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Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher

Print version ISSN 0874-6885

Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher  no.38 Lisboa Dec. 2017

 

ESTUDOS

As mulheres e a leitura pública em Portugal no início do século XX: Um olhar sobre a presença feminina nas bibliotecas(1)

Women and public reading in early 20th century Portugal: a look upon female presence in the libraries

Maria de Fátima M. M. Pinto*

*Universidade de Lisboa, Instituto de Educação,famamapin@gmail.com


 

RESUMO

O alargamento da escolaridade e a popularização da leitura foram dois pilares da modernidade liberal. O avanço da alfabetização evidenciou a desigualdade entre homens e mulheres, patente no acesso à educação e à leitura facultadas por meios e recursos públicos. Ausente das bibliotecas, a figura feminina impunha-se na representação social da leitura e da educação, articulando funções domésticas e educativas. Minoritárias no mundo das letras, certas autoras ocultavam-se em pseudónimos masculinos e as suas obras tinham reduzida visibilidade nas bibliotecas, mesmo quando lhes advinha o reconhecimento público. Este texto pretende contribuir para a compreensão do lugar ocupado pelas mulheres na evolução da leitura pública em Portugal, no dealbar do século XX.

Palavras-chave: alfabetização, literatura feminina, biblioteca popular, leitura pública.


 

ABSTRACT

The extension of education and the popularization of reading were two important pillars of liberal modernism. The expansion of literacy emphasized a gap between men and women, shown in access to education and reading supplied by public resources, despites specific geographical features. Absent from the libraries, the woman figure asserted in the social representation of reading and education, articulating housework and educational functions. Certain women authors, a minority in literary world, veiled themselves behind male pseudonyms and their work had a low visibility in the libraries, even when public recognition was awarded. This text intends to contribute to the understanding of the place occupied for women in the evolution of public reading in Portugal at the dawn of 20th century.

Keywords: literacy, female literature, popular library, public reading.


 

A relação das mulheres com a leitura pertence a um imaginário próprio da burguesia oitocentista, num contexto privado, associado às funções domésticas e educativas consagradas ao sexo feminino durante gerações sucessivas, mesmo depois de iniciado o século XX. O enquadramento remete para uma idealização da imagem da mulher (burguesa) esboçada pelo romantismo: débil, vulnerável, frágil…, traços que justificavam o recolhimento do lar. Paralelamente, a mentalidade da época sublinhava a função social da família, assente em mecanismos de autoridade paterna e subalternização da mulher (Irene Vaquinhas, 1999).

A criação das Escolas Normais Primárias para o sexo feminino[1] significou a possibilidade de as mulheres receberem uma formação profissional para o exercício da docência no ensino primário, ultrapassando os homens diplomados no início do século XX. Neste período, os elementos femininos da pequena-burguesia foram assumindo também outras profissões mais recatadas, ainda que culturalmente desafiantes, cargos outrora ocupados apenas por homens, como o de bibliotecária, mas isso não parece ter contribuído para uma maior utilização dos espaços de leitura pública.

No texto analisam-se dados estatísticos relativos à frequência de bibliotecas públicas que corroboram a ausência quase generalizada das mulheres, apesar de se ter assistido, nas primeiras décadas do século XX, ao aumento da escolaridade feminina nos diferentes graus de ensino e de prevalecer um discurso de valorização da leitura e do conhecimento como instrumentos do progresso social.

Como explicar essa dualidade entre uma valorização da representação feminina da leitura num contexto privado, patenteada nas capas de revistas coevas, e a ausência da mulher nas bibliotecas públicas? Esta é a questão central do estudo que se apresenta.

O primado da educação

Em Portugal, o desenvolvimento da sociedade liberal oitocentista, continuado nas primeiras décadas de novecentos, assentou num discurso que promovia o incremento da educação popular e o combate ao analfabetismo, como condições essenciais do almejado Progresso, sustentado num ideal de Homem perfectível.

As mulheres ocupavam um lugar particular nesse desiderato de construção das sociedades modernas, para o qual deviam contribuir as bibliotecas populares, um projeto gizado por D. António da Costa e materializado por autarcas e outras entidades. Registam-se, neste sentido, as palavras presentes na “Exposição da Câmara Municipal de Setúbal ao Ministério do Reino”, datada de 23 de setembro de 1875, onde se referem os objetivos da biblioteca popular de Setúbal, ressaltando a sua importância para a educação da mulher “no ponto em que depende da leitura de livros moraes e instructivos pela permissão dessa leitura nos domicílios”[2].

