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Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher

Print version ISSN 0874-6885

Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher  no.45 Lisboa June 2021  Epub Nov 30, 2021

https://doi.org/https://doi.org/10.34619/zfl8-oejk 

Estudo

Mulher, o poder da sua voz como contestação ao poder estabelecido: Uma Leitura de O Meu Amante de Domingo (2020) de Alexandra Lucas Coelho1

Woman, the power of her voice to contest the established power: Reading Alexandra Lucas Coelho’s O Meu Amante de Domingo (2020)

Margarida Rendeiroi  ii  iii 
http://orcid.org/0000-0002-8607-3256

1i Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Lisboa, Portugal

2ii Universidade dos Açores, Centro de Humanidades, Lisboa, Portugal

3iii Universidade Lusíada de Lisboa, Lisboa, Portugal


Resumo

Defendo neste artigo que em O meu amante de domingo de Alexandra Lucas Coelho, o exercício social dos afetos é exercício de não conformismo perante a subalternização e invisibilização da mulher, conferindo-lhe existência particular. Por outro lado, defendo que esta escrita é um exercício antropofágico, partindo da escrita que a faz “outra” para criar uma voz própria e individual. A linguagem desta narradora, senhora da sua própria história, é dura e desbragada, mas é na afirmação da sua fala e no absoluto controlo da sexualidade do seu corpo que assegura a sua pulsão de vida.

Palavras-chave: mulher; exercício social dos afetos; corpo feminino; antropofagia; Alexandra Lucas Coelho

Abstract

In this article, I will argue that in this novel the exercise of passion corresponds to the exercise of non-conformism against women’s subalternization and invisibility, empowering them. Furthermore, I will also argue that writing becomes an anthropophagic exercise that builds an individual voice upon the writing that domesticates women’s othering. The narrator is the master of her own story and her language is crude but it is her locus of enunciation and her absolute control of her own body that preserves her life drive.

Keywords: woman; social exercise of affection; female body; anthropophagy; Alexandra Lucas Coelho

O homem antes do génesis, igual a peixe ave-besta-réptil, antes que deus o faça presidir, e ainda tire dele uma mulher: não sou essa mulher. Alexandra Lucas Coelho, O meu amante de domingo.

Pois que toda a literatura é uma longa carta a um interlocutor invisível, presente, possível ou futura paixão que liquidamos, alimentamos ou procuramos. Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta, Maria Velho da Costa, Novas cartas portuguesas

O meu amante de domingo de Alexandra Lucas Coelho foi publicado em 2014, ano em que se assinalou o 40.º aniversário do 25 de Abril de 1974. Este ano é igualmente o ano em que o processo judicial que ficou conhecido como o Caso das três Marias, um dos mais mediáticos em Portugal, cuja visibilidade foi muito devedora da repercussão internacional que atingiu, conheceu o seu desfecho, determinado pela Revolução dos Cravos, ocorrida pouco mais de uma semana antes. A 7 de maio de 1974, as rés Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa foram absolvidas num processo que as levara a tribunal em fevereiro de 1973, na sequência da publicação de Novas cartas portuguesas (NCP), obra escrita a seis mãos que o governo português de então considerou ter um “conteúdo insanavelmente pornográfico e atentatório da moral pública” (Barreno, Horta & Costa, 2010, p. XVIII). A sentença que promulgava a absolvição das três escritoras concluía que a obra NCP não era nem pornográfica, nem imoral; era uma obra de arte de elevado nível a par das outras obras antes publicadas pelas escritoras. E é, de facto, uma importantíssima obra literária. NCP, trabalhada a partir da obra Cartas Portuguesas publicada numa edição bilingue em Portugal, traduzida por Eugénio de Andrade, em 1969, antecipa uma série de posicionamentos literários, sociológicos e políticos que foram desenvolvidos nas décadas seguintes, nomeadamente pelos Estudos Feministas, os Estudos de Género, os Estudos Pós-coloniais e a Teoria Queer, que colocaram em destaque - e dentro da academia - perspetivas críticas sobre as vozes subalternizadas, nomeadamente, as das mulheres, e expuseram a discriminação e a violência ligada à diferença sexual (Amaral et al., 2012).

A feliz coincidência do ano de publicação do romance de Lucas Coelho e das efemérides assinaladas convida a uma leitura da narrativa à luz de uma continuidade de algumas das preocupações centrais que ocuparam Barreno, Horta e Costa em 1972. De facto, a relevância de uma leitura de NCP nos dias de hoje deve-se, como bem descreveu Maria Alzira Seixo (1998), à possibilidade de confrontar os tempos passado e presente e perceber o que mudou do início da década de 70 para a atualidade. Seixo também destacou a complexidade ao nível do texto, conseguida através do hibridismo de géneros literários, da construção da alteridade, da complexidade das vozes narrativas e da interpelação da História, construída enquanto fundamentação causal e temporal do presente; por outras palavras, a perceção de que o modo como as três autoras reescreveram as cartas da Soror Mariana Alcoforado tem uma intenção paródica que cria um efeito de tensão ao longo da narrativa.

