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Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças v.10 n.1 Lisboa  2009

 

A relação entre a depressão em contexto laboral e o burnout: um estudo empírico com enfermeiros

Nuno Álvaro C. Murcho1, Saul Neves de Jesus2, & José Eusébio Palma Pacheco3

1Centro de Resposta Integradas do Algarve do Instituto da Droga e da Toxicodependência/Delegação Regional do Algarve, Faro

2Departamento de Psicologia da Faculdade de Ciência Humanas e Sociais/Universidade do Algarve, Faro

3Administração Regional de Saúde do Algarve, Faro

 

RESUMO: Com este estudo pretendemos investigar a relação existente entre a depressão e o sindroma de burnout, nas suas três dimensões – a exaustão emocional, a despersonalização e a realização pessoal. Esta investigação foi realizada com uma amostra de conveniência, constituída por 499 enfermeiros, que trabalham nas Unidades Hospitalares de maior dimensão do Algarve, e os instrumentos utilizados foram a subescala da depressão da EADS – 21, de Lovibond e Lovibond (1995, na adaptação portuguesa de Pais Ribeiro, Honrado, & Leal, 2004), e a MBI de Maslach e Jackson (1981, na adaptação portuguesa para enfermeiros de Parreira & Sousa, 2000). Os resultados encontrados levam-nos a sugerir que, embora no contexto laboral os quadros depressivos possam ocorrer como uma manifestação do burnout, o inverso parece não ser evidente, pelo que não podemos dizer que o burnout seja uma manifestação da depressão. Concluímos, então, que estas duas entidades são constructos diferentes, apesar de apresentarem aspectos comuns.

Palavras-chave: Burnout, Depressão, Diferença de constructos, Enfermeiros.

 

The relationship between depression in occupational context and burnout: an empirical study among nurses

ABSTRACT: With this study we want to investigate the relationship between depression and burnout syndrome, in its three dimensions emotional exhaustion, depersonalization and personal realization. This research was conducted with a convenience sample of 499 nurses who work in the Algarve larger Hospitals, and the instruments used were the depression subscale of EADS 21 of Lovibond and Lovibond (1995, in the Portuguese adaptation by Pais Ribeiro, Honrado, & Leal, 2004), and MBI of Maslach and Jackson (1981, in the Portuguese adaptation for nurses by Parreira & Sousa, 2000). This result, lead us to suggest that although the depression disorder in the workplace can occur as a manifestation of burnout, however, the reverse seems to be not clear. So, we cannot say that burnout is a manifestation of depression. We conclude that these two entities are different constructs, although they may have common features.

Keywords: Burnout, Depression; Difference of constructs, Nurses.

 

 

Para autores como Delbrouck (2006) o sindroma de burnout, continua a não ser reconhecido como uma entidade nosológica distinta, sendo frequentemente diagnosticado como depressão, designadamente a sua primeira dimensão, que é a exaustão emocional, até porque, estas duas perturbações apresentam sintomas muitas vezes semelhantes, se bem que com causas diferentes, apresentando ainda comorbilidade, o que também pode ser um factor de confundimento entre ambas.

Ainda segundo Delbrouck (2006), apesar de o burnout ser tido, de acordo com alguns especialistas, como uma manifestação laboral da depressão que afecta vários aspectos da vida das pessoas, existem outros estudos em que os resultados encontrados não são compatíveis com esta perspectiva, encontrando diferenças entre ambas as entidades, não só relativamente ao género, como também em relação à profissão, ou áreas de especialização profissional (dentro da mesma profissão).

Esta situação o que torna-se sobretudo perceptível quando se investigam em simultâneo o burnout e a depressão. Até porque o burnout pode ser entendido como um sinónimo de mal-estar relacionado com o trabalho (Jesus, 1996, 2001). O que pode ter relação com o que é sugerido por Murcho, Jesus, e Pacheco (2008), de que o trabalho, sendo uma actividade inerente às pessoas, é também uma necessidade, uma característica, e uma acção indispensável para o seu desenvolvimento individual e colectivo, comportando um conjunto de valores que lhe são intrínsecos, podendo ser não só uma fonte de bem-estar como também de malestar, o qual se manifesta de diversas formas.