Um olhar sobre a evolução das taxas de alfabetização, no final do século XIX, início do século XX, mostra uma superioridade masculina, em termos genéricos, ainda que no sul do país as percentagens de mulheres analfabetas sejam inferiores às que se registam no norte, atingindo valores muito próximos dos masculinos nos distritos de Beja e sobretudo de Faro[3]. No entanto, é nas ilhas (Açores) que o contraste se torna mais flagrante, uma vez que o analfabetismo toca mais os homens do que as mulheres, considerando os dados publicados no Censo de 1878.

Outra diferença digna de nota concerne à relação entre o ensino oficial e o particular: neste, a frequência feminina era superior à masculina (52,48% para 47,51%), sendo esta correspondência ainda mais expressiva no que respeita à construção de escolas oficiais, situando-se a relação na ordem de 62% (femininas) para 38% (masculinas) (Carvalho, 2008, p. 636-638).

Apesar da legislação publicada em 9 de agosto de 1888 com vista a estabelecer em Lisboa, Porto e Coimbra institutos destinados ao ensino secundário do sexo feminino (La Fuente citada em Vaquinhas, 1999), a resistência à sua aplicação foi grande, nomeadamente de elementos do sexo masculino e de senhoras mais conservadoras. Temendo as alterações que uma maior instrução pudesse provocar nas mulheres, traçavam-se caricaturas que retardavam o processo, como se depreende das expressões usadas por um autor coevo:

Liceus femininos! Estas duas palavras, assim unidas, são um tema pavoroso para o nosso meio social acanhado e atrasado. […] à imaginação da nossa gente, que não conhece o verdadeiro sentido delas salta logo a ideia de um enxame de mulheres pedantes, espécie de ratas sábias, que só falarão de ciências e literatices, incapazes de aturar e tratar crianças, que nunca pensarão nas obrigações do lar doméstico, que terão horror a entrar numa cozinha; numa palavra, mulheres sabichonas e ridículas, péssimas esposas, mães detestáveis, filhas delambidas e impossíveis (Vaquinhas, 1999, p. 31-32).

Esta perspetiva mais conservadora radicava na sobrevalorização da ideia tradicional das mulheres como “alicerces da família” (Araújo, 2000, p. 50), por oposição aos homens, a quem competiam as tarefas do domínio público. A diferenciação de géneros, sublinhada pelas limitações cívicas e políticas impostas ao sexo feminino, prolongou-se pela I República, apesar dos discursos críticos das feministas e de alguns republicanos. Tornou-se claro que a instrução era fundamental para a valorização social das mulheres, situação que foi alcançada, primeiro, por uma minoria constituída pela alta-burguesia, viajada, esclarecida, a que se juntou, progressivamente, a classe média; ao longo desta evolução, coexistiram duas conceções distintas do papel da mulher na sociedade, que tinham nas figuras de Maria Amália Vaz de Carvalho e de Alice Pestana, conhecida pelo pseudónimo de Caïel, duas lídimas representantes de uma visão mais conservadora e de outra mais progressista do papel da mulher na sociedade moderna.

O ensino feminino: de D. António da Costa à I República

As ideias defendidas pelo primeiro ministro da Instrução Pública em Portugal prendem-se com a feminização do ensino, reservando para as mulheres um papel central, sendo por isso necessário investir na sua formação. Foi neste contexto que surgiram as bibliotecas populares, oficialmente criadas em 2 de agosto de 1870, através de um sistema misto: oficial, municipal e particular. No decreto que instituiu estas bibliotecas explicita-se a sua função e o(s) público(s) a que se destinavam: “A biblioteca popular completa d'este modo a escola popular, porque a boa leitura moralisa, eleva a alma e aperfeiçoa o trabalho […]”.

O objetivo era responder às necessidades de leitura de quem já conseguira “a victoria do aprender” e tinha por isso “sêde de leitura”, facilitando o acesso aos livros a quem tivesse mais dificuldade em deslocar-se para fora de casa, através da leitura domiciliária, que interessaria sobretudo às mulheres e às crianças.

A associação entre o ensino e as funções domésticas atribuídas às mulheres persistiu no início do século XX, quando, pelo diploma de Eduardo José Coelho (1906), foi admitida a “conveniência” do prosseguimento de estudos pelas raparigas “para poderem sem humilhação do seu próprio espírito comparecer na sociedade culta, conviver com as pessoas ilustradas, ensinar os seus filhos, fazer a escrituração da sua casa ou a do comércio dos seus, compreender os livros e a conversação dos principais idiomas da Europa” (Carvalho, 2008, p. 645-646).

