SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número47O passado como sonho em vigília: literatura testemunhal femininaIntervenções artísticas feministas e memória cultural acerca da epidemia do feminicídio nas Américas índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Ex aequo

versão impressa ISSN 0874-5560

Ex aequo  no.47 Lisboa jun. 2023

https://doi.org/10.22355/exaequo.2023.47.09 

Dossier

Autoria em Margot Dias pela lente revivescente da pós-memória

Authorship in Margot Dias Through the Reviving Lens of Post-memory

La autoría en Margot Dias a través de la lente reviviente de la postmemoria

Viviane Almeida*  , Concetualização, investigação, desenho da metodologia, redação do rascunho inicial, incluindo traduções, revisão do texto, captação de imagens
http://orcid.org/0000-0002-3779-4890

Renata Flaiban Zanete**  , Concetualização, investigação, desenho da metodologia, redação do rascunho original, revisão do texto, edição de imagens no texto final
http://orcid.org/0000-0002-5241-7823

Lurdes Macedo***  , Concetualização, investigação, orientação metodológica da investigação, revisão crítica do texto e imagens e reescrita de partes do rascunho original
http://orcid.org/0000-0002-1577-1313

*Núcleo de Estudos Transculturais (NETCult), Centro de Estudos Humanísticos da Universidade do Minho (CEHUM), Braga, Portugal. Endereço postal: Escola de Letras, Artes e Ciências Humanas - Universidade do Minho - Campus de Gualtar, 4710-057 Braga, Portugal. Endereço eletrónico: v_de_almeida@hotmail.com

**Grupo de Investigação em Género, Artes e Estudos Pós-coloniais (GAPS), Centro de Estudos Humanísticos da Universidade do Minho (CEHUM), Braga, Portugal. Endereço postal: Escola de Letras, Artes e Ciências Humanas - Universidade do Minho - Campus de Gualtar, 4710-057 Braga, Portugal. Endereço eletrónico: renaflai@gmail.com

***Universidade Lusófona, Centro Universitário do Porto, Centro de Investigação em Comunicação Aplicada, Cultura e Novas Tecnologias (CICANT), Porto, Portugal. Endereço postal: Rua Augusto Rosa, 24, 4000-098 Porto, Portugal. Endereço eletrónico: lurdes.macedo@ulusofona.pt


Resumo

Este artigo procura ensaiar a hipótese de a autoria de Margot Dias (1908-2001), etnóloga autodidata e precursora, em Portugal, do uso do filme etnográfico na investigação antropológica, ser de maior dimensão do que tem vindo a ser reconhecida. Ao ser trazida à luz pelos trabalhos da antropóloga e cineasta Catarina Alves Costa (n. 1967), a obra em nome próprio desta etnóloga revela-se autónoma em relação à do seu marido, o antropólogo Jorge Dias (1907-1973). A relação estabelecida entre as duas mulheres, já no final da vida de Margot Dias, bem como a metodologia aplicada no trabalho que desenvolveram juntas, apontam para que o contributo de Catarina A. Costa seja entendido à luz de um processo de constituição de pós-memória.

Palavras-chave: Autoria feminina; Margot Dias; Catarina Alves Costa; filme etnográfico; pós-memória

Abstract

This article seeks to test the hypothesis that the body of work authored by Margot Dias (1908-2001), a self-taught ethnologist who was a pioneer in the use of ethnographic film in anthropological research in Portugal, is more extensive than has been recognised. Brought to light by the work of the anthropologist and filmmaker Catarina Alves Costa (b. 1967), the work in Margot Dias’s own name reveals itself to be independent from that of her husband, anthropologist Jorge Dias (1907-1973). The relationship established between the two women towards the end of Margot Dias's life, as well as the methodology used in the work they developed together, suggest that Catarina A. Costa's contribution can be understood in the light of a process of post-memory formation.

Keywords: Female authorship; Margot Dias; Catarina Alves Costa; ethnographic film; postmemory

Resumen

Este artículo intenta probar la hipótesis de que la autoría de Margot Dias (1908-2001), etnóloga autodidacta y precursora, en Portugal, del uso de la película etnográfica en la investigación antropológica, sea más extensa de lo que ha sido reconocido. Al sacarla a la luz por los trabajos de la antropóloga y cineasta Catarina Alves Costa (n. 1967), la obra en nombre proprio de Margot Dias se revela autónoma en relación con la de su marido, el antropólogo Jorge Dias (1907-1973). La relación establecida entre las dos mujeres, ya al final de la vida de Margot Dias, así como la metodología aplicada en el trabajo que desarrollaron juntas, indican que la contribución de Catarina A. Costa puede ser entendida a la luz de un proceso de constitución de la postmemoria.

Palabras clave: Autoría femenina; Margot Dias; Catarina Alves Costa; película etnográfica; postmemoria

Introdução: tirar da sombra, trazer à luz

A sombra do que se desconhece é sempre enorme.

Isabela Figueiredo, Caderno de memórias coloniais (2017, 202)

Fonte: Margot Dias (2016), Filmes etnográficos - DVD 01_5 - 02’39’’

Figura 1 Ao centro, a sombra de Margot Dias a filmar entre os macondes 

Este artigo tem por objetivo propor um debate crítico sobre os trabalhos que a antropóloga e cineasta Catarina Alves Costa1 (n. 1967) tem realizado em torno do legado de Margot Dias2 (1908-2001), etnóloga autodidata e precursora em Portugal da utilização do registo fílmico em pesquisas de campo.

A hipótese que colocamos é que, desde que reorganizou as imagens em movimento captadas por Margot3 durante as missões para o estudo dos Maconde4 de Moçambique, dirigidas pelo marido desta, o antropólogo Jorge Dias, entre 1957 e 1961, Catarina tem vindo a prestar, ao longo da sua trajetória científica e artística, um valioso contributo para a compreensão da autonomia dos trabalhos desta etnóloga. Assim, Catarina revela Margot como autora de maior dimensão do que até aqui foi reconhecido.

No documentário Margot5, realizado por Catarina, esta recorda que o primeiro encontro entre as duas se deu em 1996, quando tinham 88 e 29 anos, respetivamente. No dizer de Catarina, em voz off na película, Margot sentiu, nessa altura, que a jovem era uma “aprendiz de antropóloga”6; por sua vez, Catarina intuiu que a longeva etnóloga “tinha estado à espera que alguém interrogasse o seu trabalho”7. É a Catarina quem cabe o pioneirismo dessa interrogação, com a realização de muitas horas de entrevistas em que Margot desfia as suas memórias, fornecendo a matéria-prima para alguns dos trabalhos que a realizadora traria à luz cerca de duas décadas mais tarde: os filmes etnográficos compilados em DVD (2016), e a realização dos documentários Viagem aos Makonde de Moçambique (2019) e Margot (2022).

