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Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças v.9 n.2 Lisboa  2008

 

Estabilidade temporal das escalas de esperança para crianças e de satisfação com a vida para estudantes

Susana C. Marques1, J. L. Pais-Ribeiro1, & Shane Lopez2

1Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade do Porto, Portugal

2Department of Psychology and Research in Education, University of Kansas, USA

(Investigação apoiada pela FCT: SFRH/BD/28423/2006)

 

RESUMO: A Esperança e a Satisfação com a Vida são variáveis individuais que reflectem uma natureza disposicional. Têm recebido atenção especial quanto ao papel que desempenham na construção de um desenvolvimento humano positivo e como potenciais contributos para o desenvolvimento de outros comportamentos e atitudes positivas. Tendo como base as características e potencialidades destas variáveis, consideramos avaliar a estabilidade destas variáveis ao longo do tempo. O objectivo deste estudo é avaliar a estabilidade das respostas às escalas de Esperança e de Satisfação com a Vida para estudantes após um período de 6 meses numa população de crianças e adolescentes. Participaram 367 estudantes que constituíram uma amostra de conveniência, 53,1% do sexo feminino, com idade M = 11,78 (entre os 10 e os 15 anos) e escolaridade M = 6,98 (entre o 6º e 8º ano). O material utilizado foi a “Escala de Esperança para Crianças”e a“Escala de Satisfação com a Vida para Estudantes”. Os resultados mostram que o coeficiente de fidelidade teste-reteste é de 0,60 para a escala de Esperança e de 0,69 para a escala de Satisfação com a Vida para Estudantes. Os resultados suportam a premissa teórica de que a Esperança e a Satisfação com a Vida compreendem propriedades de componentes traço. O desenho longitudinal deste estudo introduz um acréscimo temporal significativo, comparativamente a estudos conduzidos anteriormente e acrescenta um indicador de fidelidades aos estudos de validação das versões portuguesas das respectivas escalas. São discutidas implicações dos resultados encontrados.

Palavras-chave: Crianças e adolescentes, Esperança, Fidelidade teste-reteste, Satisfação com a Vida.

 

Temporal stability of the children hope scale and students´life satisfaction scale

ABSTRACT:Hope and satisfaction with life are individual difference variables with a dispositional nature. They receive special attention related to their importance of building on human positive development and as potentials contributors to the development of other positive behaviours and attitudes. In this later regard, having as foundation the characteristics and potentialities of hope and satisfaction with life, we consider relevant to evaluate the stability of these variables across time. The goal of the study is to evaluate the students hope and satisfaction with life scores over a 6 months period. The study include a convenience sample of 367 individuals from the community (53.1% females; age M = 11.78 years, range 10-15 years). Participants completed a questionnaire packet that included the Portuguese versions of the “Children Hope Scale” (CHS; Snyder et al., 1997) and “Students’ Life Satisfaction Scale” (SLSS; Huebner, 1991). Results show that the test-retest stability coefficient is .60 for the CHS and .69 for the SLSS. The results support the theoretical premise that hope and satisfaction with life demonstrates some trait-like properties. The longitudinal design of this study, in which hope and satisfaction with life scores were reassessed after a 6 month period, is a significant increase in comparison to previous studies that have assessed test-retest stability after a 1-, 2-week or 1-month interval. Implications of these findings are discussed.

Keywords: Children and adolescents, Hope, Satisfaction with life, Test-retest reliability.

 

A investigação contemporânea no campo da psicologia tem dedicado esforços no estudo e identificação de variáveis psicológicas que facilitam um desenvolvimento humano saudável. A Esperança e a Satisfação com a Vida têm recentemente recebido especial atenção quanto à sua importância para a construção de um desenvolvimento humano positivo e estão associadas com uma variedade de resultados adaptativos e como potenciais contributos para o desenvolvimento de outros comportamentos e atitudes positivas. São descritas como variáveis de natureza disposicional (Gilman & Huebner, 1997; Huebner, 1991; Snyder et al., 1991; Snyder et al., 1997a), embora sejam consideradas susceptíveis de mudança ao longo do tempo através de intervenções sustentadas e elaboradas para o efeito (ver Marques, Pais Ribeiro, & Lopez, 2007a).

