SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número36Revista Os Nossos Filhos: resistência e oposição ao Estado Novo - Um olhar sobre as ligações sociais e profissionais da sua autoraAs mulheres e a filosofia índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher

versão impressa ISSN 0874-6885

Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher  no.36 Lisboa dez. 2016

 

ESTADO DA QUESTÃO

Capazes Associação Feminista - A luta contra a invisibilidade

Rita Ferro Rodrigues e Vera Sacramento

Capazes Associação Feminista

conteudos@capazes.pt


 

 

 

Mostrar às novas gerações que devemos lutar por uma sociedade livre, justa e igualitária: foi esta a nossa fonte de inspiração quando decidimos criar a plataforma Capazesem dezembro de 2014, um espaço de afirmação da mulher portuguesa e de discussão da condição feminina que reúne um conjunto de cronistas com diferentes percursos formativos e profissionais, com competências e experiências variadas, que contribuem voluntariamente para a divulgação de informação e sensibilização da sociedade civil para a igualdade de género, a defesa dos direitos das mulheres e o seu empoderamento. O sucesso deste projeto online fez com que fundássemos, pouco tempo depois, a Capazes Associação Feminista.

A história das mulheres foi sistematicamente apagada da narrativa da existência humana, uma vez que elas têm vivido oprimidas por sociedades de domínio patriarcal um pouco por todo o mundo. Recusar e denunciar essa invisibilidade é uma urgência e um desafio, sendo por isso o momento de nos unirmos, de nos empoderarmos, lutando juntas pela igualdade e pelo lugar que nos é devido. Esta é a principal missão da Capazes Associação Feminista, antes de qualquer outra. Defendemos um feminismo inclusivo, em que as mulheres estão no centro das reivindicações de mãos dadas com gays, lésbicas, bissexuais, transexuais, pessoas intersexo e todos aqueles e aquelas a quem a sociedade cataloga de menores, mais fracos, submissos ou inferiores.

Em Portugal, temos assistido a alguns sinais positivos de mudança: as alterações à lei da Interrupção Voluntária da Gravidez, as alterações ao regime da Procriação Medicamente Assistida (PMA), incluindo a gestação de substituição, e a aprovação da adoção por casais do mesmo sexo são disso exemplos. No entanto, ainda há muito trabalho a fazer. Os números da violência doméstica e da violência no namoro continuam a ser alarmantes. A desigualdade salarial entre mulheres e homens permanece uma realidade. Continuamos a ter menos mulheres em cargos de poder, apesar de serem elas a sair em maior número e com melhores resultados das universidades.

Ao longo de quase dois anos de existência temos acompanhado todos estes temas na plataforma Capazes, dia após dia, e em tempo real. Temos transformado estas lutas nas nossas lutas, lançando entrevistas, artigos de opinião e acesos debates nas redes sociais que possam despertar consciências. Milhares de textos escritos por mulheres anónimas que quiseram partilhar as suas experiências de vida, e outros tantos de figuras públicas que são referências inequívocas do feminismo em Portugal.

A luta contra a invisibilidade no terreno

Capazes nas escolas

O primeira ação que levámos para o terreno foi o projeto “Capazes nas Escolas” porque estamos absolutamente convencidas de que é na adolescência que a visão do mundo, dos outros e de nós próprios se forma, sendo por isso as instituições de ensino e os professores veículos preciosos para ajudar a difundir a mensagem feminista da igualdade. Com este projeto viajamos pelo país, levando às escolas um filme determinante para que os mais jovens, em particular as raparigas, entendam as origens das desigualdades entre homens e mulheres, no que concerne aos seus direitos cívicos. O filme “Suffragette”, de Sarah Gavron (2015), é mostrado numa sessão de cerca de duas horas e meia que envolve uma conversa introdutória com os alunos, o visionamento do filme e um debate posterior sobre igualdade de género, onde fazemos a ponte com a realidade que esses jovens vivem, para que possam partilhar e refletir sobre as suas experiências. Até agora a recetividade a este projeto tem sido extraordinária por parte dos alunos e também das direções das Escolas.