Por outras palavras, esta pesquisa8 pretende compreender de que forma o olhar de Catarina traz à luz a relevância da participação de Margot nas missões capitaneadas pelo marido, nas quais atuava como assistente, retirando da sombra a sua obra em nome próprio. Tal efeito decorre do modo como Margot e o seu legado são apresentados por Catarina e entendidos pelo público, no tempo presente, o qual se caracteriza por várias transições, sendo a que nos leva das teorias fundacionais do status quo eurocêntrico às novas abordagens da experiência humana com o prefixo pós aquela que nos interessa.

Primeiro, os trabalhos de Margot foram desenvolvidos sob o ideário da política colonial, no âmbito da Missão de Estudos das Minorias Étnicas do Ultramar Português9. Assim, abordar as relações entre observar e ser observado, sob o olhar pretensamente neutro de etnólogos europeus diante de culturas tradicionais africanas - quando os movimentos de libertação de Moçambique começavam a emergir - remete as questões coloniais para a lente da crítica pós-colonial. Sobre o prefixo pós no pós-colonialismo, esclarece José António Dias (2006, 323) que o mesmo “indica não uma divisão temporal, histórica, mas antes uma crítica das estruturas hierárquicas de poder do colonialismo”. Deste modo, o pós-colonialismo, ao analisar criticamente a forma como as consequências do colonialismo são coletivamente partilhadas pelas sociedades que o viveram (McMillin 2009), constitui-se como instância alternativa de reflexão e de produção de conhecimento sobre o passado e o presente.

Segundo, os trabalhos de Catarina resultam de um processo de investigação e criação que interpela a memória. Assim, abordar as relações entre recordar e ser recordado, sob o olhar de uma antropóloga pertencente à geração dos netos de Margot, e que com ela estabeleceu uma relação de proximidade - visando uma experiência marcante, vivida em Moçambique, no período pré-guerra colonial - submete as questões recordadas à lente revivescente da pós-memória. Proposto por Hirsch (2008), o conceito de pós-memória refere-se à relação mnésica que as pessoas estabelecem com experiências traumáticas, vividas por entes significativos, num tempo anterior ao seu nascimento. Relatadas de forma sentida na primeira pessoa, essas experiências passam a constituir memórias dos que as escutam, a partir de um “sentido de conexão viva”10 (Hirsch 2008, 104), tornando-se estes os seus guardiões. Procurando expandir o sentido deste processo de transmissão, Sarlo reflete sobre a “memória de segunda geração” admitindo também outros factos abrigados “na rememoração da experiência” (2007, 18). Vecchi (2020, 3) valida esta proposta, reconhecendo que há que atender ao “problema mais amplo e universal da salvação de passados incómodos e ameaçados”.

Não surpreende que Ribeiro (2019, 7) postule a complexidade da constituição da pós-memória, pois esta não se baseia “numa simples transmissão, antes implica um posicionamento activo […] de membros de uma segunda geração”, dependendo “da capacidade e da disponibilidade dos sujeitos para se envolverem aprofundadamente num processo de construção” (Ribeiro 2022, 14). Com efeito, a transmissão acontece igualmente na memória coletiva, na memória cultural ou na memória geracional. Todavia, a problematização que Paez e Liu (2011) fazem destes conceitos sugere a ausência do “posicionamento ativo” e do “processo de construção”, já que estes se referem a experiências que reforçam os valores culturais dominantes.

Também Khan (2016, 363) defende uma pós-memória que vá para além da partilha espontânea de experiências entre gerações. Segundo a autora, a pós-memória efetiva-se ao trazer à tona memórias guardadas no espaço da intimidade, a partir do estabelecimento de relações de confiança, da “vontade de resgatar silêncios [...] e de resistir salutarmente ao esquecimento”.

Deste modo, propomos que o contributo de Catarina para a compreensão do legado de Margot seja entendido à luz de um processo de pós-memória. As memórias transmitidas por Margot a Catarina não se confinam ao espaço/tempo da relação entre ambas; são sobretudo matéria para a obra que a antropóloga e cineasta desenvolveu a partir de um posicionamento e da sua capacidade e disponibilidade para a construir. Ao abordar o trabalho de Margot sob a lente da crítica pós-colonial, Catarina também “procura o olhar da outra realizadora, que conheceu no fim da sua vida”11, usando a lente da pós-memória.

Para ensaio da nossa hipótese, reunimos toda a informação à qual tivemos acesso e que nos sugeriu, desde logo, uma abordagem multimétodo com recurso a técnicas de análise qualitativa. A revisão de literatura compreendeu vários tipos de escritos de e sobre Margot e Jorge Dias e Catarina Alves Costa: trabalhos científicos, recortes de imprensa, sinopses, notas de intenções, e a brochura que acompanha a coleção de DVDs (fundamental para o aprofundamento do conceito de antropologia visual e para entender a obra de Margot). O visionamento interpretativo de audiovisuais incluiu os filmes etnográficos realizados por Margot, bem como a entrevista12 que concedeu a Catarina e a Joaquim Pais de Brito, à época diretor do Museu Nacional de Etnologia (MNE), incluída nos DVDs; Viagem aos Makonde de Moçambique, numa sessão do projeto Cultures, Past & Present13 (com a presença e comentários da realizadora), bem como o mais recente Margot e seu trailer. A visita ao MNE para observar criticamente o acervo relacionado com o trabalho desta etnóloga fez também parte da metodologia. Por fim, analisámos outros suportes de comunicação da obra fílmica de Catarina, como cartazes e capas de DVDs.

Apresentamos de seguida os principais aspetos que concorrem para o ensaio da nossa hipótese.

Margot Dias: de pianista a etnóloga autodidata entre os Macondes

O que sempre desejei não está lá escrito porque os desejos da mulher não podem existir.