Nesse sentido, estudos realizados por estes autores, relativos ao mal-estar relacionado com o trabalho em enfermeiros, concluem que os sintomas de mal-estar relacionado com o trabalho, quer em termos globais, quer nas suas diferentes dimensões física, emocional, cognitiva e comportamental, relacionam-se sempre com a depressão e com as dimensões do burnout, exaustão emocional e despersonalização (para além de também se correlacionarem sempre com a ansiedade, o stresse e a vulnerabilidade ao stresse) (Murcho, Jesus, & Pacheco, 2009).

Podemos então dizer, que o sindroma de burnout apresenta alguns sintomas semelhantes aos quadros depressivos, como sejam os distúrbios do sono, a perda de energia e a fadiga, a perda de interesse nas actividades usuais, a diminuição da auto-estima e da autoconfiança, e o desapontamento e a tristeza, embora também existam diferenças acentuadas entre os dois quadros clínicos, apresentando a depressão como principais sintomas, uma atitude depressiva e dificuldade em retirar prazer das coisas, perda ou ganho de peso, insónia ou hipersónia, agitação ou retardamento psicomotor, fadiga ou perda de energia, sentimentos de insuficiência ou de culpa, indecisão ou dificuldade de concentração, e pensamentos sobre a morte e ideação suicida, enquanto o burnout apresenta exaustão mental e emocional, despersonalização (que se caracteriza por uma atitude cínica em relação aos outros), sucesso pessoal reduzido (que tem relação com uma avaliação negativa das competências individuais no trabalho) (Brenninkmeijer, Van Yperen, & Buunk, 2001; Mallar & Capitão, 2004; Pacheco & Jesus, 2007; Varoli & Souza, 2004).

Reime e Steiner (2001, cit. Trigo, Teng, & Hallak, 2007) ao testarem a validade discriminativa do sindroma de burnout em comparação com o transtorno depressivo, encontraram validade para este sindroma, diferenciando-o da depressão.

A este respeito, Leiter e Durup (1994, cit. Mallar & Capitão, 2004) assinalam que o burnout é essencialmente um constructo social que surge como consequência das relações interpessoais e organizacionais, enquanto a depressão é fundamentalmente um conjunto de emoções e cognições que têm consequências sobre essas relações interpessoais.

Também Freudenberg (1987, cit. Vieira et al., 2006), já mencionava que o estado depressivo presente no burnout seria temporário e orientado para uma situação precisa que é o trabalho, não estando presente o sentimento de culpa característico da depressão, assim como para Maslach, Schaufeli, e Leiter (2001, cit. Vieira et al., 2006), o burnout afectaria somente o campo profissional, sendo considerado como um diagnóstico de situação de trabalho, enquanto a depressão atingiria todos os campos da vida do indivíduo, sendo considerada como um sindroma clínico.

Ahola, Honkonen, Isometsä, Kalimo, Nykyri, e Aromaa (2005, cit. Vieira et al., 2006), mencionam que, apesar da natureza da relação entre o burnout e a depressão não ser bem conhecida, a mesma pode dever-se a antecedentes etiológicos comuns (ligados ao stresse crónico ou a factores da personalidade, como os traços neuróticos, entre outros), podendo o burnout ser uma fase, ou um precursor no desenvolvimento dos transtornos depressivos, recomendando que quando se lida com populações de trabalhadores se deva aferir a existência tanto de um como do outro problema. Ou seja, podemos dizer que em contexto laboral, os quadros depressivos podem ocorrer como sendo uma das manifestações de burnout (Schaufeli & Buunk, 1996; Ballone, 2002).

