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Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher

versión impresa ISSN 0874-6885

Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher  no.50 Lisboa dic. 2023  Epub 21-Feb-2024

https://doi.org/10.34619/0k0a-uqbi 

Estudos

A construção de uma identidade feminina decolonial em Kilêlê: A Dança Sagrada do Falcão, de Olinda Beja1

The construction of a decolonial feminine identity in Kilêlê: A Dança Sagrada do Falcão, by Olinda Beja

i Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras, 1600-214 Lisboa, Portugal. Email: ana.castro1@edu.ulisboa.pt

ii Universidade NOVA de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, CHAM - Centro de Humanidades, 1069-061 Lisboa, Portugal.


RESUMO

Resumo: Este artigo pretende explorar a construção identitária no livro de poesia Kilêlê: A Dança Sagrada do Falcão (2021), da escritora são-tomense Olinda Beja. Para tal, será dada ênfase a elementos materiais como o corpo, particularmente o corpo feminino, uma vez que se trata do veículo através do qual seria dançado o kilêlê, uma extinta dança tradicional de São Tomé e Príncipe. Partindo de um panorama teórico inserido nos Estudos de Género e nos Estudos Feministas (Butler, 2017; Lugones, 2008; Vergès, 2023), tentaremos situar uma identidade que, nos poemas de Olinda Beja, se assume, ao mesmo tempo, decolonial e interseccional (Silva, 2018).

Palavras-chave: corpo; género; interseccionalidade; identidade; feminismo decolonial

ABSTRACT

Abstract: This article aims to explore the process of identity development in the poetry book Kilêlê: A Dança Sagrada do Falcão (2021), from Santomean author Olinda Beja. For that purpose, we will highlight material elements such as the body, particularly the feminine body, as it is the main vehicle from which it would be danced kilêlê, an extinct traditional dance from São Tomé and Príncipe. Anchored in a theoretical panorama composed of Gender and Feminist Studies (Butler, 2017; Lugones, 2008; Vergès, 2023), we will try to situate an identity that, in Olinda Beja’s poems, assumes to be both decolonial and intersectional (Silva, 2018).

Keywords: body; gender; intersectionality; identity; decolonial feminism

INTRODUÇÃO

Este artigo incide sobre o livro de poesia Kilêlê: A Dança Sagrada do Falcão, uma das mais recentes obras da escritora são-tomense Olinda Beja. Publicada em 2021, esta obra aborda temas fulcrais na escrita de mulheres dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), tais como: a condição feminina no âmbito social e cultural, práticas culturais nacionais, a construção identitária da mulher e a consequente negociação desta identidade no âmbito sociopolítico. Estes temas retratam uma perspetiva feminina sobre as dificuldades e obstáculos que as mulheres enfrentam num contexto de cariz patriarcal e ex-colonial.

Argumentamos que Kilêlê, à semelhança da restante obra poética da autora, tem uma importância incontornável no panorama literário de São Tomé e Príncipe, devido, por um lado, à grande qualidade da obra e à pertinência dos seus temas, e por outro, ao facto de a autora ser uma das apenas cinco escritoras são-tomenses publicadas até à data3. Este facto é particularmente relevante, já que os “homens escritores/poetas (são-tomenses) representam mais do triplo desse número” (Santos, 2019, pp. 27-28), o que revela a disparidade flagrante de género no que toca à escrita.

A obra de Beja surge, portanto, num contexto de grande escassez numérica de autoras, as quais, apesar dos quase cinquenta anos da independência de São Tomé e Príncipe, ainda se encontram muitas vezes impedidas de aceder às estruturas sociais e culturais que lhes permitiriam enveredar pelo meio literário. Trata-se de um problema estrutural, com semelhanças com o que acontece em outros países africanos de língua portuguesa. Inocência Mata resume-o deste modo:

O desafio de que se fala é o questionamento das persistentes conceções tradicionais e coloniais de poder e dos papéis sociais, políticos e culturais das mulheres, que muitos setores da sociedade são-tomense (ainda) defendem como mais-valia sociocultural num mundo em constantes “convulsões” em que esses ditames têm, nessa perspetiva, “orientado” as jovens no desempenho dos seus “naturais” papéis, pautados pela prevalência do poder masculino e da primordial localização da mulher no espaço da casa. (Mata, 2022, p. 25)

Do mesmo modo, existe ainda uma grande escassez de estudos críticos sobre estas autoras, que decorre, entre outros fatores, da falta de divulgação das suas obras em Portugal4 e da dificuldade de acesso às mesmas, uma vez que parte substancial desta produção literária se encontra esgotada e não foi ainda reeditada.