Paulina Chiziane, Ventos do Apocalipse (2021, 271-272)

Margot Schmidt, alemã, era pianista quando conheceu Jorge Dias, português, antropólogo e professor, a lecionar língua portuguesa na Alemanha, no fim da década de 1930. Casaram-se em 1940. Margot interessava-se por etnologia, assinando revistas especializadas. De acordo com West (2006), terá sido ela quem sugeriu ao marido esta área de estudos, como possibilidade de conciliação entre o prazer de conhecer culturas tradicionais e o exercício de uma profissão académica. Em 1944, já com dois filhos, decidem viver em Portugal. Numa afirmação sobre o contexto do país que encontrou, Margot revela: “As mulheres iam coser as meias e cozinhar e eu não queria”14.

Segundo Lupi (1984), a até então pianista começa a fazer a sua transição profissional em 1947, com a admissão no Centro de Estudos de Etnologia Peninsular, como coletora musical, aí permanecendo dez anos. Para isso, teve de ler e estudar por conta própria. Nas suas palavras, na condição de autodidata “tem que se pensar muito mais, para perceber […] eu tenho pensar próprio”15. A sua paixão pela etnologia é explicitada nesta afirmação: “é muito forte esta impressão de estar com pessoas de uma outra cultura, tentar percebê-los” (Costa 2016, 16).

Em 1957 integrou o quadro da Junta de Investigação do Ultramar, sendo efetivada como primeira assistente, já na MEMEUP, em 1958. É nessa circunstância que acompanha Jorge Dias, responsável por dirigir, entre 1957 e 1961, três missões em Moçambique, com foco no Planalto de Mueda16. Na entrevista, Margot confidencia: “O António17 não queria que eu entrasse na Missão. Foi o Adriano Moreira18 que insistiu”19.

Na primeira expedição, em 1957, não levaram câmara de filmar porque, na visão de Jorge Dias, para além de dispendiosa, era desnecessária. Foi por insistência de Margot que, em 1958, houve verba para a adquirir. Os filmes etnográficos são um registo da vida do povo Maconde: as sociabilidades, os rituais, as artes, as tecnologias, e a construção de instrumentos musicais, como os lamelofones.

As expedições geraram quatro monografias sob o título Os Macondes de Moçambique. O volume I é dedicado a “Aspectos Históricos e Económicos”; o volume II refere-se à “Cultura Material”; o volume III presta atenção à “Vida Social e Ritual”; e, por fim, o volume IV revela a “Sabedoria, Língua, Literatura e Jogos”. Margot é coautora, com o marido, dos volumes II e III. Pelo volume II, receberam o Prémio Gago Coutinho e pelo volume III foram galardoados com o Prémio Abílio Lopes do Rego (Lupi 1984, 411). O volume V, sobre escultura e música, especialidades de Margot, nunca foi editado.

Fonte: Margot Dias (2016), Filmes etnográficos - DVD 01_5 - 00’18’’

Figura 2 Caderno cuja identificação revela a preparação do volume V, com a caligrafia de Margot Dias 

Margot fez sozinha a viagem ao Planalto, em 1961, para concluir o estudo para este volume. Para além desta pesquisa, sabe-se que realizou outras sozinha como, em 1959, sobre os Chopes, em Gaza. Após o término das missões, em 1962, Margot foi elevada à categoria de investigadora no Centro de Estudos de Antropologia Cultural.

Os filmes de Margot são exibidos atualmente como objetos curatoriais no MNE, todavia sem a contextualização que permita entender quem foi a sua realizadora, o que representaram à época e o que podem significar nos dias de hoje20. Sarmento e Martins notam também que nas fichas de catalogação das amostras de produtos usados pelos Maconde, expostas no MNE, “pode-se ler que [...] foram recolhidas por Margot Dias, que o visitante mais incauto não sabe quem é” (2020, 26).

Margot Dias para além de Jorge Dias

… se a mulher pretende um reconhecimento igual ao do seu parceiro masculino deve trabalhar duas ou três vezes mais.

Paulina Chiziane, “Eu, mulher… por uma nova visão do mundo” (2013, 203)

Jorge Dias é reconhecido por vários autores (Lupi 1984; West 2006; Leal 2016) como o etnólogo português de maior renome internacional. Foi também o grande impulsionador da criação do MNE, em 1965, tendo sido, em conjunto com os investigadores das missões21, responsável pela recolha do seu extenso acervo de cultura material. No seu “pensar próprio”, Margot problematizava: “A inexistência de museus de Etnologia pode ter sido uma das causas da falta de respeito pelas culturas africanas” (Dias 1990, 9).

Sobre o casal Dias, Sanches esclarece que Margot viveria à sombra do seu marido, fornecendo-lhe apoio de forma constante “como seria de esperar em tempos de defesa da divisão de papéis de género” (2017, 714), o que também justifica a sua presença nos espaços de intimidade das mulheres Maconde, inacessíveis aos restantes investigadores. Margot observava que os rituais de puberdade femininos funcionavam para as mulheres como “uma espécie de vingança do autodomínio a que têm de sujeitar-se na vida quotidiana, no convívio com os homens e no respeito pelo costume” (Dias e Dias 1970, 229). Através das mais variadas expressões, como a dança e o canto, em momentos de convívio e diversão, elas “procuravam evidentemente desforrar-se” (Dias e Dias 1970, 233). O olhar de Margot apresenta-se, assim, como fundamental para conhecermos a condição da mulher Maconde.

Margot, como artista, teria uma visão mais ampla da realidade do Planalto do que a dos demais investigadores. O olhar de Margot, “emotivo e cúmplice”22, captava as centelhas das transformações que já se pressentiam naquele território. Em Margot, a etnóloga recorda o cuidado com que foi tratada em 1961, quando lá regressou sozinha: os macondes evitaram falar-lhe sobre o massacre de Mueda23, ocorrido no ano anterior, para não comprometer a relação que haviam construído.

A indissociação do trabalho de Margot do empreendido pelo marido não parecia ser um ponto de reflexão para ela. Questionada sobre os cadernos de campo de Jorge Dias, afirmava: “Não se pode dizer, hoje, o que é de um ou de outro”24. Ao mesmo tempo, apontava para um armário onde os cadernos estavam guardados, no qual só foram encontrados originais com a sua caligrafia.

Fonte: Trailer Margot - 01’32’’

Figura 3 Desenho de lamelofone, feito por Margot, com anotações em alemão e português 

Entre os escritos de Margot contam-se também vários diários. De acordo com Cook (1978, 53), este tipo de registo “sempre foi uma forma de autoexpressão para as mulheres, para as quais outras vias estavam fechadas”25. Apesar de tal peia, como sabemos, a “marca” de Margot não se restringiu à criação de suporte escrito; destacou-se sobretudo no suporte fílmico, e também no sonoro, com som captado in loco e incorporado, a posteriori, na edição dos filmes etnográficos.

O facto de não ter publicado o volume V, referente a escultura e música, é justificado por Margot por não ter tido tempo suficiente para investigar, o quanto gostaria, a música dos Maconde. Com o falecimento de Jorge Dias, em 1973, Margot confrontar-se-ia com um dilema irresolúvel: “como publicar [o volume V] assinando com Jorge Dias sem saber se ele concordaria com o que estava escrito?” (Pais de Brito cit. em Canelas 2016). A publicação do livro O fenómeno da escultura Maconde chamada «moderna», de sua autoria, no mesmo ano, no qual reflete sobre questões estéticas e técnicas (Laranjeira 2017), pode ter sido a solução para não deixar na gaveta uma parte da investigação realizada. Em 1986, publicaria uma outra parte em Instrumentos Musicais de Moçambique, sobre o qual o prefaciador (Kubik 1986) enfatizava a originalidade e o rigor científico, recomendando a edição do volume V.

Catarina reconheceu, desde cedo, o pioneirismo do trabalho desenvolvido pela etnóloga, procurando “perceber de que modo a figura de Margot Dias, embora muitas vezes considerada periférica […], foi tão importante para o arranque de uma agenda de investigação que implicava o uso da imagem em movimento” (Costa 1998, 140), e destacando a figura de ponta que Margot representa numa área que, à época, se encontrava sob dominação masculina. Já em 1931, Virginia Woolf questionava os lugares permitidos às mulheres:

passará um longo tempo antes que uma mulher possa sentar-se para escrever um livro sem encontrar um fantasma para ser assassinado [...]. E se é assim em literatura, [...] como será nas novas profissões em que estão-se a incorporar agora pela primeira vez? (Woolf 2008, 51).

A simbiose profissional entre o casal Dias, num contexto em que muitas profissões estavam vedadas às mulheres, bem como o pioneirismo de Margot no uso da imagem em movimento na etnologia, justificam o interesse em aferir a relevância da sua participação nas missões e a real dimensão da sua obra. Recuperando a questão lançada por Carvalho: “A autoria feminina é capaz de inverter a relação patriarcal entre sujeito e objeto do olhar?” (2021, 2).

Margot Dias e a questão da autoria no feminino

Antes - agora - o que há de vir

[...] Eu-mulher

abrigo da semente

moto-contínuo do mundo.

Conceição Evaristo, Poemas da recordação

e outros movimentos (2017, 23)

A questão da autoria em Margot Dias parece-nos constituir um campo fértil de hipóteses a investigar. Aquela que aqui pretendemos ensaiar é a possibilidade de, através da lente revivescente da pós-memória, a obra de Catarina revelar Margot como autora de maior dimensão do que até aqui se havia admitido. Para tal, cruzaremos essa obra com o pensamento de vários/as autores/as, a fim de chegar a algumas conclusões.

Retomando a divisão de papéis enunciada por Sanches (2017), percebemos que a mesma é replicada nos processos de construção da memória através desta afirmação de Perrot (1989, 15): “Os modos de registro das mulheres estão ligados à sua condição, ao seu lugar na família e na sociedade. O mesmo ocorre com o seu modo de rememoração, da montagem […] do teatro da memória”. Ou seja, tem cabido às mulheres o cuidar do testemunho intergeracional, fixando determinadas práticas como “a transmissão das histórias familiares, [...] de mãe para filha, ao folhear álbuns de fotografias, aos quais, juntas, acrescentariam um nome, uma data, destinados a fixar identidades já em via de se apagarem”.

Catarina transpõe, em certa medida, as práticas acima descritas, características do espaço privado, para produções audiovisuais que, quando divulgadas no espaço público26, contribuem para retirar Margot do lugar periférico que lhe havia sido reservado. Para tal, faz uso de vários tipos de auscultação a Margot, projetando-a para um novo lugar enquanto sujeito da História. É precisamente neste lugar que a natureza e a dimensão do seu trabalho é revelada.

A sua personalidade é retirada da sombra através da lente da crítica pós-colonial, sobretudo nos documentários, quando Catarina confronta o passado das missões no contexto do colonialismo português com o presente independente da sociedade moçambicana. Na nota de intenções de Viagem aos Makonde de Moçambique, a cineasta afirma que pretendia usar na montagem do filme “material de arquivo que mostra o mundo que não se vê nas imagens de Margot” (Costa s/d, 41). Catarina referia-se a registos que revelam o mundo dos colonos e dos movimentos de libertação, que propõem uma reflexão sobre as missões no contexto do seu tempo, ressignificando-as no presente. Também Margot demonstra a presença da lente da crítica pós-colonial ao problematizar o significado dos filmes etnográficos para os macondes de hoje.

A dimensão do trabalho de Margot é trazida à luz através da lente revivescente da pós-memória, uma vez que a relação entre ela e Catarina não se esgota na “simples transmissão” de memórias; estabelece antes um diálogo entre gerações e um cruzamento de metodologias de trabalho, que amplificam a voz da etnóloga, bem como o olhar da antropóloga e cineasta. Aquando da apresentação de Margot no porto/post/doc 2022, Catarina assumia: “O que eu faço é uma tentativa de reconstituição de um processo de memória. No entanto, esta é uma memória que não é minha. Ou seja, projecto a minha memória numa memória mais antiga” (Costa 2022).

Este processo pode ser esclarecido à luz da ideia de Lejeune (2014, 225) de que “o autor é, por definição, alguém que está ausente”, mas que se revela pela sua capacidade de interpelação. Quando um trabalho lança questões e suscita emoções, experimentamos o desejo de o conhecer melhor. Lejeune explica este efeito, definindo-o como uma “ilusão biográfica” em que o autor seria a resposta que é dada à interpelação feita pela sua própria obra. A cronologia dos trabalhos de Catarina - o trabalho empírico com Margot27 (segunda metade da década de 1990), a reorganização dos filmes etnográficos em DVD (2016), o documentário contrapontual Viagem aos Makonde de Moçambique (2019) e o documentário com notas biográficas Margot (2022) - parece validar a utilização da lente da pós-memória a favor da visão defendida por Lejeune. Aliás, Catarina refere que Margot é resultado, em parte, do “impacto que ela teve em mim, quando eu era jovem” (Costa 2022).