A Esperança é uma variável psicológica positiva que tem concentrado atenções no estudo com crianças e adolescentes (Valle, Huebner, & Suldo, 2004; Valle, Huebner, & Suldo, 2006). A teoria da Esperança assume que as acções humanas são direccionadas para objectivos (Snyder, Rand, & Sigmon, 2002). A Esperança inclui três componentes distintos: objectivos, caminhos e iniciativa, num sistema dinâmico cognitivo e motivacional que pode ser conceptualizado em termos de capacidade percebida para gerar caminhos para objectivos desejados, e de se auto-motivar via pensamento de iniciativa para percorrer esses caminhos (Snyder, 2002). Os objectivos são os alvos das sequências mentais de acção e variam no grau de especificidade e num quadro temporal entre objectivos imediatos e de longo-prazo. O pensamento de “caminhos” refere-se à capacidade percebida para gerar caminhos ou percursos mentais para alcançar os objectivos desejados. O pensamento de “iniciativa” é o componente motivacional da teoria da esperança que reflecte as cognições do indivíduo acerca da sua capacidade para começar e continuar um comportamento direccionado para objectivos (Snyder, Lopez, Shorey, Rand, & Feldman, 2003). Um importante grupo de investigações em crianças e adolescentes tem sido desenvolvido (ver Marques, Pais-Ribeiro & Lopez, 2007b, para uma revisão) apontando para a existência de relações positivas entre a Esperança e as esferas académica, atlética, saúde física, ajustamento psicológico e psicoterapia (Snyder, 2002).

A Satisfação com a Vida pode ser definida como a avaliação global feita pelo indivíduo sobre a sua vida. Aparece como uma variável individual, que o indivíduo percepciona como apropriada, comparando as circunstâncias da sua vida com esse conceito estandardizado (Pavot, Diener, Colvin, & Sandvik, 1991). A definição desta variável pode comportar julgamentos da Satisfação com a Vida como um todo ou em domínios específicos da vida, conforme esteja subjacente uma avaliação livre de domínios ou multidimensional, respectivamente (Marques, Pais-Ribeiro, & Lopez, 2007b). A Satisfação com a Vida avaliada conjuntamente com o afecto positivo e afecto negativo constituem uma avaliação do bem-estar subjectivo (Diener et al., 1999). Uma Satisfação com a Vida positiva tem sido associada a uma variedade de resultados adaptativos, nomeadamente ao nível intrapessoal, interpessoal, vocacional, da saúde e educacional (ver Marques et al., 2007b, para uma revisão) e tem sido visto tanto como um resultado importante como um potencial contributo para o desenvolvimento de outros comportamentos e atitudes positivas (Huebner, 2004).

Tendo como base as características e potencialidades da Esperança e Satisfação com a Vida, parece relevante explorar a estabilidade destas variáveis ao longo do tempo. As respectivas escalas (Escala de Esperança para Crianças e Escala de Satisfação com a Vida para Estudantes), às quais fazemos referência na continuidade do artigo, estão validadas para a população portuguesa (Marques et al., in press; Marques et al., 2007b) Estudos anteriores examinaram a estabilidade teste-reteste das escalas originais que avaliam estes construtos entre períodos de tempo menores (e.g., Gilman et al., 1997; Snyder et al., 1997a; Snyder, Cheavens, & Simpson, 1997b; Terry & Huebner, 1995), especificamente para intervalos de tempo de 1, 2, 4 semanas e 1 mês. Recentemente, os autores Valle et al. (2006) publicaram um artigo em que apresentaram a estabilidade das escalas em estudo, no intervalo de 1 ano. Todos os estudos que examinaram a estabilidade destas variáveis ao longo do tempo apontam para a existência de uma natureza disposicional subjacente à avaliação dos construtos. Nenhum trabalho publicado avaliou a estabilidade da Esperança e Satisfação com a Vida num intervalo de 6 meses, e por outro lado, não há qualquer referência sobre a estabilidade destas escalas na sua versão portuguesa, em quaisquer intervalos de tempo.

Quanto à avaliação da estabilidade das escalas entre períodos de tempo longos, como é o caso do objectivo do presente estudo, é pertinente tomar em consideração que avaliações teste-reteste entre períodos de tempo mais ou menos longos podem implicar que a estrutura e correlações das medidas, neste caso da Esperança e Satisfação com a Vida, não sejam equivalentes entre diferentes idades. A este propósito, Valle et al. (2004) conduziram um estudo sobre a equivalência, entre crianças e adolescentes, da estrutura e correlações da Escala de Esperança para Crianças, concluindo que os resultados em adolescentes eram generalizáveis para crianças. Outros estudos (Valle et al., 2006) providenciam suporte para o uso da Escala de Satisfação com a Vida em Estudantes como instrumento de investigação válido em crianças e adolescentes. As conclusões destes estudos permitem prosseguir com avaliações da estabilidade dos construtos que incluam intervalos de tempo compreendidos entre os grupos etários referenciados.