A nossa leitura dos poemas que compõem Kilêlê procura contribuir para a visibilização das autoras africanas e negras dos PALOP, encarando a obra de Olinda Beja no contexto de uma literatura que é, em si, uma forma de resistência e de afirmação identitária, num contexto em que o sujeito que escreve é duplamente subalterno - mulher e negra - e em que o cânone literário é historicamente composto por homens cisgénero brancos. Como bem nos lembra Gayatri Chakravorty Spivak, a propósito da subalterna: “(S)e, na disputa da produção colonial, o subalterno não tem história e não pode tomar a palavra, a subalterna enquanto mulher está mais enterrada nas sombras” (Spivak, 2021, p. 67). Pensamos ser particularmente importante, no estudo das literaturas africanas de língua portuguesa, destacar a obra das suas mulheres escritoras e tentar perceber tanto as suas especificidades, como as dinâmicas de opressão que continuam a invisibilizá-las e aos sujeitos sobre os quais escrevem, principalmente no que concerne à mulher africana e negra.

Neste artigo partimos de um panorama teórico dos Estudos Pós-Coloniais (Spivak, 2021) e dos Estudos de Género, no que respeita á exploração de conceitos ligados ao corpo e à corporalidade, temas maiores deste ensaio (Butler, 2017; Kilomba, 2022); e dos Estudos Feministas, particularmente sob a lente do feminismo decolonial5 (Lugones, 2008; Vergès, 2023). Neste sentido, será importante compreender o conceito de “colonialidade de género” desenvolvido por María Lugones, no seu ensaio “Colonialidad y género” (Lugones, 2008).

1. OLINDA BEJA: UMA VOZ DA RESISTÊNCIA LITERÁRIA SÃO-TOMENSE

Para começar, pensamos ser pertinente fazer algumas considerações sobre a obra poética de Olinda Beja, destacando os temas que abordaremos com mais detalhe a propósito de Kilêlê: A Dança Sagrada do Falcão, nomeadamente a afirmação identitária feminina e a corporalidade, com o corpo da mulher negra são-tomense a ganhar palco nos poemas. Enquadramos a proposta literária de Olinda Beja no contexto teórico do feminismo decolonial, pelo que, nesta primeira secção, destacamos alguns conceitos desta área de estudos.

Olinda Beja é, como já referimos, uma figura de destaque no corpus literário são-tomense. Tendo nascido em 1946 em Guadalupe, na ilha de São Tomé, foi enviada ainda em criança para Portugal, onde fez a sua formação. Licenciou-se em Línguas e Literaturas Modernas pela Universidade do Porto e em Literaturas Africanas de Língua Portuguesa pela Universidade Aberta. Foi professora em Portugal e na Suíça e tem participado, ao longo dos anos, em diversos eventos com o propósito de divulgar a cultura e a literatura são-tomenses. A sua produção literária, com mais de vinte títulos editados, destaca-se num contexto em que, como já apontámos, é uma das poucas mulheres de São Tomé e Príncipe com obra publicada.

Tendo voltado a ter contacto com a sua terra natal a partir dos anos 80 do século XX e começado a publicar na década seguinte em Portugal, Beja incorpora uma componente nacional muito evidente, sendo indubitavelmente são-tomenses os espaços e as personagens da sua obra. Neste sentido, concordamos com Thaíse de Santana Santos quando afirma: “(A) condição diaspórica de Olinda Beja não oblitera de si o pertencimento a sua mátria são-tomense” (Santos, 2019, p. 32).

Além desta paisagem literária povoada pela cultura das ilhas, outra componente transversal à obra de Beja é o uso de diversos termos em forro, uma das principais línguas faladas no país. No final dos seus livros, é habitual a autora incluir um glossário, onde explicita o significado de diversos termos. Este é um aspeto interessante, que pensamos contribuir significativamente para o esforço de divulgação da cultura do seu país que a autora empreende. Apresentando a singularidade e riqueza da sua identidade nacional, Beja não desconsidera, ainda assim, as mazelas que a cultura são-tomense sofreu por influência direta da colonização portuguesa. Kilêlê: A Dança Sagrada do Falcão é uma obra significativa a este respeito, uma vez que propõe, desde logo no título, a rememoração de uma prática tradicional, a dança kilêlê, banida em 1925 por pressão dos portugueses (Beja, 2021, p. 27). Ainda cabe no título a menção ao falcão, um elemento cultural importante para o povo são-tomense (Feijóo, 2021, p. 13). Assim, nesta obra, “Olinda Beja propõe-nos também uma poética de afirmação, de confirmação e de resgate cultural” (Feijóo, 2021, p. 13).

