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Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher

Print version ISSN 0874-6885

Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher  no.34 Lisboa  2015

 

ESTUDOS

Olhares sobre o corpo e envelhecimento feminino em um contexto asilar

Tatiane Barcellos Limont1

1Mestre em Antropologia Social pela Universidade Federal do Paraná. (2001) tatilimont@gmail.com


RESUMO

Para além do envelhecimento do corpo físico, a velhice é definida pela delimitação social de condutas nos diferentes estágios da vida. Este artigo tem por objetivo apontar olhares de alguns autores acerca do envelhecimento e a institucionalização, tendo como pano de fundo a velhice vivenciada por mulheres moradoras em dois asilos brasileiros, etnografados em 2010. Instituições filantrópicas que abrigam exclusivamente mulheres de baixas classes sociais e com variados graus de dependência física e mental. A identificação destes asilos enquanto instituições totais, ainda que relativa aos graus de dependência auxilia a pensar como a velhice experienciada em um contexto específico, atua na construção dos sujeitos e suas formas de se constituírem nestes ambientes.

Palavras-chave: envelhecimento; mulheres; asilos; corporalidade.

 

ABSTRACT

Beyond body´s aging, old age is defined by the social division of conduct at different stages of life. This article aims to point at some authors´ views about aging and institutionalization, having as a back drop the old age experienced by women living in two Brazilian nursing homes, an ethnography done in 2010. Philanthropic institutions that house exclusively women of lower social classes and with varying degrees of physical and mental dependence. The identification of these nursing homes as “total institutions”, even on the degree of dependence, aids us to think about how old age experienced in a specific context guides us into the building of subjects and their ways of constituting on these environments.

Keywords: aging; women; nursing home; corporeality.

 

Introdução

Este artigo é parte da dissertação de mestrado intitulada: “Vivendo no Asilo: uma etnografia sobre corporalidade e velhice”2, defendida em 2011 pelo Programa de Pós graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Paraná. A pesquisa de campo aconteceu em duas instituições de longa permanência para mulheres idosas, localizadas em Curitiba, Paraná, Brasil: Asilo São Vicente de Paulo e Abrigo Santo Clara, instituições religiosas e filantrópicas. O método de pesquisa utilizado foi a etnografia3, através da observação participante das rotinas asilares entre os meses de fevereiro de 2010 a março de 2011.

O Asilo São Vicente de Paula possuía, na época em que a etnografia aconteceu, 128 moradoras. A faixa etária, bastante variável (dos 41 aos 100 anos), deve­‑se ao fato de a instituição ter servido muito tempo de centro de mendicância, reformatório e orfanato. Quase metade das residentes tem mais de 30 anos de tempo de moradia. Algumas chegaram ali ainda crianças, com transtornos mentais e como já eram consideradas “ não­‑adotáveis”, hoje fazem parte da história da instituição. Esta grande variação na faixa etária, aliada à longa permanência e à baixíssima taxa de vínculos familiares4, também reforçam a especificidade deste local. O Abrigo Santa Clara, administrado pela mesma instituição, contava com 28 moradoras na faixa etária dos 52 aos 94 anos. Destas, seis não recebiam nenhuma visita familiar (21%).

Os asilos de idosos são locais onde os vínculos sociais do sujeito são rompidos, redefinidos e ressignificados, na interação com o outro e com o ambiente. Pensar a estrutura das instituições se faz necessário para melhor compreender a relação de corporalidade5 e velhice, tendo em consideração que este ambiente arquitetônico, emocional, relacional afeta a maneira de vivenciar o envelhecimento.

Ao escolher o asilo como campo de pesquisa da experiência corpo­‑envelhecimento, cabe lembrar que este espaço não é uma unidade isolada, sem vínculos com as demais dimensões da contemporaneidade de uma maneira geral. Neste ponto reside o cuidado de evitar “ a tentação da aldeia” (Magnani, 2002), de tomar o asilo ou o próprio corpo como esta “ aldeia” . O campo fechado, não existe; suas fronteiras são instáveis, permeáveis ao entorno social. A corporalidade nunca é totalmente individual; é parte de uma intersubjetividade coletiva, visto que nosso ser­‑estar no mundo se constrói na comunicação entre as subjetividades (individuais). Pensar a corporalidade na velhice em um espaço tão específico como os asilos pode revelar uma entre tantas facetas do envelhecimento em nossa sociedade. Obviamente, sem uma pretensão generalizadora e superficial, visto que a velhice não é um fato homogêneo. As experiências corporais do envelhecimento se dão de diferentes maneiras de acordo com as trajetórias individuais, além das influências de gênero, classe social, entre outras variantes.

 

Emergência dos asilos e do conceito de velhice

Simone de Beauvoir, em seu livro “A Velhice”, nos traz a idéia que “o que define o sentido e o valor da velhice é o sentido atribuído pelos homens à existência, é o seu sistema global de valores. E vice­‑versa: segundo a maneira pela qual se comporta para com seus velhos, a sociedade desvenda, sem equívocos, a verdade – tantas vezes cuidadosamente mascarada – de seus princípios e seus fins.” (Beauvoir, 1990: p. 97).

