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Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher

versión impresa ISSN 0874-6885

Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher  no.50 Lisboa dic. 2023  Epub 21-Feb-2024

https://doi.org/10.34619/mpbb-sddo 

Estado da Questão

A vez e a voz da mulher imigrante portuguesa: 2003 a 2023 - Um olhar retrospetivo

Maria Manuela Vaz Marujoi  1
http://orcid.org/0009-0009-4202-2076

i University of Toronto, Toronto, Ontario M5S 1A1, Canada.


A legislação que autorizou a entrada de emigrantes portugueses no Canadá, no início da década de 1950, salientava no critério de seleção a preferência por “homens de mãos calejadas”, destinados a trabalhos específicos - os da construção dos caminhos de ferro e dos trabalhos agrícolas.

A 13 de maio de 1953, desembarcaram os primeiros homens no porto de Halifax, na província de Nova Escócia. Dado o sucesso da iniciativa, esta data tem sido usada como pretexto para alguma reflexão sobre esse movimento migratório, que iria, ao longo dos últimos setenta anos, atrair centenas de milhares de portugueses para o Canadá.

Comecei a lecionar no Departamento de Espanhol e Português da Universidade de Toronto em 1985. Foi ao confrontar-me com grupos de alunos lusodescendentes que procuravam os nossos cursos, que comecei a sensibilizar-me para questões como origem étnica, identidade híbrida, memória, raízes e património, para assinalar apenas algumas. Entre a população estudantil lusodescendente, havia quem procurasse aprender o português “correto” e esquecer o que se falava em casa. Colocou-se-me pela primeira vez a dicotomia do “sotaque” continental versus o açoriano, maioritariamente micaelense, olhado com preconceito por alguns.

Na década de 1990, debrucei-me sobre estudos bilingues e, em particular, sobre a relevância da preservação, no país de acolhimento, da língua de herança dos filhos de imigrantes portugueses. Entrevistei alunos, pais e encarregados de educação, não me surpreendendo ao encontrar nas mulheres - mães e avós - um maior envolvimento no sistema escolar canadiano.

Em 2001, a professora Rosa Simas organizou um congresso sobre a temática “A Mulher nos Açores e nas Comunidades” (Simas, 2003) na Universidade dos Açores, em Ponta Delgada. A minha participação nos trabalhos desse encontro abriu-me horizontes e influenciou o interesse e a dedicação que futuramente iria desenvolver pelo assunto. Devo à professora Rosa Simas uma consciencialização muito marcante de toda a problemática relacionada com a mulher imigrante portuguesa.

Quando em 2003, no cinquentenário da data da chegada ao Canadá, se reuniu um comité organizador para celebrar essa efeméride, considerei ser uma oportunidade única para organizar, em Toronto, um encontro com o objetivo de chamar a atenção para o papel da mulher imigrante portuguesa. Graças a muitas entrevistas realizadas com pioneiros (Marques & Marujo, 1993), tínhamos confirmado que, logo no ano de 1953, poucos meses após a partida dos seus maridos ou noivos, algumas se juntaram a eles, sozinhas ou com os seus filhos pequenos. Esse facto quase não era mencionado ao falar-se da imigração. As mulheres não faziam parte da história. Até essa data, a relevância e a contribuição das mulheres portuguesas para uma integração mais harmoniosa no país de acolhimento, e inclusivamente para o sucesso financeiro de suas famílias, não tinham, na minha opinião, recebido merecido destaque. Ressalvo a publicação de Wenona Giles (2002) sobre as mulheres portuguesas de limpeza, em cuja pesquisa colaborou Ilda Januário, Research Officer do Ontario Institute for Studies in Education da Universidade de Toronto (OISE/UT).