Efetivamente, a obra de Beja pauta-se por apresentar elementos que desconstroem a narrativa colonial, contribuindo, se não para destruir, pelo menos, para diminuir significativamente os remanescentes da lógica colonial que ainda concorrem para o desconhecimento e a desinformação sobre as ex-colónias em geral e os países africanos de língua oficial portuguesa em particular. Aponta Daniel Silva, a propósito da obra de Olinda Beja:

These tentative forms of narrativization do not operate in terms of a utopian new beginning in a world untouched by Empire. Instead, they trace the emergence of alternative epistemologies over and against the Empire’s field of meaning, particularly its categorizations of bodies and lands. / This has very much been the case with the oeuvre of Olinda Beja, which evokes, appropriates, and reworks Empire’s signifiers in order to remap the signified terrain of power while bringing about anti-imperial forms of local and global consciousness. (Silva, 2018, p. 237)

Bô Tendê? (1992), Leve, Leve (1993), No País do Tchilóli (1996) e Água Crioula (2002) são exemplos de algumas coletâneas anteriores da autora, nas quais é possível encontrar as características diferenciadoras da sua obra literária. Além da componente de reimaginação e reescrita do espaço que pertenceu ao império colonial, um dos aspetos mais significativos da sua proposta literária é a identidade da mulher e das suas experiências em primeira pessoa, nomeadamente através da dimensão corpórea e sensual/sexual da mulher negra são-tomense. Ou seja, esta não é apenas uma literatura escrita por uma mulher, é também sobre as mulheres. Este aspeto é relevante, por um lado, porque a mulher negra é um sujeito duplamente subalternizado e frequentemente esquecido - a nível social, político e até literário -; por outro, porque esta é uma literatura ainda incipiente no contexto pós-colonial, nomeadamente nos PALOP, em que o panorama literário se compõe maioritariamente por homens. Neste sentido, vemos na obra destas autoras, à semelhança de Inocência Mata6, uma forma de resistência aos maiores obstáculos que as escritoras africanas enfrentam, em relação aos homens, num quadro social e editorial que não prima pela igualdade no acesso à publicação.

Dando seguimento ao argumento apresentado, acreditamos que a obra de Beja deve ser estudada no âmbito do feminismo decolonial7, que tem procurado trazer para primeiro plano os sujeitos subalternos, nomeadamente a mulher negra, procurando estudá-los sob a lente da interseccionalidade. Isto é, revela-se particularmente importante estudar este tipo de sujeitos na interseção entre as várias categorias a que pertencem. A omissão desta dimensão tem levado a ignorar os contextos específicos de sujeitos duplamente subalternizados, ou seja, reprimidos por um sistema de matriz colonial e patriarcal que ignora a complexidade das suas identidades. Esclarece María Lugones, a propósito do grupo que nos interessa neste ensaio, as mulheres negras:

Entonces, se vuelve lógicamente claro que la lógica de la separación categorial distorsiona los seres y los fenómenos sociales que existen en la intersección, como la violencia contra las mujeres de color. Dada la construcción de las categorías, la intersección interpreta erróneamente a las mujeres de color. En la intersección entre “mujer” y “negro” hay una ausencia donde debería estar la mujer negra precisamente porque ni “mujer” ni “negro” la incluyen. La intersección nos muestra un vacío. Por eso, una vez que la interseccionalidad nos muestra lo que se pierde, nos queda por delante la tarea de reconceptualizar la lógica de la intersección para, de ese modo, evitar la separabilidad de las categorías dadas y el pensamiento categorial. (Lugones, 2008, p. 82)

Com base na visão de Lugones, procuramos analisar a representação da mulher negra são-tomense na obra de Beja no sentido de descobrir como é esse lugar de intersecção, que desafios específicos enfrentam estes sujeitos, mas também quais são as potencialidades de resistência que emergem com a representação de um sujeito que se encontraria, sem ela, num lugar “vazio”. Importa ainda destacar um segundo eixo de subalternização da mulher africana das ex-colónias que opera em paralelo com o primeiro (o facto de ser mulher e negra): esta está inserida num sistema que no caso de São Tomé e Príncipe8, foi, desde o seu início, de cariz patriarcal e colonial. Inocência Mata aponta, assim, para a “dupla dominação” (Mata, 2022, p. 28) da mulher africana. É neste contexto social, histórico e político que podemos mapear as formas de resistência das mulheres, através do exemplo de Kilêlê: A Dança Sagrada do Falcão.

2. REPRESENTAÇÕES DA MULHER SÃO-TOMENSE EM KILÊLÊ

2.1 Género e corpo

As personagens que povoam a obra poética de Olinda Beja são, como já foi referido, marcadas pela “são-tomensidade” (Mata, 2010). A mulher são-tomense, em particular, é o elemento que mais nos interessa destacar deste conjunto. Ela aparece frequentemente na primeira pessoa, já que o sujeito lírico é, na maioria das vezes, inequivocamente feminino. Nesta secção, pretendemos tecer algumas considerações sobre a representação do género e do corpo nas personagens de Kilêlê, partindo do pressuposto de que tratamos da “subalterna”. Nas palavras de Grada Kilomba, dialogando com Spivak, a “subalterna” “não pode realmente falar; ela está sempre confinada à posição de marginalidade e silêncio prescrita pelo pós-colonialismo” (Kilomba, 2022, p. 47). Argumentamos, contudo, que Beja consegue produzir uma obra em que a subalterna, ao ser descrita com uma complexidade e subjetividade que pretende desafiar o contexto de “marginalidade e silêncio” (Kilomba, 2022, p. 47), sai efetivamente das sombras e ganha um espaço de destaque nos poemas. Atentaremos, nesta secção e na seguinte, à forma como ela consegue recuperar a voz e conquistar de novo o espaço que em tempos perdeu, primeiro, com elementos que dizem respeito ao género e ao corpo e, depois, na secção seguinte, com o corpo em movimento, através da dança e de aspetos como a sensualidade e a performance.

