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Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher

versão impressa ISSN 0874-6885

Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher  no.36 Lisboa dez. 2016

 

ENTREVISTAS

Helena Sacadura Cabral

Sandra Leandro*

*Universidade de Évora, Universidade NOVA de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Instituto de História da Arte, Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais – NOVA, Faces de Eva


 

 

 

Enérgica, sorridente, de temperamento apaixonado, é com desassombro e grande sentido de liberdade que manifesta as suas opiniões. Para mim é inesquecível a crónica «Hoje não se fala português... linguareja-se!». Helena Sacadura Cabral nasceu em Lisboa em 7 de Dezembro de 1934. Economista e professora universitária, licenciada pelo Instituto de Ciências Económicas e Financeiras, foi a primeira mulher a entrar nos quadros do Banco de Portugal. Na década de 1970 iniciou a sua actividade como jornalista, dando origem a duas publicações exclusivamente centradas na análise política: a PH e a PM – Política Mesmo. Continuaria essa trajectória como cronista em vários jornais e revistas, entre os quais Diário de Notícias, Diário de Lisboa e Máxima. Foi colaboradora em programas de rádio e televisão, nomeadamente da RTP e da SIC; actualmente, mantém o blogue Fio-de-prumo, escrevendo também no Delito de Opinião. Com muitos títulos publicados e um público fiel, define-se muitas vezes como «escrevinhadora». As suas duas últimas «escrevinhações» têm por título O que Aprendi com a Minha Mãe e Nada o Vento Levou, ambas de 2014; a primeira foi Bocados de Nós, em 1993.

É difícil fazer-lhe perguntas porque já foi muito entrevistada. Que questão ainda não lhe fizeram a que gostaria de responder?

A de saber se há ou não uma visão feminina da sociedade e em caso afirmativo em que sentido é que ela evoluiu.

Pode conhecer-se a resposta?

Do meu ponto de vista, essa visão existe e ainda bem que assim é, porque a sociedade portuguesa necessita dessa diversidade para se afirmar. Tempos houve em que a mulher se masculinizou para ter acesso a um sem -úmero de profissões – algumas até lhe estavam vedadas –, julgando que esse seria o caminho possível que lhe estava reservado.

Quer falar um pouco do ambiente familiar em que teve origem e que por afirmação ou oposição a ajudou a ser quem é?

Provenho de uma família muito numerosa, da média/alta burguesia alentejana do lado materno e beirã do lado paterno. Cresci sem dificuldades, mas também sem quaisquer privilégios. Havia muito carinho, mas, em contrapartida, exigia-se um alto sentido de responsabilidade. Os avós maternos marcaram profundamente a minha vida pelo exemplo que me deram. Não seria quem sou se os não tivesse tido.

Que influência teve na sua vida o seu tio Artur Sacadura Cabral? Foi ele que a entusiasmou a conseguir o brevet para pilotar aviões?

O meu tio, com quem dizem que me pareço, foi o chefe da família depois de o meu avô morrer. Protelou sonhos pessoais e ambições profissionais para garantir aos irmãos e à mãe tudo aquilo que ele considerava que lhes era devido. Daí que a segunda geração – a dos sobrinhos, já que ele não teve filhos – na qual me incluo, tivesse por ele um enorme respeito e admiração.

O gosto pela aviação só indirectamente virá dele. Deve-se sobretudo, creio, aos dez anos que passei, como economista, na aviação civil. Aí sim, acredito que o gosto terá surgido de uma forma mais clara.

Essa capacidade de voo teve influência no seu modo de olhar a vida?

Se, como dizem, sou parecida com ele, é possível que tal tenha acontecido. Voar é uma forma de libertação. E eu gosto de fazer uso dessa liberdade!

Na sua formação escolar, que momentos e pessoas destacaria?

Fui uma excelente estudante. Sabia que, não sendo rica, a minha independência dependeria, sempre, do meu trabalho. Por isso, ser a melhor constituía o meu objectivo essencial. Estudei com uma bolsa e, para a não perder, teria de estar entre os melhores. Foi o que fiz! Dois professores houve que me marcaram muito, como profissional. Um foi o sociólogo Professor Adérito Sedas Nunes, de quem fui assistente quando leccionei História dos Factos e das Doutrinas Económicas; o outro foi o Professor Luís Teixeira Pinto, de quem também fui assistente em Economia Internacional, e que seria o nosso mais jovem Ministro da Economia aos 28 anos. Outros houve que me marcaram de outro modo, como pessoa. Felizmente para mim, mesmo aqueles de quem terei gostado menos acabaram por me obrigar a fazer um esforço maior e nalguns casos, por causa disso, a descobrir em mim capacidades que desconhecia.