Ainda hoje podemos pensar, com o crescente número de asilos, que isto é um reflexo social, de como nossa sociedade encara a velhice (Graeffe, 2005: p. 19)6, como uma fase negativa, de perdas naturais, físicas e intelectuais. Mas há que se ter em consideração outros aspectos, que fazem do envelhecimento um fenômeno muito mais cultural e social que propriamente natural como é de senso comum. Segundo Ecléa Bosi (1994), esta carga negativa imbuída na experiência da velhice tem sido construída na sociedade industrial. Para a autora, “ além de ser um destino do indivíduo, a velhice é uma categoria social” (Bosi, 1994: p. 77). Categoria muitas vezes atrelada a uma idéia de doença, também como conseqüência de estilos de vida e das perdas “ naturais” decorrentes da idade. Assistimos a uma super valorização do corpo jovem e da juventude de uma maneira geral. Neste cenário temos defronte juventude/saúde versus velhice/doença como opostos “naturais”. Combatendo a velhice e a doença, vende­‑se a idéia de um “bom envelhecimento” ou um “envelhecimento ativo” através de dispositivos para este fim, como academias, cirurgias e procedimentos estéticos, dietas antioxidantes, cosméticos com nanotecnologia, prometendo uma pele lisa, sem rugas, prometendo retardar a ação do tempo, ao qual todos estão sujeitos. Abrindo um pequeno parêntese a este respeito, o Brasil tornou­‑se o maior consumidor de cirurgias plásticas estéticas a partir da década de 90, com um aumento de 580% na procura por este procedimento (Goldenberg, 2002). O sujeito é responsável por sua aparência, sua saúde e culpabilizado quando deixa de ser capaz de executar ações determinadas pela sociedade a qual pertence. Em um contexto onde o corpo e a aparência jovem são vistos como capital simbólico (Bourdieu, 1987) e que perde seu valor com o envelhecimento, com a descapitalização das virtudes juvenis, a pergunta que se coloca é: o que significa envelhecer em uma cultura em que o corpo jovem e belo é um capital?

A negação ao envelhecimento, mais que um reflexo do culto ao corpo jovem, pode ser encarada também como uma negação do processo que leva à morte, à dificuldade de nossa sociedade em lidar com a finitude da vida7 se tomamos a velhice como um estado liminar entre vida e morte. Nos ambientes dos asilos este estado liminar fica evidenciado, visto que as idosas são apartados do convívio familiar e social a que estavam habituadas. Além de serem espaços que reforçam a perspetiva de velhice como doença, devido ao tratamento dispensado às moradoras, à medicalização e os preceitos biomédicos que norteiam estas instituições.

Ao mesmo tempo em que temos as tecnologias biomédicas trabalhando com a idéia de extensão da vida, presenciamos o número crescente de instituições asilares. Só na Região Sul do Brasil, segundo pesquisa do IPEA/SEDH8, de 1980 a 2007, foram inauguradas 468 instituições asilares contra as 174 criadas entre os anos de 1835 a 1980 (Camarano, 2008). Reflexo também do crescimento do número de idosos, considerado um fenômeno mundial. Só no Brasil, de 1, 7 milhões de idosos em 1940 houve um salto para 14, 5 milhões em 2000; e as estatísticas apontam para mais de 30 milhões de pessoas com mais de 60 anos até 2020 (Beltrão citado por Camarano, 2010).

Existem poucos registros sobre a criação das instituições asilares específica para velhos. A história da criação dos asilos parece se confundir com a história das instituições psiquiátricas, também antigamente chamadas de ‘asilos de loucos'. Simone de Beauvoir, em seu livro “A Velhice”, atribui a criação dos asilos ao período Elisabetano, como forma de combater a miséria na Inglaterra. “A religião pregava respeito pela pobreza e esmola dos ricos.” (Beauvoir, 1970: p. 199). Nos primeiros quarenta anos do século XVII, asilos e hospitais foram fundados com características de instituição de caridade para tentar “remediar” esta situação de vulnerabilidade econômica da população. Durante este século, a velhice passou por fases em que foi valorizada pela burguesia e outras em que foi ridicularizada pela aristocracia. Somente no século XVIII, com a melhora nas condições de higiene, a população aumentou e rejuvenesceu. Com melhores condições materiais, houve um aumento da longevidade (Beauvoir, 1970: p. 202). Unido a isso, a ascensão burguesa, os velhos passam novamente a ser valorizados: “ Envelhecido, o chefe de família continua sendo o detentor de suas propriedades e goza de prestígio econômico; o respeito por ele inspirado se reveste de sentimentalismo. [...] Todos se debruçam complacentemente sobre os fracos: a criancinha, o avô.” (Beauvoir, 1970: p. 206).

