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Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher

Print version ISSN 0874-6885

Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher  no.50 Lisboa Dec. 2023  Epub Feb 21, 2024

https://doi.org/10.34619/gac8-brkz 

Homenagem

Um quarto de século da revista Faces de Eva, 2019-2023

Manuel Lisboai  1

i Universidade NOVA de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais (CICS.NOVA), Observatório Nacional de Violência e Género (ONVG), 1069-061 Lisboa, Portugal. Email: m.lisboa@fcsh.unl.pt


Faces de Eva é hoje uma revista reconhecida nacional e internacionalmente como referência nos estudos sobre as mulheres. Fundada em 1999, ao longo de 25 anos e com 50 números publicados, tem percorrido um caminho consistente de qualidade sob a direção de Zília Osório de Castro, sua fundadora e alma mater.

Ao celebrar 25 anos, retomo o pensamento e as palavas fundacionais de Zília Osório de Castro na apresentação do primeiro número duplo da revista. Diz ela que, ao mostrar a sua face, a revista pretende ser “sorridente e ao mesmo tempo séria, umas vezes leve outras profunda, variada sem esquecer a unidade, olhando o passado e projectando o futuro, com os olhos postos nas estrelas e os pés caminhando na terra dura das realidades” (Castro, 1999, p. 7).

Faces de Eva elegeu para tema principal dar “visibilidade ao invisível”, como se afirma na apresentação do n.º 3, contrariando assim a ausência das mulheres nas narrativas públicas, uma quase não existência que oculta os seus direitos e potencialidades de iniciativas individuais e reflexos sociais. Contudo, tem presente que a história das mulheres não é independente da histórias dos homens. Pelo contrário, elas interligam-se numa teia de interações que é necessário deslindar e compreender; entender como e porquê estes dois seres humanos se fizeram mulheres e homens e foram cunhados social e culturalmente como femininos e masculinos.

Em 25 anos, a revista procurou sempre denunciar e desocultar os mecanismos sociais e culturais que têm feito da história das mulheres uma realidade dura e sofrida. Exemplos trazidos por mulheres que romperam o pano da invisibilidade são sinal de que a cortina pode ser rasgada. Neste texto, falarei sobretudo dessa parte do caminho já percorrida. A outra, que se há se cumprir no futuro, continuará a ter os olhos postos nas estrelas e, espero, a trazer realidades de seres humanos duplamente marginalizados em função de discriminações sociais múltiplas.

Faces de Eva mantém, quase invariavelmente, a mesma estrutura desde a fundação, em 1999: Apresentação, Estudos, Estado da questão, Entrevistas, Pioneiras, (Auto-)Retrato e Leituras; com o n.º 21, surge a secção Diálogos, em torno de um tema proposto; Toponímia no Feminino, Notícias e Resumos estão presentes em vários números da revista. Uma forma feliz e plural de organizar a informação, permitindo vários olhares, que confluem no mesmo objetivo de dar visibilidade ao invisível a que socialmente as mulheres foram votadas. Em seguida, percorrerei as secções mais significativas, procurando trazer intencionalmente todos os nomes, para assim cumprir um dos desígnios da revista, o de combater a invisibilidade.

Em 2013, com a celebração do n.º 30, é feito um primeiro balanço de 15 anos de atividade. Maria Luísa Ribeiro Ferreira traz-nos os nomes das mulheres, e dos poucos homens, que fizeram parte das várias secções. Comenta alguns desses nomes enquanto figuras de referência pelo papel que, a diferentes níveis, desempenharam na história e visibilidade das mulheres (Ferreira, 2013). Não vou repetir as palavras da autora, mas é de inteira justiça que traga os nomes das pessoas que fazem parte dos números posteriores da revista.

Na secção Estado da Questão2 é trazida a experiência e riqueza de instituições e organizações de natureza diversa, maioritariamente da sociedade civil e diretamente relacionadas com a história das mulheres. São disso exemplo: Faces de Eva - Centro de Estudos sobre a Mulher; As Filhas da Caridade; L’Association “Voix de Femmes de Tétouan”; Hipátia - Grupo de mulheres auto-representantes sobreviventes de Violência de Género; Obra Social das Irmãs Oblatas do Santíssimo Redentor (OSIOR); Mulher Migrante; Capazes Associação Feminista; Mulheres refugiadas em trânsito entre discriminações múltiplas; Associação Portuguesa de Teologias Feministas; Rede Ma(g)dalena Internacional - Teatro das Oprimidas; Irmãs Hospitaleiras em terras do Alentejo; Associação da Mulher para a Saúde Uroginecológica; Associação Portuguesa de Apoio à Mulher com Cancro da Mama; Associação Mulheres Sem Fronteiras; Associação Mulheres Migrantes; Instituto Patrícia Galvão (Brasil); Associação Feministas em Movimento; Biblioteca especializada Ana de Castro Osório; Centro de Documentação da CIG: Repositório da história das mulheres em Portugal; SPEARProject: Supporting and Implementing the Gender Equality Plan in NOVA University Lisbon.

