SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 issue47Isabel FreireRegina Quintanilha author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

Related links

  • Have no similar articlesSimilars in SciELO

Share


Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher

Print version ISSN 0874-6885

Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher  no.47 Lisboa June 2022  Epub Aug 01, 2022

https://doi.org/10.34619/pess-sbys 

Entrevista

Maria Seruya

1i Universidade NOVA de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais (CICS.NOVA), Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher, 1069-061 Lisboa, Portugal


Maria Seruya nasceu em Cascais no início da década de 80 e cresceu num ambiente familiar intelectual e artisticamente enriquecedor. O seu percurso académico levou-a a frequentar o Art Foundation Course em Inglaterra e, em Portugal, a completar o curso de Design Visual.

Foi compondo e enriquecendo a sua formação profissional e pessoal de acordo com os seus vários interesses e necessidades. A título de exemplo, procurou conhecer mais sobre envelhecimento ao estudar psicogerontologia, que fundamenta no trabalho que desenvolve em torno deste tema.

Como artista motivacional, trabalhar o envelhecimento no feminino tem sido um propósito que realiza de diferentes formas; o seu projeto mais reconhecido e popular é o Velhas Bonitonas, mas a sua intervenção concretiza-se num trabalho individual que faz com quem retrata nos Retratos de Alma ou em ações coletivas e workshops que promove.

A parceria com marcas como a Casa Alegre e a Morais Rocha Wines diversifica a abrangência do seu reconhecimento artístico. O seu trabalho está acessível e pode ser apreciado e acompanhado através da forte presença nas redes sociais - https://www.thepowerofoldladies.com/; https://www.instagram.com/velhas.bonitonas/; https://www.facebook.com/velhasbonitonas.

Esforçando-se por uma melhoria contínua, quem segue o seu trabalho percebe que Maria Seruya procura manter-se atualizada e acompanhar os novos desafios e oportunidades que o avanço da tecnologia traz.

Talvez seja o seu olhar curioso e interessado pela pessoa que está à sua frente que desenha o primeiro traço dos seus retratos de alma, mas será o seu génio artístico que lhes dá cor e forma e a sua energia que empodera a retratada.

Sentámo-nos pela primeira vez e soubemos que a ligação estava feita, mais do que uma entrevista tornou-se uma boa e longa conversa.

Quem é a Maria Seruya?

Sempre fui uma pessoa muito entusiasta, genuína e com uma grande energia. Ao longo da minha vida pessoal e profissional sempre tive uma grande vontade de motivar e animar as pessoas à minha volta. Qualquer pessoa. Acho que isso se tornou bastante visível no meu percurso profissional, especialmente nestes últimos cinco anos, quando criei o meu próprio projeto, Velhas Bonitonas - The Power of Old Ladies, porque o meu trabalho tomou naturalmente a forma e a missão de motivar cada Mulher no seu processo de envelhecimento, ou seja, no seu processo de vida.

Relativamente ao meu percurso académico-profissional, licenciei-me em Design Visual em 2004, estive em Inglaterra a estudar no Art Foundation Course em 1999-2000 e durante anos (cerca de dez) fiz cursos de longa duração sempre ligados à Arte, tais como Teatro, Ilustração, Desenho, Pintura, Joalharia, Cerâmica; e também fiz uma Residência Artística.

Trabalhei mais de dez anos como designer gráfica, mas sempre procurei um caminho pela arte. Até que um dia comecei a pintar espontaneamente “Velhas Bonitonas”, e daí surgiu um projeto que desde o início senti que iria ser algo muito forte e marcante na minha vida e na de outras mulheres. Mais tarde, para ganhar mais conhecimentos na área da psicologia do envelhecimento, fiz uma pós-graduação em psicogerontologia no Instituto Superior de Psicologia Aplicada, que terminei em 2020, e que foi muito interessante.

Velhas Bonitonas é um projeto artístico que adquiriu uma personalidade multidisciplinar através de parcerias e ligações com projetos e pessoas de várias áreas, com os quais se enriqueceu, evoluiu e por isso mesmo se tornou mais empoderador e útil para cada mulher no seu processo de envelhecimento.