Começamos a nossa reflexão com algumas considerações sobre o espaço do qual Olinda Beja parte para escrever o corpo e o género da mulher são-tomense. Tal como adverte Françoise Vergès, “precisamos de nos libertar de uma abordagem que vê a colónia exclusivamente com a forma que lhe foi dada pela Europa no século XIX, e de não confundir colonização com colonialismo” (Vergès, 2023, p. 34). Não podendo ignorar que partimos de um espaço que estabeleceu a epistemologia imperial sobre as ex-colónias, tentamos, mesmo assim, perceber quais são as negociações que a “colónia” enquanto alegoria9 ainda tem de fazer para reclamar o seu espaço e a(s) sua(s) voz(es). Neste sentido, as mulheres escritoras travam uma batalha árdua contra o espaço vazio de poder de onde partem historicamente. Lembramos, na esteira de Kilomba, que “(p)ode ler-se a própria ausência (do centro) da voz da colonizada como emblema da dificuldade de recuperar a voz do sujeito colonial, e confirmação de que não há espaço onde a colonizada possa falar” (Kilomba, 2022, p. 49; ênfase original). Pensamos ser produtivo, para entender melhor este “lugar de fala” das escritoras africanas contemporâneas, utilizar o conceito de colonialidade de género que nos apresenta Lugones:

Solo al percibir género y raza como entrematados o fusionados indisolublemente, podemos realmente ver las mujeres de color. Esto implica que el término “mujer” en sí, sin especificación de la fusión no tiene sentido o tiene un sentido racista, ya que la lógica categorial históricamente ha seleccionado solamente el grupo dominante, las mujeres burguesas blancas heterosexuales y por lo tanto ha escondido la brutalización, el abuso, la deshumanización que la colonialidad del género implica. (Lugones, 2008, p. 82)

É a partir deste contexto complexo que analisamos a mulher são-tomense nos poemas que compõem Kilêlê, não descurando as interseções que compõem a sua identidade.

O primeiro poema, “Bailado”, além de apresentar elementos que já eram característicos da obra poética de Beja, como a comunhão entre o sujeito lírico e a natureza, inclui elementos culturais tradicionais são-tomenses como o falcão: “(P)or isso te agradeço o aconchego uterino à terra-mãe / no teu voo pressinto o rumor do firmamento / (…) / o sol setembrino traz-me à memória as canções das lavadeiras do Água Grande” (Beja, 2021, p. 35, vv. 2-3, 6); também introduz elementos ligados à corporalidade na última estrofe: “(P)udessem tuas asas ser meu esquife / no volutear da dança sensual e pura / pousarias meu corpo em qualquer ramo de acácia rubra / onde só o vento fresco da gravana / se atreveria a balouçar meus líbidos sobejos!” (Beja, 2021, p. 35, vv. 11-15). A corporalidade assume em Kilêlê uma dimensão distintiva desde o início, uma vez que são descritos, pela voz de um sujeito lírico feminino, não só elementos do seu próprio corpo, como também os seus desejos, o que é particularmente significativo num contexto em que “as mulheres permaneceram adstritas ao ‘não-ser’ de corpos disponíveis como material poético para a dominação masculina” (Martins, 2022, p. 111). Deste modo, Beja começa a romper com o similar “‘não-lugar’ ou um lugar eternamente marginal” (Martins, 2022, p. 111) das mulheres africanas na escrita.

No último poema da secção “Proémio”, a autora explora em maior profundidade a questão do corpo através do desejo do eu lírico, que se dirige explicitamente ao seu interlocutor: “ébria de doçuras te espero no lastro dos enigmas da cidade / ternurentos meus dedos vão soltando amarras de batelões esquecidos no cais / navios-fantasma percorrem a baía onde pernoito na enseada do teu colo / só a chuva me diz que não é preciso fertilizar os campos / nem atrevidamente esperar teus mimos, tuas frases dóceis / tuas mãos de untué a viajarem no meu ventre” (Beja, 2021, p. 61, vv. 1-6). O sujeito lírico, que faz saber ao seu interlocutor que espera um encontro sexual, alude a elementos do próprio corpo como “meus dedos” e “meu ventre” (Beja, 2021, p. 61, vv. 2, 6), dando assim visibilidade ao corpo da mulher negra numa perspetiva singular e subjetiva. Com a introdução do desejo da própria mulher e de elementos que remetem para o encontro sexual, o corpo do sujeito lírico feminino passa a ser dotado de um agenciamento próprio, que rompe com a associação obrigatória “erótico-exótico” propagada pela epistemologia colonial. Daniel Silva argumenta, a propósito do regulamento dos corpos dos sujeitos subalternos num contexto imperial/colonial:

Not only is the body regulated; it is a signifier palimpsestically formulated through the reproduction of imperial meaning, the reproduced fantasies of otherness over which fantasies of white/bourgeois/male/heteronormative superiority could be performed and inscribed. The regulatory function would thus serve to ensure that the body continues to fit the signifier of otherness into which it is interpellated. (Silva, 2018, p. 242)

Outro texto que nos mostra, de forma clara, esta quebra com a regulação colonial e europeia do corpo da mulher negra é o poema “IX” da secção “Entre margens”, em que, mais uma vez, se afirma o desejo sexual: “(A)nseio por manhãs sonoras de africanidade e vou modelando / na mescla infinita do teu e do meu corpo / (…) / traz-me a distância que tens no teu corpo / cobre-me de esperança / e deixa correr a troça / o espanto / a indignação / tu és homem / eu sou mulher / tornemo-nos apenas na sombra / de um só corpo” (Beja, 2021, p.71, vv. 7-8, 11-19). A propósito do corpo da mulher negra, tomemos em atenção a argumentação de Catarina Martins sobre a dicotomia cartesiana mente/corpo:

Estamos perante dois paradoxos: o primeiro é a desvalorização ontológica do corpo, que contradiz a sua efetiva centralidade enquanto suporte material dos códigos semânticos que organizam as identidades, os lugares sociais, os poderes e as economias; o segundo, que decorre do primeiro, diz respeito à desmaterialização e negação daqueles que são só corpo - mulheres, identidades sexuais não-binárias e negros - para a sua hipermaterialização e hipercodificação discursivas a partir de regimes de poder racistas e sexistas. (Martins, 2022, p. 103)

É importante lembrar que este dualismo cartesiano sempre fez parte da lógica colonial e imperial, com o propósito de separar definitivamente os que representariam a “mente” e o “corpo”, colonizadores e colonizados, portanto. Ou seja, aqueles que pertenciam ao segundo grupo viam-se privados de agir sobre o seu próprio corpo, através das mais variadas estratégias de vigilância e apropriação: agressões físicas, violações, entre outras. A recuperação do corpo pelas palavras da própria mulher negra permite, deste modo, que este possa voltar a ganhar os significados e as potencialidades que historicamente lhe foram sendo negados pelo sistema colonial. Isto inclui descobrir possibilidades de expressão identitária que extravasam aquelas que historicamente regularam o comportamento das mulheres negras.

Os poemas citados, bem como os restantes da obra, contribuem para a visibilização do corpo, da sensualidade e da sexualidade da mulher negra, através da narração em primeira pessoa. que retoma, assim, um “lugar de fala” que foi historicamente negado às mulheres. A dimensão da temática amorosa, na sua componente sexual explícita mas também afetiva e/ou romântica, é uma forma de representação mais verosímil destes sujeitos, uma vez que os dota de uma vontade e agenciamento próprios, que até então estavam reprimidos. Inocência Mata lembra-nos que “(o)s tópicos do amor - erótico, sensual e sexual - fazem-se acompanhar da citação dos seus signos terrenos na sua funcionalidade prazerosa, e não apenas utilitária e representativa, e dos seus contextos” (Mata, 2018, p. 432). Consequentemente, o espaço aberto para o tratamento destes tópicos da literatura africana de autoria feminina proporciona a “libertação do corpo - libertação total de obstáculos convencionais, recusando, ou denunciando, a subserviência a determinadas formas sociais” (Mata, 2018, p. 432).

2.2 Sensualidade e performance

É no seguimento desta ideia de incorporação do prazer sexual e da visibilidade do corpo da mulher africana e negra que começamos esta secção do nosso ensaio, onde iremos explorar em maior detalhe a componente da sensualidade da mulher, nomeadamente através da expressão corporal, leia-se da dança kilêlê e de outras performances associadas ao corpo da mulher.