A I República não dirimiu a vocação doméstica do ensino feminino, claramente expressa no decreto de 17 de novembro de 1914. Apesar de uma maior abertura do ensino secundário e superior ao sexo feminino, permitindo a frequência de liceus masculinos às mulheres que vivessem em cidades onde não existissem estabelecimentos congéneres para o sexo feminino, situações como a de Florbela Espanca, que frequentou o liceu masculino em Évora, foram exceção. O modelo prevalecente era o do Liceu Maria Pia, em Lisboa, destinado apenas às raparigas.

Não obstante a evolução verificada durante a I República, em números absolutos a escolaridade feminina continuava atrás da masculina e a preocupação com o baixo nível de educação das mulheres marcou o I Congresso Feminista e de Educação (1924).

De acordo com o Anuário Estatístico de Portugal, no ano de 1900-01 apenas 66 mulheres frequentavam o ensino oficial, mas em 1909-10 eram já 924, o que significou um crescimento de 1,9% para 10,63% durante esse período. Apesar desta subida, o número de estudantes do sexo feminino mantinha-se muito inferior ao dos do sexo masculino, o mesmo acontecendo no ensino particular e doméstico, onde o aumento relativo foi mais acentuado no sexo feminino do que no masculino (2,33 para 1,34).

Muito embora esta evolução não se traduza numa equivalente valorização profissional, é neste período que começam a evidenciar-se alguns nomes femininos nas áreas da docência universitária, das Letras e da Ciência, tais como Domitila de Carvalho, triplamente diplomada, que ocupava o cargo de diretora do Liceu Maria Pia e foi convidada a integrar a comissão que elaborou o projeto de reforma do ensino secundário, ou Carolina Michaëlis, a primeira mulher a exercer a docência na Universidade de Coimbra (1911). Somente em 1916-17 surgiu um nome feminino no corpo docente da Universidade de Lisboa: Eufresinda Guedes Teixeira, segunda-assistente provisória de Medicina (Matos, 2013 p. 302).

No ensino primário assiste-se a uma progressiva feminização[4]: em 1900 as mulheres representavam 37,2% do corpo docente, em 1910 já tinham ultrapassado os 50%, e o aumento manteve-se na década de 1920, atingindo 71,6% em 1930 (Nóvoa, 1987).

As mulheres e a leitura

Apesar da manifesta preocupação com a natureza moralizante e pedagógica das leituras presente nos discursos políticos, mulheres e homens comungavam do facto de terem a literatura nas suas preferências de leitura. Embora o romance pareça estar mais associado à leitura feminina, a análise das estatísticas disponíveis mostra que os homens também apreciavam este género literário, mesmo que se registassem algumas especificidades, como a predileção das mulheres pelo género epistolar, desde o século XVIII, ou a maior inclinação masculina para o romance social e político.

Se atentarmos nas representações iconográficas da leitura, por exemplo, a figura feminina é uma presença marcante que surge associada a ambientes domésticos e recatados, próprios da sociedade burguesa oitocentista, patenteada nas capas das revistas da época, como acontece em Serões (n.º 1, 1901, e n.º 5, 1905) e na Ilustração Portuguesa (n.º 30, 1906), onde se reproduzem imagens sugestivas do deleite e da curiosidade que a leitura parecia suscitar nas personagens do sexo feminino, fossem elas adultas ou jovens em idade escolar. A utilização de figuras femininas para publicitar estas revistas indicia a existência de um potencial público entre as mulheres da classe média portuguesa.

O papel da mulher educadora e mediadora intergeracional de leituras no seio da família é, igualmente, evidenciado em algumas capas da revista Serões que mostram a mãe, leitora, rodeada do filho e de uma pessoa idosa, certamente a avó (n.º 1, 1905). Esta função, claramente explicitada no texto do decreto que concebeu as bibliotecas populares em 1870, teve eco em alguns responsáveis pela fundação das referidas bibliotecas nos municípios. Neste sentido, o representante da Câmara Municipal de Setúbal sublinhou um dos maiores benefícios das bibliotecas populares: facultar às mulheres a leitura domiciliária de “livros moraes e instructivos”, como já referimos anteriormente.

A representação da leitura em contexto familiar sugere uma atribuição feminina, mesmo que não esteja expressa de forma muito clara, como acontece no seguinte texto: “Poucos pensam na influencia que podem ter as leituras familiares bem continuadas e bem dirigidas. Além de crearem hábitos cazeiros, reunindo a certas horas fixas todos os que moram debaixo do mesmo tecto, produzem em todas essas pessoas simultâneo effeito” (Vocabulário de Verdades, 1870, p. 89-90).