Este “século sensível” traz ainda a criação do termo “beneficência” para substituir a idéia de caridade; a filantropia entra na moda, sempre revestidos de caráter religioso: “praticar a filantropia se havia tornado, sobretudo uma maneira de garantir a felicidade pessoal. Tornar pessoas felizes para ser feliz, foi um tema indefinidamente repisado” (Beauvoir, 1970: p. 207). Atendiam­‑se velhos, cegos, aleijados, parturientes. A velhice fazia parte, então, da categoria dos socialmente excluídos e incapacitados a responder a uma dita “ normalidade” social. Os asilos revestem­‑se de uma “ aura” da beneficência, da caridade, da filantropia. Ainda, segundo Michel Foucault (1999):

 

Grupos religiosos, associações de beneficência muito tempo desempenharam esse papel de “disciplinamento” da população. Desde a Contra­‑Reforma até a filantropia da monarquia de julho, multiplicaram­‑se iniciativas desse tipo; tinham objetivos religiosos (a conversão e a moralização), econômicos (o socorro e a incitação ao trabalho), ou políticos (tratava­‑se de lutar contra o descontentamento ou a agitação).(Foucault, 1999: p. 235).

 

Da mesma forma, no Brasil, a relação dos asilos com a idéia de segregação, abandono, acolhimento e caridade sempre estiveram presentes. O trabalho de Daniel Groisman, intitulado “A Infância do Asilo” (1999), aborda vários pontos sobre os asilos para velhos como a sua relação com a filantropia, os poderes públicos e os valores que norteavam seu funcionamento. Segundo o autor, os asilos de velhos parecem ter sido os únicos sobreviventes dentre uma história dos asilos:

 

O século XX parece ter tentado dar fim ao uso da palavra “asilo”. Da passagem do século XIX para os dias atuais, os asilos de órfãos se transformaram em orfanatos, os asilos de loucos em hospitais psiquiátricos e os asilos de mendicidade em centros de triagem social, casas de acolhida e outros. Um tipo de asilo, porém, parece ter sobrevivido ao tempo: o asilo de velhos. Ao contrário da loucura, que foi aprisionada como doença mental, a velhice parece ter sido recoberta, de forma parcial, pelo processo de medicalização os espaços institucionais. Os asilos de velhos não se transformaram todos em clínicas geriátricas, embora certamente se tenham medicalizado. (Groisman, 1999a: p.1).

 

Ainda no século XIX, em 1879, D. Pedro II inaugura no Rio de Janeiro o Asilo de Mendicidade, que por Decreto Imperial datado de 1884 admitia quatro classes de mendigos de ambos os sexos: “1.º, os menores de 14 anos, abandonados e ociosos; 2.º, os indigentes, os velhos e os incapazes, que recorriam à caridade dos transeuntes; 3.º, os que se apresentavam espontaneamente, provando indigência; 4º, os alienados que não podiam ser recebidos no Hospício D. Pedro II.” (Groisman, 1999b: p. 185).

A primeira instituição brasileira criada exclusivamente para velhos foi o Asilo São Luiz para a Velhice Desamparada, inaugurado em 1890, também no Rio de Janeiro. A separação dos velhos desamparados de outras categorias sociais seguia um movimento higienista em que as ações assistenciais buscavam uma maior especialização e evitava as “ misturas”, condenadas pelo higienismo9, que buscava o ordenamento dos espaços institucionais. Os asilos de velhos, “ [...] são muito mais que “soluções” adequadas ou inadequadas para o “ problema do envelhecimento” . Eles são, antes disso, produtos históricos de um contexto sócio­‑cultural no qual a própria velhice emergiu como uma categoria etária.” (Groisman, 1999a: p. 32).

Hoje, o caráter dos asilos vai além de uma proposta de casa de caridade, local de abrigamento de uma parcela dos excluídos da sociedade; mostram­‑se de fato instituições bem organizadas, disciplinadoras e segregadoras, porém com atendimento médico a seus internos. Diferente de quando, até meados do século XVII, ainda era uma espécie de instrumento misto de exclusão, assistência e transformação espiritual, em que a função médica não aparecia (Foucault, 1999). A transformação das concepções que nortearam as instituições asilares ao longo da história é bastante marcada no que se refere principalmente ao atendimento à saúde de seus moradores. À caridade e à beneficência, acrescentaram­‑se as idéias normalizadoras da biomedicina (da geriatria especificamente) e das políticas públicas. Com o objetivo de “ melhorar” o atendimento, grupos foram separados: lares para crianças, lares para idosos, clínica e hospitais psiquiátricos, abrigos para moradores de rua, etc.

Aumentamos a expectativa de vida e evitamos o envelhecer a todo custo, mas ao mesmo tempo não sabemos como lidar com as diferentes velhices que se apresentam diante de uma sociedade que apesar de reforçar a idéia de que os idosos devem ser respeitados, os elimina muitas vezes da convivência social e limitam sua capacidade de decisão. O crescimento do número de idosos aliado às novas definições do envelhecimento (Barros, 2006), fez com que o Estado transformasse a velhice em um “ problema social”, necessitando então de políticas públicas como o Estatuto do Idoso, criado em 2003, visando garantir os direitos das pessoas com idade igual ou superior a 60 anos. Mas será de fato um problema social? E para que velhices se destinam estas políticas públicas e discursos biomédicos? Eles são aplicáveis a todos os indivíduos acima de 60 anos, sem levar em consideração as diferenças entre pessoas de 60 e 80 anos, por exemplo? Sem levar em consideração questões de gênero e estrato social? Uma leitura antropológica destas políticas também se faz importante para a compreensão das transformações e da hipótese, baseada em dados levantados em campo, de que há nas instituições um disciplinamento dos corpos (Foucault, 1999) e um reforço do estigma (Goffman, 1988) da velhice. Cabe, no entanto, ressaltar que para além da idéia de um ambiente opressor, há também novas construções de identidades que são negociadas a partir da entrada nestes locais.