Acredito que o meu percurso será continuar o que estou a realizar, com mais qualidade, mais conhecimento, mais ideias, mais trabalho realizado, e com a missão de motivar e impactar cada vez mais mulheres. Em última análise, mais do que fazer arte, aquilo que mais me deixa satisfeita é sentir que a minha arte/trabalho/palavras/energia relacionada com o projeto Velhas Bonitonas contribui para motivar e tornar mais felizes as mulheres que me procuram.

O que distingue a Maria Artista da Maria Mulher?

É exatamente a mesma. Aquilo que faço é o que sou, aquilo que sou é o que faço.

Porque tudo o que se relaciona com este projeto alimenta a minha vida como mulher, e a minha vida e energia alimentam o meu lado artístico. Mas não foi sempre assim, apenas com este específico projeto me identifiquei a cem por cento e tudo fluiu desde o início de forma natural. Diluí-me neste projeto, e o que aconteceu como mulher foi que me transformei profundamente para muito melhor; sinto-me cada vez mais inteira a cada passo que dou neste projeto e na minha vida.

«De musas inspiradoras para o olhar do artista, passamos a ser o olho e a mão que cria.» Talita Trizoli

Gostava de abordar a arte no feminino sob dois aspetos: a visibilidade da artista mulher e o papel ativista da arte. Pergunto se hoje a arte tem género (se ainda é uma área predominantemente masculina ou se a mulher tem o mesmo destaque e visibilidade).

É um facto que foram muitos anos em que não se deu mérito às mulheres que pintavam. Os homens eram artistas e as mulheres entretinham-se a fazer arte, era apenas um hobby. Não se aceitavam mulheres nas escolas de arte. Como diziam as Guerrila Girls no seu Manifesto a favor das Mulheres Artistas: “Menos de 5% dos Artistas nas secções de arte moderna são mulheres, mas 85% dos nus são Mulheres.” Este manifesto é de 1985-90, o que é bastante recente.

Na minha experiência pessoal, nunca senti até agora entraves por ser Mulher, até porque trabalho praticamente só com mulheres e sempre me uni a mulheres. Não tenho ideia de estatísticas, e o que mudou nestes últimos anos também não sei facilmente precisar; mas este manifesto das Guerrilla Girls tem 35 anos e mostra bem aquilo a que fomos sujeitas relativamente ao nosso corpo e ao preconceito durante anos e anos e relativamente também às nossas capacidades artísticas. E mesmo que tenhamos ganhado os nossos direitos, as mentalidades e os preconceitos não desaparecem assim tão facilmente.

Como é ser mulher artista/artista mulher em Portugal?

Sinto que sou privilegiada, porque sou uma artista mulher independente. Mas ser artista em Portugal, penso que tanto para o homem como para a mulher, não é fácil. A parte positiva são as redes sociais e a globalização, porque há muito mais oportunidades, muitas vezes sem termos de sair do país.

Mais do que gostar de ser artista mulher em Portugal, gosto de ser artista mulher portuguesa no Mundo, porque a expansão internacional já está a fazer parte da minha estratégia. Sinto-me bem como artista mulher, mas desde o início que não estou à espera de ajudas de ninguém; fui sempre à luta e continuo a fazê-lo.

Sente-se reconhecida e valorizada?

Sinto-me totalmente reconhecida pelas mulheres que me seguem e participam nas várias vertentes do projeto (obras de arte, workshops, produtos, conferências).

O que me deixa mais feliz é quando consigo (seja na realização de um quadro, seja num workshop, etc.) motivar verdadeiramente cada mulher a projetar o seu envelhecimento de sonho, como Mulher. E isso tem sempre acontecido, e é o maior reconhecimento de todos que me podem dar: ficarem felizes e passarem a amar o seu processo de envelhecimento.

Como foi a escolha de ser artista?

