SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número33Vera San Payo de LemosNoémia Emília Bagarrão Martins Pereira índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher

versão impressa ISSN 0874-6885

Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher  no.33 Lisboa  2015

 

PIONEIRAS

Isabel Rilvas

 

 

Ana Rosa de Sousa Mota e Natividade Monteiro

 

Isabel Manuela Teixeira Bandeira de Melo nasceu em Lisboa, a 8 de Janeiro de 1935, no seio de uma família católica e aristocrática, os Condes de Rilvas. Casou em 1961 com o embaixador Leonardo Mathias, de quem se viria a divorciar 28 anos depois, e foi mãe de três filhos, dois rapazes (um deles já falecido) e uma rapariga. Descreve­‑se como uma mulher “cem por cento católica e conservadora, mas não fanática”, que ainda conserva o catecismo da sua infância.

Isabel Rilvas foi a primeira mulher paraquedista e a primeira piloto­‑acrobata em Portugal e na Península Ibérica, além de recordista nacional de voo sem motor.

Isabel atribui uma influência decisiva da avó paterna, por quem nutre uma profunda admiração, na sua determinação em concretizar a paixão por voar, indo contra o que seria expectável numa jovem do seu tempo e da sua origem social. Fala com orgulho da avó, Isabel Maria Carolina d'Albignac Bandeira de Melo, nascida em França, que recusou limitar­‑se ao seu papel social de aristocrata, envolvendo­‑se em diversos projectos, alguns pioneiros, de intervenção social: dirigiu a Obra ‘Florinhas de Rua' que acolhe crianças em risco, fundada em 1917 pelo Arcebispo de Mitilene, Reverendo D. João Evangelista de Lima Vidal; fundou o Instituto Pedagógico Condessa de Rilvas em 1927, ainda actualmente a funcionar na Rua da Beneficência, em Lisboa, onde se acolhiam meninas com deficiências mentais, vindas de famílias pobres (hoje em dia o Instituto recebe também meninos); foi presidente da Obra das Mães e impulsionadora da primeira escola de serviço social no nosso país, o Instituto da Assistência Social, que não viu nascer, já que faleceu poucos meses antes da publicação do Decreto­‑Lei que o criou. Isabel Rilvas revê­‑se no exemplo desta mulher que, contrariando o socialmente correcto à época, não hesitou, já casada, em viajar para a Bélgica onde frequentou um curso universitário na área do serviço social, porque pensava que para um trabalho eficaz não bastavam boas e caridosas intenções mas sim uma sólida formação profissional. Isabel afirma: “Eu achava a minha avó o máximo: a sociedade não se chocou nem mais nem menos com ela do que comigo; foi criticada por ir para uma universidade estrangeira onde havia muito poucas mulheres”.

Isabel Rilvas descreve, com o humor que a caracteriza, a reacção inicial da sua família quando lhes deu a conhecer a intenção de se fazer sócia do Aeroclube de Portugal e, assim, poder tirar o brevê: não merecia a pena contrariar a fisicamente frágil jovem, a quem tratavam carinhosamente por “mosquito” ou “gafanhoto”, porque nunca superaria os exigentes exames médicos obrigatórios. Isabel ultrapassou­‑os e, apadrinhada por Pedro Avilez, diretor das Oficinas Gerais de Material Aeronáutico e amigo da família, apresentou­‑se no aeródromo da Granja do Marquês, em Sintra, para iniciar o curso.

Recorda divertida o primeiro dia: “O instrutor ficou a olhar­‑me de alto a baixo. As minhas saias embrulhavam­‑se com o vento; não chegava com os pés aos pedais, a minha Mãe teve de me fazer uma almofada”. E continua: “O pessoal da base juntou­‑se todo à minha volta e quando o avião levantou voo, olhavam estupefactos para o meu pai, que ficara em terra, tentando perceber o que se passara: esperavam que fosse ele o aluno”. Durante o curso era sempre acompanhada por uma chaperon, a Chica, fiel empregada da avó que se manteve próxima da família até morrer. “Recusava­‑se a usar calças, ia de saia justa e tinham de içá­‑la para dentro do avião”, recorda.

Relembra que a escola do aeródromo só tinha três aviões disponíveis, logo todos os instruendos eram avisados de que tinham de “trazer a máquina de volta” mesmo se qualquer percalço acontecesse durante o voo, o que, diz Isabel, acrescentava pressão sobre pressão aos candidatos a pilotos.

Em 24 de Agosto de 1954 tinha o seu brevê de piloto particular de aeroplanos, obtendo, mais tarde, por equivalência, licenças similares na África do Sul, Espanha, Itália e Estados Unidos da América, países onde voou enquanto aí viveu.

