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Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher

versión impresa ISSN 0874-6885

Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher  no.35 Lisboa jun. 2016

 

PIONEIRAS

Luísa Amaro

 

 

Maria José Remédios*, Rita Mira**

* Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais, Faces de Eva, Lisboa, Portugal, mariajoseremedios@gmail.com

** Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais, Faces de Eva, Lisboa, Portugal, mira.rita@gmail.com


 

Luísa Amaro é a primeira mulher a acompanhar, em guitarra clássica, a guitarra portuguesa e a compor e a gravar neste instrumento musical.

Canção para Carlos Paredes (2004) inicia um percurso corajoso e pioneiro de uma mulher enamorada por um instrumento ainda hoje masculino. Em 2009, edita Meditherranios e, em maio de 2014, Argvs, o terceiro original em nome próprio. Em 2010, compõe para Poemas ditos por Maria de Jesus Barroso, no contexto do projeto Geração do Novo Cancioneiro.

Desde 1996 que Luísa Amaro se dedica à guitarra portuguesa como compositora, procurando uma identidade e um caminho próprios, rompendo com a forma tradicional de tocar este instrumento. Fala naturalmente dos mestres, reconhecendo e homenageando o contributo decisivo para o seu percurso, mas também é com naturalidade que regressa a si própria, à sua identidade e ao seu – gratificante, mas solitário – caminho.

Que valor, que significado atribui à infância?

Uma coisa é a infância que tive, outra coisa é o sentido que hoje lhe atribuo. Olhando para trás, eu, que já tenho 57 anos, digo que a minha infância foi boa. Felizmente tive um acompanhamento próximo por parte dos pais. Tive bons suportes, bons pilares, que foram fundamentais. Ao longo da vida vamos perdendo tanta coisa, e vamos lá atrás, a esses pilares, buscar a força para nos aguentarmos nos momentos difíceis. Correu bem. Mas tem o reverso. Não aprendemos a proteger-nos, porque estamos resguardados. Por um lado, não me mostrou o lado mau da vida; por outro, deu-me segurança para aguentar e gerir os momentos maus da vida. Parece um contrassenso, mas este é o balanço que faço.

Tem irmãos?

Tenho um irmão, oito anos mais velho, que para mim sempre foi um apoio. Se os meus pais não podiam, era ele quem tomava conta da irmãzinha. Sempre fui muito resguardada. Esse é o lado bonito e confortável. O que me deu algum conforto. Mas, depois, quando a vida já não é essa, temos de aprender a defender-nos. Às vezes, digo que tenho saudades de mim.

Nasceu em África. Guarda memórias desse tempo?

Nasci no Congo Belga, na altura da guerra, em 1958. O meu pai estava lá a trabalhar e a minha mãe estava com ele; o meu irmão também aí nasceu. Quando nasci, viemos para Portugal. Não tenho recordações, nem nunca lá voltei. Mas a minha mãe conta-me episódios da guerra civil, que se podiam ter refletido no meu crescimento. Tive uma mãe muito equilibrada, pois a insegurança que lá se vivia não passou para mim. Fico espantada como ela aguentou tudo com tanta tranquilidade. A minha mãe conta que mudavam de sítio para sítio, pois surgiam multidões em direção a Kinshasa. As mulheres juntavam-se com as crianças, tentando que estas não chorassem, nem se mexessem muito. A vivência de África pode cá estar, mas dela não tenho consciência.

Foi educada numa instituição de referência – o Colégio do Sagrado Coração de Maria – que, antes do 25 de Abril, era uma instituição gerida por mulheres e para educar mulheres. Considera que isso teve alguma influência na mulher que é hoje?

Influencia sempre. Não posso dizer como me marcou, pois não conheci outra escola. Nos bons e maus momentos lembramo-nos de que andámos num colégio de freiras. Nós não tínhamos contacto com rapazes. Tínhamos a Madre Ecónoma, que se punha à porta do gabinete, onde havia uma janelinha voltada para o pátio e, se entrava um rapaz, ela saía disparada e ele ia embora. Também não usávamos calças. Foi com o nosso ano que se começou a usar calças. Fomos persistentes e lutámos por isso. Foi a nossa turma, antes do 25 de Abril.