A minha participação no comité encarregado de organizar iniciativas para o cinquentenário da chegada oficial dos primeiros grupos organizados de portugueses, resultado de acordos bilaterais entre Portugal e o Canadá, deu azo a que, cinquenta anos depois, a “voz” da mulher imigrante no Canadá fosse ouvida, pois chegara a sua “vez” de ocupar um lugar predominante na pesquisa. Devo à colega Aida Baptista, na época Leitora do Instituto Camões na Universidade de Toronto, a feliz denominação desta série de congressos. O entusiasmo e a participação de Aida Baptista em todos os congressos realizados ao longo dos últimos vinte anos cimentaram os laços de amizade entre nós e permitiram a concretização de projetos que têm contribuído para a maior divulgação dos desafios que as mulheres imigrantes portuguesas da diáspora enfrentam.

Foi assim que, em 2003, o Departamento de Espanhol e Português da Universidade de Toronto organizou o I Congresso internacional com o título: “A Vez e a Voz da Mulher Imigrante Portuguesa”. O congresso multidisciplinar reuniu pesquisadores nacionais e internacionais dos seguintes países: Austrália, Brasil, China, Estados Unidos, Inglaterra, Portugal continental e Arquipélago dos Açores. As presenças de Maria Barroso, que proferiu a conferência inaugural, Maria Manuela Aguiar, Secretária de Estado das Comunidades, Alzira Serpa e Silva, Diretora Regional das Comunidades do Governo dos Açores, entre outras individualidades, bem como de vários escritores e muitos estudiosos de prestígio atraíram dezenas de participantes a Toronto. O sucesso da iniciativa foi de tal ordem que, com a concordância de todos os congressistas, ficou decidido que, de dois em dois anos, iria ser dada continuidade ao congresso em outras instituições académicas. As atas do congresso de 2003 foram publicadas num volume, pela Universidade de Toronto, e ficaram disponíveis online com um título bilíngue: “A Voz da Mulher da Imigrante Portuguesa/The Voice and Choice of Portuguese Immigrant Women” (Marujo et al., 2003).

Deolinda Adão, da Universidade de Berkeley na Califórnia, foi a organizadora do II Congresso Internacional “A Vez e a Voz da Mulher em Portugal e na Diáspora”, em 2005 (Adão, 2011). Maria Antónia Espadinha e Leonor Seabra, da Universidade de Macau, China, organizaram o III Congresso Internacional “A Vez e a Voz da Mulher na Diáspora: Macau e Outros Lugares”, em 2007 (Seabra & Espadinha, 2009). Seguiu-se, na cidade de Curitiba, Brasil, organizado por Roseli Boschilia e Maria Luíza Andreazza (2011), da Universidade Federal do Paraná, o IV Congresso Internacional “A Vez e a Voz da Mulher Portuguesa na Diáspora: Brasil e Outros Lugares”.

Os três congressos seguintes tiveram lugar em cidades da Europa: na Universidade de Nanterre, em Paris, José Manuel Esteves e Idelette Muzart-Fonseca dos Santos foram os anfitriões do V Congresso Internacional “A Vez e a Voz da Mulher Portuguesa em França e Outros Lugares”, realizado em 2011. Em 2013, Rosa Simas organizou, na Universidade dos Açores, o VI Congresso Internacional “A Vez e a Voz da Mulher em Portugal e na Diáspora: Tempos e Percursos” (Simas, 2014) e, em 2015, Conceição Ramos e Natália Ramos organizaram, na cidade do Porto, o VII Congresso “A Vez e a Voz das Mulheres Migrantes em Portugal e na Diáspora: Mobilidades, Tempos e Espaços”.

Vinte anos depois, o VIII Congresso “A Vez e a Voz da Mulher Imigrante Portuguesa: Mobilidades e Interculturalidades” voltou ao lugar onde fora lançada a série de congressos - a Universidade de Toronto, a instituição de ensino superior de maior prestígio do Canadá. Esta iniciativa fez parte integrante do programa ambicioso das comemorações oficiais dos setenta anos da chegada ao Canadá da imigração portuguesa. Voltámos a atrair estudiosos não só do próprio país, mas também de instituições estrangeiras: Brasil, França, México, EUA, Portugal continental e Arquipélago dos Açores. Prestigiou-nos com a sua presença o Dr. José Andrade, Diretor Regional das Comunidades do Governo dos Açores, sendo a conferência inaugural da responsabilidade da Professora Catedrática da Universidade Aberta Maria Beatriz Rocha Trindade, Presidente da Comissão de Migrações da Sociedade de Geografia de Lisboa, e pioneira neste campo de estudos.