Os asilos, atualmente chamados de Instituição de Longa Permanência para Idosos contam com agentes reguladores, a Política Nacional do Idoso e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Tais agentes normatizam algumas questões como a idade para entrada nas instituições, a separação de moradoras com distúrbios psiquiátricos e por graus de dependência.

 

O asilo enquanto instituição total

O asilamento na velhice independe de fatores financeiros, pode acontecer nas mais diversas classes sociais, tendo em vista que existem instituições particulares caríssimas que trabalham com o abrigamento de idosos. Normalmente, recebem designações eufemísticas de “ lar”, “ recanto”, “ casa de repouso”, “centro de convivência”, entre outros, amenizadores do termo asilo. Já o tipo de instituição escolhido para o asilamento é determinado pelas condições econômicas da família e/ou do próprio idoso. Tanto o Asilo São Vicente de Paulo quanto o Abrigo Santa Clara, escolhidos para esta pesquisa, são instituições filantrópicas que abrigam mulheres acima dos 60 anos 10 e muitas sem vínculos familiares e de baixas classes sociais. O único, ou quase único vínculo que muitas moradoras possuem, é com as pessoas do próprio asilo, que foram analisados à luz de alguns aspectos do conceito Goffmaniano de “instituição total” (Goffman, 2001).

Em Manicômios, Prisões e Conventos, o autor afirma que todas as instituições têm determinadas características de fechamento. O conceito de “ Instituição Total”, ainda que de maneira parcial, é passível de ser aplicado a algumas instituições asilares:

 

[...], toda instituição tem tendências de “fechamento”. [...] Seu “fechamento ” ou seu caráter total é simbolizado pela barreira à relação social com o mundo externo e por proibições à saída que muitas vezes estão incluídas no esquema físico – por exemplo, portas fechadas, paredes altas, arame farpado, fossos, água, floresta ou pântanos. A tais estabelecimentos dou o nome de instituições totais, e desejo explorar suas características gerais. [...] Há instituições criadas para cuidar de pessoas que, segundo se pensa, são incapazes e inofensivas; nesse caso estão as casas para cegos, velhos, órfãos e indigentes. (Goffman, 2001: p. 16).

 

A identificação do asilo enquanto instituição total, ainda que relativa, ajuda a pensar como o idoso institucionalizado vive sua corporalidade, que para a maioria acaba cerceada a um ambiente praticamente único: dormir, acordar, alimentar­‑se, caminhar ou praticar qualquer atividade, estabelecer relações sociais, enfim, tudo está limitado ao ambiente do asilo.

Nos dois asilos pesquisados, é permitido aos idosos que tragam suas roupas e alguns pertences pessoais. Apesar disto, o rompimento de vínculos anteriores e a perda dos papéis sociais anteriores ao asilamento levam a uma necessidade de ajustamento à nova realidade. “ A barreira que as instituições totais colocam entre o internado e o mundo externo assinala a primeira mutilação do eu” (Goffman, 2001: p. 24). As moradoras dos asilos dificilmente estão sozinhas para qualquer atividade e a perda da possibilidade das escolhas pessoais é evidente. Apesar de alguns trabalhos corporais estimularem a autonomia do corpo das idosas, a real liberdade dos atos é visivelmente limitada. O processo de admissão também pode ser visto como um processo de perda e mortificação (Goffman, 2001: p. 25), onde as idosas são cadastradas, classificadas por seu grau de dependência, além de receberem a designação de onde irão dormir e das regras da casa: “Os processos de admissão talvez pudessem ser denominados «arrumação» ou «programação», pois, ao ser «enquadrado», o novato admite ser conformado e codificado num objeto que pode ser colocado na máquina administrativa do estabelecimento, modelado suavemente pelas operações de rotina.” (Goffman, 2001: p. 26).

Entretanto, novas negociações são estabelecidas nas relações entre idosos e equipe e entre as próprias idosas. Desta forma, identifico as quatro características que podem classificar os asilos enquanto instituições totais:

 

[...] todos os aspectos da vida são realizados no mesmo local [...]; cada fase da vida diária do participante é realizada na companhia imediata de um grupo relativamente grande de outras pessoas [...]; as atividades diárias são rigorosamente estabelecidas em horários [...] e toda seqüência de atividades é imposta de cima por um sistema de regras formais explícitas e um grupo de funcionários [...]. (Goffman, 2001: 17­‑18).

 

Trabalho, diversão, sono, acontecem no mesmo espaço e sob a supervisão de uma equipe e com horários delimitados. Poderíamos pensar que em nossa vida cotidiana também temos horário a serem cumpridos, horários de refeições, enfim, mas não somos coletivamente agrupados e não vamos para a maioria de nossas atividades com pessoas semelhantes a nós nem sob a supervisão e vigilância de uma organização, de uma equipe. Há certa individualidade11 que dentro dos asilos é impossível de ser exercida pelos moradores, principalmente devido à sua estrutura organizacional que não permite grande flexibilidade nas rotinas dos idosos.