Nós estávamos muito resguardadas: colégio de freiras e só raparigas. Contudo, como tinha um irmão, cá fora convivia com rapazes e até brincava muito mais com eles – irmão e primos – do que com as raparigas. A coisa equilibrava-se.

A minha mãe andou em Odivelas, onde tudo era muito mais sério. Aprendiam o que uma menina devia saber fazer. E as nossas freiras não nos ensinavam essas coisas. A minha mãe tinha um certo desgosto nisso, pois pensava que, ao pôr-me no Colégio, as freiras não só me dariam uma boa preparação intelectual, como também me ensinariam o que ela valorizava. As nossas freiras não estimularam esse lado feminino, o da vida doméstica. Tinham, talvez, uma visão diferente da vida. Também não éramos orientadas para a Mocidade Feminina.

Não me fez falta esse contacto com rapazes, talvez pelo tipo de turma e de pessoas que nós erámos. Éramos interventivas, por exemplo, reivindicámos o uso de calças. Fomos as primeiras a usá-las num colégio de freiras.

Foram as primeiras em Lisboa?

Julgo que era o único colégio onde se permitia o uso de calças. As nossas freiras eram mais “abertas”. Antes do 25 de Abril, lembro-me, quando começaram aquelas perseguições da polícia aos estudantes do Técnico, eles resguardavam-se no Colégio. Nessa altura, eu já andava muito à volta da música, sempre com a viola. Até tive lá aulas de bateria.

A recordação da Luísa do Colégio, nos finais dos anos 60, é indissociável da imagem duma adolescente de fardamento e viola no braço. O tempo é o dos hippies e da música, mas é também o tempo do início das canções de intervenção política. Essa época teve alguma influência no seu despertar para a música?

A música, para desespero dos meus pais, esteve sempre presente. Quando andava no jardim infantil, não descansei enquanto não entrei para a música. Aí aprendi ferrinhos. Tocava muito bem, o que requer apreender o tempo certo. Mas a minha mãe, como eu não tinha uma boa saúde, tirou-me das aulas de música. Mas o “bichinho” ficou cá. Depois, cresci, comecei a levar as coisas mais a sério. Juntei-me no Colégio a um grupinho – eu, a Paula Raposo e a Vanda – que tocava.

É curioso que já conhecia muita coisa do Zeca Afonso, do Adriano e do Luís Góis. Depois do 25 de Abril, com a Isabel Osório, tocávamos muitas outras músicas de intervenção.

A música esteve sempre presente na minha vida. Do lado paterno, todos tocavam. Para o bem e para o mal, a música passou a fazer parte de mim; a vida de músico tem coisas boas, mas também tem outras que são menos boas. Não sei o que eu seria sem a música.

A viola não foi, então, um dos primeiros instrumentos. Houve a bateria?

Sim, mas foi pouco tempo. Percebi que não podia ter uma bateria em casa e mudei para a viola. Os ferrinhos foram responsáveis pelo grande despertar para a música. Também aprendi um pouco de piano, mas foi a viola que me levou ao Conservatório e a aprender música a sério.

E havia muitas raparigas, no Colégio, a aprender viola? E no Conservatório?

Sim, havia. No Colégio, era eu e a Paula Raposo. Ela tinha um excelente ouvido e uma boa voz. Eu acompanhava-a, se fosse necessário, mas não tinha aquela voz. Percebi que, se queria continuar, tinha de me aplicar, de estudar. No Conservatório, os alunos da turma do meu professor, o Professor Lopes e Silva, eram quase só raparigas. Já o outro professor, o Professor Manuel Morais, tinha só rapazes. Como tinha um feitio difícil, as raparigas fugiam dele (risos).

E como se profissionaliza?

Isso é outra história, foi através do Carlos Paredes.

Eu estava no Conservatório e, em simultâneo, estava em Direito na Católica. Mais uma instituição de referência, que também nos resguarda da vida. Eu, ou seria professora de música ou seria uma advogada contrariada e muito infeliz. Rapidamente percebi, para grande desgosto do meu pai, que não tinha feitio para advogada.

