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Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher

versão impressa ISSN 0874-6885

Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher  no.50 Lisboa dez. 2023  Epub 21-Fev-2024

https://doi.org/10.34619/wuh4-xj3l 

Nota de Abertura

Pode um gesto imenso1

Isabel Henriques de Jesusi  ii  2
http://orcid.org/0000-0002-8172-4224

i Universidade NOVA de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais (CICS.NOVA), Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher, 1069-061 Lisboa, Portugal. Email: misabeljesus@fcsh.unl.pt

ii Universidade NOVA de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Instituto de Estudos de Literatura e Tradição (IELT), 1069-061 Lisboa, Portugal.


Como iniciar a celebração de um gesto imenso, como evocar um trajecto de 25 anos, multiplicado por dois, isto é, corporizado numa Revista, que verdadeiramente mais parece um livro, apesar de ter uma periodicidade semestral? Publica temáticas sobre as mulheres, feministas, e de género, tratadas cientificamente, e também divulga e aprofunda questões que preocupam as mulheres, e dizem respeito a toda a gente, numa linguagem acessível a um público mais abrangente.

Esta foi a matriz fundadora quando, nos finais da década de 1990, Faces de Eva deu à luz o seu primeiro número. Num gesto ousado e corajoso desbravava-se um caminho ainda incipiente na academia portuguesa. Ao longo do tempo, muitas foram as pessoas que se lançaram na aventura, não sabendo com precisão como a viveriam, quando e como se cruzavam com novos caminhantes, e em que medida essa inclusão contribuiria para o avanço do saber, das concepções, das práticas conducentes a um novo olhar sobre a condição das mulheres, as suas especificidades, os seus quereres, em suma, o seu devir na construção de sociedades mais justas e equilibradas.

Foi longo o percurso até aos dias de hoje e, com ele, alterações substantivas na condição e na vivência efectiva das mulheres, em Portugal. Nunca saberemos absolutamente qual o peso da revista Faces de Eva nesse processo, mas sabemos que a forma consistente e determinada com que sempre nos apresentámos marcou um rumo de intervenção e de pesquisa que coexistiu com outras modalidades, porventura mais impactantes, no curto prazo, e com acções reivindicativas de grupos sociais específicos. Sabemos também que a diversidade de perspectivas e de acções estimula a emergência de produção teórica, como acentuou Judith Butler (2001):

Feminist theory would have no content were there no movement, and the movement, in its various directions and forms, has always been involved in the act of theory. Theory is an activity that does not remain restricted to the academy. It takes place every time a possibility is imagined, a collective self-reflection takes place, or a dispute over values, priorities, and language emerges. (p. 416)

A luta política colectiva, seja de cariz mais teórico ou mais activista, acaba por contaminar os pólos, que se organizam em torno de um activismo teórico e de uma teorização da praxis, atingindo-se, desse modo, o fim pretendido.

Na sua preocupação em olhar a sociedade de um modo amplo, a Revista nunca esqueceu a realidade concreta das mulheres, pretendendo visibilizá-las através dos seus percursos, mostrando como elas sempre fizeram parte da História, em todos os domínios do conhecimento humano, e como essa realidade se confrontou com uma ausência de reconhecimento, muitas vezes até com um apagamento que as remeteu para o reduto do privado, da casa, da família, retirando-as do espaço público. Estes últimos 25 anos que a Revista acompanha têm sido determinantes para o despertar de consciências, quer no que diz respeito ao papel das mulheres, quer na vantagem de que homens e mulheres cooperem em pé de igualdade nas comunidades humanas. Por mais que possamos teorizar estas questões, o respeito, a justiça social, a igualdade de oportunidades são valores civilizacionais, para nós, inquestionáveis. Mas não percamos a lucidez e saibamos que há quem os questione e, daí ao retrocesso, o passo é mínimo. Por isso, a vigilância empírica tem de ser constante e a elaboração teórica, nas várias áreas do saber, uma exigência de quem se preocupa com estes aspectos, promove uma cidadania plena e abraça firmemente os Direitos Humanos. Conforme se vai avançando neste domínio, outras problematizações surgem, fruto de reivindicações de grupos para quem as aquisições precedentes são insuficientes. Novas pesquisas incidem sobre a teoria queer, as relações entre género, sexo e sexualidades, o corpo e a construção e desconstrução das identidades, os estudos gay e lésbicos.

