transnacionais, estudos da esfera digital, do trabalho e o futuro do campo, a obra olha para a mídia de forma ampla, principalmente como indústria cultural e como plataforma, trazendo de maneira transversal a ideia de interseccionalidade, de forma a destacar a maneira insidiosa em que as diferentes opressões se podem cruzar.

É no primeiro capítulo, introdutório, que são apresentados conceitos necessários para o mergulho nos estudos feministas da mídia, demonstrando, como referido anteriormente, como a obra serve para pessoas que estão adentrando o campo. Neste sentido, esta revisão faz a leitura mais coesa, pautando, por exemplo, os conceitos de gênero e de feminismos utilizados, as linhas teóricas proeminentes e duas perspectivas que são centrais à obra e aos estudos da área atualmente - a atenção à interseccionalidade e ao pós-feminismo. Há uma importante clarificação deste último conceito, inicialmente trabalhado por Rosalind Gill (2007), e entendido como uma “sensibility with several interrelated themes in media and culture” (Harvey 2020, p. 26). Importa referir, entretanto, que este fenômeno é também discutido sob outros termos (ver Banet-Weiser et al. 2020).

No segundo capítulo do livro, a autora mapeia diferentes abordagens metodológicas possíveis - ainda que não as esgote - para a investigação feminista da mídia. Mostrando a abertura a diferentes formas de se olhar para os objetos e sujeitos estudados, a autora explora a crítica feminista da mídia baseada em textos, a crítica feminista da cultura midiática, assim como a pesquisa sobre a ação feminista midiática e, por fim, a ação feminista na mídia em si mesma. Uma riqueza é a forma didática como explica conceitos centrais a cada metodologia referida, assim como exemplos de aplicações realizadas nos últimos anos.

Ainda nesta mesma seção aborda-se a ética feminista na investigação acadêmica, baseada em três critérios/práticas centrais: iteração, reflexividade e localização (situatedness). Reger-se por estas práticas na realização de pesquisas acadêmicas reitera a impossibilidade de manter uma postura “neutra e objetiva” e possibilita caminhos para garantir resultados válidos, justos e éticos a partir dos nossos próprios lugares, inobliteráveis. Essas ideias voltam a ser lembradas ao longo dos demais capítulos, pensando na posição da própria autora na construção do livro.

O terceiro capítulo versa sobre as dinâmicas de representação sob uma perspectiva feminista, sendo a representação entendida não só como “presence and visibility, but also [...] the range (or lack thereof) of stories, dialogue, and lives that marginalized and oppressed groups are assigned in the media” (p. 54). Problematizando a ideia de que as mulheres estão libertas da opressão sexista por terem mais visibilidade nos conteúdos de produção midiática, o texto discorre sobre as dinâmicas de visibilidade e voz com uma perspectiva interseccional e inserida em um contexto neoliberal.

A seguir, na seção intitulada “Transnational Feminist Media Studies”, enfoca-se a produção intelectual do campo no Sul global, sublinhando de maneira constante a necessidade de descolonizar a investigação acadêmica, de maneira geral, e feminista. Segundo a autora, essa descolonização “refers to the act of addressing and dismantling the effects of colonialism on our practices of knowledge production. This aim […] is not peripheral but fundamental to feminist aims of equity and justice” (p. 75).

Entre as práticas adotadas neste processo, destacamos a reflexão acerca das citações como uma atividade também política. Isto é dizer, em suma, que as referências utilizadas também carregam uma escolha e um peso em si próprias. A busca ativa por bibliografia de localizações geográficas e/ou sociais marginalizadas pode trazer novas e emancipadoras perspectivas para a pesquisa e, com efeito, verifica-se que esta é uma prática presente ao longo da obra como um todo. Muitos dos estudos mencionados descentram-se do Norte global - especialmente Europa e Estados Unidos -, o que demonstra a maneira como uma política de citação mais ampla e emancipadora, atenta a outras localidades, seus contextos e histórias pode ser colocada em prática.

O quinto capítulo foca-se nas dinâmicas digitais e nas “implications of the growth of digital media for the field, considering issues that arise based on shifts in how some parts of the world interact with media as well as in how we envision the power of these forms for resistance, action, and change” (p. 97). Neste ponto, questões centrais são a importância e o impacto da conectividade e sua popularização em relação às mulheres, mas ainda considerando que a área da tecnologia foi socialmente construída como um espaço masculino, do qual inclusive a memória de mulheres foi apagada, e que questões materiais de (falta de) acesso à Internet moldam também essa realidade, que não é universal. Dessa maneira, destaca-se, por exemplo que o ativismo nas redes sociais não pode ser a única forma de emancipação, ainda que traga ganhos, como a construção de redes, a visibilidade - que nem sempre é positiva - e relações de afeto. É, de fato, preciso pensar o online e o offline de forma conjugada, uma vez que não são, na prática, separáveis.

Em forma de considerações finais, no último capítulo a autora dialoga com o futuro do campo, apontando caminhos e pautando a construção de pesquisas a partir de uma lógica de continuidade no espectro da mídia, e não de forma a pensar cada caso, meio ou plataforma como isolada, sempre com uma perspectiva interseccional como forma de “combater opressões multifacetadas”.

De maneira geral, o livro consegue promover diálogos entre os variados pontos trabalhados em cada um dos capítulos tendo essa premissa, que vem sendo amplamente trabalhada na teorização feminista e não só, como estruturante das análises necessárias. Para mais, o faz somando com insights de outras áreas de pesquisa. Com efeito, é a partir dessa trans/interdisciplinaridade que a autora argumenta que devemos avançar, buscando um

further engagement with existing and developing scholarship in critical race studies, queer theory, critical disability studies, postcolonial theory, and a range of complementary fields related to social justice. Only by engaging with the insights afforded by this interdisciplinary and international work can we address the myriad, multifaceted, and global intersectional challenges facing women today. (p. 146)

“Because we believe, with all our hearts/minds/bodies, that progressive change is necessary, that progressive change is possible, and that feminist media critics constitute a revolutionary force that transforms academia and popular culture - for real”, como diz o manifesto pela crítica feminista da mídia de Mary Celeste Kearney (2012, citada por Harvey 2020, p. 148), reproduzido integralmente ao final do livro, esta obra serve para explicar, fundamentar e pavimentar caminhos necessários, através de reflexões importantes e da apresentação de ferramentas metodológicas e conceituais úteis, para futuras, mais profundas e emancipadoras explorações do campo.

Referências bibiográficas

Banet-Weiser, Sarah, Rosalind Gill, e Catherine Rottenberg. 2020. “Postfeminism, popular feminism and neoliberal feminism? Sarah Banet-Weiser, Rosalind Gill and Catherine Rottenberg in conversation.” Feminist Theory 21(1): 3-24. DOI: https://doi.org/10.1177/1464700119842555 [ Links ]

Deuze, Mark. 2011. “Media life.” Media, Culture and Society 33(1): 137-148. DOI: https://doi.org/10.1177/0163443710386518. [ Links ]

Gill, Rosalind. 2007. “Postfeminist media culture: Elements of a sensibility.” European Journal of Cultural Studies 10(2): 147-166. DOI: https://doi.org/10.1177/1367549407075898 [ Links ]

van Zoonen, Liesbet. 1994. Feminist Media Studies. London: SAGE Publications. [ Links ]

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