Outros autores, como Iacovides, Fountoulakis, Kaprinis, e Kaprinis (2003, cit. Vieira et al., 2006), sugerem que o sindroma de burnout e a depressão possam partilhar várias características qualitativas, especialmente nas formas mais graves deste sindroma, propondo que sejam aplicados os dois diagnósticos em certos casos, tais como: aqueles em que haja maior grau de disfunção no trabalho do que de sintomatologia depressiva; e em que o início da disfunção ocorra antes do início da depressão major ou a existência de uma atitude negativa em relação à profissão que não possa ser explicada como uma manifestação da depressão. Deste modo, para estes autores ainda, é recomendável que ao se lidar com populações de trabalhadores, sejam aferidos ambos os problemas.

Finalmente os vários estudos que consultamos também vão no sentido de considerarem estes dois constructos como distintos, embora com elementos comuns, encontrando correlações positivas e significativas entre as dimensões da exaustão emocional e da despersonalização no burnout com a depressão, embora não tenham encontrado correlações significativas com a dimensão da realização pessoal (Arice, Batista, Morais, Souza, & Reis, 2004; Batista, Morais, Carmo, Souza, & Cunha, 2005).

Tendo em conta a literatura consultada, consideramos ser pertinente aprofundarmos o estudo da relação existente entre a depressão e o burnout, uma vez que um melhor conhecimento desta questão poderá contribuir para uma maior eficácia das intervenções de prevenção destes problemas em contexto laboral, e concomitantemente para maximizar a qualidade das medidas de promoção de saúde mental e psicológica dos trabalhadores, designadamente dos profissionais de saúde, como é o caso dos enfermeiros. Nesse sentido efectuamos este estudo com o objectivo de estudarmos a relação existente entre a depressão e o burnout, nas suas três dimensões – a exaustão emocional, a despersonalização e a realização pessoal.

 

MÉTODO

Tendo em conta não só o objectivo que definimos para este estudo, como o enquadramento teórico que efectuamos, consideramos que o burnout e a depressão são constructos diferentes, embora interrelacionados. Assim, fomos procurar determinar quais as relações existentes entre estes dois problemas, designadamente a nível da influência que um pode ter no outro.

Trata-se de um estudo quantitativo, exploratório, descritivo, transversal e não experimental. O método de amostragem utilizado foi de conveniência. O universo deste estudo é o dos enfermeiros e a população de referência para construção da amostra é a dos indivíduos deste universo que trabalham nas unidades hospitalares de maior dimensão do Algarve, respectivamente o Hospital de Faro, e o Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio. Como instrumento de colheita de dados foi utilizado um questionário autopreenchido de tipo misto (com perguntas fechadas e abertas de resposta rápida), que na parte que respeita a este estudo é constituído por um grupo inicial de 20 questões de caracterização sócio demográfica (que correspondem a 48 itens) e por duas escalas, com o objectivo de avaliarmos a depressão e o burnout.

 

Participantes

É uma amostra de conveniência constituída por 499 enfermeiros, dos quais 292 trabalham no Hospital de Faro, e 207 no Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio, sendo 399 de género feminino e 100 de género masculino.

Os participantes têm uma média (M) de idades de 32,99 anos, com um desvio padrão (SD) de 9,32 anos (variando entre os 21 e os 59 anos); o tempo médio de exercício profissional é de M = 9,73 anos (SD = 8,97 anos), variando entre menos de um ano e 37 anos; e o tempo médio de permanência no serviço onde trabalham é de M = 4,49 anos (SD = 4,79 anos), variando entre menos de um ano e 34 anos. As restantes características sociodemográficas são apresentadas no seguinte quadro 1.

Quadro 1

Características sociodemográficas dos participantes (N = 499)

 

Em relação ao burnout, conforme podemos observar no quadro 2, a maioria dos inquiridos na população estudada encontra-se distribuída no nível de classificação “baixa” para as dimensões exaustão emocional (62,1%) e despersonalização (67,1%), e no nível “alta” para a dimensão realização pessoal (37,1%), pelo que podemos dizer que nesta população, a maior parte dos enfermeiros apresenta um nível geral baixo de burnout, conforme os critérios que utilizamos (Maslach & Jackson, 1997; Parreira & Sousa, 2000; Borges, Argolo, Pereira, Machado, & Silva, 2002).