A relação entre autoria e tempo já havia sido alvo da atenção de Possenti (2002, 112-113), quando defendia que “pode-se dizer provavelmente que alguém se torna autor quando assume (sabendo ou não) fundamentalmente duas atitudes: dar voz a outros enunciadores e manter distância em relação ao próprio texto”. Embora Margot visse os filmes etnográficos como “blocos de notas”28, ou seja, sem a linguagem própria do cinema, organizou-os de forma minuciosa. Neles vemos os Maconde enquanto protagonistas da sua cultura, ou seja, usando a sua voz enquanto “subalternos” (Spivak, 2021) do sistema colonial. Talvez por isso, Margot afirmasse que os filmes pertenciam aos moçambicanos.

Por outro lado, a reorganização que Catarina faz dos filmes de Margot estabelece a sua distância relativamente ao próprio “texto” - a antropóloga começou “por ver nestes filmes um Atlas, um sistema de pensamento” (Costa 2022) - o que induz ao reconhecimento da autoria da etnóloga, neste caso através do surgimento de uma diferente voz autoral instituída pela relação entre ambas. O “lugar autoral feminino” (Carvalho 2021) é também identificado na relação cerzida com os Maconde, tanto por Margot como por Catarina, ou seja, pela voz dada a outros enunciadores, segundo a formulação teórica de Possenti. Catarina parecia estar ciente desta relação desde o início, uma vez que entendia o filme etnográfico como “uma construção que passa pelas ideologias e interesses de quem o faz, dos que nele participam como personagens, [...], partindo do princípio também de que a Antropologia perdeu, de certo modo, a ‘inocência epistemológica’” (Costa 1998, 1). Anos mais tarde, ao discutir questões de antropologia visual, contrapunha a autorrepresentação à relação unidirecional entre observadores e observados, ou seja, ao “acto de filmar o outro hierarquicamente pensado como ‘a ser representado’” (Costa 2014, 4). Na sua visão, o “jogo” entre observadores e observados inclui a manipulação consciente “da forma como se querem ver na sua alteridade” (Costa 2014, 8).

Em todo este processo, o “posicionamento ativo” de Catarina parece manifestar-se de variadas formas, inclusive quando comparamos o cartaz de Margot com a capa da coleção de DVDs.

Fonte: Margot Dias (2016), Filmes etnográficos e filmSPOT (https://filmspot.pt/filme/margot-1037722)

Figuras 4 e 5 Capa de Margot Dias. Filmes etnográficos 1958-1961, em DVD (2016) e cartaz do filme Margot (2022) 

Estes formatos apresentam a mesma foto em destaque. O tom caramelo usado como fundo é semelhante nos dois, o que reforça a ideia de continuidade. No cartaz, o fundo com a caligrafia de Margot evidencia as suas sistematizações como método de trabalho. A sua assinatura manual ganha destaque no título do filme. A duplicação da foto indicia que a memória do passado foi retomada no presente, sintetizada em imagens, pela lente da pós-memória. À foto a preto e branco, do passado, sobrepõe-se a colorida que evoca o tempo presente, remetendo para as “temporalidades sobrepostas” de Macedo, Almeida e Zanete (2022). Essa foto, impressa em papel, é segurada por uma mão negra e outra branca, convocando a relação entre o “eu” e o “outro”, tema incontornável na abordagem pós-colonial.

Uma certa releitura é o que parece resultar dos filmes do presente que tratam de filmes do passado. Traverso (2012, 161) alerta para o facto de que esta “tem sobretudo a ver, […], com a nossa forma de ver o mundo em que vivemos e a nossa identidade no presente”, validando o que já Rosenstone (1995) havia proposto sobre o filme enquanto modo de vermos o passado. A revisão de Catarina, ao tirar da sombra o trabalho empreendido por Margot, estabelece a relação entre o passado colonial e o presente independente a partir da lente da crítica pós-colonial.

É possível perceber também um certo espelhamento nestes filmes, realizados por uma mulher de câmara na mão inspirada por outra mulher de câmara na mão. Não será por acaso que Catarina afirma ver-se como uma espécie de “alter ego” de Margot (Costa 2022) já que, tal como ela, vai à procura de imagens. Em Margot, Catarina afirma: “Repito o gesto frágil de filmar a vida que acontece” (15’41’’ - 15’44’’). Em resultado da fecunda relação entre ambas, Catarina produz uma obra de fundamental importância para trazer à luz Margot Dias, “a mais importante antropóloga visual portuguesa do século XX”29, a partir da lente revivescente da pós-memória.

Fonte: Margot - 59’ 13’’ - 59’ 25’’

Figura 6 A uma Margot-sombra entre os Macondes, a preto e branco, no passado, sucede uma Margot que dialoga com Catarina, colorida, no tempo presente 

Da sombra à luz: conclusões possíveis e (ainda) algumas perguntas

A imbricação da história, da memória e da justiça está no centro da vida colectiva.

Enzo Traverso, O passado, modos de usar (2012, 107)

Este artigo pretendeu evidenciar o modo como os trabalhos de Catarina Alves Costa demonstram a relevância da autoria de Margot Dias na etnologia portuguesa.

Em que medida ser mulher, nas décadas de 1950/60, atuando em parceria com um renomado académico, seu marido, poderá ter contribuído para que fosse relegada para um papel secundário, embora tenha desenvolvido trabalhos autónomos e inovadores que denotam a sua autoria?

A reflexão que se impõe é o quanto a vivência pessoal poderá moldar a autoria de uma obra. A relação entre biografia e autoria é também retomada na reflexão de West (2006, 184): “De que modo é que as complexas experiências da vida de Jorge Dias e Margot explicam as contradições do seu trabalho?” A este respeito, Leal (2016) põe a hipótese de que, se os filmes etnográficos fossem realizados hoje, Margot provavelmente incluiria os seus comentários, envolvendo-nos na sua subjetividade.

Os filmes etnográficos são o elo entre as duas pesquisadoras/artistas e entre dois tempos, validando as palavras de Paulina Chiziane (1990, 12): “O passado persegue-nos e vive connosco cada presente”.

Este processo de tirar da sombra e trazer à luz, que constituiu o objeto de investigação, conduziu a que a interpretação de filmes e de outras formas de representação imagética (fotos e desenhos) permitissem restaurar um passado que evidencia a dimensão do legado de Margot Dias, investigadora multifacetada e precursora da antropologia visual em Portugal. Este legado é tanto mais admirável se atendermos à condição feminina no tempo e nos espaços em que trabalhou.

Catarina ressignifica o trabalho de Margot, para que seja conhecido por outros públicos, inserindo-o nas discussões pós-coloniais através de um processo de construção de pós-memória, de uma certa forma, atualizando-o para o século XXI. Olhando nos olhos de Margot, Catarina identifica e preenche um espaço nunca reivindicado pela etnóloga - “o imaginário e a história de quem filmou ficaram de fora”30 - mas que lhe pertence.

Os filmes em que Catarina revela Margot têm merecido vários tipos de reconhecimento, como o Prémio FCSH para melhor projeto das oficinas Arché, do DOCLisboa 2018, para o desenvolvimento do guião do filme Viagem aos Makonde de Moçambique.

Uma vez que o ensaio da nossa hipótese sugere a sua validação, seriam justificáveis a escrita de uma biografia crítica de Margot Dias, revelando o seu pioneirismo na realização dos filmes etnográficos em Portugal, a publicação do volume V, como era previsto inicialmente, e a criação de um material educativo no MNE31 a fim de dar a conhecer ao público quem foi a etnóloga e o trabalho que realizou.

A sombra de uma mulher e a sua câmara (ainda) pairam sobre os Macondes de Moçambique e é nesta senhora sombra, em que ela e a câmara formam uma unidade, bem como no exercício de pós-memória de Catarina Alves Costa, que mais perguntas poderão ser convocadas. Discursos artísticos como A Tendency to Forget (2015)32, da artista plástica e investigadora Ângela Ferreira, também direcionam o olhar para a obra de Margot Dias, revelando uma aproximação diferenciada e crítica, que confirma mais ângulos a serem explorados, num diálogo entre sombra e luz, contrariando a tendência ao esquecimento.

Agradecimentos

Catarina Alves Costa, antropóloga e cineasta, por gentilmente nos disponibilizar os seus filmes para visionamento.

Museu Nacional de Etnologia, à data da visita (2020): Paulo Ferreira da Costa (Diretor), Alexandra Oliveira e Isabel Pinto (Biblioteca), Rosário Severo (Serviço Educativo).

Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, à data da visita (2020): Carla Correia, (Núcleo de Apoio à Investigação), Manuel Rodrigues (Biblioteca).

Este artigo foi financiado no âmbito da “Knowledge for Development Initiative”, pela Rede Aga Khan para o Desenvolvimento e pela FCT - Fundação para a Ciência e Tecnologia, IP (nº 333162622), no contexto do projeto “Memories, cultures and identities: how the past weights on the present-day intercultural relations in Mozambique and Portugal?”.

Programa Verão com Ciência, financiado pela FCT - Fundação para a Ciência e Tecnologia, IP e pela DGES - Direção Geral do Ensino Superior, na Escola de Verão em Comunicação e Cultura para o Desenvolvimento, com enquadramento no CECS - Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho.

Referências bibliográficas

Canelas, Lucinda. 2016. “Margot Dias: Viver até o fim entre os macondes.” Ípsilon, Público, 6 de agosto. Disponível em https://www.publico.pt/2016/08/06/culturaipsilon/noticia/margot-diasviver-ate-ao-fim-entre-os-macondes-1740100Links ]

Carvalho, Ludmila Moreira Macedo. 2021. “Considerações sobre o conceito de autoria no cinema numa perspectiva feminista.” Seminário Internacional Fazendo Gênero 12, Anais Eletrônicos. Florianópolis, ISSN 2179-510X. Disponível em https://www.fg2021.eventos.dype.com.br/resources/anais/8/fg2020/1611163450_ARQUIVO_8c7c72759d27cc147d1c51677292835e.pdfLinks ]

Chiziane, Paulina. 1990. Balada de amor ao vento. Lisboa: Caminho. [ Links ]

Chiziane, Paulina. 2013. “Eu, mulher… por uma nova visão do mundo.” Abril - Revista do Núcleo de Estudos de Literatura Portuguesa e Africana 5(10): 199-205. [ Links ]

Chiziane, Paulina. 2021. Ventos do Apocalipse. 4.ª ed. Alfragide: Caminho. [ Links ]

Cook, Pam. 1978. “The point of self-expression in avant-garde film.” Catalogue British Film Institute Productions 1977-78, 53-56. London: BFI Publishing. Disponível em https://drive.google.com/file/d/0Bz2RL4R29lF2VFl1V3Fad0Uzbnc/edit?resourcekey=0-cpjZgUVxzLRiyBQV82-xJgLinks ]

Costa, Catarina Alves. 1998. “O filme etnográfico em Portugal: condicionantes à realização de três filmes etnográficos.” Disponível em http://bocc.ufp.pt/pag/costa-catarina-filme-etnografico.pdfLinks ]

Costa, Catarina Alves. 2014. “Perspectivas, caminhos e políticas de futuro para a antropologia visual.” Seminário Internacional. CRIA - FCSH NOVA, 1-8. Disponível em https://www.academia.edu/10091271/Perspectivas_caminhos_e_pol%C3%ADticas_de_futuro_para_a_antropologia_visualLinks ]

Costa, Catarina Alves. 2016. “Margot Dias: o trabalho de organização, contextualização e sonorização do arquivo.” In Margot Dias. Filmes etnográficos. 1958-1961, organizado por Catarina Alves Costa, 11-18. Lisboa: Cinemateca, Museu Nacional de Etnologia. [ Links ]

Costa, Catarina Alves. 2022. “Porto/post/doc: ‘Margot’ e o espaço da reconstituição da memória.” Entrevistada por Paulo Portugal. Insider. Disponível em https://www.insider.pt/2022/11/21/porto-post-doc-margot-e-o-espaco-da-reconstituicao-da-memoria/Links ]

Costa, Catarina Alves. (s/d). Viagem aos Makonde de Moçambique. Dossier Arché. Disponível em https://www.doclisboa.org/2018/wp-content/uploads/Viagem-aos-Makonde-de-Mo%C3%A7ambique.pdfLinks ]

Dias, Jorge. 1998. Os Macondes de Moçambique. Vol. I - Aspectos históricos e económicos [1964]. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses e Instituto de Investigação Científica Tropical. [ Links ]

Dias, Jorge, e Margot Dias. 1970. Os Macondes de Moçambique. Vol. III - Vida social e ritual. Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar. [ Links ]

Dias, José António B. Fernandes. 2006. “Pós-colonialismo nas artes visuais, ou talvez não.” In Portugal não é um país pequeno: contar o império na pós-colonialidade, organizado por Manuela Ribeiro Sanches, 317-337. Lisboa: Cotovia. [ Links ]