O meu amante de domingo é uma narrativa sobre abandono, traição, raiva e fúria; raiva e fúria consequentes da traição e abandono a que a narradora foi sujeita e também suscitadas pelo estado do país em 2014. De um modo semelhante, a escrita de NCP é substancialmente condicionada pelo estado de Portugal, entretanto já nos últimos anos do Estado Novo. Nela perpassam a guerra colonial, a violência sexual circunscrita ao espaço doméstico marcadamente patriarcal, a emigração forçada pela pobreza e a estratificação social, como também estão presentes o abandono, o suicídio, como expressão última de desespero, a raiva e o desejo femininos. Como defende Amaral, ao ousar tratar o corpo e o desejo femininos, nas suas variadas expressões, NCP inscreve-os “nesse espaço de reivindicação de reconhecimento dos direitos sociais, jurídicos, económicos e culturais das mulheres” (Amaral, 2013, pp. 9-10). E é precisamente este gesto de escrita que se encontra igualmente subjacente em O meu amante de domingo, reivindicando o reconhecimento dos direitos das mulheres através do seu corpo e da sua linguagem, desconstruindo os estereótipos femininos da contenção e da fragilidade ao mesmo tempo que, à semelhança de NCP, desconstrói uma tradição literária, dialogando com outros textos, e inscreve nela a sua voz. Deste modo, encetar um diálogo entre a narrativa de Lucas Coelho e a obra de Barreno, Horta e Costa abre espaço a uma reflexão sobre a condição feminina e sobre o estado de Portugal ao fim de 40 anos de democracia portuguesa.

Em 2014, Portugal não é seguramente o mesmo país de 1974. Contudo, este ano insere-se num período particularmente dramático em Portugal, na sequência de um pedido de resgate financeiro à Troika, nome atribuído ao trio institucional composto pelo Banco Central, o Fundo Monetário Internacional e a Comissão Europeia, em 2011. As medidas de austeridade financeira decorrentes deste pedido de resgate tiveram um impacto social devastador. Decorrido um ano desde a implementação destas medidas, o nível de desemprego disparou para valores acima dos 15% e a percentagem dos jovens portugueses (15-24 anos) que estava em situação de desemprego em 2013 ultrapassou os 37%, sendo superior a 40% entre as mulheres jovens, e mais do que duplicou desde 2008 (Organização Internacional do Trabalho, 2013, p. 11). A emigração foi a solução encontrada para muitos portugueses. Abordando especificamente a situação das mulheres em Portugal, e de acordo com um inquérito aos Ganhos e à Duração do Trabalho realizado pelo Gabinete de Estratégia e Estudos do Ministério da Economia em 2013, a taxa de desemprego entre as mulheres passou de 8% em 2008 para 16,4% em 2013, tendo sido sempre superior à registada dos homens, com exceção do ano de 2012. O número real de mulheres desempregadas e subocupadas foi 755,5 mil, correspondendo a uma taxa de 27,6% em 2013. No mesmo ano, a desigualdade salarial rondava os 18% em média, com o agravamento desta diferença nos níveis mais elevados de qualificação. Nos Quadros Superiores, o diferencial registou 25,2%, de acordo com os dados dos Quadros de Pessoal em 2012. Assim, o desemprego e a precariedade durante os tempos de crise afetaram todos os portugueses em geral, mas registaram uma particular incidência nas mulheres que, simultaneamente, continuaram a ser vítimas da desigualdade salarial. A protagonista e narradora de O meu amante de domingo é o espelho de muitas mulheres portuguesas qualificadas durante este período: doutorada na área de Humanidades pela Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Nova de Lisboa, muda-se para o Alentejo, onde pode aspirar a melhores condições de vida, desloca-se a Lisboa num Lada Niva de 1994 e vive precariamente como revisora de texto. Se em 1974, a situação das mulheres em particular e a do país em geral merecia sentimentos de não conformismo, em 2014, são esses mesmos sentimentos que também emergem com a profunda crise social, agravada pela persistente desigualdade entre sexos. Aliás, o número de pessoas que vieram protestar para as ruas portuguesas durante os anos de crise é demonstrador da indignação que tomou a população durante este período; de acordo com a imprensa nacional, cerca de um milhão de pessoas encheu as ruas do país durante as manifestações nacionais organizadas pelo movimento Que se lixe a troika! Queremos as nossas vidas! em 2013.