Dois mundos convivem paralelamente nos asilos; o mundo dos internados e o mundo dos funcionários, que possuem relações com/no mundo exterior ao do asilo. Esta característica, também descrita por Erving Goffman (2001), aponta para o fato que “ desenvolvem­‑se dois mundos sociais e culturais diferentes, que caminham juntos com pontos de contato oficiais, mas com pouca interpenetração” (Goffman, 2001: p. 20). As moradoras não participam das tomadas de decisões, que são exclusivamente institucionais. Suas necessidades essenciais precisam ser planejadas, e o são pelas equipes administrativas e de saúde, tendo em vista a manutenção da imagem institucional bem como de seu bom funcionamento. O estímulo às atividades físicas e terapêuticas como artesanato, pintura, caminhada, entre outros “trabalhos” incentivados, não tem a mesma “significação estrutural que tem no mundo externo. Haverá diferentes motivos para o trabalho e diferentes atitudes com relação a ele. Este é um ajustamento básico, exigido dos internados e dos que precisam levá­‑los a trabalhar” (Goffman, 2001: p. 21).

Entretanto, diferente dos manicômios e prisões analisados por Erving Goffman (2001), os asilos não se constituem locais de passagem, permanência temporária para um tratamento ou cumprimento de penas. São em geral, a última moradia, onde a velhice estigmatizada fica fechada, longe dos olhos da sociedade. Os dois asilos escolhidos para esta pesquisa possuem um recorte ainda mais específico em seu caráter de gênero e sócio econômico; atendem mulheres e de baixas classes sociais.

 

A velhice homogeneizada – discursos de controle

Nas duas instituições pesquisadas, existe uma rotina no que se refere às práticas físicas, alimentares e de higiene com horários determinados para banho, refeições, entre outras atividades. Poucas moradoras têm acesso livre para entrada e saída do asilo e isso é variável de acordo com o grau de dependência.

Neste ponto surge mais uma questão: a entrada do indivíduo em uma instituição, sua transferência de casa, da vida anterior, para um espaço coletivo pode ser vista como um atestado legitimador de sua velhice? Cabe aqui pensar que esta “ passagem” para o ambiente do asilo significa também um rompimento de alguns vínculos sociais bem como a redefinição de outros (com funcionários, visitantes, voluntários e com a própria família). Quais seriam então, os efeitos da institucionalização no sujeito? Que corpos estão sendo construídos nestes espaços? Se como afirma David Le Breton, “ a imagem do corpo não é um dado objetivo, não é um feito, é um valor que resulta, essencialmente, da influência do meio e da história pessoal do sujeito” (Le Breton, 2002: p. 149)12 e se as coisas do corpo revelam a marca do tempo não só cronológico, me interessa perceber também as realidades e as corporalidades construídas e negociadas como resultantes provisórios das trocas constantes que estas idosas estabelecem com as instituições.

Cabe ainda refletir sobre o funcionamento destas instituições. Como elas exercem influência sobre o pensamento de seus membros, mobiliza pessoas com fins de caridade, por exemplo? A ação coletiva, através de políticas públicas e discursos legitimados, como o da biomedicina, podem ser a resposta a estas perguntas. A filantropia, no caso das duas instituições pesquisadas, pode ser ainda uma “ autoridade legitimadora” (Douglas, 1998) destas instituições, “baseada na concordância comum em torno de algum princípio fundante” (Douglas, 1998), neste caso a caridade sem fins lucrativos. Estas instituições tentam conferir, de certa forma, uniformidade à velhice, dentro de um esquema coerente de funcionamento. Nesta linha, e seguindo o pensamento de Foucault, Mary Douglas afirma que as instituições significativas “ passam por cima do pensamento individual e adaptam a forma do corpo a suas convenções.” (Douglas, 1998: p. 98).

Já nos primeiros contatos com as instituições, percebi um fato interessante sobre as moradoras: muitas são tratadas como pacientes, como doentes. As instituições as colocam como tal, estabelecendo rotinas muitas vezes similares à de hospitais13 no que se refere à alimentação e medicação, por exemplo. Há uma equipe de saúde que conta com médicos, fisioterapeutas, nutricionista, enfermeira, auxiliares de enfermagem, terapeuta ocupacional, assistente social, etc., que fazem da estrutura asilar uma verdadeira estrutura hospitalar. A velhice asilada se apresenta muitas vezes como uma doença, pertencente única e exclusivamente aos domínios do discurso biomédico.

A construção da relação velhice e doença como coisas evidentes e naturais, só faz sentido quando aplicada a uma sociedade onde juventude, força física e produtividade são valores importantes e onde a valorização da velhice só ocorre a partir de uma perspectiva onde o indivíduo é responsabilizado pelo seu “bom envelhecer” ou a um “envelhecimento ativo”. Discursos que também vêm se especializando como forma de garantia da legitimação e autoridade sobre o envelhecimento, através da geriatria.