Foi a primeira mulher a pertencer aos quadros do Banco de Portugal. Em que ano isso aconteceu? Quando entrou, teve consciência do seu pioneirismo? Que memórias guarda dos anos que trabalhou nessa instituição?

Aconteceu em 1973 e tive perfeita consciência de que o meu percurso não seria fácil. E de facto, primeiro estranharam, mas depois aceitaram.

Guardo excelentes recordações desse tempo, e em particular de alguns governadores como Jacinto Nunes, Silva Lopes e Costa Leal. Aprendi muito com qualquer deles e mantenho bem viva essa memória.

Quando estive a procurar outras entrevistas que lhe fizeram, comovi-me com as suas afirmações «Adoro o meu País», «Portugal não acaba», «Eu morria se Portugal acabasse», porque estou absolutamente convencida de que este País precisa de pessoas que o amem. Quer falar-nos um pouco da sua saudável noção de patriotismo?

Não sei se é patriotismo ou amor. Sei que é indestrutível o elo que me liga a Portugal e jamais me passou pela cabeça ser outra coisa além de portuguesa. Gosto tanto do meu país que chego a amar os seus defeitos. Posso, ou não, sentir-me europeia. Mas nunca, em tempo algum, deixei de sentir esta terra como aquela onde quero viver e morrer.

A sua força e alegria de viver levam-na a afirmar: «Não acho animador ir jantar com um grupo de amigos e queixar-me: “– Ai o joanete dos pés!”». Atormentam-na as pessoas que se estão sempre a lastimar e a dramatizar até do que se sabe que o tempo inevitavelmente trará?

É verdade. O envelhecimento é um processo irreversível. E felizes daqueles que, como eu, envelhecem, porque isso significa que já viveram muito. Defendo desde que me conheço que as alegrias se partilham e os desgostos se consomem. Quando estou com os amigos, não é para dividir tristezas. Ao contrário, é para pôr em comum aquilo que nos torna felizes.

Se tivesse de escolher três livros que todos devessem ler, quais seriam?

É difícil. Mas talvez escolhesse poesia de Eugénio de Andrade, as prosas de Eça de Queiroz e Agustina Bessa-Luís. Nos estrangeiros escolheria Marguerite Yourcenar e Sandor Marai.

Mas ficavam de fora muitos e muitos escritores que me marcaram e são igualmente importantes.

Da sua vasta produção escrita tem um livro preferido?

Não.

As Nove Magníficas: o fascínio do poder é o título de um dos seus livros mais conhecidos. Quem são essas nove? Quem ficou de fora a que poderia também atribuir a qualificação de magnífica?

Foram as nove rainhas que, no meu entender, mais marcaram a vida nacional da sua época.

Todavia poderia atribuir essa qualificação a milhares de mulheres portuguesas que, ontem como hoje, ninguém conhece, mas se esforçam, no seu trabalho e na sua família, por fazer crescer o nosso país.

Foi Professora de que cadeiras e em que estabelecimento de ensino superior? Gostou de leccionar? Como vê a vocação de ser Professora?

Fui professora em três Faculdades da Universidade Técnica, ao longo de quase vinte anos e gostei muito de transmitir e receber conhecimentos. Porque também aprendi com os meus alunos. Ser professora só pode ser profissão se houver vocação.

Na área económica ensinei Álgebra, Econometria, Economia Internacional e História dos Factos e das Doutrinas Económicas.

Na área da Comunicação ensinei Escrita Criativa e Guionismo.

Durante vários anos teve uma coluna no Diário de Notícias intitulada «Fio-de-prumo». Depois transferiu essa coluna para um blogue que mantém. É importante para si manter esse registo? Segue outros bloggers? Quais?

Durante cerca de cinco anos mantive a coluna «Fio-de-prumo» no Diário de Notícias. Quando saí, decidi continuá-la na blogosfera.

É um registo diário que mantenho com uma disciplina germânica, porque é importante para me definir e manter viva. E é o enquadramento que me permite editar dois livros por ano. Não visito muito blogues, a não ser o Delito de Opinião, um blogue colectivo do qual também faço parte.

Como vê o facebook?

Como uma forma de comunicação e um meio de quebrar a solidão de certos quotidianos. O Face será, sempre, o que cada um de nós quiser fazer dele!

A força e a alegria de viver que manifesta apoiam-se no seu sentido de independência ou em algo mais?

Talvez, também, em Deus e na confiança que me merece a natureza humana, na qual continuo, ainda hoje, a acreditar.

2/2/2015