O objectivo deste estudo é avaliar a estabilidade das respostas às escalas de Esperança e de Satisfação com a Vida para estudantes após um período de 6 meses numa população de crianças e adolescentes.

MÉTODO

Participantes

Os participantes no Tempo 1 (Setembro/ Outubro de 2006) constituem uma amostra de conveniência de 367 estudantes que frequentavam os 6º e 8º anos de escolaridade (idade média de 11,78, entre os 10-15 anos e 53, 1% do sexo feminino). Todos os participantes frequentavam sete escolas do norte de Portugal e preencheram os questionários no início do ano lectivo. Os 62 participantes no Tempo 2 (Março/ Abril de 2007) constituem uma amostra de conveniência seleccionada entre os participantes do Tempo 1, idade média de 10,95, entre os 10-12 anos e 73,5% do sexo feminino.

Material

Escala de Esperança para Crianças. A Escala de Esperança para Crianças (EEC) é uma escala disposicional desenvolvida por Snyder et al. (1997a) para aceder aos pensamentos de esperança relacionados com objectivos, em indivíduos entre os 8 e os 16 anos. Segundo proposta dos autores, no acto de aplicação, a escala de esperança para crianças deverá designar-se por “Questões sobre os teus objectivos”. A escala contém 6 itens (apresentados como uma afirmação) que avaliam a Esperança, três destes seis itens avaliam o componente “iniciativa” e os restantes três itens avaliam o componente “caminhos”. Os itens que avaliam cada um dos componentes encontram-se apresentados de uma forma alternada. É pedido aos participantes para se imaginarem como são na maioria das situações e que respondam de que modo consideram que cada afirmação se lhes aplica, numa escala ordinal de seis pontos entre 1= nenhuma das vezes e 6= todas as vezes, com um resultado total possível entre 6 e 36. Valores mais elevados correspondem a níveis mais elevados de Esperança.

A EEC foi validada para a população portuguesa por Marques et al. (in press) e revelou boas propriedades psicométricas para ser utilizada em investigação com crianças e adolescentes e comparáveis com a escala original.

Escala de Satisfação com a Vida para Estudantes. A Escala de Satisfação com a Vida para Estudantes (ESVE) desenvolvida por Huebner (1991) é uma escala de auto-resposta que se propõe avaliar a satisfação global com a vida de indivíduos entre os 8 e os 18 anos. No preenchimento da escala é pedido aos participantes para se centrarem nos pensamentos que têm tido durante as últimas semanas. Para cada um dos 7 itens que constituem a escala, apresentados como uma afirmação, existem seis possibilidades de resposta desde 1= discordo completamente a 6= concordo completamente. Dois dos itens são cotados de modo invertido. A soma dos sete itens, com um resultado possível entre 7 e 42, determina a satisfação global com a vida. Valores mais elevados correspondem a níveis mais elevados de satisfação global com a vida.

A ESVE foi validada para a população portuguesa por Marques et al. (2007b) e revelou boas propriedades psicométricas para ser utilizada em investigação com crianças e adolescentes e comparáveis com a escala original.

Procedimento

A aprovação para a recolha de dados foi assegurada pelo conselho directivo de cada escola. Procedeu-se igualmente ao envio a todos os pais dos potenciais participantes de uma carta a pedir o consentimento informado, com a descrição do estudo, nomeadamente da sua natureza longitudinal. Aproximadamente 31% dos estudantes apresentaram a carta assinada. Esta percentagem é comparável com a percentagem obtida noutros estudos semelhantes (Valle et al., 2004). Os procedimentos de administração dos questionários foram semelhantes no Tempo 1 e no Tempo 2. Os instrumentos foram administrados em grupos entre 15 e 30 estudantes. O tamanho do grupo esteve dependente do espaço disponível em cada um dos estabelecimentos de ensino, assim como do número de assistência adulta presente para assegurar a compreensão das instruções e do carácter confidencial das respostas. Os instrumentos foram apresentados aos estudantes segundo uma ordem contrabalançada. O tempo de preenchimento da bateria de questionários foi entre 15 e 20 minutos.