A especialidade médica geriatria14 surgiu somente no início do século XX, mas até hoje, não conseguiu definir parâmetros classificatórios fecha­dos para o envelhecimento, segundo Daniel Groisman (2002), ou determinar o que é patológico e o que é “natural” no envelhecimento. Mesmo não conseguindo apontar estes parâmetros, o discurso da biomedicina aparece como forma de normalização:

 

Um fabuloso aparato parece ter sido criado para artificialmente normalizar o envelhecimento e, por meio dessas normas sociais, gerir a velhice [...]. Com o discurso da prevenção, todos os sujeitos são passíveis de intervenção, independentemente de seu estado de saúde ou de sua inserção na normalidade.Pela urgência da prevenção, não importa também quando começa a velhice, pois a prevenção deve começar muito antes. Lutando por um envelhecimento bem­‑sucedido, a geriatria/gerontologia parece delinear o seu mais ambicioso projeto, que é disciplinar a vida humana em toda a sua extensão. (Groisman, 2002: pp. 76­‑77).

 

O discurso autorizado da geriatria transforma o envelhecimento e as doenças da velhice em uma narrativa que adquire sentido e legitima determinadas ações de controle. Isso fica mais claro quando aplicado às instituições, por exemplo, que detém a tutela sobre cada moradora, que acabam as destituindo de sua autonomia para realizar atividades das mais rotineiras, como ir ao banheiro, tomar banho, alimentar­‑se, enfim, atividades que freqüentemente acontecem coletivamente nestes locais. A velhice, então vista como doença, é mais evidente nos espaços dos asilos, que são regulados por legislações específicas para os idosos e que por sua vez são sustentadas pelo saber legitimado da geriatria.

 

Pouco a pouco um espaço administrativo e político se articula em espaço terapêutico; tende a individualizar os corpos, as doenças, os sintomas, as vidas e as mortes; constitui um quadro real de singularidades justapostas e cuidadosamente distintas. Nasce da disciplina um espaço útil do ponto de vista médico. (Foucault, 1999: p. 171).

 

Além disso, o saber biomédico e aceito sem questionamentos, quase como uma religião e como se fosse uma “ ciência neutra e objetiva, e nada mais” (Laplantine, 2004). Ciência que coloca a velhice como algo a ser evitado, combatido e de única responsabilidade do sujeito. E que muitas vezes deixa de lado o fato que “os seres humanos são criaturas ao mesmo tempo culturais e biológicas, e estas duas dimensões, necessariamente, interagem” (Romanucci­‑Ross, 1991: p. xi)15

O desenvolvimento de um discurso médico especializado aliado aos espaços asilares também específicos para velhos, podem ser vistos como um “duplo processo, portanto: arrancada epistemológica a partir de um afinamento das relações de poder; multiplicação dos efeitos de poder graças à formação e à acumulação de novos conhecimentos.” (Foucault, 1999: p. 185).

Segundo Eneida Gonçalves de Macedo Haddad (1986), em “A Ideologia da Velhice”, há uma cumplicidade entre Estado e geriatria/geron­to­logia, que unem seus discursos como forma de dominação, visando um “envelhecimento sem velhice” (Haddad, 1986), sem doenças, se adotados determinados estilos de vida e de consumo, e com a preocupação que o aumento do número de idosos possa ser oneroso ao Estado. Quanto maior o número de doenças da velhice, mais gastos com saúde pública. Por trás de programas de promoção à saúde, existe a intenção de prevenção de gastos públicos com a mesma. “ Mais velhos e mais anos de velhice: multipliquemos os dois números e obteremos a cifra que revela a excepcional gravidade do problema” (Bobbio, 1997: p. 25). Não é somente devido ao aumento da expectativa de vida16 e conseqüente aumento da população de idosos que se criam políticas públicas para este grupo específico, mas também à mudança da relação que toda a sociedade estabelece com a velhice.

 

Conclusões

Ao não enfatizar apenas os aspectos biológicos do envelhecimento, inúmeras outras possibilidades de olhares se abrem a este processo, notadamente social, onde o perceber­‑se velho é também produto de uma sociedade onde corpos jovens e a juventude de uma maneira geral são supervalorizados. Ainda que não apareçam nas falas das moradoras de maneira explícita, a decadência corporal das idosas é visível e crescente após a institucionalização. Decadência decorrente não apenas da falta de estímulos corporais, da ociosidade a que estão expostas grande parte do tempo, mas também dos sentimentos frente aos rompimentos de vínculos sociais e familiares.

Ainda que o corpo não apareça nas narrativas, ele permeia o cotidiano dos asilos, como “terreno da experiência e não objeto dela” (Almeida, 2004). Foi preciso atenção etnográfica para percebê­‑lo porque de fato, alguns pontos da problemática de corpo e envelhecimento não pareceram ser relevantes aos sujeitos desta pesquisa. Os temas trazidos pelas moradoras tratam principalmente de família e da experiência do asilamento, mas não incluem preocupações com as mudanças físicas do envelhecimento ou como evitá­‑lo a todo custo. Não se fala em cirurgias plásticas, dietas antioxidantes, academias, cosméticos ou outros meios de retardar o envelhecimento; temas mais importantes de acordo com gênero e estrato social (mulheres de camadas médias e altas), do que propriamente com o envelhecimento. A velhice vivida nas instituições traz imbuída nos discursos uma carga muito mais emocional, que propriamente física e focada na aparência. As perdas sociais de vínculos e atividades corriqueiras são preocupações maiores para estas idosas.