Nas Entrevistas3, Faces de Eva encontra um dos momentos mais altos dos seus propósitos, dando maior visibilidade a mulheres que em diferentes domínios se afirmaram, mas cuja ação nem sempre é do conhecimento do grande público; a secção revela também outras dimensões da vida destas mulheres, que ajudam a contextualizar as suas atividades e a compreender alguns dos mecanismos socioculturais que lhes estão subjacentes. A lista é extensa, pois, mesmo tratando-se só de dez anos (2013-2023), em cada número da revista foram feitas duas entrevistas: da arte à ciência, da academia à política, da atividade profissional à intervenção social, entre outras. As entrevistadas são: Anália Torres, Teresa Pinto, Ana Vieira, Virgínia Goes, Lídia Jorge, Maria José de Quevedo Pessanha, Delphine Gardey, Vera San Payo de Lemos, Marília Lucília Estanco Louro, Margaret Mussoi Luchetta Groff, Nancy G. Heller, Maria Teresa Tito de Morais, Inês Fontinha, Gabriela Moita, Helena Sacadura Cabral, Catarina Marcelino, Maria Beatriz, Yvette Kace Centeno, Rita Barros, Maria Graciete Besse, Teresa Fragoso, Maria Emília Brederode Santos, Elvira Fortunato, Lucinda Costa Fernandes, Isabel do Carmo, Margarida Tengarrinha, Rosa Monteiro, Maria Virgínia Brás Gomes, Catarina de Albuquerque, Marta Santos Pais, Maria José Rosado Costa, Maria Soromenho (Callaz), Luísa Ribeiro Lopes, Rosalia Vargas, Isabel Freire , Maria Seruya , Maria José Nunes de Brito e Paulina Chiziane.

Outro tema sempre presente é o das Pioneiras4. Aqui, mostra-se o percurso de vida de cada mulher e do que a fez pioneira, ao nível da sua atividade, das suas ideias e projetos, mas também da sua formação escolar e de vários aspetos da vida pessoal e familiar. Começando em 2013, a revista leva-nos a conhecer Zília Osório de Castro, Sandra Leandro, Maria Helena da Costa Trigo, Maria Odette Santos Ferreira, Justa Matilde de Carvalho e Costa, Maria Helena Ferraz Trindade, Isabel Rilvas, Noémia Emília Bagarrão Martins Pereira, Joana Marques Vidal, Maria Helena Corrêa, Suzanne Daveau, Luísa Amaro, Regina Tavares da Silva, Maria da Conceição Moura Borges, Manuela Mendonça, Olga Mariano, Ana Patrícia Cardoso Lopes, Matilde Sousa Franco, Fatumata Djau Baldé, Shahd Wadi, Ana Passos Ramos, Iman Bugaighis, Regina Mateus, Isabel Amaral, Ana Cristina Pires, Maria da Graça Mira Gomes, Beatriz Craveiro Lopes, Dina Pedro, Nise da Silveira, Maria Violante Vieira, Margarida Medina Martins, Maria Alice Pereira, Regina Quintanilha, Dilma Rousseff e Bertha Lutz.

O (Auto-)Retrato5 de mulheres que adquiriram relevância em vários domínios da sociedade é feito pela própria pessoa ou por outra que sobre ela escreve. São disso exemplo Maria do Céu da Cunha Rêgo, Susan Lowndes, Raquel Soeiro de Brito, Mariana da Assunção da Silva, Eva -Maria von Kemnitz, Fatima al-Fihri, Elza Chambel, Ana José Guedes da Costa, Maria Clotilde Ferreira (Clô), Flora Tristán, Maria de Lourdes Almeida Campos Tedeschi Bettencourt, Isabel Gago, Maria do Sameiro Barroso, Margarida Ribeiro, Salwa El-Shawan Castelo-Branco, Séverine, Maria do Mar Pereira, Maria Antónia Ferreira Pinto, Maria Arminda Lopes Pereira Santos, Linda Nochlin, Maria Salomé Soares Pais, Isabel Barreno, Maria Teresa Fisher de Sá Nogueira Sousa Dias, Vera Zasulich, Margarida Sá Costa, Maria Campos, Ana Coucello, Maria Isabel Aboim Inglez, Patrícia Galvão Teles, Maria de Lourdes Belchior Pontes, Maria de Sousa, Laura Bassi, Maria Archer e Adriana Boscaro.