Este entendimento da leitura mediada pela figura feminina, em ambiente doméstico, não compreendia os romances ou outra literatura potenciadora de evasão ou irreverência, mesmo se pensarmos que a sua prática, no século XIX, está associada à ocupação do ócio, constituindo a burguesia feminina um grupo alvo preferencial.

O consumo de novelas era criticado pelos intelectuais oitocentistas, que as consideravam leituras perversas, perigosas para seres sugestionáveis, intelectualmente débeis, pouco instruídos, como a generalidade das mulheres, segundo a opinião de um grupo mais conservador, para o qual a cultura tinha um sentido exclusivamente erudito[5].

Utilização feminina das bibliotecas

Antecipando o aparecimento das bibliotecas populares, municipais e públicas, surgiram os gabinetes de leitura que facilitaram o acesso aos livros a uma camada da burguesia, incluindo elementos do sexo feminino, sem posses suficientes para ter a sua própria biblioteca, mas que podia pagar uma quota mensal para usufruir do aluguer das novidades literárias ou outras obras disponíveis nesses institutos de leitura (Domingos, 1985).

No início do século XX, a evolução do conceito de biblioteca pública fez-se no sentido da criação de espaços/salas nas bibliotecas reservados às mulheres e às crianças. A testemunhá-lo temos o relatório apresentado por António Ferrão, alto funcionário do Ministério que tutelava as bibliotecas e arquivos, em 14 de setembro de 1916, a propósito da projetada Biblioteca Popular de Lisboa, a instalar no Teatro de São Carlos, como veio a acontecer em 1918 (Ferrão, 1920). De acordo com o referido documento, a leitura nesta sala deveria ser assegurada por duas bibliotecárias.

Avaliar a presença feminina nas bibliotecas públicas torna-se mais difícil porque a estatística oficial não discrimina o sexo dos leitores, fazendo-o apenas em relação aos visitantes desses institutos de leitura.

Uma análise dos dados publicados no Anuário Estatístico de Portugal, para a primeira década do século XX, permite destacar alguns aspetos, a começar pelo facto de não existir referência ao sexo feminino entre os visitantes das bibliotecas de Guarda e Castelo Branco. Quanto às restantes bibliotecas mencionadas naquela obra, salientam-se as de Angra do Heroísmo e de Ponta Delgada, com valores superiores para “visitantes” do sexo feminino, na ordem dos 34,39% para a primeira e 50,2% para a segunda; contudo, o número de visitantes da biblioteca de Ponta Delgada é pouco significativo: menos de duas centenas e meia durante uma década, um valor bastante inferior ao das restantes bibliotecas.

Na biblioteca pública do Porto, os valores apresentados para o quinquénio de 1901-05 situam-se também acima dos 30% e, em Braga, regista-se um número igualmente significativo de senhoras, cerca de 27,2%, sobretudo no período seguinte, de 1906 a 1910. No mesmo quinquénio, situam-se abaixo dos 20% as bibliotecas de Elvas (18,22%) e de Évora, com 14,84%, a média encontrada para a primeira década do século XX.

A consulta de outras fontes facultou o acesso a dados sobre bibliotecas que não são mencionadas no Anuário Estatístico, como é o caso da Biblioteca Popular da Sociedade Martins Sarmento, em Guimarães, que publicava no seu Boletim, parte integrante da Revista de Guimarães, uma informação detalhada sobre os leitores, as leituras e os visitantes desse instituto. A percentagem de visitantes do sexo feminino rondava os 16% entre 1894 e 1896, subindo para uma média de 26,9%, considerados os anos de 1900, 1902 e 1903.

A falta de informação sobre o motivo das visitas às bibliotecas não permite apresentar conclusões muito seguras acerca da utilização feminina destes equipamentos culturais, no início do século XX ou mesmo nas décadas seguintes. Não obstante, parece-nos lícito pensar que essas visitas pudessem ter como objetivo a leitura ou pelo menos a consulta de livros e/ou jornais, mesmo que algumas se fizessem por outras razões: palestras, exposições…

Apesar da escassa representatividade do sexo feminino entre os utilizadores das bibliotecas públicas, no final do século XIX, início do século XX, salientamos algumas curiosidades que podem ser indicadoras do interesse que o acesso à leitura e à cultura escrita despertava entre as mulheres de todas as classes sociais. Por um lado, os registos da biblioteca popular (municipal) de Tomar, consultados para o período entre 1882 e 1886, revelam uma frequência de mulheres, incluídas na categoria “sem referência” de profissão, na ordem dos 5% do total de leitores. Por outro, a biblioteca popular de Estremoz apresenta dados relativos ao período de 1896 a 1908 que apontam para uma percentagem de cerca de 5,6% de leitoras, onde se incluem “domésticas” mas também duas “modistas” e uma “meretriz”.

