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Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher

Print version ISSN 0874-6885

Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher  no.47 Lisboa June 2022  Epub Aug 01, 2022

https://doi.org/10.34619/teo6-y7c0 

Estado da Questão

Biblioteca especializada Ana de Castro Osório: Segunda biblioteca feminista da Europa

Maria Antónia Palla


No outono de 2012, numa reunião de um grupo no Centro de Documentação Elina Guimarães, constituído por Ana Sara Brito, Manuela Tavares, Teresa Salles, Maria Antónia Palla e Anne Cova, comentando-se as magníficas instalações que a Câmara Municipal de Lisboa (CML) havia proporcionado, alguém comentou: “Isso deve-se ao presidente da Câmara ser ‘feminista’”.

O presidente em questão era António Costa, que introduzira no seu discurso e na sua agenda os direitos das mulheres.

Era uma oportunidade a aproveitar. De imediato, surgiu a ideia: porque não propor à Câmara um projeto de criação de uma biblioteca feminista, instalada num espaço público, de modo a permitir um acesso mais alargado a uma temática ainda pouco divulgada na população?

A proposta foi de Maria Antónia Palla, que de há muito, conjuntamente com Maria Antónia Fiadeiro, alimentava o sonho desse projeto.

A proposta foi bem acolhida. E logo Anne Cova referiu, como exemplo, a Biblioteca Marguerite Durand, fundada em 1932, a partir da doação do espólio de uma jornalista feminista à Câmara de Paris.

Marguerite Durand fora fundadora do primeiro jornal diário redigido e dirigido por mulheres intitulado La Fronde. A Biblioteca que tem o seu nome ficou instalada inicialmente numa biblioteca municipal e é, até hoje, a única biblioteca francesa exclusivamente dedicada à história das mulheres, ocupando agora um edifício próprio que continha, em maio de 2013, mais de 45 000 livros.

A informação de Anne Cova foi preciosa. De imediato, as presentes se assumiram como grupo fundador de uma biblioteca similar, chamando a si a apresentação à Câmara Municipal de Lisboa de um projeto de uma biblioteca feminista, composta por livros doados por mulheres que se associassem à sua concretização. Para tal, solicitavam a concessão de um espaço numa biblioteca municipal, apoio à sua instalação e manutenção.

Não foi solicitado qualquer subsídio.

Na mesma reunião, a escolha do nome de Ana da Castro Osório para esta biblioteca foi consensual. As fundadoras quiseram deste modo homenagear uma feminista republicana cuja produção literária e intervenção cívica revelou um propósito pedagógico, ciente de que a educação e o trabalho são o caminho para a afirmação social e política das mulheres relativamente à liberdade e igualdade de direitos.

No princípio de 2013, o projeto da Biblioteca Ana de Castro Osório foi apresentado à vereadora da Cultura da CML, Dra. Catarina Vaz Pinto, que o acolheu com interesse, destacando a Dra. Teresa Gil para coordenar as tarefas subsequentes, tendo sido escolhida para instalação da nova biblioteca o salão nobre do palácio do Marquês de Angeja, na rua da Junqueira, 295, ocupado pela Biblioteca de Belém.

Nesse mesmo ano, foi aprovado por Deliberação do Executivo da Câmara Municipal de Lisboa (CM/2013) um contrato de doação que seria aprovado por unanimidade em reunião pública da Câmara.

Na 1.ª cláusula do Contrato de Doação, assinado pelas fundadoras da Biblioteca Ana de Castro Osório e pela Câmara Municipal de Lisboa, consta que as primeiras Outorgantes “doam, a título gratuito, ao Município de Lisboa, o espólio constituído por monografias, ensaios, biografias e obras de ficção (…) às quais poderão ser aditadas outras obras”.

Mais se consagra que “o referido espólio constitui um núcleo temático especializado da Biblioteca Municipal de Belém, núcleo esse que tem por base doações reunindo obras escritas por mulheres e homens que defendem a igualdade de género, contribuem para formar uma mentalidade feminista e promovem uma consciência crítica no domínio da igualdade de género”.