O conjunto de poemas da coletânea é precedido de um trecho intitulado “Análise do decreto do Sr. Administrador do Concelho”, no qual a autora mostra a sua indignação perante a repressão da dança tradicional que dá título à obra. Neste texto, podem ler-se as seguintes interpelações: “Como pode, em 1925, um homem que se julga superior, pegar na caneta de aparo reluzente e numa folha de papel e ir rabiscando a castração de um povo ilhéu que tinha apenas o corpo como expressão de arte libertária?!”; “como pode, perguntava eu, ter o arrojo de interditar o exercício lúdico e libidinoso das ancas, dos braços, das nádegas, do sexo?!” (Beja, 2021, p. 29). Este questionamento da autora não deixa espaço para dúvidas sobre a associação desta prática da dança tradicional kilêlê aos movimentos sensuais do corpo. Beja propõe, no final deste pequeno texto, o resgate desta prática cultural, lançando um desafio ao leitor: “Quem se atreverá a saracotear de novo o kilêlê nos salões de festas da nova sociedade tão entorpecida por ritmos que chegam de longe?” (Beja, 2021, p. 30). É produtivo perceber de que modo a autora conseguiu recuperar uma prática tradicional do país, usando-a como estratégia para a afirmação identitária feminina, através da componente erótica e sensual do corpo. Não esqueçamos que Olinda Beja escreve também para a mulher, um sujeito que, apesar de duplamente subalternizado, possivelmente contribui para este estatuto de “subalterna”. A propósito disto, Mata defende:

Tão importante como denunciar e manifestar indignação, interessa indagar esse processo de subalternização consentida pela mulher em muitas sociedades africanas e procurar construir possibilidades de inflexão de suas histórias, de forma a reconstruir sujeitos femininos ativos mas, simultaneamente, sujeitos que se constituam como alternativa no amplo processo de resistência a estruturas endógenas de subalternização - a que se poderia chamar tradição - e que possam juntar-se à voz global da luta contra todo o tipo de desigualdades - luta a que vou chamar feminismo - a fim de criar novas imagens do lugar feminino, procurando a sua própria voz e a sua palavra para se explicar. (Mata, 2022, p. 33; ênfase original)

Acreditamos que a obra poética de Beja pode apresentar uma alternativa viável ao cenário de “dupla subjugação: a dos colonizadores e a dos homens colonizados” (Vergès, 2023, p. 52) que as mulheres africanas vivem, ao apropriar-se da tradição, ressignificando-a e, nesse processo, tornando-a uma forma de resistência identitária.

Em Kilêlê, como já foi sublinhado, é a mulher quem frequentemente expressa os seus desejos e o corpo desta encena os “movimentos libidinosos” que caracterizariam esta dança tradicional. No contexto deste ensaio, entendemos a prática da dança como performance e o género como performativo, na aceção de Judith Butler (2017). Iremos, de seguida, explicitar as potencialidades desta leitura, através de alguns exemplos que encontramos na obra. Butler entende o género como performativo na medida em que consiste numa repetição, não necessariamente consciente, de determinados atos de forma sustentada ao longo do tempo. Conclui que “o género não é um facto, os numerosos actos de género criam a ideia de género, e sem esses actos não haveria género” (Butler, 2017, pp. 276-277). Neste sentido, “a acção do género exige uma performance reiterada” (Butler, 2017, p. 277; ênfase original), sendo que é esta reiteração que sustenta e legitima a noção estável do género, possibilitando, naturalmente, as consequentes leituras sociais que são feitas a partir do mesmo. Para os propósitos deste ensaio, interessa-nos perceber como o corpo pode ter um papel potencialmente subversivo, ao desconstruir noções que a nível histórico se inscreveram no corpo das mulheres em geral e no corpo da mulher africana e negra em particular. Para que seja claro o motivo para a importação dos conceitos desenvolvidos por Butler, destacamos o seguinte trecho:

É o mesmo que dizer que actos, gestos e desejos produzem o efeito de um núcleo interno ou substância, mas produzem-no sobre a superfície do corpo, mediante o jogo de ausências significantes que sugerem, sem nunca revelarem, o princípio organizador da identidade como uma causa. Esses actos, gestos, encenações, construídos de maneira geral, são performativos no sentido em que a essência ou identidade que, de outro modo, pretendem exprimir são invenções fabricadas e mantidas graças a signos corporais e outros meios discursivos. (Butler, 2017, pp. 270-271; ênfase original)

Este panorama teórico permite considerar novas potencialidades na leitura dos corpos femininos, já que podemos ler neles uma autoafirmação de identidade que parte das próprias mulheres. Na coletânea de Olinda Beja é importante ressaltar que a sensualidade da mulher apresenta uma componente prática, ao permitir, através da dança kilêlê, afirmar uma identidade feminina que já não se rege pela regulação imperial e heteronormativa a que aludia Daniel Silva (2018). Dito de outro modo, a componente sensual e sexual da mulher não tem obrigatoriamente de significar, na literatura, a representação da mulher como um sujeito passivo/exótico/idealizado, como sinédoque ou sinónimo da nação - a Mãe África, por exemplo. Em Problemas de género: Feminismo e subversão da identidade, Butler adverte-nos que os atos que se inscrevem no corpo e sustentam uma noção estável do género são instrumentalizados “com intuitos de regulação da sexualidade no quadro obrigatório da heterossexualidade reprodutiva” (Butler, 2017, p. 271). Nos poemas de Olinda Beja, contudo, com a vocalização do desejo sexual da mulher e a afirmação da sua liberdade de expressão através da dança, subverte-se a finalidade exclusivamente reprodutiva associada ao corpo da mulher.