Desde sempre quis ser Artista, apenas demorei tempo a materializar a forma de o fazer. Tomei consciência de que o que me realiza não é criar arte pela arte, mas sim criar arte com uma missão motivacional, com este tema do envelhecimento feminino que me apaixona profundamente.

Foi importante no seu percurso ter exemplos femininos? Quem a inspira?

Foi decisivo.

Porque há uma solidariedade de facto entre mulheres. Senti-me muito apoiada por mulheres de todos os tipos, foram elas que deram um boost de confiança ao meu projeto e foram elas que me inspiraram pelo seu exemplo. Mas também foram elas que me fizeram perceber as “nossas” dores. Fui-me tornando cada vez mais atenta a esses exemplos, e o resultado foi tornar-se cada vez mais claro o empowerment que eu quis dar a mulheres através do projeto das Velhas Bonitonas.

Senti que era mesmo importante focar-me nas mulheres. Mulheres inspiradoras que para mim são de todos os tipos, de todos os tempos, de todas as idades, de todas as orientações sexuais, de todas as cores, de todas as religiões, de todos os estratos sociais, de todas as etnias.

Simplesmente Mulheres. As mulheres que me inspiram são aquelas que ousam ser quem são, sem complexos nem culpas.

Como podemos incentivar e dar visibilidade aos trabalhos das artistas?

Penso que a melhor forma de o fazer é com redes e encontros de networking feminino, mas de várias áreas, para além da arte. É bom frequentarmos redes de diferentes áreas, chegando-se a ideias de colaborações de diferentes tipos que podem ser boas oportunidades de visibilidade do nosso trabalho.

Penso que também é interessante a união das artistas em coletivos de arte. Mas o que me parece de maior relevância na forma de dar visibilidade é através de nós próprias, no nosso boca a boca, indo a eventos de todos os tipos, investindo na qualidade cada vez maior do nosso trabalho. É importante irmos à luta, podermos ouvir nãos, mas continuarmos sempre a acreditar no nosso trabalho. Continuar até conseguirmos realizar os nossos objetivos.

Os artistas rompem barreiras, estão geralmente na vanguarda e encabeçam muitas vezes mudanças. A arte, nas suas variadas formas, faz muito pela causa da Mulher, por expressar aspetos relativos à sua condição, como é o caso do projeto Velhas Bonitonas. Neste sentido o que é uma artista motivacional do envelhecimento feminino?

Com o projeto Velhas Bonitonas - The Power of Old Ladies, tenho desconstruído muitos estereótipos relacionados com o envelhecimento feminino. Não foi algo estudado a forma como iniciei este processo, simplesmente aconteceu e o projeto ganhou vida própria.

Todas as vertentes do projeto têm uma missão motivacional ligada ao envelhecimento. Desde exposições temáticas a workshops de empoderamento, intervenções educativas/ativistas ou ações de responsabilidade social. Todos mostram e interagem com mulheres de todas as idades numa visão empoderadora do que é ser Mulher Velha.

Talvez o projeto dentro do projeto Velhas Bonitonas que tem tido maior impacto seja os “RETRATOS DE ALMA”, que são uma forma de empoderar mulheres, mostrando-lhes a sua melhor versão em Velhas.

Tenho empoderado mulheres de todas as idades, através dos Retratos de Alma, desde os 20 até aos 70 anos. Utilizo as sessões de Empoderamento (entrevista-viagem via áudio até à Velha Bonitona de cada Mulher) para retirar toda a negatividade associada ao envelhecimento de cada mulher, a fim de a ajudar a criar a sua própria visão da sua melhor versão no futuro, que pode ser daí a cinco, dez, trinta ou cinquenta anos.

Os Retratos de Alma têm tudo que ver com o que queremos ser e não com o que queremos ter no futuro. O processo desenvolve-se em cocriação com cada mulher individualmente, e o resultado final é sempre um quadro de uma Velha Bonitona através dos olhos de cada mulher e da minha criatividade. Ao visualizarmos o Retrato de Alma, tomamos consciência de que nos podemos tornar naquilo que sonhámos ser.