Quadro 2

Distribuição dos participantes de acordo com diferentes dimensões do burnout, e níveis de depressão, relativamente aos valores apresentados

 

É também importante mencionarmos que o segundo grupo estatisticamente mais significativo, é o dos participantes que se distribuem pelos níveis de classificação “alta” para a exaustão emocional (20%), “média” para a despersonalização (20,9%) e “baixa” para a realização pessoal (32,9%), ou seja, dos enfermeiros que apresentam um nível geral médio ou alto de burnout.

Para estimarmos os níveis de depressão (que designamos como elevado, médio e baixo) tivemos em conta uma metodologia similar àquela que utilizamos relativamente ao burnout, que mencionamos anteriormente, a qual se baseia na soma dos scores nos factores e no estabelecimento de intervalos para identificação destes níveis a partir da determinação dos percentis, de modo a obtermos uma classificação tripartida.

Desse modo, podemos dizer que nesta amostra o valor médio que obtemos para a depressão é de M = 2,76 pontos (SD = 3,07 pontos), que se situa abaixo do ponto médio da escala (que é de 10,5 pontos), encontrando-se a maioria dos inquiridos no nível que consideramos como “baixo” de depressão (91,8%), tendo em conta as pontuações obtidas com a aplicação do instrumento utilizado, embora 8,2% do total destes participantes apresente um nível médio ou elevado de depressão, conforme verificamos pelo quadro seguinte (vide quadro 2).

 

Material

Os instrumentos psicométricos que utilizamos são os seguintes: as “Escalas de Ansiedade, Depressão e Stresse” (EADS) de 21 itens, Lovibond e Lovibond (1995), na adaptação portuguesa efectuada por Pais Ribeiro, Honrado, e Leal (2004), em que trabalhamos especificamente a subescala da depressão; e o “Inventário de Burnout de Maslach”, na adaptação portuguesa para enfermeiros da “Maslach Burnout Inventory” (MBI) de Maslach e Jackson (1981), efectuada por Parreira e Sousa (2000).

No primeiro caso, relativo à EADS, podemos dizer que se trata de uma escala de tipo Lickert, com 21 itens, agrupados em três subescalas, respectivamente de ansiedade, de depressão e de stresse, de sete itens cada uma e com quatro pontos de gravidade ou de frequência, que variam entre 0 = “não se aplicou nada a mim”, e 3 = “aplicou-se a mim a maior parte das vezes” (Pais Ribeiro, Honrado, & Leal, 2004).

No segundo caso, relativo à MBI, podemos dizer que se trata de uma escala constituída por 22 itens e sete pontos numa escala temporal, que variam entre 0 = “Nunca” e 6 = “Todos os dias”, e permite a avaliação do burnout experimentado, aqui conceptualizado como variável continua, variando entre o nível baixo, médio, e alto, através da avaliação dos três factores ali considerados, que são os seguintes: a exaustão emocional, que significa estar emocionalmente esgotado e exausto com o trabalho; a despersonalização, que se traduz em respostas impessoais e frieza com os utentes/doentes; e a realização pessoal, ou seja, sentimentos a nível da competência e sucesso atingidos (Parreira & Sousa, 2000).

Todas as escalas apresentavam níveis de consistência interna (α) considerados adequados para medir as variáveis que pretendiam medir (α> 0,70, de acordo com Hill & Hill, 2002), sendo os valores que encontramos nestas escalas, respectivamente de: EADS – α= 0,916; MBI – α= 0,761.

Relativamente aos valores de consistência interna que verificamos neste estudo para as subescalas destas escalas, no que concerne à EADS, eles são adequados sendo os seguintes: subescala de Ansiedade – α= 0,764; subescala de Depressão – α= 0,812; e subescala de Stresse – α= 0,849. No que respeita à MBI, os valores de consistência interna das suas subescalas, que também podemos observar nesta pesquisa, e à excepção do valor da subescala de despersonalização, também são adequados, e são os seguintes: subescala de exaustão emocional – α= 0,888; subescala de despersonalização – α= 0,648; e subescala de realização pessoal – α= 0,780.