Clube das Capazes

A clara consciencialização da necessidade de intervir junto das jovens em idade escolar levou-nos ao desenvolvimento de uma outra ideia, cuja estratégia central é a constituição de grupos denominados Clube das Capazes nas escolas secundárias do país.

Através da atividade dos Clubes, que se concretizará em diversas ações de análise crítica de acontecimentos nacionais e mundiais relacionados com a igualdade de género, desenvolvimento de ações comunitárias, intervenções no grupo, e do grupo, na comunidade escolar e em outras comunidades em que as jovens estão inseridas, pretende-se promover uma reflexão sobre a igualdade entre mulheres e homens, implicando pensar e desconstruir o que é socialmente tido como papéis, práticas e saberes de mulheres e de homens.

Porque consideramos necessária uma intervenção que vá para além da identificação das vulnerabilidades e fragilidades, das potencialidades e dos recursos, a Capazes Associação Feminista pensou este projeto que se consubstancia numa aproximação às populações mais jovens que considera estarem mais bem colocadas para combater a persistência e a reprodução das desigualdades em função do género e promover uma sociedade verdadeiramente igualitária.

Os grupos Clube das Capazes irão funcionar em rede, inseridos em comunidades escolares do interior do país, constituindo-se como elementos catalisadores de novas redes locais de promoção da igualdade de género e de prevenção e combate à violência de género. A plataforma online será uma ferramenta de ligação entre os Clubes e as cronistas da Capazes Associação Feminista, sendo também uma montra para divulgação dos trabalhos realizados pelos Clubes.

Esta rede irá contribuir igualmente para a operacionalização do mainstreaming da igualdade de género de modo mais próximo das realidades locais, ao fomentar a interação entre as jovens, a sua comunidade escolar, os agentes da Administração Pública Central e Local, decisores e eleitos locais, agentes das forças de segurança e justiça, agentes sociais, associações de desenvolvimento e a população em geral.

Com este projeto, atualmente em fase de avaliação pelas entidades competentes para a eventual atribuição de fundos que permitam a sua efetivação, a Capazes Associação Feminista pretende consolidar e aprofundar a sua atividade no conjunto das organizações não governamentais e outras entidades da sociedade civil sem fins lucrativos que desempenham um papel ativo junto das populações e dos grupos vulneráveis, nos domínios da promoção da igualdade de género, da prevenção e combate às discriminações e da inclusão social.

A urgência do feminismo

Recentemente Barack Obama assumiu-se orgulhosamente como feminista, afirmando que, se houver igualdade, seremos todos mais livres. Precisamos urgentemente de cultivar esta mentalidade em Portugal, deixando de lado os preconceitos e trabalhando juntos num projeto de intervenção social que a todos faz falta. O feminismo que defendemos não exclui, não rejeita, nem segrega. É um movimento agregador e inclusivo que procura a igualdade de direitos e oportunidades para todos.

Na verdade, a falta de informação sobre os reais propósitos do feminismo tem sido desde sempre o maior entrave à sua aceitação como modelo social e estamos certas de que só com o tempo e com muita persistência isso mudará. No entanto, esse é também o nosso papel e não desistiremos de o cumprir.

Uma das maiores conquistas da Capazes Associação Feminista foi o extraordinário grupo de mulheres que conseguiu reunir – todas tão diferentes, com interesses e profissões diversas. Mulheres de norte a sul do país, mulheres dos quatro cantos do mundo que estão ligadas a nós, diariamente, através da plataforma. Da esquerda à direita, católicas, ateias e agnósticas, partilham as suas experiências numa base de entendimento tão bonita e saudável que acaba por esbater quaisquer diferenças. Elas são o sangue e a alma da Capazes Associação Feminista e é também por elas que continuaremos na luta contra o preconceito e contra a ignorância.