O 2.º outorgante “obriga-se a que o espaço integrante da Biblioteca de Belém passe a designar-se ‘Biblioteca Especializada Ana de Castro Osório’”, comprometendo-se à “preservação, inventariação, indexação e divulgação do espólio (…) através dos seus recursos internos técnicos e humanos”.

Reconhece igualmente que a “Biblioteca Especializada Ana de Castro Osório vai constituir uma base essencial para o desenvolvimento e promoção de conferências, debates, leituras coletivas, lançamentos de livros e outros eventos culturais ou de cidadania”.

No documento estipula-se ainda que a “alienação ou oneração, no todo ou em parte, do espólio bibliográfico depende do consentimento das primeiras Outorgantes”.

Ficou estipulado que as primeiras Outorgantes seriam representadas por Maria Antónia Palla (efetiva), Anne Cova e Ana Sara Brito (suplentes).

O Centro de Documentação e o Arquivo Feminista Elina Guimarães teriam como representantes Manuela Tavares (efetiva) e Teresa Salles (suplente).

Seguiu-se um período de obras na sala destinada à Biblioteca Ana de Castro Osório cujo teto se encontrava em risco de cair, razão pela qual só em 28 de maio de 2013 a Biblioteca Osório foi inaugurada pelo Presidente da Câmara de Lisboa, António Costa, que descerrou uma lápide comemorativa do ato.

Em 17 de Janeiro de 2014 iniciaram-se as tertúlias mensais, em que se debateram temas de caráter histórico e contemporâneo, apresentados por personalidades especializadas na matéria e, em seguida, debatidos pela assistência.

Os temas focados foram os mais variados. O primeiro debate foi dedicado ao esclarecimento do que são os feminismos, apresentado por historiadoras feministas de duas gerações, Ana Vicente e Filipa Vicente. Seguiu-se “Os Feminismos em Portugal”, com a apresentação de Lígia Amâncio, Manuela Tavares e Isabel Barreno.

A primeira série de tertúlias foi ainda dedicada a feministas históricas: Ana de Castro Osório, com participação de Regina Tavares da Silva e Zília Osório de Castro; Maria Veleda, apresentada por Natividade Monteiro; Carolina Beatriz Ângelo, apresentada por Maria Augusta Seixas e João Esteves; e Maria Lamas, apresentada por Maria Antónia Fiadeiro, Maria Antónia Palla e Sofia Branco. Anne Cova animou uma tertúlia sobre o Conselho Nacional das Mulheres e Adelaide Cabete.

O 25 de Abril foi assinalado com um debate sobre “As Mulheres e o 25 de Abril. Que mudanças?” e contou com uma larga participação de intervenientes: Ana Sara Brito, Elza Pais, Isabel do Carmo, Maria Antónia Palla e Maria Emília Brederode.

Muitas tertúlias se seguiram. Muitos temas foram debatidos. Destacam-se alguns: “Mulheres com Véu ou sem Véu”, “Violência Doméstica”, “Crianças Maltratadas”, “Casamento e União de Facto: O que ganham ou perdem as mulheres?”, “As Mulheres na Igreja”, “As Mulheres nos Museus”, “As Mulheres e o Teatro”, “As Mulheres na Política”, “As Mulheres Ciganas”, “As Heroínas das Óperas”, “Trabalho a Meio Tempo”, “A Baixa Natalidade: As razões do Estado e os direitos das Mulheres” e muitos outros.

O público, constituído maioritariamente por mulheres, respondeu satisfatoriamente a estas iniciativas, o mesmo sucedendo com as animadoras dos debates.

De realçar que as relações entre a Biblioteca Especializada Ana de Castro Osório e a Biblioteca de Belém têm sido até hoje as mais cooperantes e afáveis, graças ao acolhimento dispensado pelas suas coordenadoras e restante pessoal.

A partir de março de 2020, com o aparecimento da pandemia provocada pela covid-19, as tertúlias foram suspensas. Espera-se que a primavera proporcione a retoma destes encontros e as frequentadoras da Biblioteca Especializada Ana de Castro Osório possam recuperar este espaço único de convívio e debate de ideias.

Janeiro 2022

Aceito: 05 de Março de 2022

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