Recolhemos também uma amostragem dos leitores da Biblioteca Nacional, em 1898, que confirma a escassa representação feminina: apenas cinco nomes femininos num conjunto de quase duas centenas e meia de termos de empréstimos durante o período analisado (maio a agosto). Idêntico quantitativo é apresentado para a categoria “sem referência”, no que concerne a identificação das profissões, o que nos permite inferir que se trataria das senhoras identificadas no Livro de Termos de empréstimo.

Já no período da I República, quando procuramos dados que atestem a utilização das bibliotecas por mulheres, as informações são escassas, uma vez que a discriminação profissional não permite isolar as leitoras, mesmo que existam algumas entre os estudantes e sobretudo no grupo “sem referência”, no que concerne à Biblioteca Popular de Lisboa (BPL), criada em 1918, onde só encontrámos como indicação especificamente feminina a de uma bibliotecária.

Na referida biblioteca popular/municipal de Estremoz, a percentagem de mulheres entre os frequentadores é superior ao período anterior, mas representa uma menor quantidade porque o número total de utilizadores desse equipamento era bastante inferior. Estamos a falar de uma leitora num total de seis (1914) e de três em dezasseis leitores (1918).

Noutras bibliotecas, como a da Sociedade Martins Sarmento, em Guimarães, a percentagem de mulheres que requisitavam livros era pouco significativa, oscilando entre valores inferiores a 1%, em 1919, e cerca de 14%, em 1925. Neste instituto, à semelhança da BPL, constatámos que algumas requisições feitas por homens se destinavam às mulheres, conforme consta dos registos.

O acesso às bibliotecas móveis (BM), as “caixas-estantes”, cuja criação foi estabelecida pelo Decreto-Lei de 18 de março de 1911, fez-se de forma mais livre[6]. O seu Regulamento, aprovado em 20 de setembro de 1915, previa a existência de três tipologias distintas, a que correspondiam os catálogos A, B e C.

O estudo que fizemos da utilização destas bibliotecas, no período decorrente entre 1915 e 1930, revela um número significativo de leitoras, na ordem dos 11,2%, considerando apenas as que referem a profissão de “domésticas”. Em algumas BM esta categoria situa-se mesmo em primeiro lugar, como acontece com as bibliotecas móveis que apresentam a seguinte identificação: C 6 - Leiria; C 2 (1922); C 16 - Sines; e C 2 - Lagos (1916-1921), ainda que os valores sejam diminutos, representando pouco mais de duas dezenas de mulheres, em média, para cada uma das bibliotecas mencionadas (Pinto, 2016).

As bibliotecárias

A presença feminina nas bibliotecas manifesta-se também pelo exercício do cargo de bibliotecária, que se tornou comum. A explicação pode ser encontrada na estreita relação das mulheres com o ensino primário, uma vez que nas últimas décadas do século XIX era ao professor primário (e também de outros níveis de ensino) que competia a função de orientar as leituras e cuidar das bibliotecas escolares, populares e mesmo municipais. Acresce que a falta de preparação técnica era desvalorizada, uma vez que se privilegiava a vertente de vigilância das leituras e dos leitores.

As imagens que nos chegaram das bibliotecas populares de jardim, com destaque para a que funcionou no jardim da Estrela, transformado em “grande cenáculo da leitura”, em 1922, sob a iniciativa do diretor da Universidade Livre e também vereador da Câmara Municipal de Lisboa, Alexandre Ferreira (Illustração Portugueza, n.º 854, 1922), mostram uma figura feminina no papel de bibliotecária que, no caso, tinha apenas como função disponibilizar os livros e vigiar os leitores.

Identificaram-se outras figuras femininas desempenhando um papel idêntico, pese embora as diferenças do espaço e do contexto, dado tratar-se da sala infantil da Biblioteca Nacional, criada em 1911, em cuja inauguração participaram, além dos jovens leitores, as suas “vigilantes”, algumas senhoras da Liga Republicana que se distinguem pela indumentária, sobretudo os vistosos chapéus[7].

No início da I República contam-se duas mulheres entre as figuras responsáveis pela Biblioteca Nacional, ambas desempenhando o cargo de bibliotecárias: Inês da Conceição Conde e Sofia Mittermayer. Já em Campo Maior, a biblioteca popular criada no século XIX esteve sob o controlo da família Dubraz durante duas gerações, onde se incluía uma figura feminina, D. Guilhermina Velez Dubraz, que assumiu o cargo de bibliotecária em 1918, depois da morte do marido, João Francisco Dubraz, que herdara essa função do pai. Este sentido hereditário do cargo fazia denotar a sua valorização social, na mesma medida em que sugeria uma depreciação da competência técnica e profissional.