Foi a primeira mulher piloto acrobata na Península Ibérica, competindo em vários festivais da modalidade ao comando de diversos aviões, como o Cessna, o Tiger Moth, o Piper Super Cruiser ou o Colt. Em 1955, no Festival Aeronáutico da Figueira da Foz classificou­‑se em 3.º ligar na prova de Acrobacia Aérea; em 1958 foi vencedora na Aterragem de Precisão e 1.ª na Classificação Geral do Festival Aéreo do Outono de Sintra; no ano seguinte obteve o segundo lugar no 1.º Campeonato Nacional de Acrobacia Aérea, Sintra, onde foi a única mulher em competição. Foi ainda primeira nas provas de Avaliação de Distâncias e Lançamento de Mensagens do Festival Aéreo do Fim do Ano de Sintra, em 1960. Isabel Rilvas manteve a sua licença portuguesa de piloto de 1954 a 1977.

Em Outubro de 1955, obteve o brevê “C” de planador, sendo a segunda mulher portuguesa a consegui­‑lo, e a 2 de Julho de 1960, em Alverca, bateu o recorde nacional de permanência no ar em voo sem motor: uma hora e quinze minutos.

Em 1955, acompanhou o pai – “Tinha uma loucura por mim e eu por ele” ­‑, engenheiro químico, numa viagem de trabalho a Paris. Ambos apaixonados pela aviação, aproveitaram a estadia para se deslocarem ao aeroporto Le Bourget onde se realizava um festival aéreo. Aí, Isabel procurou recolher mais informação sobre as Enfermeiras Paraquedistas Socorrista do Ar, ligadas à Cruz Vermelha francesa, cujo trabalho conhecia e admirava. Não conseguindo os esclarecimentos que pretendia no local, decidiu dirigir­‑se às instalações da Cruz Vermelha em Paris para obter toda a informação possível sobre o seu funcionamento, com o objectivo de trazer para o nosso País um corpo de enfermeiras similar.

Isabel diz que não estaria nas suas intenções, à altura, tirar o brevê de paraquedista, e que foram circunstâncias fortuitas que condicionaram a sua decisão de praticar a modalidade. Descreve desta forma a sua primeira experiência: o instrutor mandou­‑a para a torre de 15 metros, onde já se encontrava um grupo de escuteiros que ao vê­‑la teriam comentado “a portuguesa está amarela de medo!”. Colocaram­‑lhe um arnês e disseram­‑lhe para saltar e ela saltou “com quanta força tinha”, com a decisão de quem responde com actos às depreciativas observações dos seus jovens companheiros. Ia de saias, comeu areia, mas mereceu o elogio do instrutor: “Você tem alma de paraquedista!”.

Questionada sobre se teve medo, garante “tive muito medo!”, e conta a reacção do director da escola que frequentou quando um candidato afirmou não ter medo: “(…) bateu à porta errada. Nós aqui temos tanto medo! Tem ali a porta. Vá a um sítio onde ninguém tenha medo”.

Frequentou o curso do Centro de Biscarrosse, França, onde obteve em 1956 o brevê de 1.º grau de paraquedismo civil e no ano seguinte o de 2.º grau. Uma das suas monitoras foi Jacqueline Domerge, uma das mais famosas Socorristas do Ar, que veio a morrer na Argélia atingida por uma bala durante uma missão, tendo direito a cerimónias fúnebres no Panteão Nacional, distinção reservada aos grandes nomes da história do seu país.

Completou com êxito, ainda em Biscarrosse, o curso de Instrutor Paraquedista no Solo, obtendo o correspondente certificado, o que a habilitava para ministrar cursos de formação de paraquedismo.

Para conservar válidos os seus brevês, tinha de fazer anualmente um determinado número de saltos e, para isso, Isabel teve de procurar uma alternativa em Portugal, onde não existiam estruturas civis que o permitissem. A solução estava na base militar de Tancos, onde treinavam os nossos soldados paraquedistas. Isabel solicitou à Força Aérea, na pessoa de Kaúlza de Arriaga, que a autorizasse a utilizar a base e a resposta foi positiva. Afirma que em Tancos foi bem recebida pelos militares, que carinhosamente a começaram a chamar Isabelinha, os únicos, diz, a fazê­‑lo. Reconhece que para isso possa ter contribuído o facto de o paraquedismo, mesmo para homens e militares, ser à altura muito recente em Portugal.

Colocou, então, a hipótese da criação de uma escola de paraquedismo civil, para o que contou com o apoio do Aeroclube de Portugal. No entanto, os seus esforços não foram bem­‑sucedidos, o que explica dizendo que “O paraquedismo civil era, naquele tempo, encarado como algo para meio loucos ou tresloucados mesmo e, além de caro, pensava­‑se que não servia para nada…”.

Isabel Rilvas realizou numerosos saltos em França, incluindo um salto para a água em Junho de 1957. Foi a primeira mulher paraquedista civil na Península Ibérica e o primeiro paraquedista português, mulher ou homem, a saltar no nosso país, a 16 de Janeiro de 1957, em Tancos. Foi ainda o primeiro paraquedista civil a saltar em Angola, Luanda, em 1959, e, no mesmo ano, o primeiro civil ou militar a saltar em Moçambique, no aeroporto de Mavalane, em Lourenço Marques.

Interrompeu a prática da modalidade durante vários anos em virtude do nascimento dos filhos: “Casei, tive três filhos e não tinha tempo para saltar em paraquedas. Quando eles cresceram, e foi fundado o Aeroclube Universitário de Lisboa, retomei os saltos”. Conta que o marido para lhe agradar e para responder às insistentes perguntas de amigos sobre “como é ser casado com uma paraquedista” tirou o brevê de voo com motor (“Fez três viagens, uma delas a Tancos, e nunca mais voou”) e de paraquedismo, que utilizou apenas seis vezes.

Entre 1971 e 1974, Isabel Rilvas retomou a prática de paraquedismo no Aeroclube Universitário de Lisboa e, entre 1973 e 1976, efectuou saltos em Guidonia, Roma. Em Agosto de 1973, fez um salto noturno em Tancos, a bordo de um avião Noratlas. Enquanto praticou a modalidade totalizou mais de 140 saltos, um dos quais, como já se referiu, para a água, lançando­‑se de diversos tipos de avião: Dragon Rapid, Junkers JU52, Tiger Moth, Stampe, Broussard, Noratlas, Dornier, C­‑130 e Dakota.

Outro momento de pioneirismo na vida de Isabel Rilvas traduziu­‑se no seu brevê de Balão de Ar Quente que obteve, em Março de 1981, no aeroporto de Twin Pines, em Nova Jérsia­‑EUA. Também aqui foi a primeira portuguesa, civil ou militar, a consegui­‑lo.

Isabel Rilvas recebeu o reconhecimento internacional pela sua actividade pioneira na aeronáutica, o que só bem mais tarde sucedeu no seu próprio país: é membro, desde Setembro de 1956, da Ninety­‑ Nines INc, International Organization of Women Pilots, EUA, possuindo uma placa com o seu nome no Wall of Wings do 99s Museum of Women Pilots de Oklahoma City, EUA, desde Julho de 2000; desde 1958 que é membro da Fedération Aeronautique Internationale, França, em representação do Aero­‑Clube de Portugal; o seu curriculum consta dos arquivos biográficos do Nacional Air and Space Museum, Washington DC, EUA; tem uma placa em granito com o seu nome gravado, desde 1999, ao lado da árvore atribuída a Portugal na Memory Lane, International Forest of Frendship, em Atchison, Kansas, EUA, onde se lê “for exceptional contributions to aviation” e, finalmente, o Diploma Paul Tissander (única portuguesa a recebê­‑lo) que lhe foi atribuído em Outubro de 2006.

Em Portugal, só em 2014, um mês após completar 79 anos, foi condecorada com a Medalha de Mérito Aeronáutico de 1.ª Classe da Força Aérea Portuguesa, em cerimónia presidida pelo Chefe do Estado­‑maior da Força Aérea. Isabel Rilvas, que confessa o seu desapontamento por o Museu do Ar de Sintra ignorar o legado histórico dos aeroclubes portugueses, limitando­‑se a ser “um Museu da TAP e da ANA”, ao contrário do de Alverca, esse sim totalmente dedicado aos aeroclubes, é Sócia Honorária do Aeroclube Universitário de Lisboa desde 1971; do Aeroclube de Portugal, 1997; da Associação de Paraquedistas do Sul, 2003 e da Associação da Força Aérea, 2006.

Os seus interesses são múltiplos e diversificados: é sócia da Associação de Nobreza Histórica de Portugal, da Real Associação de Lisboa, do Centro Nacional de Cultura, da Associação de Amizade Portugal/EUA, da Associação Nacional das Enfermeiras Católicas Portuguesas, da Casa Veva de Lima e do Círculo Eça de Queiroz. É membro da Society of Woman Geographers, Washington, D.C., EUA e do Conselho da Comunidade Vida e Paz. Desde 1994 que é Dama da Ordem de Malta, tendo sido condecorada com a Cruz Pró­‑Mérito Melitense da Ordem de Malta, por decreto de 20 de Junho de 1999 e, desde 2002, é Dama Grã­‑Cruz da Real Ordem de Santa Isabel.