De referir que o valor relativamente baixo da subescala de despersonalização, na MBI, é recorrente noutros estudos onde esta mesma escala foi utilizada, de que destacamos os trabalhos de Borges et al. (2002), Pinto, Lima, e Silva (2003), e Murcho e Jesus (2007).

Tal como é referido por Borges et al. (2002), a baixa consistência do factor despersonalização pode estar relacionado com a situação de este factor ser o último a estabelecer-se no sindroma de burnout. Contudo, e uma vez que a MBI continua a ser a escala que é mais utilizada para medir este sindroma, tal como refere este último autor, iremos utilizá-la neste estudo, até mesmo porque, e não obstante esta fragilidade psicométrica: “o MBI é o questionário que melhor dá conta do carácter multidimensional do síndrome” (Borges et al., 2002, 195).

 

RESULTADOS

Para verificarmos se existem diferenças significativas nas relações de influência que ocorrem entre as variáveis depressão e burnout, fomos realizar diversas análises tipo predictor-critério, através de equações de regressão simples, onde consideramos como medida (variável dependente) o burnout, nas três dimensões (a exaustão emocional, a despersonalização e a realização pessoal), e como variável predictora a depressão, no sentido de conhecermos a influência que a depressão tem no burnout, assim como procedemos à análise de regressão múltipla, para analisarmos se a depressão é influenciada de igual modo, pelas três dimensões do burnout, considerando também as suas relações.

No que concerne às análises tipo predictor-critério, começamos por analisar a influência existente entre a depressão e a exaustão emocional, e conforme podemos observar no quadro 3, os resultados obtidos demonstram que a relação entre estas variáveis tem um nível de significância muito elevado (p <0,001), apresentando uma associação moderada (0,4 ≥r ≤0,69). Desse modo consideramos existir influência da depressão na exaustão emocional.

Quadro 3

Coeficientes beta (β) estandardizados obtidos através de equações de regressão simples, efectuadas entre a medida (burnout) e a depressão

 

Relativamente à relação existente entre a depressão e a despersonalização (vide quadro 3), verificamos que existe um nível de significância muito elevado, com uma associação moderada, pelo que a consideramos como sendo significativa, ou seja, que a depressão influencia a despersonalização.

No que concerne à relação entre a depressão e a realização pessoal, de acordo com o quadro 3, e apesar de esta apresentar um nível de significância também muito elevado, contudo tem uma associação baixa (r ≤3) que é negativa, pelo que a consideramos não significativa, inferindo daqui que a realização pessoal não é influenciada pela depressão.

Das análises tipo predictor-critério que efectuamos, no sentido de conhecermos se a depressão influência o burnout, nas suas três dimensões, podemos dizer que, e apesar termos encontrado uma relação de influência entre a depressão e as duas primeiras dimensões do burnout, a exaustão emocional e a despersonalização, não encontramos uma relação significativa entre a depressão e a realização pessoal (embora seja de se mencionar têm uma significância elevada e que o sentido da relação é negativo), o que nos leva a inferir que a depressão influencia de forma desigual o burnout, relativamente às suas três dimensões, ou seja, não existe uma influência completa entre a primeira e a segunda das variáveis em estudo.

Seguidamente, fomos procurar verificar se a depressão é influenciada de igual modo pelas três dimensões do burnout, considerando também as suas relações, procedemos à análise de regressão múltipla (vide quadro 4).

Quadro 4

Resultados obtidos nas equações de regressão múltipla, efectuadas entre a medida (depressão) e o burnout

 

Conforme verificamos da observação do quadro 4, podemos dizer que as três dimensões do burnout, explicam 31,3% da variabilidade da depressão, e que todas estas dimensões parecem contribuir significativamente para o surgimento de depressão, embora aquela que apresenta maior contribuição relativa para explicar o comportamento da depressão, seja a exaustão emocional (β= 0,426).

Assim podemos dizer que a depressão é influenciada de igual modo pelas três dimensões do burnout, o que nos leva a inferir que o burnout influencia a depressão.