Autoras: da escrita às estantes das bibliotecas

A dificuldade em conciliar a vida familiar com os projetos pessoais de escrita, música ou outra área profissional, exigia das mulheres que se dedicavam à escrita uma elasticidade e um zelo semelhantes ao que se impunha às que escolhiam e se destacavam no exercício de outras profissões.

Num universo dominado pelo poder e pelo sucesso masculino, estava vedada ou era muito limitada a afirmação da mulher no espaço público. O processo de passagem do oikos para a ágora foi longo e difícil, estendendo-se desde o século XVIII até ao século XX, quando os benefícios da evolução técnica permitiram que a mulher ficasse mais liberta das suas tarefas domésticas, facilitando a conciliação entre os dois planos e concedendo às mulheres mais espaço/tempo para a prática da escrita.

A prática da tradução foi uma realização para várias mulheres portuguesas que certamente aspiravam ser escritoras e reconhecidas como tal. Esta tarefa implicava o conhecimento de línguas estrangeiras, com destaque para o francês, espanhol e inglês. No entanto, em muitos casos tratava-se de trabalhos isolados e não do exercício de uma profissão (Monteiro, 2013).

A relação da mulher com a escrita era dificultada quando implicava entrar no espaço público (publicar, apresentar publicamente…). Foram poucas as mulheres que ousaram expor-se e revelar o seu lado mais íntimo, optando algumas por usar pseudónimos masculinos. Contudo, esta não é uma situação especificamente portuguesa; basta lembrar os nomes de George Sand e George Eliot para apresentar as obras de Amandine Aurore Lucile Dupine e Mary Ann Evans.

O estatuto de submissão e dependência feminina relativamente à autoridade masculina estava patente nas determinações do Código Civil português de 1867, uma vez que o direito de publicação pelas mulheres carecia da autorização dos maridos.

Contrariando esta ordem de ideias, um autor coevo, J. J. Lopes Praça, assumido admirador do escritor Benjamin Constant, defendia, em 1872, que as mulheres deviam ter a possibilidade de aceder livremente à educação secundária e superior em todos os domínios, o que deveria favorecer também a sua afirmação na escrita, cerceada desde sempre por falta de “estabelecimentos apropriados, onde a sua capacidade possa polir-se e manifestar-se” (Lopes Praça, 2005, p. 238).

O universo da produção literária e jornalística era predominantemente masculino, pese embora a existência de uma plêiade de escritoras que produziam e assinavam os seus textos, em livros, jornais e revistas, recorrendo por vezes a pseudónimos, não tanto para se esconderem mas como forma de comungarem de uma prática usual na época e valorizarem a sua escrita[8].

A emergência no século XIX de um número significativo de autoras de romances e novelas, um domínio até então controlado pelos homens, desencadeou reações de hostilidade, partilhadas por algumas mulheres, defensoras de um conceito mais conservador sobre o papel feminino no mundo das letras, dando força aos argumentos antifeministas que referiam a ausência de génio criador nas mulheres ou apontavam os perigos da sua masculinização[9].

Outrossim, a imprensa feminina expande-se em Portugal e, entre 1807 e 1926, surgiram 108 títulos, ainda que alguns tivessem tido apenas um número (M. Ivone Leal, citada por Vicente & Vicente, 2015). Não foi o caso do Almanach das Senhoras (1871-1928), fundado por Guiomar Torrezão, uma das figuras femininas que votou a sua vida à produção literária e jornalística, o que lhe valeu o epíteto de “Operária das Letras” e uma homenagem póstuma, publicada nessa revista por um colega de ofício, escritor com posição de relevo no campo da divulgação literária, Fialho d'Almeida, que refere a “constante admiração pelo [teu] formoso talento” (Almeida, 1899, p. 11).

Outros nomes femininos com destaque no mundo das Letras e na comunidade científica: Carolina Michaëlis de Vasconcelos, a mais cosmopolita, e Maria Amália Vaz de Carvalho, que criou o primeiro salão literário de Lisboa, foram as primeiras mulheres admitidas na Academia das Ciências de Lisboa.

Ana de Castro Osório sobressaiu como feminista e como escritora de livros infantis. Figurava entre os autores mais procurados pelos leitores das Bibliotecas Móveis, durante a I República (Pinto, 2016). O nome de Virgínia de Castro e Almeida ficou igualmente ligado a este género literário, uma produção que a autora complementou com a produção cinematográfica, ainda na década de 1920.