Livros e outras publicações resultantes dos vários congressos, divulgação online, trabalhos artísticos em fotografia, vídeo e arte dramática têm contribuído para divulgar os resultados da pesquisa realizada por académicos, investigadores e artistas, dado qualquer dos congressos ter tido sempre um caráter multidisciplinar e ter incentivado a participação de jovens criadores.

No Canadá, os apoios do Departamento de Espanhol e Português da Universidade de Toronto, da Direção Regional das Comunidades do Governo dos Açores (primeiro sob a direção de Alzira Serpa Silva e presentemente de José Andrade), bem como do Instituto Camões foram imprescindíveis para o êxito dos dois congressos, o de 2003 e o de 2023.

Um maior conhecimento e estudos futuros sobre a mulher portuguesa na diáspora portuguesa parecem-me promissores. Há um entusiasmo crescente por parte de jovens pesquisadores, lusodescendentes e não só, que nas universidades escrevem teses de Mestrado e Doutoramento sobre esta pertinente temática. Começam a surgir vozes femininas na escrita literária, que é publicada e divulgada nas redes sociais; artistas de artes plásticas refletem nas suas obras e com muita criatividade e imaginação, a identidade e a memória de seus antepassados imigrantes.

Vinte anos não são suficientes para cimentar e dar solidez à pesquisa. Compete a cada uma de nós contribuir para que a “vez” e a “voz” da mulher imigrante portuguesa continuem a conquistar o lugar que, por mérito próprio, lhes pertence.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Adão, D. M. (Ed.) (2011). A vez e a voz da mulher em Portugal e na diáspora / II Congresso Internacional (The voice and choice of women in Portugal and in the diaspora / II International Congress). Institute of Governmental Studies, Universidade da Califórnia. [ Links ]

Boschilia, R., & Andreazza, L. (Orgs.) (2011). Portuguesas na diáspora: histórias e sensibilidades (Portuguese women in the diaspora: stories and sensibilities). Universidade Federal do Paraná. [ Links ]

Giles, W. (2002). Portuguese women in Toronto: gender, immigration, and nationalism .University of Toronto Press. [ Links ]

Marques, D., & Marujo, M. (1993). With hardened hands: a pictorial history of Portuguese immigration to Canada in the 1950s. New Leaf Publications. [ Links ]

Marujo, M., Baptista, A., & Nunes, R. (Orgs.) (2003). A vez e a voz da mulher imigrante portuguesa / Actas do I Congresso Internacional (The voice and choice of Portuguese immigrant women / Proceedings 1st International Conference). Department of Spanish & Portuguese, University of Toronto. [ Links ]

Seabra, L. D. de, & Espadinha, M. A. N. (Eds.) (2009). A mulher portuguesa na diáspora: Macau e outros lugares / III Congresso Internacional “A Vez e a Voz da Mulher na Diáspora” (The Portuguese woman in the diaspora: Macau and other places / III Internactional Congress “The Voice of Women in the Diaspora”). Universidade de Macau. [ Links ]

Simas, R. M. N. (2003). A mulher nos Açores e nas comunidades (Women in the Azores and communities) (Vols. I, II, III, IV). https://rosasimas.com/en/pubsposts/apresentacao-da-antologia-congresso-internacional-a-vez-e-a-voz-da-mulher-toronto-2/Links ]

Simas, R. M. N. (Coord.) (2014). A vez e a voz da mulher: relações e migrações / VI Congresso Internacional “A Vez e a Voz da Mulher” (The choice and voice of women: relationships and migration / 6th International Congress “The Choice and Voice of Women”). Edições Colibri. [ Links ]

Notas

1 Professora Associada Emérita.

Aceito: 25 de Novembro de 2023

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