A experiência do asilamento vai sendo transformada com o passar do tempo dentro da instituição, através de um período de adaptação a esta nova realidade, da resistência ao conformismo. Se para algumas aparece como a solução para a vida anterior e/ou a proteção contra o “risco” de viver sozinha, significa também o afastamento de uma rede de relações familiares e sociais construídas ao longo da vida. Neste novo ambiente também renunciam a muitos hábitos anteriores ao asilamento e onde as escolhas passam a ser em sua maioria, institucionais e não mais pessoais: o que comer o que vestir, como organizar as rotinas diárias. A falta de autonomia, de estímulos, de mobilidade, se reflete na decadência do corpo, naturalizada nos discursos acerca do envelhecer, mas visíveis na prática dos corpos pós asilamento. A renúncia aos hábitos também é a renúncia do corpo, do movimento, e vista muitas vezes como um fato inevitável, ainda que não ideal, que seria continuar podendo cuidar de suas próprias vidas. O conformismo à situação vem com o tempo como nos marca a fala de uma idosa: “ A gente tem que gostar de morar aqui.”

Além disso, as relações entre idosas e funcionários, idosas e voluntários/visitantes e entre elas próprias, são geradoras de alteridade, através da perspectiva de que “velho é o Outro”; como um mecanismo de afastamento da realidade; da velhice como um estado liminar: “Pessoas idosas, não só nos lembram que vamos ficar velho e não competitivos, eles também nos fazem lembrar da morte certa. Sua própria presença desperta ansiedade, uma ansiedade que permeia toda a metodologia que empregamos em estudá­‑los: nós­‑e­‑eles, seus problemas, eles­‑como­‑nosso problema.” (Romanucci­‑Ross, 1991: p. xi).17

O que nos ajuda também a entender a forma como as moradoras são tratadas no asilo: a infantilização, a medicalização e as hierarquias que se apresentam. São ainda os parâmetros biomédicos que norteiam o funcionamento das duas instituições, bem como as políticas públicas direcionadas a este grupo da população. Neste sentido, pode­‑se dizer que política e biomedicina caminham juntas visando uma “normalização” da velhice, como se o envelhecer fosse mais que um processo homogêneo, mas uma “doença” passível de ser controlada. Parece haver uma dificuldade das instituições em separar a idéia de velhice da de doença ou incapacidade, aceitando ativamente os prejuízos sobre a velhice e criando um sentimento crescente de dependência entre instituição e moradoras. Frente a indivíduos dependentes e manejáveis, decidem o que lhes convém. E quanto mais dependentes se tornam, mais diminuem sua auto­‑estima e capacidades corporais.

Este breve artigo aponta apenas para alguns aspectos da heterogeneidade dos envelheceres, especialmente quando se contrastam os discursos e práticas institucionais, com as narrativas das moradoras. Enquanto os asilos propõem ações e atividades que julgam benéficos às moradoras, as próprias idosas não são consultadas sobre o tratamento e sobre o que gostariam de fazer. As práticas que visam o disciplinamento, a docilização dos corpos estão lá e são visíveis diariamente, o que não significa que as moradoras as aceitem passivamente, havendo respostas raras e muito pontuais a estas rotinas impostas. No entanto, a maneira que reagem às normas e propostas institucionais, implica em como são vistas pela equipe de saúde e administração. Apesar de viverem de acordo com as regras específicas que norteiam estes asilos; de acordo com o “campo de possibilidades” (Velho, 1999) de cada instituição, para além das opiniões críticas das idosas, vê­‑se pouca agência das mesmas no processo de construir sociabilidades ou diferentes formas de subjetividade, visto que as decisões diárias acerca das rotinas são institucionais e não comparti­lhadas com as moradoras.

No entanto, foi importante acompanhar as rotinas de duas instituições administradas pela mesma gestão e buscar diferenças em espaços norteados pelas mesmas diretrizes administrativas, mas com públicos, equipes e espaços físicos diferentes. Diferenças que se refletem diretamente no serviço prestado e no envelhecer institucional. Talvez a contribuição maior desta pesquisa seja exatamente esta: não a de apontar se o asilamento é uma prática boa ou má, adequada ou não, mas de refletir também sobre o fato de que se estes espaços são necessários à nossa sociedade, de que maneira eles podem ser estruturados, tendo em vista uma maior humanização do atendimento e uma minimização dos rompimentos dos vínculos sociais destes idosos?

Etnografar as rotinas e a situação destes dois asilos é apenas uma entre tantas formas de retratar a velhice, contrapondo à situação de outras idosas, que em outros contextos e mesmo em idade muito avançada, têm a possibilidade de redefinir suas trajetórias. O envelhecimento precisa ser visto como uma experiência heterogênea pendente de particularidades como gênero e estrato social. Que este artigo instigue outros estudos que incluam maior aprofundamento nestas peculiaridades, especialmente no tocante ao envelhecer feminino.

 

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Notas

2Disponível em http://hdl.handle.net/1884/32791

3 A etnografia é um método de pesquisa antropológico no qual a relação entre pesquisador e interlocutores de pesquisa porta o estatuto de mediação entre teoria e realidade vivida. No processo de desenvolvimento desta relação, a pesquisa etnográfica é realizada. A etnografia pode ser desenvolvida mediante observação participante, estudo de documentos, entre outros. No presente uso que faço do termo, refiro­‑me ao trabalho de observação participante. Durante a pesquisa de campo, também realizei entrevistas com algumas moradoras e funcionários das instituições.