Tinha um colega mais velho, o Acácio, que acompanhava o Carlos Paredes. Eu e uma colega pedimos-lhe para o conhecer, o que aconteceu durante um ensaio. Eu, ingenuamente, fiz uns acordes. O Carlos Paredes sugeriu que o acompanhasse, e eu, muito naturalmente, apanhei as músicas que ele tocava. Entretanto, o Carlos Paredes foi convidado para tocar numa iniciativa, e o Acácio não pôde ir. Então, ele telefonou-me a sugerir que eu substituísse o meu colega, ao que respondi afirmativamente. Naquela inconsciência de quem é novo, disse que iria aprender e não seria difícil acompanhá-lo. Ele achou muita graça.

Foi assim que comecei a trabalhar com o Carlos Paredes. Larguei Direito, nunca mais pensei em ser advogada. Devia ter 21 anos.

Essa opção deve ter implicado uma certa luta junto dos seus pais.

Sim, foi muito complicado. O mundo que os meus pais ambicionavam para mim desfez-se. Foi mesmo mudar de vida, como diz aquela música do Carlos Paredes. Mas, é muito curioso, enquanto o acompanhava também estava resguardada.

O Carlos Paredes era tratado com muito respeito, com muito carinho. Eram as pessoas no seu melhor e, francamente, também, eram as melhores pessoas que se aproximavam dele. O que levou a que eu conhecesse pessoas muito inteligentes, muito interessantes. O lado humanista surgiu na minha vida através do Carlos Paredes, porque eu até podia vir a ser uma excelente advogada ou professora de música, mas há coisas que só se aprendem se tivermos um mestre ao nosso lado.

Estou agora a recordar-me do primeiro lugar onde fui com o Carlos Paredes. Foi ao Laranjeiro, a um Centro de Dia que o Partido Comunista ia inaugurar. E a alegria daquela gente, é óbvio que tinha de ser enorme, mas nós não estávamos habituadas a vê-la, sobretudo tendo sido criada como eu fui. Logo de seguida, fui à Festa do Avante, onde nunca tinha entrado. Foi uma sensação muito estranha. Nunca tinha visto uma quantidade tão grande de bandeiras vermelhas. Foi uma sensação surpreendente e, ainda mais surpreendente, foi que, em simultâneo à nossa entrada, ouvi o som da guitarra do Carlos Paredes. Foram como que três dimensões, que convergiram para um momento único. Foi espetacular, avassaladora, a experiência.

Testemunhei passo a passo a música e o que ela significa para uma quantidade de gente. E, à medida que fui encontrando pessoas que falavam com o Carlos Paredes (não esquecer que eu vinha dum colégio de freiras e da Universidade Católica), fui entrando numa outra realidade. Depois de cumprimentar determinada pessoa, ele dizia-me: “Este esteve preso trinta anos, aquele experimentou esta tortura, este teve com o Cunhal na prisão”… Uma pessoa tinha ouvido falar dessa realidade, dessas pessoas, mas de repente é confrontada com a realidade efetiva, conhece as pessoas, elas estão junto de si, a seu lado.

O Carlos Paredes, já o disse, foi um mestre de vida. Não foi só um professor?

Sim, o Carlos Paredes tinha um posicionamento perante a vida, além de ser um criador, ele foi um exemplo ético. Mostrou-me um outro lado da vida. O estar ao lado dos mais desfavorecidos, de quem ele nunca se afastou. Sempre esteve muito próximo da classe trabalhadora. As pessoas tinham um carinho muito grande por ele. Respeitavam-no, pois sentiam-se respeitadas. Havia esta relação profunda dele com o público. Isto foi uma lição de vida para mim e facilitou-me também o estar em palco.

Termos a felicidade de nos cruzarmos com pessoas destas é uma dádiva, mas temos também de saber dar o real valor a essa oportunidade, à experiência. Isto foi muito importante para a minha formação. Quando dou concertos, também converso com o público. Aprendi com ele, estar ali é, efetivamente, trocarmos ideias, falarmos com o outro. Tem de haver esta proximidade entre o público e o artista.

Ele deu-me muito, de facto. Ensinou-me muito. A figura principal era ele. Ele era o solista. Eu estava ali para lhe dar apoio, nada mais. Às pessoas não lhes interessava que eu estivesse ali. Entre Carlos Paredes e o público havia essa profunda relação. Era muito curioso. Bastava ele tocar as três notas do “Verdes anos” e começava toda a gente a bater palmas.

Como foi a passagem da guitarra clássica para a guitarra portuguesa?

Carlos Paredes dizia que também as mulheres deviam tocar guitarra portuguesa. A mãe dele tocava para o adormecer, quando era criança. Mas, em Coimbra, não ensinavam guitarra portuguesa às raparigas. Muitas raparigas perguntavam ao Carlos Paredes onde poderiam aprender a tocar, e ele ficava muito surpreendido, pois nem os irmãos ou outros familiares as queriam ensinar. Não concordava nada com isto, não achava certo. Agora, já ensinam. O Professor Jorge Gomes foi um dos primeiros a ensinar raparigas, exactamente da mesma maneira como ensinava rapazes. Nessa altura, eu acompanhava o Carlos Paredes pelo mundo. Também não havia mulheres a acompanhar a guitarra portuguesa. Só mais tarde é que percebi que era algo pioneiro. Quando Carlos Paredes adoeceu, pediu-me para tocar as guitarras. As guitarras, se não forem tocadas por algum tempo, acabam por morrer. Precisam de ser tocadas para que a madeira não fique muda, precisam de uma relação connosco, com o nosso corpo. Depois, foi um processo muito doloroso de aprendizagem e aperfeiçoamento. Nessa altura, comecei a perceber aquilo que já tinha ouvido, mas que ainda não tinha sentido na pele, que era o facto de se pensar que as mulheres não tocam guitarra portuguesa. Era quase uma heresia.

Essa ligação da guitarra com o corpo, que refere, é muito interessante…

Cada instrumento tem o som da pessoa que o toca. Isto acontece mais com instrumentos de corda porque estão mais ligados ao nosso corpo e à sua vibração. Eu tive uma mestra, a argentina María Luisa Anido, que dizia que nós tocávamos o único instrumento que está perto do coração. Há uma relação muito afectiva com a guitarra. É a coisa mais importante que um guitarrista tem; um prolongamento de si próprio. Em relação ao Carlos Paredes isto é evidente, há uma fusão entre a guitarra e o guitarrista.

Quais eram as razões que levavam as pessoas a pensar, naquela altura e talvez ainda hoje, que as mulheres não deveriam tocar guitarra?

Havia muitos argumentos. Desde que a mulher não tem o tamanho de mão da do homem até pensar-se que a guitarra não estaria feita ao corpo da mulher (risos). Também se alegava a força, dizendo-se que a mulher não tem a mesma força que o homem, necessária para tocar guitarra. Uma mulher talvez toque de maneira diferente. Carlos Paredes dizia que o contributo das mulheres poderia ser muito interessante, dando outras leituras possíveis às peças musicais. Durante muito tempo, eu achava que o facto de ter uma mão pequena me impedia de tocar certas peças. Hoje já não penso assim.

Na sua opinião, quais são os obstáculos ainda existentes que impedem hoje as mulheres de tocar guitarra portuguesa?

Vejo que as mulheres tocam enquanto fazem o curso de guitarra. Quando acabam o curso, deixam de tocar. Fazem outros cursos com melhores saídas profissionais, casam, têm filhos e deixam de tocar. Ser música é uma vida muito incerta, em termos financeiros. Pior ainda é ser músico de guitarra e, mais ainda, de guitarra portuguesa. Não existem tantos sítios para tocar como existem para os instrumentos de orquestra. Em relação à sociedade, ainda impera a ideia de que mulher é mulher. Se vai ter filhos, é difícil conciliar com uma vida errante, com espectáculos em todo o país. A não ser que tenha um marido ou um companheiro apoiante. Aos homens, em geral, ainda lhes custa ser o número dois em termos de carreira profissional. Para que as mulheres consigam progredir, é preciso que o companheiro ou o marido não se importe com esse protagonismo e que fique mais na retaguarda, a cuidar das crianças. Quando são mais velhas, também têm uma responsabilidade acrescida em relação aos idosos, o que também dificulta esta conciliação.

E por que razão considera que não existem mais mulheres compositoras?