Como surgiram as Velhas Bonitonas? E quais os planos para o futuro?

Surgiram espontaneamente, mas apaixonei-me pela ideia e nunca mais parei.

Tudo fluiu e continua a fluir, e sobretudo continua a motivar mulheres no seu processo de envelhecimento e de vida. E isso é o que me alimenta, vê-las mais felizes e empoderadas, algo que também me aconteceu e acontece desde o início.

Quando comecei o projeto das Velhas Bonitona, não sabia nada sobre envelhecimento, fui aprendendo ao longo do percurso, porque, como disse, este projeto surgiu espontaneamente. Fui aprender mais (estudando psicogerontologia) para alimentar o projeto e os meus conhecimentos e porque me interessei, mas não pretendo de modo algum ser especialista em envelhecimento; é apenas algo para me enriquecer, até na minha criatividade.

Os planos para o futuro são continuar a fazer o que estou a fazer com mais qualidade, criatividade, inovação e a uma escala maior e internacional. Mas mantendo sempre a mesma missão: a de inspirar mulheres de todas as idades a amarem o seu processo de envelhecimento e a sentirem-se empoderadas através dessa visão.

«E o que é o idadismo? É precisamente a discriminação exercida sobre um grupo e que apenas decorre de uma característica dos indivíduos: a idade, qualquer idade.» Maria João Guardado Moreira

Do seu contacto e trabalho com tantas mulheres, porque pensa que é tão difícil envelhecer e aceitar o envelhecimento?

É difícil porque a sociedade não aceita que uma mulher envelheça. O idadismo é um preconceito que ainda é socialmente aceite e, portanto, nem sequer temos ainda consciência de que sofremos esse preconceito. Ele adquire várias dimensões de várias formas; por exemplo, uma mulher é demasiado velha para ser bonita ou para ter sonhos, ou para ser líder, ou para amar, ou para ser desejada; ou simplesmente não pode ter rugas, etc.

Isso faz obviamente com que a mulher tenha dificuldade em aceitar o seu envelhecimento e não se sinta confortável, principalmente se não estiver consciente de que são apenas mitos e preconceitos que podem ser desconstruídos. E é muito este contributo de desconstrução de preconceitos que tenho realizado com o meu trabalho.

Qual foi a história mais fantástica vinda de uma velha bonitona, que nos queira contar? E nos possa inspirar.

Há uma história linda de uma mulher que pintava os cabelos de vermelho em nova. Quando começaram a nascer os cabelos brancos, achou que já não tinha idade para pintar os cabelos de vermelho e começou a pintar os cabelos da sua cor original. Quando conheceu o projeto das Velhas Bonitonas, voltou a pintar os cabelos de vermelho e escreveu-me a contar isto. Fiquei extremamente feliz por ela e motivada também!

O melhor conselho para sermos uma Velha Bonitona?

“Ousarmos ser quem somos, sem complexos nem culpas”, lema das Velhas Bonitonas.

Alguma pergunta que não fiz e devia ter feito?

Aqui vai uma ideia que acho engraçada para refletir... Qual a melhor idade?

Gosto sempre de pensar no futuro (envelhecimento), mas sem nunca esquecer que o momento é agora e dar a lembrar que “A melhor idade é sempre a de hoje” (Velhas Bonitonas).

Referencias bibliográficas

Moreira, M. (2020). Como envelhecem os portugueses: Envelhecimento, saúde, idadismo (How the Portuguese age: Aging, health, idadism). Fundação Francisco Manuel dos Santos. [ Links ]

Trizoli, T. (2008, Agosto 19-23). O feminismo e a arte contemporânea: Considerações (Feminism and contemporary art: Considerations) (Comunicação em encontro). 17.º Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas, Panorama da Pesquisa em Artes Visuais, UDESC, Florianópolis, Brasil. [ Links ]

© Maria Seruya

© Maria Seruya

© Maria Seruya

© Maria Seruya

Aceito: 07 de Maio de 2022

Sara Torres. Email: torres.sarab@gmail.com

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons