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Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher

versão impressa ISSN 0874-6885

Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher  no.33 Lisboa  2015

 

LEITURAS

Liu, Y. (2014). Man meets Woman. Taschen, 128 pp.

Catarina Inverno

 

“Humans, so one Chinese legend tells us, were created by a female divinity. At first she made them sexless and completely identical. Only when they consequently failed to produce offspring did the goddess later furnish them with gender. According to the Bible, humans were created by a male God – first man, then woman. The world of science in turn offers us an entirely different version of the origins of humankind.”

 

Esta não é uma obra comum. Trata­‑se de um desafio constante à interpretação, reflexão e expressão de qualquer indivíduo que com ela contacte. Paradoxalmente, podemos compreendê­‑la como sendo uma codificação descodificada da sociedade ocidental. Trata­‑se de redesenhar os conflitos sociais com base no género e, porventura, nos seus estereótipos; será objetivar visualmente o que as palavras afirmam nos limites da sugestão sem compromisso identitário, procurando nessa originalidade considerar e conquistar a identificação do público leitor (ou espetador se valorizarmos o caráter imagético da obra).

O primeiro desafio poder­‑se­‑á entender nas medidas da edição da Taschen de Man meets Woman de Yang Liu, compreendendo menos de um palmo e assim reajustando a intenção autoral com a facilidade do seu manuseamento. Todavia, a cor e o título serão mais afirmativos: o rosa forte – tão masculino quanto feminino – quebrado pelo branco das letras que confirmam, quiçá, a eterna curiosidade masculina de conhecer o feminino na organização frásica que compõe o título. Talvez pela mesma razão, numa obra que se constitui moldura de uma possível gestão conceptual dos géneros humanos, tenha a autora, Yang Liu – uma designer chinesa radicada em Berlim, uma figura feminina isolada por entre bagagens para capa; justificado a obra nas dificuldades de comunicação sentidas quer na vida privada quer na sua dimensão profissional; e proposto na introdução um documentário visual de perspetivas pessoais no assunto na esperança de proporcionar (novas) abordagens às temáticas que explora nos pictogramas que publica.

O segundo desafio da obra serão os pictogramas em si. São estes que, apesar do seu minimalismo, se consubstanciam como mensagem maior e estímulo possível ao debate dos estereótipos assentes no feminino e no masculino sociais, nomeadamente recorrendo à transversalidade disciplinar possível na reflexão destas questões. As imagens desafiam conceitos tomados como dogmáticos, perspetivas vinculadas nas comunidades, padrões que se reconstroem na esfera familiar em espelho de normas cuja origem é questionada. Não haverá, todavia, intenção de corrigir estas situações; apenas de expô­‑las de uma forma simples, porventura cómica ou mesmo caricatural em fundos simétricos na cor e na caracterização binária que vai elaborando a cada virar de página. A título de exemplo, podemos destacar a construção mental de beleza ou sensualidade feminina para o homem na perspetiva das mulheres e o seu contrário; a linearidade objetiva das conversas masculinas e a subjetividade e emaranhado conversacional num diálogo feminil; a distorção da autoimagem; o pragmatismo masculino na aquisição de bens e a desenvoltura – nem sempre objetiva – das mulheres nas suas compras; ou ainda a experiência do sofrimento e da doença de acordo com o género. Trata­‑se de destilar infograficamente o quotidiano comum pelo comportamento humano nas diversas dimensões em que se equaciona partindo de clichés, na sua veracidade e ficcionalidade como a mesma autora havia já feito em 2009 assinalando as diferenças entre o Ocidente e o Oriente ou em 1970 a obra I'm Glad I'm a Boy | I'm Glad I'm a Girl de Whitney Darrow havia caricaturado as desigualdades “genderizadas”. Não havendo texto, a atenção prende­‑se às imagens e aos títulos que as introduzem, enfatizando o absurdo como intencional.

Finalmente, o terceiro desafio será corresponder ao exercício proposto na obra, já que da sua simplicidade se constroem jogos de palavras e associações infinitas, evocações ou respostas possíveis a interrogações que por hábito, formatação social, comodismo, distração… não esclarecemos, tomando o real como inquestionável.

Man meets Woman de Yang Liu, pela Taschen, não se limita pois a questionar as diferenças entre homens e mulheres, Marte e Vénus ou entre os agentes masculino e o feminino; a obra constitui­‑se, pela originalidade despretensiosa da autora, uma compilação natural de informação caricatural de padrões estereotipados e discrepâncias modernizadas, uma abordagem artística e refrescada dos papéis sociais, das hierarquias e das relações de género numa síntese que procura germinar a tolerância, a aceitação, a descoberta e a reflexão – em última instância, a comunicação que se aparenta dificultosa.