Deste modo, e porque “toda a literatura é uma longa carta a um interlocutor invisível, presente, possível ou futura paixão que liquidamos, alimentamos ou procuramos” (Barreno et al., 2010, p. 3) e a literatura está inevitavelmente ligada ao mundo, neste artigo defenderei, por um lado, que, em O meu amante de domingo, o exercício da paixão corresponde ao exercício do não conformismo perante a subalternização da mulher, a desigualdade e a precariedade e, particularmente, no que toca à tomada da sua voz por outrem. Este aspeto aproxima a obra de Lucas Coelho e NCP enquanto parte mobilizadora do exercício social dos afetos (Amaral, 2013, p. 5) e recupera a característica de excesso apontada por Maria de Lurdes Pintasilgo no seu Pré-Prefácio à edição de NCP em 1972, incluído na edição anotada e organizada por Ana Luísa Amaral em 20102. Não existe contenção na obra de Lucas Coelho: os sentimentos são extremados e a linguagem que os exprime é direta e crua. Por outro lado, defenderei que, em O meu amante de domingo, o exercício de escrita é um exercício antropofágico, expandindo a ideia introduzida pela própria narradora: “o livro seria uma espécie de antropofagia” (Coelho, 2020, p. 89). A antropofagia, enquanto parte de rituais religiosos indígenas, tinha um significado particular: comia-se o inimigo como forma de demonstrar o respeito e desejo de adquirir as suas características mais fortes. Nesta obra de Lucas Coelho, a narrativa encena-se a ela própria e, com minúcia arqueológica, analisa a construção do chamado cânone literário, desconstruindo-o para inscrever a voz e a figura femininas, sistematicamente descritas por interposta voz e estereotipadas, dando-lhes existência corpórea e espaço próprios, plenos de vida; como se afirma em NCP, para que, no fim, se possa afirmar: “Guerreiros, nós, mulheres de corpo inteiro e segura mão” (Barreno et al., 2010, p. 32).

I

Em O meu amante de domingo, a narradora é uma mulher de 50 anos, loura, doutorada, revisora de texto e recém-mudada para o Alentejo, que se desloca aos domingos a Lisboa no seu Lada Niva de 1994 para cuidar da gata de uma amiga, que está no Rio de Janeiro a fazer pesquisa, e nadar. Na sequência de uma avaria do seu carro, conhece um mecânico que se torna o seu amante de domingo. Entretanto, planeia a morte de um homem 16 anos mais novo do que ela, o caubói, com quem se envolveu durante um mês e começa a escrever a história dessa vingança. Nesta história, nem a narradora nem as personagens têm nomes próprios: o mecânico, que é igualmente referido como o amante de domingo, o caubói, o amigo de Nafarros ou “o futuro Nobel”, e Apolo, o homem que ela conhece na piscina, referido em termos de padrões estéticos comparativos.

Nesta narrativa, as identidades sexuais constroem-se em torno e a partir da escrita. Como afirma Ramalho, “a língua, a linguagem, o discurso, a tradução, a representação, a semântica, o simbólico, os valores e os sentidos são poderosos instrumentos do estar-a-ser-sexual em qualquer narrativa” (2002, p. 557). A voz narradora, a única voz feminina nesta narrativa, resiste e desconstrói, até sob o ponto de vista físico, estereótipos femininos. A personagem é loura e potencialmente poderia enquadrar-se num estereótipo de beleza feminina ocidental, mas mantém o cabelo curto para que seja mais prático mantê-lo minimamente apresentável e praticar natação. Além disso, é estéril e nunca sentiu uma particular apetência para a maternidade. Por outro lado, é divorciada, tendo uma lista de “casamentos, divórcios, uniões de facto, separações, triângulos, quadrados, flirts, casos romances, vícios de cama, amantes-amigos, amigos para sempre” (Coelho, 2020, p. 36). A vida sexual avança impelida pela sua própria iniciativa e escolha. Ao contrário das restantes personagens, não se confina a um espaço, deslocando-se entre o interior e o litoral, da mesma forma que decidiu deixar o Norte e rumar para a capital para estudar. É senhora de si e delimita o seu espaço, o acaso e as circunstâncias e não o contrário. Num claro jogo com a novela Saudades de Bernardim Ribeiro, a narradora subverte a frase inicial para sublinhar a vontade que lhe ditou o caminho desde o início: “Assim menina e moça me levei de casa dos meus pais até às cavalariças da Universidade Nova de Lisboa” (Coelho, 2020, p. 35, itálico meu)3. Por outras palavras, a construção da figura da narradora feminina contraria quaisquer expectativas de conformação com um modelo de mulher passiva, dotada para a maternidade numa sociedade que, embora seja bastante diferente da sociedade portuguesa do início da década de 70, continua estruturalmente patriarcal, conforme o atestam as estatísticas.

Talvez pergunte porque nunca pude ter filhos, não sei sequer se os teria tido. Seja como for, isso só significa que teve escolha terá perguntas que eu não tenho, tal como eu tenho perguntas que quem teve escolha não tem. Quanto a dados relevantes na história clínica, é o que é. E, como diria Leonard Cohen, para acabar com a canção, nem sequer penso assim tanto nisso. (Coelho, 2020, pp. 37-38)

A esterilidade faz parte da história clínica da narradora e a possibilidade da maternidade, mesmo por via da adoção, é uma escolha que não a define enquanto mulher. A este propósito, relembra-se o texto “A Mãe”, incluído nas NCP, que se debruça precisamente sobre a maternidade enquanto fardo opressivo imposto à mulher, quando aquela não decorre de uma escolha livre (Barreno et al., 2010, pp. 117-119). Na narrativa de Coelho, essa escolha faz-se pela negativa e sem hesitações, apesar de a possibilidade da adoção poder “corrigir” uma suposta falha natural que poderia limitar uma “inclinação natural” feminina. Em O Segundo Sexo, Beauvoir (1949) critica um essencialismo que aprisiona a mulher numa categoria ideal, negando haver um qualquer destino biológico, psicológico ou económico que determine o papel social da mulher. Também em O meu amante de domingo, a narradora define-se essencialmente pela negação de um qualquer destino que não seja o decorrente das suas escolhas.

O próprio título desta narrativa é um primeiro sinal do que se anuncia como não conformação a quaisquer modelos e imposição da vontade e da existência da mulher, sublinhada pelo determinante possessivo “meu”. Como vai ser explorado mais à frente, nesta narrativa a discursividade é uma forma de resistir, assegurando a sua sobrevivência num mundo em que continua a ser tão fácil uma voz masculina apropriar-se da voz e da experiência femininas. Falar em nome de, atribuir sentido, invisibilizar, em vez de dar voz própria:

Falar, e especialmente escrever a partir de uma tal posição, é apropriar o mundo, controlá-lo através do domínio da linguagem. O discurso simbólico, a língua em vários contextos, é outro meio através do qual o homem objectifica o mundo, o reduz aos seus termos, fala em nome de tudo e de todos - incluindo as mulheres. (Jones, 2002, p. 76)

Neste sentido, se narrar é apropriar-se do mundo, narrar é igualmente resistir a uma rasura e a uma secundarização da existência. Os estereótipos são desconstruídos como um exercício de não conformismo com papéis de género socialmente pré-determinados. Para a narradora de O meu amante de domingo, à semelhança também de NCP, o exercício de não conformismo passa igualmente pelo uso desconstrutor da linguagem. Sendo a narradora natural do Canidelo, a narrativa serve-se do estereótipo do uso do palavrão como típico da região norte do país: “Aí, toda a gente diz que os cinquenta são os novos trinta. Mas como eu sou do Canidelo, concelho de Vila Nova de Gaia, o que eu digo é, quero o meu pescoço de volta, caralho” (Coelho, 2020, p. 16, itálico meu). Os palavrões que mais diretamente se referem à sexualidade são simultaneamente objeto de proibição e de desejo. Estipulando o que pode ser ou não dito, são sinónimo de transgressão. Vaneigem sublinha que “a proibição incita à transgressão. O que é recalcado suscita o furor da catarse e as astúcias do ressentimento” (2004, p. 32). Em O meu amante de domingo, o uso do palavrão corresponde ao exercício transgressor da linguagem apaziguadora, moderada e conformada, aquela que é usada na capital, centro político e económico do país, que nas palavras da narradora se expressa com “uma gravata na língua”. Servindo-se do estereótipo associado ao uso regional de obscenidades, a narradora usa o palavrão para se insurgir contra a contenção e a moderação que conduziram às “utopias falhadas de 2014” (Coelho, 2020, p. 20) e resistir a uma situação de limiar porque “a banalidade do mal é isto, nem ricos nem pobres, remediados. Portugal é um país de filhos de remediados, a começar por mim” (Coelho, 2020, p. 66). A catarse que emerge do palavrão é o apelo à ação para contrariar a abulia e a depressão, o murro na mesa necessário, e, por isso mesmo, a obscenidade na narrativa não é gratuita porque reforça a ligação entre a literatura e a vida, dando-lhe a força da emoção em nome próprio:

- Eu queria sair de casa dos meus pais, foi por isso que pus Lisboa em primeiro lugar. Mas nunca falei como se fala em Lisboa, foda-se. O lisboeta tem uma gravata na língua, acha que o palavrão é para quando se descuida. Não entende que é ele quem faz do palavrão um descuido. Todo o palavrão tem arte, a gente lá de cima sabe. (Coelho, 2020, p. 86)

sempre tive um problema com a autoridade, nunca deixei de dizer caralho quando me apetece, e dê lá por onde der sou tão livre quanto me sinto livre. A fúria é uma estranha forma de vida, mas não muito mais estranha do que o fado, talvez um fado virado do avesso. (Coelho, 2020, p. 37)

É uma outra forma de excesso, para retomar a palavra usada por Maria de Lurdes Pintasilgo, porque a fúria extravasa a contenção na escrita.

Em O meu amante de domingo, a resistência à rasura passa por uma reflexão sobre a literatura, convocando obras de diferentes autores literários que, de uma forma ou de outra, pensaram a mulher e, sobretudo, falaram em seu nome: os brasileiros Nelson Rodrigues, Euclides da Cunha e Machado de Assis, o francês Balzac, e os irlandeses Joyce e Beckett. Existiram mulheres nas vidas destes autores que, por força da circunstância, já que “não tomavam a palavra” (Coelho, 2020, p. 19), permaneceram invisibilizadas porque as suas palavras e a sua experiência foram tomadas pelo Outro masculino. Deste modo, o Eu feminino transmutou-se em Outro feminino. Foi o caso de Rodrigues, cujas crónicas frequentemente teceram generalizações sobre as mulheres; de Cunha cuja mulher, Anna Ribeiro, teve um romance aceso com um tenente mais novo do que ela já depois da publicação dos Sertões, mas acabou os seus dias sozinha e abandonada; Balzac cuja Comédia humana assentou num exercício de observação que “soube ver dentro das mulheres como poucos”, nomeadamente em A mulher de trinta anos (Coelho, 2020, p. 121); Joyce, cujo monólogo de Molly Bloom em Ulisses não teria sido escrito sem a experiência do casamento de Joyce com Nora Barnacle; e Beckett, não fora a sua obsessão em se tornar num novo Joyce, poderia ter querido apaixonar-se por Lucia, filha de Joyce, que terminou os seus dias num hospício. Não obstante o poder de observação e a mestria da palavra serem inquestionáveis quando se trata de falar de qualquer destes autores e das suas obras, a questão central é que correspondem a um ponto de vista sobre a mulher que não é necessariamente o da mulher ou o de todas as mulheres. Por outro lado, o objeto observado é alvo de um julgamento social implícito:

Antigamente dizia-se tomar amante, aliás, os homens diziam. [...] Mulheres solteiras não tomavam amantes, quando tomavam eram putas, e de qualquer forma não tomavam a palavra. (Coelho, 2020, p. 19)

Esta conclusão é explanada na primeira pessoa e no que à narradora lhe diz respeito:

Assim deitada entre o mecânico e os fantasmas, dou-me conta, quase com fascínio literário, de como a minha vida pode ser observada por quem está de fora, considerando que não tenho marido, filhos, livros publicados, nem emprego fixo apesar do doutoramento. Se a observação externa depende mais da natureza do observador do que do observado, alguém com uma carreira verá em mim o fracasso, para um cínico serei neurótica e um cristão terá compaixão de mim. Tudo isso não deixa de ser filosoficamente verdade, apenas não é a parte decisiva da verdade, porque eu não me vejo assim, e ninguém está tão destinado à minha vida quanto eu. (Coelho, 2020, pp. 36-37)

Assim, no título desta narrativa, O meu amante de domingo, vemos a convocação da palavra em nome próprio que antecede uma escrita de alguém que não aceita nem se contenta em ser observado e que resgata com fúria o direito à expressão da sua existência na primeira pessoa, desafiando o padrão social sustentado no desafio do padrão linguístico.

Em O meu amante de domingo, é o olhar feminino, o da narradora, que determina o olhar sobre o mundo e sobre as restantes personagens. Desta forma, nega a possibilidade de esse olhar se reverter para si enquanto objeto de contemplação ou de desejo. Em NCP, o texto “O Corpo” (Barreno et al., 2010, pp. 175-176), a aparente contemplação do nu feminino que se revela no fim como contemplação de um corpo nu masculino é a inversão dos pontos de vista na relação entre sujeito observador e objeto observado indicadora do desafio à noção de identidade sexual e de papéis sexuais. Em O meu amante de domingo, este jogo não existe; a contemplação do corpo nu é sempre a contemplação do corpo masculino, estando o corpo feminino sempre resguardado de olhares terceiros. É a voz feminina que se permite desconstruir a masculinidade:

Era um pau com que se podia trabalhar. Não muito comprido mas grosso, pelo menos no estado apopléctico em que eu o via. Não muito comprido não quer dizer curto: era ok. Foi o que lhe disse, sem mentir (o que do ponto de vista dos gajos pode querer dizer: cruelmente sem mentir), quando ele me perguntou, já fora da cama, o que eu achava do seu menino. As minhas sobrancelhas devem ter subido testa acima. E respondi, rindo e repetindo, como se isso dobrasse a valer: é ok, é ok. (Coelho, 2020, p. 29)

No caso particular das personagens masculinas de O meu amante de domingo, estas são construídas a partir de estereótipos masculinos, revertendo uma estratégia que a tradição literária mostrou ser uma constante nas obras consagradas narradas por vozes masculinas, falando pelas mulheres; tal como a narradora afirma quando se dirige a Balzac:

Com a simplitude da alma que o caracteriza, caro amigo, estou certa de que o intervalo de séculos entre as nossas linguagens não o impedirá de tomar a minha pelo que ela é, tal como a sua sempre foi: a própria mensagem. (Coelho, 2020, p. 126)

Lembrando as palavras de Butler, “minha situação não deixa de ser minha só porque também acontece com outra pessoa, e meus atos, embora sejam individuais, reproduzem, ainda assim, a situação do meu gênero, e o fazem de diferentes maneiras” (Butler, 1988, p. 78). Em O meu amante de domingo, é a experiência da narradora que a habilita a expressar-se da forma como se expressa e confere autoridade à sua própria voz e à sua própria mensagem. Aqui, a voz narradora feminina fala sobre o universo masculino, por um lado, expondo a sua própria subjetividade e, por outro lado, num exercício de desconstrução, mostra como a estereotipificação de género é impeditiva de se ir mais além dos limites impostos por uma visão tipificada. A este propósito, a construção da personagem “mecânico” é exemplar. A sua descrição, que inicia esta narrativa, é a de um homem profundamente masculinizado, com uma tatuagem com “a cara de uma santa” que exibe “no peito oposto ao do coração” e que, quando baixa os braços “é como se a protegesse” (Coelho, 2020, p. 13) para logo concluir que a tatuagem foi feita na prisão quando ele abandonou a Porta de Armas para ir ter com uma mulher. É definido pelo impulso sexual que desconstrói a proteção como traço de masculinidade e que igualmente define a narradora: “Vê-se que é uma mulher que aprecia sexo, disse o fogoso mecânico, interrompendo o meu devaneio. Ainda bem porque eu também aprecio, sou mesmo viciado” (Coelho, 2020, p. 33). É profundamente marcado pelos traços físicos (“das mãos, da voz, da massa” (Coelho, 2020, p. 21). O casamento é definido pelos traços caracterizadores de um casamento tradicional, numa estrutura patriarcal, de uma classe média baixa, empurrada para a periferia, como tantas outras: “Têm uma boa vida, moram numa urbanização na Bobadela, ela é uma santa e gosta de sexo” (Coelho, 2020, p. 27). Tanto a atual mulher como a ex-mulher e outras com quem se relacionou são “santas” e trabalhadoras; a ex-mulher é boa mãe e faz tortas de Azeitão para fora, enquanto a atual deixa-lhe “o almocinho feito” (Coelho, 2020, p. 74), de resto como a empregada Glória do amigo de Nafarros o faz, “bem filha de sua mãe, neta da sua avó, ainda parentes da família do patrão” (Coelho, 2020, p. 74). Encontra-se implícita a ideia de um longo lastro histórico-cultural, no qual a mulher casada adquire uma aura de santidade na medida das obrigações que cumpre, que está presente também, em NCP, na desconstrução das vidas das muitas Marianas e Marias. Por outro lado, os que parecem ser traços fortes de masculinidade são desconstruídos pela insegurança relativamente à performance sexual e ao desinteresse da narradora face à continuação dos encontros amorosos, que contrasta com a segurança da narradora.

A narrativa de Coelho vai ainda mais além quando faz assentar a construção das personagens masculinas na relação singular com a língua e com a escrita. Esta singularidade faz sobressair uma certa desadequação das vozes das personagens masculinas. O mecânico erra conjugações verbais, escrevendo “vareia” e “pacei”, e envia mensagens com reticências espaçadas, o que, nas palavras da narradora revisora, é “a chamada da selva, onde a vida e a gramática podem enfim recomeçar” (Coelho, 2020, p. 16); o amigo de Nafarros, escritor premiado e traduzido, “um poeta de audiência” (Coelho, 2020, p. 67), aspira ser considerado um marco na literatura e está dedicado à escrita cuneiforme, “lê cinco mil anos para trás, vê cinco mil anos para a frente” (Coelho, 2020, p. 69) numa relação com a literatura que pouco tem a ver com a vida que o rodeia; o Apolo trabalha na rede social Facebook e é uma personagem tão asséptica e fugaz no contacto humano como o tipo de relacionamento que se encontra numa rede social porque, para além do aspeto físico, “a verdade é que não sabemos nada sobre as taras de quem faz o Facebook” (Coelho, 2020, p.145); o caubói é dezasseis anos mais novo do que a narradora, está ligado ao teatro, e o monólogo que tem de escrever sobre o tempo absorve a experiência, as leituras e a voz da narradora, aproveitando-se do relacionamento breve entre os dois e sem lhe dar conhecimento prévio das suas intenções relativamente à sua escrita. O caubói, forma aportuguesada do inglês cowboy, tem os traços do estereótipo do vaqueiro que o tornaram cinematograficamente célebre nos westerns norte-americanos: enrola cigarros vagarosamente, olha para o fim do horizonte, tem os olhos semicerrados e sorri “de esguelha” (Coelho, 2020, p. 44). Nos filmes, o cowboy era o herói que vencia os índios, habitualmente os vilões nos westerns, assegurando a conquista das terras a oeste que lhes eram subtraídas porque os colonos necessitavam de terra. Nesta narrativa, a conquista do que existe “na cabeça de uma gaja de cinquenta anos, tanto trabalhinho” (Coelho, 2020, p. 162) não lhe confere mais do que uma coleção de insultos e desejos de vingança, pelo que se configura na narrativa como o verdadeiro ilícito: a generalização de uma voz e experiência particulares e a rasura do valor da relação pessoal, o que equivale a dizer que se tomou propriedade privada ilegalmente.

Numa discussão sobre literatura, às afirmações “Não há dor do outro. Há dor” (Coelho, 2020, p. 78) do amigo de Nafarros, a narradora contra-argumenta “Mentira, o que há mais é anemia” (Coelho, 2020, p. 78), querendo com isso dizer que à literatura deve preexistir a assunção do valor da experiência particular ou identitária sobre uma qualquer expressão universal ou generalizadora. Como na vida. Retomando o argumento inicial, o exercício social dos afetos consegue-se através da partilha da experiência individual da dor, da raiva, da compaixão e de todos os sentimentos que nos humanizam e que geram a ideia de “comum”, geradores de transformação. Conforme Butler argumenta, “A transformação das relações sociais, assim, passa mais por transformar as condições sociais hegemônicas do que atos individuais gerados por essas condições” (1988, p. 78). É assim que faz sentido o sentimento de sororidade, como relação de afeto, humanizadora, que une a narradora à nova amiga do caubói: “Vejo-a como minha próxima, não como próxima dele” (Coelho, 2020, p. 159) ou o apelo “Um minuto de compaixão, irmãs” (Coelho, 2020, p. 141), num registo muito próximo de vários textos que compõem NCP.

II

A narradora define-se ao longo da narrativa como “assassina”. Importa perceber a dimensão discursiva do assassínio antes que complete o argumento final de que, em O meu amante de domingo, o exercício de escrita é um exercício antropofágico. Torna-se claro ao longo da narrativa que, apesar das explícitas ponderações sobre diferentes formas de matar o caubói que se iniciam a partir da sua segunda página (“Roda? Garrote? Esmagamento por pata de elefante?” (Coelho, 2020, p. 14)) e continuam quase até ao fim, esta não é uma história de terror sobre o assassínio físico de uma pessoa contada pelo seu perpetrador na primeira pessoa. Por esta razão, proponho atentar em dois pequenos excertos que antecedem as páginas finais:

Claro que uma mulher não mata por direitos de autor. Não é por ele ser gatuno que o quero matar, nem sequer por ser um gatuno medíocre, que com a gatunagem não faz nada novo, próprio, seu. [...] Mas eu queria matá-lo porque afinal ele nunca me quis, e ainda fingiu que não era nada. (Coelho, 2020, p. 172)

Para os índios tupi do século XVI, não se vingar de um inimigo representava a cobardia, a vergonha, a condenação, a existência miserável na terra. [...] No fim de tudo, trata-se de escolher a melhor vingança, que pode ou não coincidir com a morte. (Coelho, 2020, p.173)

A ideia de assassínio contrapõe-se à ideia de rasura, ou seja, ao apagamento da voz, da paixão e, em suma, do vínculo que une a palavra ao afeto. O caubói usa a relação com a narradora para apresentar publicamente um texto que expressa o que mais intimamente define a narradora, “sem ver o mistério que tinha ao lado, apenas a imagem melhorada de si mesmo” (Coelho, 2020, p. 164). Deste modo, a ideia de assassínio liga-se à ideia de inscrição da voz por meio da palavra escrita. A inscrição do afeto e da solidariedade depende literalmente da voz narradora. Numa narrativa de primeira pessoa, a voz do caubói é a palavra na terceira pessoa, ou seja, a sua “morte”; a vingança é um livro que se oferece frio na primeira pessoa.

No texto de apresentação sobre A Hora da Estrela de Clarice Lispector, Clarisse Fukelman escreve que é a “estória do próprio ato de escrever” que promove o elo entre “[e]screver o livro, escrever Macabéa e, sobretudo, escrever a si mesmo” (Lispector, 1977, p. 4), porque é nesta relação que emerge a dramaticidade da narrativa, sendo possível interrogar-se sobre o valor e adequação da palavra escrita e perceber que “a única ‘verdade’ indiscutível são as existências individuais” porque “cada ser é um fragmento ou parte de algo” (Lispector, 1977, p. 6). Em O meu amante de domingo, narrar na primeira pessoa é escrever-se e inscrever-se, “cutucando o cânone” (Coelho, 2020, p. 90), corrigindo o desequilíbrio dos pratos da balança que mostram que a tradição literária se tem pautado por desigualdade e invisibilidade no que à voz da mulher diz respeito. Esta é uma narrativa de um livro que se escreve a ele próprio. Visualmente, as duas componentes, a narrativa que insufla o ato de escrita e a que mostra o que daí resulta, são distintas, com esta segunda componente em mancha cinzenta clara. A visível desproporção entre estas duas partes é em si mesma indiciadora do muito que impele a escrita e do muito que fica por escrever. Por outro lado, na dramatização do ato da escrita reside uma atitude profundamente crítica perante todo um dispositivo discursivo literário que, não sendo de rejeitar liminarmente, não deseja imitar. E aqui chegamos ao exercício de escrita como exercício antropofágico.

A ideia de antropofagia não é inédita na obra de Alexandra Lucas Coelho4. Ela está igualmente presente em Deus-dará (2016) e no mais recente A nossa alegria chegou (2018). Em O meu amante de domingo, a narradora considera todo o arquivo relativo ao discurso sobre a mulher para o transformar em algo seu e, por isso, inédito e particular. Aqui torna-se particularmente relevante a figura da arqueóloga, narradora de “O meu amante de domingo”, alter ego da narradora de O meu amante de domingo. A arqueóloga escava o cânone, revelando “frase sobreposta a frase” (Coelho, 2020, p. 113). É inevitável a associação da figura da arqueóloga nesta narrativa à prática da arqueologia foucaultiana:

A arqueologia procura definir não os pensamentos, as representações, as imagens, os temas, as obsessões que se escondem ou se manifestam nos discursos, mas os próprios discursos, esses discursos enquanto práticas que obedecem a regras. [...] Confronta-se com o discurso no seu volume próprio, a título de monumento. (Foucault, 2016, p. 187)

Na consideração da prática discursiva, considera-se o que foi dito e porque foi dito, ou seja, a performance verbal e o seu rastro que permite uma reutilização outra. Assim, em O meu amante de domingo, o exercício antropofágico critica o dispositivo criado pelo outro externo, ou seja, prosas narrativas outras que se servem da voz feminina, e sem negá-las, destaca os seus aspetos positivos, mas propõe-se criar algo novo, visibilizando uma outra possibilidade do ser. Nesta prática, convocam-se vários autores que incluem não só os já acima referidos, mas também Oscar Wilde, Caetano Veloso, Clarice Lispector, Maria Gabriela Llansol. Para salvar o texto da idolatria do cânone, é necessária a “auto-sabotagem”, afirma a narradora-arqueóloga (Coelho, 2020, p. 99), salvando-se através da libertação da voz em relação às vozes que constituem o cânone, o que resultará na “inverosimilhança” (Coelho, 2020, p. 138).

O meu amante de domingo cria, desta forma, um horizonte utópico: a voz e a experiência daquela mulher, semelhante a tantas outras, colocada em pé de igualdade, visibilizada, com a voz outra que fala pela mulher. Como bem argumenta Ana Luísa Amaral, NCP percorre a história literária ocidental, refletindo sobre o lugar da literatura, problematizando o discurso e a cultura hegemónicos e colocando a possibilidade de, des-hierarquizando-os, inscrever e dar voz às margens, os excluídos e sem poder (Amaral, 2013, pp. 11-12). Quarenta anos mais tarde, quando Portugal se “preparava para singrar na espuma da prosperidade” e “naufraga[va] até ao último banqueiro vivo” (Coelho, 2020, p.107), O meu amante de domingo olha para a literatura e, num ato de resistência e inconformismo, desconstrói o discurso hegemónico, como centro de poder, de consenso patriarcal, porque as margens não podem ficar para trás e é delas também a voz. Numa altura da história em que a crise financeira ameaça os direitos mais básicos e acentua as desigualdades e a precarização de quem já era precário, esta narrativa rompe com o tempo de concessão e do falso consenso de vozes, mostrando que “este dedo do meio é para ele” (Coelho, 2020, p.176).

Referências bibliográficas

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1Este artigo recebeu o apoio do CHAM (NOVA FCSH / UAç), através do Projeto Estratégico patrocinado pela FCT (UIDB/04666/2020).

2Porque rompem, extravasam. Daí que as Novas Cartas Portuguesas se caracterizem antes de mais pelo excesso. Excessivas as situações, excessivo o tom, excessivas as repetições dum mesmo acto, excessivo afinal todo o livro que vai terminando sem realmente terminar, como se tal excesso não coubesse nas dimensões normais” (Barreno, Horta & Costa, 2010, pp. XXVII-XXVII).

3Em NCP, as vozes narradoras recorrem igualmente à mesma frase inicial da novela de Bernardim Ribeiro para, através de uma adulteração paródica semelhante: “Moças só meio meninas bem largadas de casa de seus pais” (2010, p.6) para elaborar sobre a ausência da figura da mãe. É a expressão original “me levaram de casa da minha mãe” que contém o princípio da mulher objetificada, sem possibilidade de agenciamento que é questionado.

4A antropofagia na obra de Alexandra Lucas Coelho é um conceito muito próximo do Manifesto Antropófago (ou Manifesto Antropofágico) de Oswald de Andrade (1928), publicado na Revista de Antropofagia que o autor fundou juntamente com Raul Bopp e António de Alcântara Machado. Apregoando o uso de uma língua literária não catequizada, apresenta-se como uma saída para o problema da identidade brasileira e um antídoto contra o imperialismo. Tinha por objetivo a deglutição da cultura do outro externo (norte-americana e europeia) e do outro interno (ameríndio e afrodescendente) para produzir algo novo.

Recebido: 14 de Outubro de 2020; Aceito: 16 de Abril de 2021

Margarida Rendeiro. Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas & Universidade dos Açores, Centro de Humanidades & Universidade Lusíada de Lisboa, Lisboa, Portugal. Email: mmrendeiro@fcsh.unl.pt

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