RESULTADOS

No presente estudo, a análise descritiva mostra que as médias e os desvios padrão da EEC no Tempo 1 e no Tempo 2 são menores do que as mencionadas em outros estudos com estudantes (M = 25,41-28,86; DP = 3,01-6,11) (e.g., Snyder et al., 1997a; Snyder et al., 1997b; Valle et al., 2006). Quanto à Satisfação com a Vida, as médias e os desvios padrão da ESVE no Tempo 1 e no Tempo 2 enquadram-se dentro das médias e desvios padrão referidos em estudos com populações semelhantes (e.g., Gilman et al., 1997; Huebner, 1991a; Huebner, Suldo, & Valois, 2003). A consistência interna de cada uma das escalas, representadas no quadro 1 pelo alfa de Cronbach, são adequadas e comparáveis com a consistência interna das escalas originais (entre 0,72 e 0,86 para a escala de Esperança para crianças no estudo de Snyder et al., em 1997, e de 0,80 para a escala de Satisfação com a Vida no estudo de Dew & Huebner em 1994).

 

Quadro 1

Estatística descritiva e consistência interna da Esperança e Satisfação com a Vida no Tempo 1(N=367)e Tempo 2(N=62)

 

Foi usado o T-test para determinar a significância das diferenças entre a Esperança e Satisfação com a Vida para o género. Relativamente à Esperança, não foram encontradas diferenças significativas entre rapazes e raparigas no Tempo 1 t(367) = 0,70, e no Tempo 2 t(62) = 0,82. Quanto à Satisfação com a Vida, também não foram encontradas diferenças entre rapazes e raparigas no Tempo 1 t(367) = 0,84 e no Tempo 2 t(62) = 1,23. O Quadro 1 apresenta as médias, desvios padrão e consistência interna da Esperança e Satisfação com a Vida acedidas no Tempo 1, e 6 meses depois no Tempo 2.

O quadro 2 apresenta as intercorrelações da Esperança e Satisfação com a Vida no Tempo 1 e Tempo 2. Todas as correlações entre a Esperança e a Satisfação com a Vida são estatisticamente significativas.

Quadro 2

Correlações entre a Esperança e a Satisfação com a Vida no Tempo 1 e Tempo 2

 

A fidelidade teste-reteste é de 0,60 para a escala de Esperança e de 0,69 para a escala de Satisfação com a Vida para estudantes. Os estudos que examinaram a fidelidade teste-reteste na versão original, apresentam valores de 0,73 (Snyder et al., 1997) e de 0,76 (Terry & Huebner, 1995) para 1-2 semanas, de 0,71 (Snyder et al., 1997) e de 0,64 (Gilman & Huebner, 1997) para 1 mês, de 0,47 e 0,61 (Valle et al., 2006) para 1 ano, para a escala de Esperança e Satisfação com a Vida, respectivamente.

DISCUSSÃO

As escalas de Esperança para crianças e de Satisfação com a Vida para estudantes foram desenhadas para reflectirem um pensamento relativamente duradouro ao longo do tempo, de acordo com os modelos teóricos subjacentes a cada uma das variáveis. As correlações positivas e elevadas teste re-teste, com um intervalo de 6 meses, são consistentes com esta intenção. A estabilidade temporal das escalas nas versões portuguesas são consistentes com os resultados encontrados noutros estudos com as escalas originais, e portanto ambas as versões mostram que a Esperança e a Satisfação com a Vida expressam propriedades traço (Gilman et al., 1997; Huebner, Funk, & Gilman, 2000; Snyder, Cheavens et al., 1997; Snyder, Hoza et al., 1997; Terry et al., 1995; Valle et al, 2006).

Este estudo acrescenta um indicador de fidelidade aos estudos de validação das versões portuguesas das escalas de Esperança e de Satisfação com a Vida para estudantes (ver Marques et al., 2007b; Marques et al., i n press) e que deve ser tido em conta. Introduz também um intervalo de tempo teste re-teste não explorado e um acréscimo temporal significativo, comparativamente a estudos conduzidos anteriormente com intervalos de tempo de 1, 2, 4 semanas e 1 mês. Consideramos, deste modo, pertinente a continuação da exploração destas escalas entre intervalos de tempo mais alargados, nomeadamente que incluam diferentes períodos de transição no desenvolvimento humano, para melhor conhecer as propriedades, forças e vulnerabilidades das variáveis em estudo.

O presente estudo deve ser tido em consideração aquando a elaboração e implementação de intervenções orientadas para a promoção da Esperança e da Satisfação com a Vida em crianças e adolescentes, ou a promoção de um funcionamento humano óptimo quando associadas e integradas com outras variáveis de bem-estar, como por exemplo a auto-estima e a saúde mental.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em 23 de Dezembro de 2007 / aceite em 12 de Outubro de 2008