4Apenas 48 das 128 moradoras possuíam algum vínculo familiar registrado, cinco delas a família não foi localizada e as demais, 75 no total, sem nenhum vínculo familiar conhecido (59%). Estes são os dados levantados pelo serviço social da instituição. Deste número, cerca de 15 idosas recebiam, de fato, visitas regulares. As demais famílias simplesmente assinaram os contratos e não apareceram mais. Segundo a administração do asilo, nada pode ser feito que obrigue as famílias a visitarem as idosas.

5O termo corporeidade ou corporalidade possui aplicação em diversos campos de conhecimento (Filosofia, Sociologia, Antropologia, Medicina, Artes, entre outros). Neste caso, aproprio­‑me do entendimento de corporeidade: “ [...] como mais que a materialidade do corpo, que o somatório de suas partes; é o contido em todas as dimensões humanas; não é algo objetivo, pronto e acabado, mas um processo contínuo de redefinições; é o resgate do corpo, é o deixar fluir, falar, viver, escutar, permitir ao corpo ser o ator principal, é vê­‑lo em sua dimensão realmente humana. Corporeidade é o existir, é a minha, a sua, é a nossa história.” (Polak, 1997, p. 37).

6Obviamente, existem outros fatores que determinaram o crescimento do número de asilos como o aumento da longevidade, a inserção das mulheres no mercado de trabalho (muitas chefes de família), impossibilitando o cuidado aos mais idosos, papel historicamente destinado às mulheres. Fatores que considero co dependentes. Neste trabalho, opto por enfocar a questão da supervalorização da juventude, onde envelhecer torna­‑se uma acusação: “ assim, na medida em que a categoria juventude é eleita idade­‑padrão da sociedade contemporânea, a velhice se torna o inimigo a ser combatido.” (Graeffe, 2005: p. 19).

7Norbert Elias (2001) afirma que a “atitude em relação à morte e a imagem da morte em nossas sociedades não podem ser completamente entendidas sem referência a essa segurança relativa e à previsibilidade da vida individual – e à expectativa de vida correspondentemente maior. A vida é mais longa, a morte é adiada” (p. 15).

8Pesquisa do Governo Federal em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA e Secretaria Especial de Direitos Humanos – SEDH, que resultou na publicação de livros identificando as características das Instituições de Longa Permanência para Idosos por regiões, neste caso Características das Instituições de Longa Permanência para Idosos – Região Sul, publicado em 2008.

9 Movimento criado no fim do século XIX e início do século XX. As ações higienistas foram alavancadas principalmente pela medicina social, que condenava a mistura de sexos, idades e patologias visando a melhora da saúde coletiva e individual da população. Segundo Daniel Groisman (1999a: p.32), estas ações colaboraram para “uma formulação pública e institucional da “ velhice” como um estágio distinto da vida e dos velhos como grupo social específico” e visavam “a construção de uma sociedade sadia”.

10Existem, na verdade, 17 moradoras do Asilo São Vicente e uma moradora do Abrigo Santa Clara, que têm idades abaixo do 60 anos. Isso se deve ao histórico institucional, que anteriormente funcionava como Centro de Mendicância.

11Individualidade, tomando por referência à idéia de indivíduo­‑valor (Louis Dumont, 1985), único, singular, dotado de autonomia e capacidade de escolha.

12 Tradução minha. No original: “ La imagen del cuerpo no es um dato objetivo, no es um hecho, es um valor que resulta, esencialmente, de la influencia del medio y de la historia personal del sujeto.”

13Durante os anos de 2002 a 2006, trabalhei como nutricionista em um hospital psiquiátrico de Curitiba. Este período, ainda que não tenha sido um trabalho de campo, me serve como experiência de contraste entre o tratamento dado às idosas e aos pacientes psiquiátricos.

14 O termo Geriatria aplica­‑se exclusivamente à categoria médica, enquanto Gerontologia abarca um campo mais amplo, onde qualquer profissional pode especializar­‑se. A gerontologia propõe­‑se a abarcar aspectos biopsicossociais do envelhecimento, enquanto o foco da geriatria seriam os processos da doença que ocorrem na velhice, as doenças senis. Mais sobre a história da criação desta especialidade, vide Groisman, D. (1999). A infância do asilo: a institucionalização da velhice no Rio de Janeiro na virada do século. Dissertação de mestrado em Saúde Pública: UERJ.

15Tradução minha. No original: “ Human beings are simultaneously cultural and biological creatures, and these two dimensions necessarily interact.”

16A expectativa de vida dos brasileiros era de 33,7 anos em 1900; 43 anos em 1950; 65 anos em 1990 e beira os 70 anos na entrada do século XXI. Um aumento de mais de 100%, com a projeção que ainda ultrapasse os 75 anos até 2025.

17 Tradução minha. No original: “Old person not only remind us we are going to get old and noncompetitive, they also remind us of certain death. Their very presence arouses anxiety – an anxiety that permeates all the methodology we employ in studying them: us­‑and­‑them, their­‑problems, them­‑as­‑our­‑problem.”