As secções já referidas permitem ter um olhar plural, a partir de diferentes ângulos, da vida de mulheres que se destacaram mas cuja actividade, em graus diferentes, não foi suficientemente reconhecida, sendo mesmo mantida na penumbra da invisibilidade que estruturalmente tem caracterizado a vida de muitas mulheres nas sociedades ocidentais. Ainda assim, a revista acrescentou um outro olhar no n.º 21 e seguintes, com uma nova secção: Diálogos6. Aqui, são postas em diálogo duas ou mais pessoas, ou instituições, a partir de um tema relevante para a vida das mulheres, em especial as desigualdades de que são vítimas. Estiveram em diálogo: Inês Amado, Paula Roush e Susana Mendes Silva; Ana Vasconcelos e Melo e Emília Ferreira; Alice Samara, Maria José Remédios e Natividade Monteiro; Sónia Frias e Ana Godinho; Purificação Araújo, Maria Belo e Margarida Salema; Ana Luísa Amaral, Marinela Freitas, Alexandra Moreira da Silva e Fernanda Henriques; Maria Beatriz Rocha-Trindade e Maria Laura Bettencourt Pires; Ana Lima, Célia Aboim e Patrícia Atalaya; Irene Pimentel e Wassyla Tamzali; Heloísa Apolónia e Teresa Anjinho; Fátima Pires e Mery Ruah: João Diogo Nunes Barata e Pedro Cordeiro; Maria Luísa Ribeiro Ferreira e Margarida Gomes Amaral; Anne Cova e Françoise Thébaud; Francisco Seixas da Costa e Zehra Albari; Carla Sequeira e Sara Isabel Magalhães; Anabela Rolo e Iola Duarte; António Vilhena e Deolinda Adão; Aba Topulli e Tiago Julião Neves; Cristina Duarte e Giulia Bonali; CIG e PpDM; Emellin de Oliveira e Tiago Resende Botelho; Ana e Bernardo; Aleteia Araújo e Maristela Holanda; Bruna Pereira e Patricia Collins. Os temas abordados são variados e atuais em cada momento. Destaco só alguns: Paridade; As Mulheres na Primeira República; Voluntariado Feminino; Mulher e Poder; Novas Cartas Portuguesas 40 anos depois; Intervenção Social; As Mulheres na História e nas Histórias; Mulheres e Política; Mulheres e Maçonaria; Maria Barroso - A Diretora do meu Colégio; As Mulheres e a Filosofia; L’Histoire des Femmes et du Genre aujourd’hui; Entre o Ocidente e o Oriente - Visões diplomáticas sobre as mulheres; (Des)Fazer Género, (Des)Construir Futuros; Mulheres e Ciência; Natália Correia entre a Ilha e a Utopia; Moda e Memória; 25 anos da Plataforma de Ação de Pequim; Mulheres e Conflitos Armados; Computação é Coisa de Menina Sim!

Deixo para o fim a secção Estudos e a capa da revista, que, em 2008 e anos seguintes, passa a destacar uma mulher já reconhecida publicamente e a incluir um texto sobre a mesma. São disso exemplo mulheres como Helena Vaz da Silva, Simone de Beauvoir, Madalena Perdigão, Carmen de Burgos, Maria Helena Vieira da Silva, Luise Ey, Guilhermina Suggia, Louise Weiss, Maria de Lourdes Pintasilgo, Harriet Martineau, Cecília Meireles, Maria José Nogueira Pinto, Sayyda Al -Horra, Ivone Leal, Assia Djebar, Maria Barroso, Françoise Collin, Virgínia Rau, Song Qingling, Maria Isabel Barreno, Käthe Kollwitz, Natália Correia, Manuela Silva, Fausta Deshormes La Valle, Odette Santos Ferreira, Augusta Ada King, Maria Augusta Anselmo Seixas, Paula Rego e Marguerite Duras.