Finalmente, quisemos ainda saber qual a associação existente entre as três dimensões do burnout, e entre estas dimensões e a depressão, mediante análise das correlações de Pearson existentes entre elas (vide quadro 5). Assim, encontramos correlações moderadas entre a depressão e as dimensões do burnout, exaustão emocional (r = 0,53, p <0,001) e despersonalização (r = 0,41, p <0,001), mas não em relação à realização pessoal (r = -0,26, p <0,001), em que a relação é fraca (r <0,3), se bem que do ponto de vista da significância os valores sejam todos muito significativos (p ≤0,001). Do mesmo modo, podemos constatar que as correlações existentes entre as dimensões do burnout, entre si mesmas, também se comportam do mesmo modo relativamente à realização pessoal, estabelecendo relações moderadas entre a exaustão emocional e a despersonalização (r = 0,58, p <0,001), mas não em relação à realização pessoal (em ambos os casos r <0,3), em que a relação existente é fraca, se bem que do ponto de vista da significância os valores continuem a ser todos muito significativos (p ≤0,001).

Quadro 5

Matriz de correlações entre a depressão e as dimensões do burnout (exaustão emocional, despersonalização e realização pessoal)

 

De referir também que o sentido das relações existentes entre a depressão, a exaustão emocional e a despersonalização com a realização pessoal, é negativo em todos os casos.

 

DISCUSSÃO

Das análises efectuadas, podemos então dizer que a depressão influencia da mesma forma as dimensões do burnout, exaustão emocional e despersonalização, embora não influencie de uma forma representativa a realização pessoal, o que nos leva a inferir que a depressão tem uma influência parcial no burnout. Por outro lado, o burnout parece influenciar a depressão, de uma forma global relativamente às suas três dimensões. Estes resultados estão de acordo com a literatura consultada, designadamente no que concerne à relação existente entre a depressão e o burnout, nas suas três dimensões, a exaustão emocional, a despersonalização e a realização pessoal, podendo dizermos que estes dois problemas são distintos, apesar de partilharem elementos comuns (Arice, Batista, Morais, Souza, & Reis, 2004; Batista, Morais, Carmo, Souza, & Cunha, 2005; Reime & Steiner, 2001, cit. Trigo, Teng, & Hallak, 2007; Vieira et al., 2006).

O facto de o sindroma de burnout, na globalidade das suas três dimensões, influenciar a depressão, leva-nos a sugerir que no contexto laboral os quadros depressivos podem ocorrer como uma manifestação deste sindroma, tal como é mencionado por autores como Schaufeli e Buunk (1996) ou Ballone (2002). Contudo, o inverso parece não ser evidente, pelo que não podemos dizer que o burnout ocorre como uma manifestação da depressão.

Assim podemos concluir que existe evidência de o sindroma de burnout e a depressão, serem constructos diferentes, apesar de apresentarem elementos comuns, designadamente a nível das duas primeiras dimensões deste sindroma, a exaustão emocional e a despersonalização, sendo essa diferença acentuada principalmente pela dimensão do burnout, realização pessoal.

Finalmente, de referir que apesar de termos cumprido os objectivos que delineamos para este estudo, que é o de investigarmos a relação existente entre a depressão e o burnout nas suas três dimensões, encontramos algumas limitações ao mesmo, as quais, entre outros aspectos, se prendem com o facto de ser uma amostra de conveniência, e de esta investigação incidir somente num grupo profissional, que é o dos enfermeiros. Sugerimos então a possibilidade de se replicar o mesmo estudo com outros grupos profissionais de áreas de trabalho distintas, como médicos, professores, membros de forças de autoridade, bombeiros, e pessoal administrativo, e com outras técnicas de amostragem (probabilísticas), no sentido de nos permitir um melhor conhecimento sobre a relação existente entre a depressão e o burnout, o que pensamos, poderá permitir o desenvolvimento de estratégias de prevenção em meio laboral da ocorrência de ambas as entidades, como da minimização dos seus efeitos, que sejam mais eficazes e adequadas aos diferentes contextos organizacionais.

 

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Recebido em 23 de Setembro de 2000/ Aceite em 2 de Junho de 2009

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