Durante os últimos 10 anos, ao leme de equipas fantásticas, foi possível manter a identidade com que a Revista foi pensada, embora adequando conteúdos e forma às novas exigências académicas, mas também procurando realçar novas abordagens nos estudos sobre as mulheres, feministas e de género, de que é exemplo a presente edição, com que assinalamos os cinquenta números dados à estampa.

Para celebrarmos este número 50 de Faces de Eva contamos com dois artigos que constituem o caderno temático, intitulado “O género: percursos sociais e académicos”. No primeiro, Faces de Eva: um percurso singular nos estudos sobre a mulher em Portugal, a autora conduz-nos a uma profunda reflexão histórica e social no campo da evolução dos estudos sobre as Mulheres. Em Modalidades e graus de integração dos estudos sobre as mulheres, de género e feministas no ensino superior português: uma análise sistemática dos currículos, as autoras mapeiam e reflectem sobre o estado actual dos estudos de género no ensino superior português. Ambos nos ajudam a compreender a pertinência de uma revista como Faces de Eva no património social e académico nacional. Completando esta visão, contamos com a “homenagem” “Um quarto de século da revista ‘Faces de Eva’” que pontua o gesto imenso, com que titulo esta Nota de Abertura.

Legitimada pela comemoração da sua 50ª edição, a dimensão deste número é bastante superior ao habitual, nela integrando ainda outros seis artigos que constituem a rubrica “Estudos”. Focando áreas tão distintas como o jornalismo, a literatura, o teatro e o cinema, daqui se infere a transversalidade e a multidisciplinaridade com que a revista Faces de Eva tem promovido e acolhido produções neste domínio do conhecimento, a que chamamos genericamente Estudos de Género.

As outras rubricas dão voz a mulheres com percursos singulares e existências concretas. Em “Estado da Questão” A vez e a voz da mulher imigrante portuguesa 2003 a 2023: Um olhar retrospetivo; em “Entrevista” Martha María Romero Mejía (artista piñata e refugiada da Nicarágua); em “Pioneira” Celeste Fortes: antropóloga, académica militante e feminista e, em “Retrato” Raffaella Gozzelino, promotora da equidade, diversidade e inclusão na Academia. A poesia tem estado presente e como que anuncia cada número da revista. Desta vez, o poema intitula-se Sou mulher (“Poetry Slam), prática artística e popular, que elucidamos junto ao poema.

Finalmente, três recensões com que, como sempre, apresentamos criticamente novidades editorias neste campo.

E, voltando ao princípio, como iniciar um adeus? Como iniciar a despedida de uma fruição imensa que começou há mais de 10 anos, multiplicados por dois, e acompanhou as últimas 20 edições da revista Faces de Eva? Apanhei a aventura já em andamento, mas nela me integrei e rapidamente a assimilei ao inteiro de mim. Estas aventuras não se fazem sozinha. Partilham-se nas dores e nas alegrias. Para as equipas que comigo trilharam este caminho não há palavras, apenas sentimentos e um reconhecimento imenso. Estabeleci contactos, criei relações. Autores/autoras, avaliadores/avaliadoras, editoras, Colibri primeiro e depois Húmus, cuja disponibilidade foi permanente e a aventura partilhada, CICS.NOVA, ROCHE, que tem tornado possível a manutenção da Revista em formato volume, todos contribuíram para a permanência e para o sucesso desta tarefa que compõe um pedaço da minha história/da nossa história.

Chegou a altura de me afastar. Por vontade própria. Com alegria. Com o sentimento de gratidão pelo que aprendi. Com a riqueza dos encontros que permanecem. Com orgulho no que fica feito. Com a convicção de que estes anos ajudaram a afirmar e a consolidar o gesto imenso iniciado em 1999.

Até sempre!

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Butler, J. (2001). The end of sexual difference?. In E. Bronfen & M. Kavka (Eds.), Feminist consequences: theory for the new century (pp. 414-434). Columbia University Press. https://doi.org/10.7312/bron11704Links ]

Notas

1 Escolhi este título a partir de um eco que me assalta frequentemente. Pode um desejo imenso, é o título de um belo e marcante romance de Frederico Lourenço.

Notas

2 CIÊNCIAVITAE: https://www.cienciavitae.pt/portal/0A12-7962-7826.

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