Apesar de a dança enquanto performance associada às mulheres negras merecer um estudo mais aprofundado, vale a pena mencionar alguns trabalhos que nos ajudam a refletir sobre as potencialidades deste tema na análise da obra de Beja. Jasmine Johnson, por exemplo, no capítulo “Sorrow’s swing” da obra Race and performance after repetition, trabalha sobre a dimensão da mágoa associada a diferentes tipos de dança interpretados pela comunidade afro-americana, estabelecendo elos de ligação entre as coreografias e a violência que marca o quotidiano desta comunidade (Johnson, 2020, p. 129). Um exemplo interessante é o da “dança excêntrica”, que, de acordo com Johnson, requer total autoridade sobre o próprio corpo (Johnson, 2020, p. 134). Esta dança encerraria em si a possibilidade de desafiar expectativas e preconceitos em relação à comunidade negra, criando novas formas de expressão. Outras duas obras que merecem ser referidas são Bodies in Dissent: Spectacular Performances of Race and Freedom, 1850-1910 (2006), de Daphne A. Brooks, e Black Movements: Performance and Cultural Politics (2017), de Soyica Diggs Colbert, que estudam, nomeadamente, diversas performances da comunidade negra como forma de resistência contra a desumanização a que esta esteve submetida historicamente.

Voltamos agora à dimensão da dança na poesia de Olinda Beja. No poema “I” de “Proémio”, o corpo da mulher é descrito a partir da sensualidade da dança: “(C)hocalhos tambores mussumbas tangem com frenesim (…) a musa oferece / seu corpo, seus requebros, suas cadências… / num voo picado o falcão arrebata quem o provoca / quase noite. / Quase delírio. / Quase loucura” (Beja, 2021, p. 40, vv.5, 7-10). Neste contexto, a mulher exprime-se livremente através da dança e, se provoca os que a rodeiam, é por sua própria escolha, assumindo sem pudor a sua sensualidade. A cena descrita é associada à dança kilêlê, como é possível percebermos no verso imediatamente a seguir aos anteriormente citados: “Quem disse que kilêlê morreu?!” (Beja, 2021, p. 40, v. 11). Ou seja, neste poema a estratégia de resistência tem duas consequências: o sujeito lírico consegue afirmar a presença da mulher através da sensualidade do seu corpo e, ao mesmo tempo, recuperar uma prática tradicional que tinha sido banida num contexto de dominação colonial.

Por outro lado, no poema “II” de “Terra mãe - um halo de pureza”, a resistência dá-se através da contemplação do corpo da mulher, que é olhado por um sujeito poético feminino. Destacamos do poema a seguinte estrofe: “(D)a minha ilha saboreio a tua negra pele / a redondez dos teus seios de gazela / a astúcia e agilidade da bela lagaia / que em teu corpo se espelha / quando os homens a perseguem” (Beja, 2021, p. 39, vv. 5-9). É importante a introdução deste olhar feminino sobre o corpo da mulher, uma vez que o corpo é descrito pela sua beleza e sensualidade, sem a associação obrigatória a uma componente sexual, como tradicionalmente acontece quando é descrito sob um ponto de vista masculino. Como nos lembra Catarina Martins, nas obras que estabeleceram o cânone literário dos países anteriormente colonizados, na sua grande maioria escritas por homens, é frequente “a apropriação do corpo feminino através da violação” (Martins, 2022, pp. 107-108), sendo que, neste contexto, ele “existe em função do guerreiro ou converte-se na natureza em que este mergulha para renovar as forças para o combate pela nação” (Martins, 2022, p. 108). Também é significativo, no poema, o facto de o olhar sobre este corpo ser feminino, pois insere a possibilidade de ler a sexualidade da mulher fora da heteronormatividade obrigatória. Como nos explica Martins:

O não-lugar das identidades sexuais não-binárias na construção das narrativas nacionais da maioria dos países africanos, que resulta na inscrição da necropolítica sobre estes corpos no próprio corpo constitucional ou jurídico, revela ainda uma abissalidade mais radical na produção da inexistência do queer - remetido para a condição dificilmente resgatável de “não-africano” - e da invisibilidade do homoerotismo, mesmo quando este se encontra presente nas entrelinhas dos textos, em particular entre mulheres e no seio da heteronormatividade. (Martins, 2022, p. 108)

Não pretendemos, com este argumento, estabelecer se estão ou não efetivamente presentes identidades queer nestes poemas, mas antes chamar a atenção para uma poesia que escreve, com mais desenvoltura do que habitualmente se tem feito, a apreciação da sensualidade da mulher através de um olhar feminino.