Contam-se em mais de duas centenas os estudos publicados ao longo dos 25 anos da Faces de Eva. De algum modo, os temas abordados em Estudos refletem a evolução da revista, os seus interesses em cada momento e a orientação que ela foi tendo ao longo do tempo. Numa análise bibliométrica publicada no n.º 36, Ana Sara Vieira, Ana Júlia Coelho, Ana Sofia Miquelino e Pedro Calado dão-nos conta de que em 16 anos da revista foram publicados 193 textos de estudos (Vieira, Coelho, Miquelino & Calado, 2016). São escritos maioritariamente por mulheres, portuguesas e universitárias. Um lugar de escrita que marca significativamente o tom e o sentido da revista, nas presenças e ausências, na forma e no modo como as desigualdades de género, de que as mulheres têm sido as principais vítimas, são abordadas.

No primeiro número duplo, são publicados oito estudos. É interessante verificar que quatro são escritos por mulheres e quatro por homens; paridade que se foi perdendo nos números seguintes, certamente por, à época, serem ainda poucos os homens na sociedade portuguesa que se interessavam pelo tema das desigualdades sociais das mulheres. Este desequilíbrio decorre, sem dúvida, de Portugal ser, no contexto europeu, um país de modernização tardia, ter saído de uma ditadura de quase meio século e de procurar ainda um novo lugar social e cultural do ser homem e mulher (Lisboa, 2015): um lugar que fosse também de transformação crítica da velha sociedade patriarcal, vinda de trás, produzida e reproduzida durante o Estado Novo, em que o espaço da mulher era sobretudo o da invisibilidade da casa, enquanto doméstica, esposa e mãe, cabendo ao homem a visibilidade do espaço público, como provedor e responsável por cargos de direcção e destaque nas empresas, no Estado e em outras organizações de relevo. Dois mundos que pouco se tocavam, sendo mesmo penalizado quem se aventurava a cruzar a fronteira. É interessante verificar que essa penalização era particularmente desprestigiante quando o homem se interessava pelos assuntos das mulheres, tal o lugar de não poder que tinha sido destinado para as mulheres. Se fossem as mulheres a ousar entrar no universo masculino, a censura era completamente imperativa, uma espécie de barreira de inacessibilidade aos patamares do poder. No domínio das empresas e do espaço político, um tecto de vidro invisível impedia o acesso a lugares de liderança (Lisboa, Frias, Roque & Cerejo, 2006).

Foi este o país que Faces de Eva herdou. É esta a sociedade que a revista vai tentar transformar. Um longo caminho já parcialmente percorrido nestes 25 anos, mas ainda a ter de desbravar novas searas no futuro.

De facto, ao longo das várias edições, notam-se mudanças que refletem as transformações sociais ocorridas na sociedade portuguesa, mudanças que são elas próprias um sinal da vitalidade da revista. No primeiro número, num artigo sobre a “barregania”, José Mattoso dá os sinais certos do edifício social que se foi construindo pelos poderes instituídos no controlo das relações íntimas entre homens e mulheres e, assim, colocar mais uma pedra na construção das desigualdades de género (Mattoso, 1999). Recorrendo à língua, enquanto estrutura que reflete e constrói a sociedade, Mattoso mostra a evolução semântica da palavra barregão e barregã. A barregania teria começado por ser uma forma legítima de casamento nas sociedades indo-germânicas, sendo ilegitimada pela Igreja no século XVI. O que é interessante, de um ponto de vista sócio-histórico, é que num quadro de ilegitimidade, com o tempo, o masculino barregão vai sendo socialmente representado como um símbolo de poder e domínio, atribuído ao homem, enquanto o feminino barregã é secundarizado e utilizado para designar a mulher amante, prostituta, alguém que ocupa um lugar secundário dependente do senhor poderoso. Ainda hoje as amantes dos reis são referidas como barregãs.

De algum modo, este artigo de Mattoso mostra uma das dimensões de como, nas nossas sociedades, as desigualdades sociais entre homens e mulheres não decorrem das diferenças biológicas que existem entre estes dois seres, e que são bem menores do que imaginávamos há umas décadas, mas sim do enorme edifício social e cultural que se foi produzindo e reproduzindo ao longo do tempo e que tendeu a legitimar as diferenças de género como sendo naturais.

A primeira fase da Faces de Eva é quase toda dedicada às mulheres, a partir de uma matriz teórica onde se nota uma reflexão limitada sobre os processos sociais e culturais que produzem as desigualdades de género numa perspetiva mais ampla. É compreensível, pois, apesar de a história das mulheres não ser independente da dos homens, que tenham sido elas que mais conheceram discriminação, diminuição de direitos, invisibilidade e ausência de poder no espaço público.

Só mais tarde, no n.º 34 da revista, surgem as questões LGBT, hoje indissociáveis da temática dos feminismos, com um artigo de Eduarda Ferreira sobre o movimento lésbico em Portugal (Ferreira, 2015). Igualmente, a mulher em outras civilizações, como o Islão, só aparece no n.º 32. Aos poucos, a revista vai-se abrindo não só a novas temáticas sociais, mas também a outros olhares sobre o ser mulher em sociedade. As discussões mais abrangentes, a partir de uma perspetiva de género, estão presentes no n.º 32, já bem depois da fundação da revista, nomeadamente num artigo de Lígia Amâncio e João Manuel Oliveira (Amâncio & Oliveira, 2014). Nos anos seguintes, vários artigos começam a ter este novo olhar sobre as mulheres. Em 2019, num número da revista extra, a perspetiva de género vem associada à temática queer7, num artigo de Fernando Cascais (Cascais, 2019). Aí, são retomados trabalhos seminais de Judith Butler em torno da performatividade de género enquanto processo de produção de identidades (Butler, 1990, 1993).

Também os temas prostituição, migrações e ambiente surgem ao longo do tempo, dando voz a dimensões sociais que vão ganhando maior visibilidade e que são atravessadas pelas vivências e olhares femininos.

Aos poucos, dão-se os primeiros passos no sentido de uma visão mais ampla e multidisciplinar de temáticas relevantes para o estudo das mulheres numa perspetiva de género, trazendo para a análise outros sistemas de desigualdades sociais que, pela via da interseccionalidade, poderão permitir um olhar interdisciplinar, simultaneamente abrangente e específico.

Certamente, no futuro, novos temas, como a discriminação em função da etnia/raça e a pobreza, surgirão com mais visibilidade na revista. As mulheres pobres, negras, indígenas e de etnias diversas têm estado ausentes, tornando-se assim ainda mais invisíveis do que a invisibilidade a que já são votadas socialmente. E, afinal, elas constituem a grande maioria das mulheres do Mundo!

Concluo com o que, a meu ver, poderão ser os três novos desafios que se colocam a Faces de Eva nas próximas décadas: aprofundar a análise da construção das desigualdades de género a partir da interação dos seus protagonistas; olhar o feminino também a partir da interseccionalidade de todas as desigualdades sociais; descentrar o foco do Ocidente e situar no Mundo.

Estou certo de que a equipa, que nos últimos dez anos tem contado com a dedicação e entrega totais de Isabel Henriques de Jesus, saberá cumprir no futuro as palavras fundacionais de Zília Osório de Castro, olhando para as estrelas e tendo os pés assentes na realidade. Realidade que está em permanente mudança e que é urgente saber escutar.

Oeiras, 14 de Dezembro de 2023

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Baptista, M. A. (2022). Frankenstein ou a monstruosidade como prática feminista e subjetividade queer. Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher, (47), 99-114. https://doi.org/10.34619/fvpd-kkdq [ Links ]

Butler, J. (1990). Gender trouble: feminism and the subversion of identity. Routledge. [ Links ]

Butler, J. (1993). Bodies that matter: on the discursive limits of “sex”. Routledge. [ Links ]

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Vieira, A. S., Coelho, A. J., Miquelino, A. S., & Calado, P. (2016). Faces de Eva: uma análise bibliométrica. Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher, (36), 34-61. [ Links ]

Notas

2 Todas as instituições e organizações objeto de análise na secção Estado da questão, do n.º 30 ao n.º 49, da revista Faces de Eva.

3 Todas as pessoas entrevistadas na secção Entrevistas, do n.º 30 ao n.º 49, da revista Faces de Eva.

4 Depoimentos e artigos biográficos de todas as pessoas da secção Pioneiras, do n.º 30 ao n.º 49, da revista Faces de Eva.

5 Todas as mulheres que fizeram o seu autorretrato ou foram retratadas por outras, na secção(Auto-)Retrato, do n.º 30 ao n.º 49, da revista Faces de Eva.

6 A secção Diálogos surge na revista em 2009 e põe em interação pessoas e instituições. Citam-se aqui todos os nomes participantes, bem como os temas abordados, do n.º 21 ao n.º 49.

7 A temática queer volta a estar presente mais tarde num artigo de Miguel Ângelo Baptista (Baptista, 2022).

Notas

1 CIÊNCIAVITAE: https://www.cienciavitae.pt/portal/651D-6547-3663.

Aceito: 20 de Dezembro de 2023

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