A obra de Cláudia de Campos gerou opiniões controversas nos seus pares do sexo masculino, que se dividiram entre os apreciadores - como Bulhão Pato, prefaciador do primeiro livro, Rindo (1892), e Cândido Figueiredo, que destaca o carácter feminino da sua escrita, patente em Figuras Literárias (1906) -, e os detratores - como Trindade Coelho, que considerou Elle, uma obra “indefinível”, perturbando-o negativamente. A ligação da autora ao universo literário europeu está patente nos estudos sobre Charlotte Brontë, Mme. de Staël e o poeta Shelley[10].

Apesar das obras publicadas por diferentes autoras entre os séculos XIX e XX, quando compulsamos os catálogos das bibliotecas coevas ou analisamos as requisições dos leitores, apercebemo-nos de como é exígua a representatividade das escritoras, o que poderá significar uma divulgação muito condicionada da literatura de autoria feminina ou a falta de reconhecimento do seu interesse cultural e qualidade literária.

Na Biblioteca Popular/Municipal de Guimarães, tutelada pela Sociedade Martins Sarmento, constava apenas o nome da autora do hino desta Sociedade (1885), num conjunto de alguns milhares de obras, distribuídas por sete secções distintas.

Procurou-se entender se haveria alguma desigualdade significativa no que respeita à inclusão de autoras nos catálogos das bibliotecas populares, dos gabinetes de leitura ou das sociedades literárias mais eruditas, mas não se encontraram diferenças assinaláveis. Tomando como exemplo a Biblioteca Popular de Estremoz e a Biblioteca da Sociedade Nova Euterpe (Porto), ambas do início da década de 1880, constata-se uma ausência quase absoluta de nomes femininos nos seus catálogos. O Gabinete de Leitura “O Jardim do Povo” (1888), localizado no Porto, constitui uma exceção, pois o seu catálogo contém 31 entradas com nomes femininos, portugueses e estrangeiros.

O projeto do editor David Corazzi Biblioteca do Povo e das Escolas, uma obra de carácter enciclopédico, baixo custo e características populares - folhetos quinzenais, com 64 p., vendidos a 50 réis -, foi publicada entre 1881 e 1913 (29 edições), com a participação de vários autores, incluindo “jovens estreantes” mas sem colaboração feminina (Domingos, 1985).

Na segunda década do século XX a representação das mulheres escritoras nos acervos das bibliotecas mantém-se diminuta, como se conclui pela observação do catálogo da Biblioteca do Ateneu Comercial do Porto (1911), realçando-se o nome de Maria Amália Vaz de Carvalho, entre o vasto conjunto de obras referenciadas, na ordem dos catorze milhares. De igual modo, o “catálogo-tipo” apresentado pela comissão que trabalhou na ideia de organização de uma biblioteca popular-modelo, depois da implantação da I República, faz referência apenas a quatro autoras, das quais só uma é portuguesa.

Situação um pouco diferente é a que se encontra patente no catálogo da Universidade Popular Portuguesa (1921), organizado em oito secções. Na I secção, com 490 obras de Literatura, as mulheres representam 3,26% do total - oito estrangeiras e oito portuguesas, de onde se destacam os nomes de Cacilda de Castro, Maria O'Neill, Júlia Lopes de Almeida, Guiomar Torrezão, entre outras; a primazia vai para Maria Amália Vaz de Carvalho e, na literatura infantil, para Ana de Castro Osório. Na secção de Educação e Ensino sobressai Caïel (pseud.), e nas demais secções a presença de autorias femininas é praticamente inexistente.

Uma análise dos registos de leitura na Biblioteca Municipal de Guimarães, entre 1925 e 1930, revela um escasso número de requisições feitas por mulheres, assim como uma procura muito reduzida de autoras portuguesas. Entre as várias dezenas de nomes portugueses e estrangeiros figura apenas uma meia dúzia de escritoras, realçando-se Maria Amália Vaz de Carvalho, Virgínia de Castro e Almeida, Emília de Sousa Costa, Suzanna Cornaz, Ana de Castro Osório e Rosa Marques.

Considerações finais

A exiguidade de informação estatística, no que concerne à identificação dos leitores quanto ao sexo, limita as inferências suscitadas pela análise de outras fontes. Contudo, é de considerar que a relação das mulheres com a leitura não as aproximou das bibliotecas porque a sua educação se desenvolveu mais na esfera privada, respeitando os traços dominantes da mentalidade da época que afastava o sexo feminino dos espaços públicos, como eram também as bibliotecas.

Quando a sua frequência começou a ser ponderada, obedeceu a uma lógica de segregação relativamente ao universo masculino, criando-se para o efeito salas próprias.

As representações da leitura praticada pela mulher burguesa remetem para espaços privados, fossem as suas residências, recorrendo à biblioteca pessoal, ou os salões literários, frequentados por uma elite intelectual que se (re)conhecia.

As mulheres da classe média, nomeadamente as que pugnaram por uma maior visibilidade social e política, escolheram ilustrar-se noutros espaços, particulares, mesmo que devotados à causa pública, como foram os centros republicanos, o que de certa forma justifica a ausência feminina nas bibliotecas públicas.

A entrada das mulheres no mundo da produção literária, leia-se no círculo dos autores portugueses, esteve durante muito tempo reservada a uma elite constituída pelas esposas dos homens mais liberais e/ou pelas mulheres que conseguiam penetrar nessa rede de influências.

Outrossim, não bastava ultrapassar a barreira do reconhecimento da autoria, mérito reservado apenas a algumas operárias das Letras; impunha-se a divulgação das obras a um público alargado, o que poderia ocorrer através das bibliotecas públicas, municipais e populares, facto que justifica o interesse de um estudo mais aprofundado desta matéria, para explicar a reduzida presença de escritoras nos catálogos das bibliotecas e a escassa procura das suas obras.

Este texto assume-se como um desafio ao alargamento da investigação, na linha do trabalho esboçado, complementando-o ou adotando uma perspetiva distinta, que enriqueça o conhecimento sobre a relação das mulheres com a leitura pública, em Portugal, no início do século XX.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Recepção: 10/02/2017

Aceite para publicação: 15/05/2017

 

(1)Este texto foi elaborado a partir de um conjunto de informações que integram a tese de doutoramento Bibliotecas Populares em Portugal - Representações e Práticas - Esboçar de uma Missão (1870-1930), completado pelo recurso a fontes e bibliografia mais específicas.

[1]. A primeira foi criada em 1866 (Lisboa, Calvário), devendo seguir-se-lhe outras no cumprimento da legislação de 1878; mas, na prática, apenas funcionou a Escola Normal Primária do Porto. Criaram-se também as Escolas de Habilitação para o Magistério Primário. Cf. António Nóvoa (1987). Le Temps des professeurs, vol. I , p. 474.

[2]. Arquivo Nacional da Torre do Tombo - ANTT. Maço 3656, lv. 1, n.º 402.

[3]. Uma explicação para estas particularidades regionais, considerando a relação norte-sul de Portugal, pode encontrar-se no diferente regime de propriedade que incluía (norte) ou afastava (sul) a mulher da agricultura, deixando-a, neste caso, mais liberta para a aprendizagem das letras.

[4]. A massificação do ensino acompanha esta tendência de feminização, num contexto de modernização do Estado. O exercício da docência torna-se um “trabalho de mulheres” porque tem um custo inferior e conta com a submissão feminina, mas também devido ao sentido da evolução da “escola de massas”, marcado pela diferenciação de género baseada na divisão sexual do trabalho. Cf. Helena Costa Araújo (2000). Pioneiras na Educação. As professoras primárias na viragem do Século: Contextos, Percursos e Experiências, 1870-1933, p. 65.

[5]. Irene Vaquinhas (2012). “Los peligros de la lectura en feminino: de los libros prohibidos a los libros aconsejados (siglos XIX-XX)”, p. 98. Neste texto a autora desenvolve a sua ideia também na perspetiva da produção literária, abordada mais adiante.

[6]. O catálogo A tinha cerca de 400 títulos, o dobro dos outros dois. A predominância da Literatura sobre os livros das outras duas categorias, Ciências e Artes e História e Geografia, era um aspeto comum aos três catálogos.

[7]. O Século, 2/4/1911, p. 1.

[8]. A utilização de pseudónimos, comum aos dois sexos, representava, no caso das mulheres, pouco mais de 10%; ou seja, 36 num total de 303 pseudónimos inventariados em 1947. Cf. Neves, António Álvaro Oliveira Toste (1962). Pseudónimos: Achegas para um Dicionário de Pseudónimos de Escritores Editados em Portugal. Coimbra: [s.n.].

[9]. Maria Amália Vaz de Carvalho foi uma das vozes críticas da escrita feminina de novelas, ao contrário de alguns republicanos, como César Porto, que defendia a utilização pedagógica deste género literário. Cf. Irene Vaquinhas (2012), op. cit., p. 100-101.

[10]. Cláudia de Campos - Da Literatura à Intervenção Cívica. Mostra na BNP entre 25 nov. 2016 e 7 jan. 2017.