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Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher

versão impressa ISSN 0874-6885

Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher  no.32 Lisboa  2014

 

NOTA DE ABERTURA

Nota de Abertura

Isabel Henriques de Jesus


A equipa de investigação Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher orgulha­‑se de apresentar mais um número da sua Revista. O momento em que, após mais de seis meses de discussão, de selecção e de organização de conteúdos, o damos à estampa, reveste­‑se sempre de um misto de alívio e de satisfação logo substituído pela preocupação com o próximo número que, entretanto, se vem já esboçando. É um trabalho colaborativo e minucioso, só possível pela grande dedicação e sentido de responsabilidade das equipas e de todos/as aqueles/as que connosco colaboram, quer dando conteúdo às diferentes rubricas, quer garantindo a sua qualidade.

Quando falamos de mulheres, mesmo utilizando o plural – que nos remete para as suas existências concretas, múltiplas e diversas – temos tendência a fixá­‑las num sistema de afinidades culturais que nos aproximam dessas outras de quem falamos e que avaliamos segundo um familiar quadro de referências. É através dele que as conduzimos a um espaço e a um tempo que é o nosso e interpretamos as suas vivências.

A questão da representação das mulheres é um dos grandes temas dos estudos feministas. Quem fala, de que ponto de vista fala, e com que objectivos, tornou­‑se um assunto recorrente e de importância vital nas abordagens feministas. Aí se denunciaram as representações das mulheres elaboradas pelos homens que, muitas vezes, as reduziram a signos portadores de significados morais muito convenientes para eles, ao mesmo tempo que as mantinham afastadas da expressão das suas vontades. Os homens falaram por elas e representaram­‑nas em termos estéticos (na pintura, na música, na literatura,...) e arvoraram­‑se em seus delegados ou agentes em termos políticos (ainda hoje, e apesar de uma lei da paridade, a presença das mulheres na Assembleia da República não chega a um terço dos seus elementos). Vivendo em sociedades controladas pelos homens, as mulheres foram objecto do conhecimento masculino e do seu desejo mais do que produtoras desse mesmo conhecimento. Os homens falavam às mulheres ou falavam sobre elas e por elas, enviesando a construção de um mundo global, através da exclusão de uma necessária realidade histórica e sexuada. Estes foram alguns dos argumentos que as feministas do segundo terço do século passado utilizaram, contrapondo uma inequívoca reivindicação do direito ao corpo, à sexualidade e ao uso da palavra sem intermediários nem censores.

Assente em pressupostos muito semelhantes, a questão da representação foi, entretanto, colocada por mulheres oriundas de contextos culturais e sociais distintos daqueles em que essas feministas exercitaram os seus direitos e construíram as suas teorias. A legitimidade das representações veiculadas pelas mulheres ocidentais, brancas, de classe média, ins­truídas, foi posta em causa através do confronto com as inúmeras possibilidades apresentadas por outras culturas, práticas vivenciais, ou opções sexuais. Adrienne Rich foi mais longe quando reclamou o corpo de cada mulher como o ponto de localização do pensamento e da fala, contra qualquer elaboração feminista abstrata. No seu artigo Notas para uma política de localização, afirmou: “nós não somos a <questão feminina> levantada por outra pessoa qualquer, nós somos as mulheres que levantam essas questões”. A partir de uma abordagem particular e única de cada mulher, Rich pretendeu apontar um caminho no seio do feminismo que consiste na unicidade de cada experiência e na reivindicação das mulheres de não serem representadas nem pelos homens nem por outras mulheres, devido à pertença a uma categoria comum. Em última análise, estes pressupostos levariam ao enaltecimento da auto representação, aspecto longe de comportar a neutralidade pretendida.

Neste número da Revista Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher encetamos um olhar por outras culturas, por outras experiências, porventura por outras formas de “ser mulher”, através da sua própria voz representativa. Ao escolhermos uma mulher marroquina do séc. XVI como imagem de capa, ao mesmo tempo que apresentamos, em outras rubricas, um pouco mais da experiência das mulheres nesse País, pretendemos contribuir para o enriquecimento das concepções sobre as mulheres integradas em espaços e tempos que nos são menos familiares, procurando assim esbater preconceitos e estereótipos quase sempre determinados pela ignorância das situações concretas.