CONCLUSÃO

Através dos argumentos apresentados neste artigo, reiteramos a importância de Kilêlê: A Dança Sagrada do Falcão na atual literatura são-tomense. Olinda Beja consegue, na sua obra, continuar a abordar temas tradicionalmente inscritos nesta literatura desde o seu início, como a “são-tomensidade”, as paisagens, a cultura e as gentes das ilhas; de igual forma, explora temas até aqui quase ausentes: a afirmação identitária da mulher são-tomense sobretudo por meio da sua dimensão sensual e sexual. Deste modo, consideramos que a autora contribui de forma significativa para a atualização do cânone literário são-tomense, diversificando-o, através de uma perspetiva inovadora. A voz literária de Olinda Beja tem também o mérito de representar experiências e anseios particulares tanto de uma mulher individual quanto da mulher são-tomense como coletivo, ao versar contextos e experiências comuns. Conseguimos, através destes poemas, assim como de outras obras de autoras africanas, abordar a temática da mulher negra e do feminino de forma mais humanizada, ao sermos “obrigados” a reconhecer os obstáculos que enfrenta ou a conhecer os seus desejos íntimos. Terminamos aqui com umas últimas palavras de Mata, a propósito desta condição reflexiva:

Agora as escritoras parecem querer ir para além da construção da nação solapando-a: considerando o tangenciamento entre feminino e mulher, pode afirmar-se que trazem para a cena literária o sentimento individual em toda a sua plenitude (que não apenas aquela que releva do político-ideológico) e querem expandi-lo para lá do nacional e atingir primeiro a condição feminina, depois, a condição humana, sem descurar a condição incómoda dessa condição nas relações internas de poder que trazem ainda a marca da inquietação, numa garimpagem, ainda e sempre, de um “eu” profundamente interior. (Mata, 2018, p. 430)

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Notas

1 Este artigo insere-se no âmbito da Bolsa de Investigação concedida ao abrigo do Projeto “WomenLit - Literatura de Mulheres: Memórias, Periferias e Resistências no Atlântico Luso-Afro-Brasileiro” (PTDC/LLT-LES/0858/2021), financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia. https://doi.org/10.54499/PTDC/LLT-LES/0858/2021.

3 As outras autoras são Maria Manuela Margarido, Alda Espírito Santo, Conceição Lima e Goretti Pina.

4 O mesmo se pode dizer dos restantes países de língua oficial portuguesa e outros que, estudando já alguma da literatura africana em português, desconhecem autoras mais periféricas. Destacámos Portugal pelo facto de partirmos do seu contexto editorial relativo a estas obras.

5 Optámos pelo termo decolonial e não descolonial, tal como os tradutores da obra Um feminismo decolonial (Vergès, 2023), dado estarmos de acordo com o argumento: “De facto, associamos a ‘descolonização’ ao momento de desvinculação das antigas colónias. No entanto, a colonialidade e a lógica colonial perduram, não terminam de um dia para o outro com o fim do colonialismo e com o processo (histórico, administrativo e político) de independência. Daí a importância do pensamento decolonial” (Vergès, 2023, p. 8).

6 “Por isso, vejo na escrita de autoria feminina, pelo menos a dos cinco países de língua oficial portuguesa, o mesmo sentido que a dos escritores africanos teve no tempo colonial: a resistência, cuja natureza e o destinador já não são, porém, os mesmos” (Mata, 2018, p. 439).

7 O feminismo decolonial parte da premissa de que o feminismo tradicional ou “civilizacional” impôs uma narrativa única como forma de defesa dos direitos das mulheres, considerando a necessidade que agora existe de incluir identidades diversas, anteriormente esquecidas. Sobre isto, consultar Vergès (2023).

8 Isto porque São Tomé e Príncipe, à semelhança de Cabo Verde, foi pela primeira vez povoado após a chegada dos portugueses: “As ilhas estariam desabitadas quando os portugueses chegaram, entre 1470 (21 de dezembro) e 1471 (17 de janeiro). As primeiras tentativas de povoamento terão começado em 1486, com João de Paiva, mas apenas em 1493 Álvaro de Caminha, a quem fora doada a capitania, logra os primeiros resultados” (Mata, 2010, p. 15).

9 Usaremos o termo “colónia” entre aspas para nos referirmos às ex-colónias sob o pressuposto de que ainda são territórios sobre os quais impera uma dominação que se rege por dinâmicas semelhantes às do período colonial. Quando a palavra se encontrar sem aspas, refere-se, efetivamente, aos mesmos territórios, mas no contexto da governação colonial portuguesa.

Notas

2 CIÊNCIAVITAE: https://www.cienciavitae.pt/portal/4418-BEA6-8EC2 | Mestranda em Literaturas, Artes e Culturas Modernas | Bolseira de Investigação.

Recebido: 27 de Julho de 2023; Aceito: 23 de Outubro de 2023

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