Como acima se mencionou, Isabel Rilvas pretendia trazer para Portugal um corpo de Enfermeiras idêntico ao das Enfermeiras Paraquedistas Socorristas do Ar francês, criado oficialmente em 1949 e que teve uma intervenção de grande relevância, nas décadas seguintes, nos teatros de guerra da Indochina e da Argélia.

No final dos anos 50, iniciou a sua luta para convencer as pessoas certas – que acreditava que a poderiam ajudar a concretizar o seu projeto – particularmente o então Subsecretário de Estado da Aeronáutica, Tenente­‑Coronel Kaúlza de Arriaga. Insistia na importância daquelas profissionais no apoio a populações isoladas ou em locais de difícil acesso. Nessa altura, a guerra nas colónias ainda não irrompera o que pode explicar, pelo menos em parte, o desinteresse das autoridades.

Isabel não desistiu e inscreveu­‑se no curso da Escola de Enfermagem das Franciscanas Missionárias de Maria, que frequentou um ano, e onde coincidiu com a maioria das nossas primeiras enfermeiras paraquedistas. Esforçou­‑se por despertar nas suas colegas a relevância das suas ideias, descrevendo­‑lhes o fascinante mundo do paraquedismo (chegava mesmo a fazer as possíveis demonstrações práticas: “Fazia exercícios de rolamentos entre as carteiras.”). A sua determinação e entusiasmo transmitiram­‑se às condiscípulas mas também à directora da escola, Madre Santa Adosinda, e à superiora da congregação, Madre Emaús, que sempre a animaram a não desistir do seu sonho.

Em 1961, Portugal despertava para a realidade de um conflito armado nas colónias e Kaúlza de Arriaga recuperou a ideia de Isabel Rilvas, apresentou­‑a a Oliveira Salazar que, embora hesitante, lhe deu o seu aval, permitindo a rápida promulgação da legislação que enquadrou a criação de um quadro de enfermeiras no âmbito do Batalhão de Caçadores Paraquedistas. A 6 de Junho de 1961, apresentaram­‑se em Tancos 11 corajosas mulheres, que tinham de ser solteiras ou viúvas sem filhos e com idade compreendida entre os 18 e os 30 anos. Apenas seis alcançaram o brevê, sendo que cinco dentre elas eram antigas colegas de Isabel na Escola de Enfermagem Franciscanas Missionárias de Maria e uma da Escola de Enfermagem de S. Vicente de Paulo: as “Seis Marias”. Equiparadas a militares, eram sujeitas a um rigoroso treino, exactamente igual ao dos homens, usavam uniforme e camuflado no mato e tinham patente militar. Isabel, então já casada e a viver no estrangeiro, fez­‑lhes chegar, quando se preparavam para a sua primeira missão, através do pai, Conde de Rilvas, medalhas de S. Miguel Arcanjo, o santo padroeiro dos paraquedistas.

Num tempo em que às mulheres era reservado o papel de “fada do lar”, elas romperam com o socialmente estabelecido e contribuíram para uma nova imagem da mulher, daí não admirar que tivessem honra de primeira página nos jornais e revistas e nos noticiários da rádio e da televisão. Como funções, estas enfermeiras tinham as de assistir feridos em locais de combate, muitas vezes debaixo de fogo, fazer evacuações dentro do território africano e entre as colónias e a metrópole de combatentes feridos ou doentes e dos seus familiares, bem como das populações locais. Trabalharam em diversos hospitais, como no Hospital Militar Central, no Hospital da Força Aérea de Lisboa, no Hospital das Forças Armadas na Ilha Terceira, nos Hospitais de Luanda, Lourenço Marques, Nampula e Guiné Bissau e nos postos médicos das tropas paraquedistas da Força Aérea no continente e nas colónias. Participaram igualmente em evacuações em Goa, e esta foi uma das suas primeiras missões, e em Timor.

Isabel Rilvas, que atribui as grandes qualidades morais, cívicas e profissionais daquelas jovens mulheres ao facto de a sua formação ter sido feita em escolas de enfermagem religiosas, assegura que esse facto em muito contribuiu para o bom acolhimento e respeito que receberam dos militares. Adianta que “quem não as recebeu bem foram as angolanas, brancas, que as achavam umas meninas que iriam entreter os soldados”. Reconhece a importância que aquela experiência teve para a sua emancipação, sobretudo tendo em consideração que a maior parte era originária de terras pequenas e de meios sociais pouco favorecidos. No entanto, não considera que tenha contribuído significativamente para alterar a maneira como a sociedade portuguesa de então encarava o papel das mulheres.

Entre 1961 e 1974, funcionaram nove cursos, onde se formaram 46 enfermeiras paraquedistas, 23 delas oficiais e as restantes sargentos. A sua última missão, em 1976, consistiu na evacuação de civis de Timor para Lisboa. Ao longo de mais de uma década no teatro de guerra apenas há a lamentar uma morte, a de Celeste Ferreira Costa, atingida pela hélice de um helicóptero na Guiné.

Isabel Rilvas lamenta que nos anos que se seguiram a Abril de 1974 não se falasse do corpo de enfermeiras paraquedistas, e logo não se reconhecesse a importância do contributo daquelas que foram as únicas mulheres na linha da frente da guerra colonial por ser “considerado fascista”.

Sintetizando a importância de ver o seu projecto concretizado, Isabel Rilvas escreveu estas palavras que se podem ler no livro Nós, Enfermeiras Paraquedistas1:

 

“Foi com muita alegria que via a minha ideia tomar forma, embora num contexto diferente do inicialmente idealizado por mim. Não estava no meu projeto exatamente tudo o que veio a acontecer, como por exemplo a classificação das enfermeiras como “Equiparadas a Militares”. Mas acabou por ser esta a concretização da minha ideia, do meu “sonho” (…).

 

Algumas enfermeiras dizem que me adoptaram como “Mãe” do seu grupo (…). Uma coisa é certa: “Mãe” ou não, sinto que houve sempre uma reciprocidade muito evidente de Amizade e carinho entre nós (…).”

 

Um outro momento de pioneirismo na vida de Isabel Rilvas traduziu­‑se no seu papel decisivo na fundação da Associação das Famílias dos Diplomatas Portugueses, em 1981.

Isabel, que acompanhou o marido nos diversos postos diplomáticos que este ocupou, confrontou­‑se com o papel pouco relevante que então era atribuído às mulheres dos diplomatas. Cabia­‑lhes “saber fazer croquetes e rissóis” e “estar caladas e compostas a um canto (…) não se podia falar da política do país onde estávamos, nem de religião, nem de doenças” diz. Constatou a falta de protecção adequada dos cônjuges e filhos, de que eram exemplos situações como a da ADSE estar reservada apenas aos diplomatas, não abrangendo as suas famílias; de as mulheres dos diplomatas não terem direito a pensão de viuvez ou de não estar previsto um número clausus para os filhos universitários quando do seu regresso a Portugal. E foi esta realidade que Isabel Rilvas se propôs confrontar e reformar.

Em 1979, estando a viver nos Estados Unidos da América, começou a considerar a possibilidade de intervir no sentido de se criar em Portugal uma associação de famílias de diplomatas à semelhança das já existentes noutros países, encetando então a pesquisa de toda a informação útil para o seu objectivo. De regresso a Portugal, em 1981, e decidida a concretizar o seu plano, iniciou contactos com pessoas e entidades que a pudessem apoiar. A sua persistência e capacidade de persuasão deram frutos e logo em Junho do mesmo ano teve lugar uma primeira reunião, numa Sala de Banquetes do Protocolo do Ministério dos Negócios Estrangeiros repleta, o que não deixou de a surpreender.

Em 30 de Junho de 1982, os estatutos da associação foram finalmente aprovados e a instituição registada no 21.º Cartório Notarial de Lisboa. Entre os objectivos da associação constavam os de valorizar e dignificar a figura da mulher do diplomata; promover e defender os interesses das suas famílias em áreas como a saúde, educação, reforma, viuvez ou divórcio e apoiar as mulheres estrangeiras de diplomatas portugueses no seu regresso ao nosso país. A associação propunha­‑se igualmente intensificar os contactos entre as embaixatrizes dos diversos países com representação em Portugal, o que acabou por contribuir para a organização, desde 1983, do Bazar do Corpo Diplomático, evento anual cujas receitas revertem para diferentes instituições de solidariedade social.

Isabel Rilvas, uma mulher de aparência frágil com um fino sentido de humor e uma fascinante capacidade de nos “transportar” com ela quando relembra e descreve momentos de uma vida plena, é um exemplo de quanto a firmeza das convicções e um carácter e coragem invulgares para as concretizar pode desbravar novos e pioneiros caminhos.

 

Notas

1 Serra, R. G. (coord.) (2014), Nós, enfermeiras paraquedistas. Porto: Fronteira do Caos Editores, Lda., pp. 25­‑26.