Dias, Margot. 1973. O fenómeno da escultura maconde chamada "moderna." Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar, Centro de Estudos de Antropologia Cultural. [ Links ]

Dias, Margot. 1986. Instrumentos musicais de Moçambique. Lisboa: Instituto de Investigação Científica Tropical. [ Links ]

Dias, Margot. 1990. “Margot Dias: a memória de um país.” Entrevistada por Filomena Silvano e Rui Pereira. Público, Leituras, n. 58, 7-9, 01 de maio. [ Links ]

Evaristo, Conceição. 2017. Poemas da recordação e outros movimentos. Belo Horizonte: Nandyala. [ Links ]

Fraser, Nancy. 1990. “Rethinking the Public Sphere: A Contribution to the Critique of Actually Existing Democracy.” Social Text 25/26: 56-80. DOI: https://doi.org/10.2307/466240Links ]

Figueiredo, Isabela. 2017. Caderno de Memórias Coloniais. Alfragide: Caminho. [ Links ]

Hirsch, Marianne. 2008. “The Generation of Postmemory.” Poetics Today, 29(1): 103-128. DOI: https://doi.org/10.1215/03335372-2007-019Links ]

Khan, Sheila. 2016. “A pós-memória como coragem cívica. Palavra de ordem: resistir, resistir, resistir.” Comunicação e Sociedade 29: 353-364. DOI: http://dx.doi.org/10.17231/comsoc.29(2016).2424Links ]

Kubik, Gerhard. 1986. “Prefácio.” In Instrumentos musicais de Moçambique de Margot Dias, 9-15. Lisboa: Instituto de Investigação Científica Tropical. [ Links ]

Laranjeira, Lia Dias. 2017. “Migração makonde, produção de esculturas e mercado de arte no Tanganyika: a questão do estilo Shetani (1950-60).” Anais do Museu Paulista 25(2): 141-162. DOI: https://doi.org/10.1590/1982-02672017v25n02d06Links ]

Leal, João. 2016. “A Antropologia em Portugal e o englobamento da cultura popular.” Sociologia/Antropologia 6(02): 293-319. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/2238-38752016v621Links ]

Lejeune, Philippe. 2008. O pacto autobiográfico: de Rousseau à Internet, organizado por Jovita Maria Gerheim Noronha. Tradução de Maria Inês Coimbra Guedes. Belo Horizonte: Editora UFMG. [ Links ]

Lupi, João Eduardo Pinto Basto. 1984. A concepção da etnologia em António Jorge Dias: teoria e método no estudo científico da cultura. Braga: Publicações da Faculdade de Filosofia. [ Links ]

Macedo, Lurdes, Viviane Almeida, e Renata Zanete. 2022. “Temporalidades sobrepostas - Notas sobre re-existir para além de resistir em Luís Bernardo Honwana.” In Portugal e Moçambique - Travessias identitárias e imaginários do passado e do presente, organizado por Moisés de Lemos Martins et al. 243-263. Vila Nova de Famalicão: Húmus/ CECS. [ Links ]

McMillin, Divya Carolyn. 2009. Mediated Identities. Youth, Agency, & Globalization. New York: Peter Lang Publishing. [ Links ]

Oliveira, Cintia Mary. 2019. “O Massacre de Mueda (1960) e a constituição das narrativas nacionais em Moçambique (1962-1986).” Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Minas Gerais. [ Links ]

Paez, Dario R., e James Hou-Fu Liu. 2011. “Collective Memory of Conflicts.” Intergroup Conflicts and Their Resolution: A Social Psychological Perspetive, edited by Daniel Bar-Tal, 105-124. New York: Psychology Press. [ Links ]

Perrot, Michelle. 1989. “Práticas da memória feminina.” Revista Brasileira de História 9(18): 9-18. [ Links ]

Possenti, Sírio. 2002. “Indícios de autoria.” Perspectiva 20(1): 105-24. Disponível em https://periodicos.ufsc.br/index.php/perspectiva/article/view/10411Links ]

Ribeiro, António Sousa. 2019. “Pós-memória e ressentimento.” Memoirs Newsletter 76: 2-4. Disponível em https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/89219/1/MEMOIRS_newsletter_76_ASR_pt.pdfLinks ]

Ribeiro, António Sousa. 2022. "Contingências de um conceito - A pós-memória da primeira geração." Revista de Letras III(4): 13-21. Disponível em http://hdl.handle.net/10316/103975Links ]

Rosenstone, Robert. 1995. “The historical film as real History.” Film-Historia V(1): 5-23. [ Links ]

Sanches, Manuela Ribeiro. 2017. “Recensão: Margot Dias: Filmes Etnográficos. 1958-1961.” Análise Social 224: 714-718. Disponível em http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0003-25732017000300014&lng=pt&tlng=esLinks ]

Sarlo, Beatriz. 2007. Tempo passado: cultura da memória e guinada subjetiva. São Paulo: Companhia das Letras. [ Links ]

Sarmento, João, e Moisés de Lemos Martins. 2020. “À procura de Moçambique no Museu Nacional de Etnologia.” Revista Lusófona de Estudos Culturais, 7(2): 15-32. DOI: https://doi.org/10.21814/rlec.3132Links ]

Spivak, Gayatri Chakravorty. 2021. Pode a subalterna tomar a palavra? Tradução de António Sousa Ribeiro. Lisboa: Orfeu Negro. [ Links ]

Traverso, Enzo. 2012. O passado, modos de usar. Tradução de Tiago Avó. Lisboa: Unipop. [ Links ]

Vecchi, Roberto. 2020. "As impotências da pós-memória." Memoirs Newsletter, 30 de maio de 2020: 1-4. Disponível em https://estudogeral.uc.pt/handle/10316/95832Links ]

West, Harry. 2006. “Invertendo a bossa do camelo. Jorge Dias, a sua mulher, o seu intérprete e eu.” In Portugal não é um país pequeno: contar o império na pós-colonialidade. Organizado por Manuela Ribeiro Sanches. 141-190. Lisboa: Cotovia. [ Links ]

Woolf, Virginia. 2008. O estatuto intelectual da mulher seguido de Profissões para mulheres. Tradução de Manuela Felício. Lisboa: Padrões Culturais Editora. [ Links ]

Filmografia

Costa, Catarina Alves. 2019. Viagem aos Makonde de Moçambique. Filme. Lisboa: Midas Filmes. [ Links ]