Não sei dar resposta… Talvez não sintam necessidade porque existem muitas técnicas de aperfeiçoamento de composições. O ato de compor implica muito isolamento e não tem resultados financeiros imediatos. Estar fechada em casa, com filhos, não permite compor. Normalmente, os homens músicos, quando precisam de isolamento para compor, têm ao lado uma mulher que os ajuda. As mulheres, não. A própria sociedade, tal como está organizada, leva a que sejam as figuras masculinas a permanecerem em certas áreas   e se perpetue esta realidade. Também em Coimbra se toca guitarra com muita afirmação masculina, com aquelas bordoadas. É uma tradição entre homens, pois são homens que ensinam outros homens. A minha mensagem principal é dizer que sou mulher e posso tocar guitarra portuguesa e que se pode tocar este instrumento de outra maneira, diferente da tradicional.

Tendo a guitarra portuguesa uma ligação tão forte ao fado, como tem sido traçar um caminho musical distinto deste género?

Traçar um percurso diferente do fado, do que já existia, é algo que se faz muito sozinha. O mesmo aconteceu com Carlos Paredes. Não teria havido guitarra portuguesa se não tivesse existido o pai, o Artur Paredes, que trabalhou a guitarra para ser o que ela é hoje. Foi Artur Paredes, com João Pedro Grácio, que criou a sonoridade da guitarra de Coimbra. Carlos Paredes tinha mão para tocar o reportório dificílimo do pai, mas preferiu fazer um caminho diferente. Criou as suas próprias composições, rompeu com a tradição. Estamos perante uma pessoa genial, com corpo e mãos grandes, um intelecto criativo e virtuoso. Eu não tenho tantas facilidades, tenho de trabalhar muito mais e de outra maneira. Hoje, sinto que já sou aceite no mundo da música. Percebi que não posso tocar as composições já feitas, de Artur ou de Carlos Paredes (só toco algumas). Embora esteja ligada à sonoridade e à técnica da Escola de Coimbra e não de Lisboa, não tenho a ver com o fado. Componho as minhas músicas para me afirmar enquanto música e isto implica ir ao fundo do poço!

O que significou a “Canção para Carlos Paredes”? Qual foi a reação, na altura, do público?

As pessoas acreditaram que eu ia ficar por ali. Não foi visto como um caminho meu, mas como uma homenagem a alguém. Foi para fechar o ciclo porque ele tinha falecido há pouco tempo.

Quando fiz o trabalho Meditherranios, foi uma surpresa porque muitas pessoas pensaram: “Afinal, a Luísa compõe!” Com este trabalho, pretendi romper com o ciclo anterior, não queria nada parecido com a sonoridade de Carlos Paredes. Quis fugir ao que já estava estabelecido, abrir caminhos. O próprio espaço do Mediterrâneo simboliza um espaço aberto, de diálogo com diferentes culturas. É um lugar de encontro. Fiquei muito feliz com o seu resultado. A guitarra, como eu digo no último trabalho, é quase uma caravela que vai de porto em porto. Tem muito desta nossa característica portuguesa, que é a capacidade de nos mesclarmos com os outros.

Cada CD é um desafio novo para mim. É um processo que implica ir ao fundo do poço e regressar. É muito gratificante, mas muito cansativo.

Como decorre este processo criativo?

Decorre, de certeza absoluta, de muito trabalho. A pessoa está a fazer escalas, está a trabalhar as mãos. É um trabalho duro. E, de repente, surge uma frase bonita. Pode ser o início de uma música. É tão complexo e tão simples quanto isto. É como escrever e pintar. Para mim é um processo muito intuitivo.

Que trabalhos é que se encontra, actualmente, a desenvolver, se é que pode partilhar?

(Risos) Tenho estado a trabalhar com o Victor de Sousa. É um trabalho que me tem dado muito prazer, guitarra e poesia. Tentamos dizer os poemas de poetas da zona do país onde estamos a fazer o espectáculo. Também estou a trabalhar no próximo CD.

Disse numa entrevista ao Diário de Notícias, em 2014, que Carlos Paredes lhe tinha ensinado que “cada um deve seguir o seu próprio caminho”. Encontra-se satisfeita com o seu?

Sim, ele dizia isso, que temos de fazer as nossas composições. Acho também importante porque senão eu seria um “clone” do Carlos Paredes, e não é isso que quero para mim. Tenho a felicidade de não conseguir tocar com a sua genialidade porque haveria a tendência para o imitar. Tenho de arranjar técnicas e reportório que se adaptem à minha mão. Tenho de compor para criar o meu próprio caminho. É difícil, doloroso, mas é muitíssimo gratificante para o meu crescimento e para a minha realização pessoal.