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Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher

Print version ISSN 0874-6885

Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher  no.38 Lisboa Dec. 2017

 

HOMENAGEM

Sobre Song Qingling (1893-1981)

Tânia Ganito*

*Universidade de Lisboa, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, tganito@iscsp.ulisboa.pt


 

Song Qingling, também conhecida como Soong Ching-ling, figura entre as mulheres mais importantes da China Moderna. Nasceu a 27 de Janeiro de 1893, em Xangai, numa influente família metodista de origem hakka que viria a desempenhar um papel determinante no delinear da vida política chinesa das primeiras décadas do século XX, em particular no que respeita à queda da última expressão do regime imperial – a dinastia Qing (1644-1911) – e à implantação da República, em 1911.

Tal como acontecera com o seu pai, Song Qingling e os seus irmãos receberam uma educação de pendor simultaneamente chinês e ocidental, o que, no seu caso, contribuiu para o desenvolvimento de um pensamento de cariz marcadamente nacionalista e progressista. O seu carácter apaixonado por grandes causas cedo se revela quando, ainda estudante em Wesleyan (Geórgia, EUA) – uma das primeiras instituições de ensino a conceder graus a mulheres –, escreve e publica vários artigos dedicados ao tema da Revolução Chinesa. O sentido de devoção para com o seu país e para com a República adquire ainda maior vigor quando, após regressar à China, se torna secretária de Sun Zhongshan (Sun Yat-sen), figura central do movimento revolucionário.

A irreverência e a determinação que a caracterizam manifestar-se-iam igualmente numa dimensão mais pessoal da sua vida. Em 1915, ao decidir casar-se com Sun Zhongshan – um homem cerca de três décadas mais velho que tinha sido casado anteriormente –, Song Qingling quebra a prática cultural dominante do casamento arranjado, ao mesmo tempo que desafia os valores cristãos que imperam no seio da sua própria família. Todavia, o estatuto de ‘segunda mulher' em nada subalternizou a sua condição, como o comprova o facto de ter desempenhado de modo singular o papel de primeira-dama durante os dez anos de vida em comum com o líder revolucionário chinês. Após a morte de Sun Zhongshan, em 1925, Song Qingling não se afasta da vida pública, podendo mesmo afirmar-se que a partir deste momento passa a desempenhar um papel verdadeiramente activo e de forte visibilidade nos domínios social e político.

Um dos seus principais contributos envolveu a defesa dos direitos das mulheres. Ainda que o caminho da ‘libertação' da mulher da rígida tradição confucionista tenha começado a desenhar-se no final do século XIX pela mão de figuras masculinas reformistas como Kang Youwei e Liang Qichao e, no início do século XX, por mulheres que encontraram na educação um instrumento poderoso de mudança da condição feminina na China – de entre as quais se destacam Lü Bicheng e Qiu Jin –, Song Qingling irá materializar a ideia de igualdade no plano político, ao ser eleita, em 1926, para integrar o Comité Executivo Central do Partido Nacionalista. Por acreditar que a transformação profunda da sociedade só acontece mediante o empoderamento feminino, Song Qingling participa, igualmente, em inúmeras campanhas pela defesa e consagração dos direitos sociais, económicos e políticos das mulheres.

É também de assinalar o seu envolvimento em acções de cariz humanitário e de protecção e promoção dos direitos humanos. Por um lado, durante a Guerra Sino-Japonesa (1937-1945), Song Qingling fundou em Hong Kong a Liga para a Defesa da China (1938), uma instituição dedicada à angariação, junto da comunidade internacional, de medicamentos e de outros recursos utilizados no tratamento das vítimas chinesas do conflito. A partir do final da II Guerra Mundial e até 1949, ano da fundação da República Popular da China, esta instituição, renomeada Instituto do Bem-Estar da China, procurou reunir fundos e dar resposta a questões que envolviam, acima de tudo, a protecção de crianças. Por outro lado, foi igualmente durante a década de 1930 que Song Qingling assumiu publicamente a defesa dos direitos humanos, que considerava serem pertença inalienável do indivíduo e algo que transcende as fronteiras da filiação política. Assim, em virtude das medidas fortemente repressivas levadas a cabo pelo Partido Nacionalista, e que resultaram na perseguição, prisão, tortura e execução de críticos e opositores do regime, Song Qingling reúne diversos elementos da elite intelectual que defendem posições políticas divergentes mas revelam preocupações semelhantes – entre os quais encontramos nomes como Cai Yuanpei, Yan Quan, Lin Yutang, Lu Xun, Mao Dun e Hu Shi –, e com o seu apoio cria a Liga Chinesa para a Protecção dos Direitos Civis com o propósito de assegurar a existência de apoio jurídico a prisioneiros políticos, lutar pela sua libertação, investigar as condições de encarceramento a que estavam sujeitos, divulgar casos de supressão de direitos civis e defender o direito à liberdade de reunião, associação e expressão.

O apelo nacionalista, o seu forte sentido de responsabilidade social, bem como o seu carisma e capacidade de comunicação e diálogo permitiram que, após a fundação da República Popular da China, em 1949, mantivesse o estatuto singular de “Mãe fundadora” ou “Fundadora da nação”. É convidada nesse mesmo ano pelo Partido Comunista Chinês a ocupar o cargo de Vice-Presidente do Congresso Nacional do Povo e, embora não sendo um membro efectivo do partido, inicia um período de intensa actividade diplomática, que concilia com o trabalho atento de cariz social junto de mulheres e crianças. A apologia que faz do novo regime fora das fronteiras nacionais é inclusivamente acentuada por meio da criação, em 1952, da China Reconstructs (mais tarde renomeada China Today), uma publicação mensal originalmente bilingue dedicada a promover uma imagem positiva da China no exterior através da selecção cuidada de certos aspectos da cultura chinesa, bem como da sua geografia, economia e realidade social.

É precisamente este sentido de lealdade – que seria questionado em territórios como Hong Kong e Taiwan – que a protegerá nas décadas seguintes, nomeadamente durante o período sombrio e violento da Revolução Cultural (1966-1976), quando é vítima de perseguição política devido ao seu enquadramento familiar e à sua ligação prévia ao Partido Nacionalista. O feroz criticismo dos Guardas Vermelhos é, no entanto, contido pelo então Primeiro-Ministro Zhou Enlai, que inclui o seu nome numa lista de líderes do partido a defender, usando como argumento central o seu precioso contributo para a revolução chinesa.

Contudo, o reconhecimento político oficial por décadas de dedicação à causa nacional surgiria apenas em 1981, o último ano da sua vida. A escassas semanas da sua morte, Song Qingling, uma das mulheres a inscrever traços indeléveis na história do século XX chinês, veria, assim, ser-lhe atribuído o título de Presidente Honorária da República Popular da China.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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