Costa, Catarina Alves. 2022a. Margot. Filme. Lisboa: Midas Filmes. [ Links ]

Costa, Catarina Alves. 2022b. Margot. Trailer. Lisboa: Midas Filmes. Disponível em https://doclisboa.org/2022/filmes/margot/Links ]

Dias, Margot. 2016. Margot Dias - Filmes etnográficos. 1958-1961. Organizado por Catarina Alves Costa. DVD. Lisboa: Cinemateca, Museu Nacional de Etnologia. [ Links ]

Sites

Associação Portuguesa de Antropologia. https://www.apantropologia.org/apa/premios-apa/premio-apa-margot-dias-e-benjamim-pereira-antropologia-da-imagem-e-do-som-2019/Links ]

Festival porto/post/doc. https://www.portopostdoc.com/home-en/festival/2022/view?id=1383Links ]

DocLisboa Festival Internacional de Cinema. https://doclisboa.org/2022/filmes/margot/Links ]

Museu Nacional de Etnologia. https://mnetnologia.wordpress.com/servico-educativo/Links ]

1Doravante Catarina.

2Doravante Margot.

3As imagens e os sons foram captados em separado e reunidos em DVD, numa parceria entre a Cinemateca Nacional e o Museu Nacional de Etnologia: Margot Dias, Filmes etnográficos 1958 - 1961 (2016).

4Serão utilizadas outras grafias para denominar esta etnia, respeitando as variações utilizadas pelos/as autores/as.

5Margot estreou no DOCLisboa 2022.

6Trailer de Margot 00’16’’.

7Trailer de Margot 00’22’’.

8Desenvolvida entre julho de 2020 e março de 2023.

9Doravante citada como MEMEUP, a Missão foi uma das linhas de atuação do Centro de Estudos Políticos e Sociais, criado em 1956, sob a direção de Adriano Moreira. A MEMEUP atuava ao serviço da Junta de Investigações do Ultramar, do Ministério com o mesmo nome.

10Tradução nossa de “sense of living connection”.

11Conforme sinopse de Margot.

12Realizada em 1996; doravante entrevista.

13Projeto Memories, cultures and identities: how the past weights on the present-day intercultural relations in Mozambique and Portugal? (2018-2022), CECS UMinho. Informação disponível em http://www.lasics.uminho.pt/culturespastandpresent/?lang=pt

14Dias 2016 - DVD 02-1_01_4 - 05’15’’ - 5’21’’.

15Dias 2016 - DVD 2-1_01_4 - 14’20’’- 14’53’’.

16Território dos Macondes, doravante Planalto.

17Margot referia-se ao marido como António.

18Conforme a nota 9, Adriano Moreira (1922-2022) era, à época, responsável pela MEMEUP, tendo assumido o cargo de Ministro do Ultramar em 1961.

19Dias 2016 - DVD 02-1_01_4 - 05’08’’ - 05’30’’.

20Em reconhecimento da importância da etnóloga, a Associação Portuguesa de Antropologia criou o prémio filme etnográfico Margot Dias em 2018.

21Manuel Viegas Guerreiro e Margot Dias.

22Margot - 46’43’’- 46’46’’.

23O Massacre de Mueda, ocorrido em 16 de junho de 1960, “é considerado o clímax da consciência nacionalista moçambicana [...] duramente reprimida pela força colonial portuguesa” (Oliveira 2019, 6).

24Dias 2016 - DVD 02-1_01_4 - 09’41’’.

25Tradução nossa de “the personal diary form, for instance, has always been a means of self-expression for women to whom other avenues were closed.”

26Fraser (1990), em contraponto a Habermas, postulava que o discurso no espaço público não é igual para todos.

27Incluiu entrevistas, leitura de diários e exploração dos arquivos de Margot.

28Margot - 33’40” - 33’49’’.

29Citação retirada do site do Festival porto/post/doc (https://www.portopostdoc.com/home-en/festival/2022/view?id=1383).

30Margot - 65’27’’ - 65’30’’.

31No Dia Internacional da Mulher, em 2023, o Serviço Educativo do MNE realizou a sessão “As Mulheres e a Antropologia”, centrada em Margot Dias. No entanto, pareceu tratar-se de uma iniciativa pontual.

32Ver informação disponível em https://angelaferreira.info/?p=249

Recebido: 05 de Janeiro de 2023; Aceito: 23 de Fevereiro de 2023

Contributos das autoras

VFA: Concetualização; investigação; desenho da metodologia; redação do rascunho inicial, incluindo traduções; revisão do texto; captação de imagens.

RFZ: Concetualização; investigação; desenho da metodologia; redação do rascunho original; revisão do texto; edição de imagens no texto final.

LM: Concetualização, investigação, orientação metodológica da investigação; revisão crítica do texto e imagens e reescrita de partes do rascunho original.

Conflito de interesses

As autoras declaram não possuir conflito de interesse de qualquer ordem: financeiro, comercial, político, académico ou pessoal.

Viviane Almeida.

Mestre em Educação Social e Intervenção Comunitária pela Escola Superior de Educação de Lisboa; doutoranda em Estudos Culturais na Universidade do Minho. Pesquisa blogues no contexto da narrativa de viagem portuguesa contemporânea. Atua como mediadora cultural e formadora em escrita com públicos e instituições diversas em Portugal e identifica como interesses de investigação os Estudos Culturais, as literaturas de viagem e a escrita de si.

Renata Flaiban Zanete.

Doutora em Modernidades Comparadas pela Universidade do Minho. Atriz e fundadora, com Fabiano Assis, da Companhia Rodamoinho de Teatro (2001). Diretora artística e encenadora da montagem teatral A Céu Aberto, desenvolvida com o Grupo de Teatro Comunitário do Campo - Gerês, em 2022. É técnica de teatro no AE de Prado, desde 2020. As investigações atuais envolvem questões de género, os estudos feministas e culturais, as artes performativas e a literatura comparada.

Lurdes Macedo.

Doutorada em Ciências da Comunicação, com especialização em Comunicação Intercultural, pela Universidade do Minho. Investiga em comunicação intercultural, comunicação para o desenvolvimento e espaço cultural de língua portuguesa. É investigadora integrada do CICANT - Universidade Lusófona, no qual cocoordena o projeto Vozes em Rede. No CECS, foi membro do projeto “Cultures Past&Present” (2018-2022). É professora auxiliar na Universidade Lusófona.

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons