Services on Demand
Journal
Article
Indicators
- Cited by SciELO
- Access statistics
Related links
- Similars in SciELO
Share
Psicologia, Saúde & Doenças
Print version ISSN 1645-0086
Psic., Saúde & Doenças vol.11 no.1 Lisboa 2010
Relação terapêutica e adesão em doentes portadores da infecção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana(VIH)
Renata Margalho1, Rui Paixão2 & Marco Pereira3
1Departamento de Doenças Infecciosas, Hospitais da Universidade de Coimbra
2Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação. Universidade de Coimbra
3Instituto de Psicologia Cognitiva, Desenvolvimento Vocacional e Social. Universidade de Coimbra
Contactar para E-mail: renatamargalho@gmail.com
RESUMO: O objectivo do presente estudo é avaliar a influência da relação terapêutica no processo de adesão. A amostra é constituída por 81 doentes com média de idade de 38.7 anos, distribuídos em dois grupos: O grupo de doentes que definiu a relação terapêutica como sendo positiva e como sendo negativa. A maior proporção de doentes que não adere à medicação classificam a relação terapêutica como negativa. Ainda o grupo de doentes que percepciona a relação terapêutica como negativa apresenta índices elevados na dimensão hostilidade, em comparação com o grupo que caracteriza a relação terapêutica como sendo positiva. A adesão e a relação terapêutica são variáveis marcadas por um conjunto de elementos comuns, nomeadamente no que diz respeito às expectativas em relação à eficácia do tratamento e à percepção da competência do médico (onde se inclui o discurso claro e objectivo), entre outras. Estes parâmetros são, portanto, fulcrais, uma vez que contribuem para a implicação do doente no processo de tratamento
Palavras-chave: Adesão, HIV, Relação Terapêutica.
Therapeutical relatioship and adherrence in PLWHIV (People Living With HIV)
ABSTRACT: The aim of this study is assess therapeutic relationship influence in adherence behavior. Sample consisting in 81 patients with age average of 38.7 years old, distributed in 2 groups that characterize the relationship as positive and negative. The largest proportion of patients who has non adherence classifies the therapeutic relationship as negative. This group shows high levels in hostility dimension comparing with positive group. Adherence and therapeutic relationship are variables marked by common factors, especially treatment efficiency, physician competence and so on. Those factors contribute to patients involvement and proactive attitude.
Keywords: Adherence, HIV, Therapeutic Relationship.
O comportamento de adesão nos tratamentos anti-retrovíricos é um factor decisivo para o controlo da infecção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (VIH), sendo que uma toma de, pelo menos, 90 a 95% das doses é necessária para se conseguir a supressão do VIH abaixo do limiar de detecção (Lecour, Sarmento, & Castro, 2004).
A forma mais operacional de definir a adesão (do original em inglês, adherence), nas palavras de Tsasis (2001), é considerá-la como o comportamento do doente que cumpre o regime terapêutico prescrito ao nível da toma da medicação, e assumindo as consequências associadas, tais como alterações do estilo de vida e efeitos secundários. A adesão implica diversos factores, tais como competências ou dificuldades do doente para cumprir os regimes terapêuticos, tolerar a toxicidade dos mesmos e a percepção da validade do tratamento (Miller & Hays, 2000). A adesão é um comportamento mutifactorial, dinâmico e variável ao longo do tempo na medida em que está dependente de características do tratamento farmacológico, das características da doença, de factores psicossociais, da variabilidade individual, da relação terapêutica, e dos cuidados de saúde.
Inicialmente, a relação terapêutica foi representada num plano unilateral, considerando que o não cumprimento do doente era um sinónimo de comportamento desviante. Segundo esta perspectiva, a responsabilidade era totalmente incutida ao doente (Vincke & Bolton, 2002). Posteriormente, o conceito alterou-se, no sentido de garantir ao próprio doente um papel colaborante no processo de tratamento, passando a relação terapêutica a pressupor uma responsabilidade partilhada entre médico e doente (ibidem). Vários estudos consideram a relação terapêutica como uma das variáveis mais importantes no comportamento de adesão, na medida em que as atribuições relativas à eficácia do tratamento e a confiança na competência do médico são consideradas pelo doente como parte da justificação para o seu comportamento (Bakken, Holzemer, Brow, Cope, Turner et al., 2000; Roberts, 2003).
A relação terapêutica constitui-se como um modelo complexo, dependente de múltiplas variáveis, incluindo variáveis sociodemográficas como o género e idade. Neste último caso estão, por exemplo, as observações do aumento dos índices de satisfação nos doentes mais velhos e do sexo feminino (Bakken et al., 2000). Do mesmo modo, doentes com idades mais avançadas, com dificuldades económicas e sem actividade laboral, são quem parece valorizar mais a relação terapêutica, nomeadamente as dimensões relacionais, como a disponibilidade do médico, a facilidade na compreensão do discurso clínico e o apoio emocional (Bakken et al., 2000; Farber, Mirsalini,Williams, & McDaniel, 2003).
Num trabalho de Tsasis (2001) sobre a adesão à terapêutica anti-retrovírica, o autor sublinhou que o processo de adesão implica uma relação terapêutica ajustada, com processos de comunicação eficazes e integração do regime terapêutico nas rotinas de vida diária do doente. Outra característica considerada importante foi a clareza do discurso, isto porque permitia ao doente perceber como deve tomar adequadamente a medicação e facilitava o ajuste do sistema de crenças relacionadas com a saúde e o tratamento. O discurso objectivo e simplificado, entre técnico e doente, tem, segundo o mesmo autor, consequências bastante positivas para a adesão à terapêutica. Quando o doente compreende o seu processo de tratamento é o próprio compromisso do doente no processo de tratamento que é facilitado. Murphy e colaboradores (2000) pretenderam avaliar as estratégias para melhorar a adesão, incluindo a importância das barreiras que se colocam nesse processo. O objectivo do estudo centrou-se na prevenção dos comportamentos de abandono da medicação. De acordo com os autores, quando os doentes apresentam um sistema de crenças positivas relativas à eficácia da medicação, tais como bem-estar e qualidade de vida satisfatória, os níveis de adesão aumentam. Observaram, ainda, que os processos de comunicação médico-doente deveriam centrar-se, fundamentalmente, na importância da informação, na simplicidade do discurso e na natureza empática da relação terapêutica. Este comportamento implicava uma disponibilidade do médico para esclarecer as dúvidas, elucidar o doente sobre o porquê do início e manutenção do tratamento e, por fim, explanar as vantagens e desvantagens da prescrição medicamentosa e os ganhos terapêuticos do comportamento de adesão (Murphy et al., 2000).
A relação terapêutica é entendida como um problema comportamental que, associada a um modelo de decisão sobre a saúde, pode facilitar os processos de tomada de decisão, ou seja, pode facultar e coadjuvar o comportamento de adesão. Esta reestruturação deve centrar-se na análise das consequências do comportamento de não adesão, na avaliação dos ganhos e das desvantagens do cumprimento da prescrição e no aumento das expectativas de auto-eficácia do doente (Murphy et al., 2000; Vincke & Bolton, 2002).
Com o surgimento da terapêutica anti-retrovírica de alta eficácia (do original em inglês, Highly Active Antiretroviral Therapy - HAART) introduziram-se importantes alterações na história natural da infecção, e assistiu-se a uma diminuição gradual da mortalidade, aumento da esperança de vida, bem como da qualidade de vida destes doentes. De acordo com Roberts (2003), the patient satisfaction, communication, and consultation style are all factors in the doctor-patient relationship that directly affect patient adherence (p. 44). Este aspecto coloca em perspectiva a comodidade deste tipo de regime terapêutico, já que este tipo de regime se enquadra no âmbito dos tratamentos mais exigentes para os doentes e são os tratamentos de maior complexidade para o doente que também suscitam maior resistência ao seu cumprimento (Stone, Hogan, Schman, Rompalo, Howard et al., 2001).
A relação terapêutica, entendida pelo doente como de disponibilidade, o estádio da doença assintomático e o esquema terapêutico simplificado constituem variáveis facilitadoras de adesão (Aspeling & vanWick, 2008; Tsasis, 2001).Assim, neste contexto, o objectivo do presente estudo é avaliar a influência da relação terapêutica no processo de adesão, considerando como hipótese a valorização e caracterização da relação terapêutica positiva como agente facilitador desse processo (Chesney, 2003; Murphy et al., 2000; Roberts, 2000; Roberts, 2003; Vincke & Bolton, 2002).
MÉTODO
Participantes
A amostra total que sustenta o presente estudo empírico é constituída por 81 doentes (N = 81), 40 do sexo masculino e 41 do sexo feminino.Amédia de idade dos participantes é de 38.7 anos (DP = 10.9 anos; amplitude: 23-72), e são maioritariamente solteiros. A média de anos de escolaridade é de 8.7 anos (DP = 4.4 anos). A amostra total inclui 71 sujeitos (87.7%) caucasianos e 10 de raça negra (12.3%). Relativamente à variável emprego, 33.3%dos doentes estão desempregados, 30.9%trabalham em regime de full-time e 25.9% em part-time. Os doentes reformados constituem 9.9% da amostra. Face aos objectivos do presente estudo foram constituídos dois grupos: um grupo que caracterizou a relação terapêutica como positiva (Apositiva) e um grupo que a caracterizou como negativa (Anegativa). As características sociodemográficas dos dois grupos encontram-se descritas no Quadro 1.
Quadro 1
Características sócio-demográficas da amostra
Material
Do protocolo de avaliação faziam parte uma ficha de dados sociodemográficos, sócio-comunitários e uma grelha de informação clínica. Estas informações foram obtidas mediante entrevistas estruturadas com os doentes, através de informações prestadas pelos médicos assistentes e consulta dos processos clínicos. As dimensões estudadas incluíram dados sociodemográficos, sócio-comunitários, esquema farmacoterapêutico, relação terapêutica e dimensões psicopatológicas.
Em relação às variáveis sociodemográficas foram recolhidas informações relativas à idade, sexo, habilitações literárias, etnia, estado civil e situação profissional.
Relativamente às variáveis sócio-comunitárias foram avaliados os rendimentos mensais, apoio comunitário e suporte no cumprimento da medicação. Para efeitos comparativos, as variáveis apoio comunitário e suporte no cumprimento da medicação foram dicotomizadas em beneficia de apoio versus não beneficia de apoio e tem suporte no cumprimento da medicação versus não tem suporte no cumprimento da medicação, respectivamente.
Os esquemas farmacoterapêuticos foram avaliados mediante o registo por parte do doente, no decurso da entrevista, do tratamento farmacoterapêutico seguido e pela contagem do número de comprimidos esquecidos na última semana.
A relação terapêutica foi estudada segundo a classificação, realizada pelo paciente, da relação médico-doente. Esta classificação obedeceu ao preenchimento de uma escala tipo Likert, de cinco pontos, oscilando entre nada disponível (0) e extremamente disponível(4). Os resultados assim obtidos permitiram dividir os doentes nos dois grupos anteriormente mencionados, de acordo com o modo como classificaram a relação: grupo de pacientes que definiram a relação terapêutica como positiva (Apositiva); grupo de pacientes que definiram a relação terapêutica como negativa (Anegativa). A adesão terapêutica foi avaliada através do auto relato e do registo, do doente, relativamente ao esquema farmacoterapêutico. Deste modo, consideraram-se dois grupos: adere versus não adere.
Por fim, para a avaliação das dimensões psicopatológicas foi utilizada a versão portuguesa de Inventário de Sintomas Psicopatológicos (Brief Symptom Inventory BSI) (Canavarro, 1999). O BSI é um inventário de auto-resposta constituído por 53 itens, onde o indivíduo deverá classificar o grau em que cada problema o afectou durante a última semana, numa escala de tipo Likert, com cinco possibilidades de resposta, cotado desde Nunca (0) a Muitíssimas Vezes (4). O BSI avalia sintomatologia psicopatológica em termos de nove dimensões básicas de psicopatologia (Somatização; Obsessões-Compulsões; Sensibilidade Interpessoal; Depressão; Ansiedade; Hostilidade; Ansiedade Fóbica; Ideação Paranóide e Psicoticismo) e três índices globais: o Índice Geral de Sintomas (IGS); o Total de Sintomas Positivos (TSP); e o Índice de Sintomas Positivos (ISP). Este último índice é considerado por Canavarro (1999) como o melhor discriminador entre indivíduos da população geral e aqueles que apresentam perturbações emocionais.
Procedimentos
A recolha da amostra decorreu no Departamento de Doenças Infecciosas dos Hospitais da Universidade de Coimbra. Para a recolha de dados foi feito previamente um pedido de colaboração voluntária no estudo; explicada a natureza e os objectivos do estudo; garantida a confidencialidade e anonimato dos questionários; e assinada uma declaração de consentimento informado.
Foram consideradas como variáveis de inclusão no presente estudo: o diagnóstico de infecção porVIH, estar emfase assintomática, seguir uma prescrição de HAART há, pelo menos, 30 dias, estar em regime de tratamento ambulatório, ser de nacionalidade portuguesa e ter um nível de literacia suficiente para responder ao protocolo de avaliação. No que concerne às variáveis de exclusão foram consideradas as seguintes: a existência de perturbação psiquiátrica em fase activa, de demência ou outras perturbações de natureza cognitiva, consumo de substâncias psicoactivas e o regime de detenção judicial.
Tratamento estatístico dos dados
No presente estudo foram realizadas estatísticas descritivas e inferenciais. Numa primeira fase, para a caracterização sociodemográfica, sócio-comunitária e clínica da amostra e dos diferentes grupos que a compõem recorremos sobretudo à estatística descritiva: frequências, média (M), desvio-padrão (DP). Com o objectivo de averiguar a existência de diferenças entre os dois grupos de estudo, recorremos à estatística inferencial. Neste sentido, dado o N diferencial nos dois grupos de estudo (amostras independentes) optámos por testes não-paramétricos, nomeadamente o Teste de Mann-Whitney. Para comparação dos dados categorias recorremos ao teste do Qui-Quadrado (÷2). Nesta análise, e quando os dados diziam respeito a variáveis dicotómicas, recorreu-se ao Teste Exacto de Fisher.
Para a análise estatística dos dados utilizámos a versão 15.0 do programa SPSS (Statistical Package for the Social Sciences). Níveis de significação inferiores a .05 (p < .05) foram considerados como indicando diferenças (resultados) estatisticamente significativas.
RESULTADOS
Influência das variáveis sócio-comunitárias
Do ponto de vista das variáveis sócio-comunitárias, no grupoApositiva, destaca-se que 32.8% dos doentes têm um rendimento igual ou superior ao salário mínimo nacional, 39.3% rendimentos duas vezes igual ou superior ao salário mínimo nacional, 23% rendimentos inferiores ao salário mínimo nacional e 4.9% não têm rendimentos. Em relação ao apoio comunitário, 75.4% dos doentes referem não beneficiar de qualquer tipo de apoio. Dos restantes, cerca de 13.1% usufruem de apoio ao nível da alimentação, 3.3% de apoio ao nível do vestuário e 8.2% estão integrados em programas ocupacionais.
Relativamente às figuras de suporte descritas no apoio ao cumprimento do regime medicamentoso cerca de 14.8% indicam o companheiro(a), 31.1% a família e 4.9% refere os amigos. Sem qualquer suporte são referenciados 49.2% dos doentes.
Entre os 20 doentes que integram o grupo Anegativa verificou-se que 35% refere ter rendimentos iguais ou superiores ao salário mínimo nacional e 10%rendimentos duas vezes superiores, ou mais, ao salário mínimo nacional. Com uma percentagem mais significativa, 45% dos doentes referem ter rendimentos inferiores ao salário mínimo nacional e 10% não ter qualquer tipo de rendimento regular. Relativamente à variável apoio comunitário, 40% refere ter apoio na alimentação, 5% no vestuário, 15% beneficiam de programas ocupacionais e 40%não têm qualquer tipo de apoio. Na sua maioria, estes doentes referem não ter qualquer tipo de ajuda no cumprimento do regime farmacológico (80%). Dos restantes 20%, 10% referem o companheiro(a), 5% os amigos e 5% a família.
A análise comparativa entre os dois grupos de estudo revelou a existência de diferenças estatisticamente significativas nas variáveis apoio comunitário [÷2 (1, N = 81) = 6.868, p = .020] e suporte no cumprimento da medicação [÷2 (3, N = 81) = 5.830, p = .020]. A excepção registou-se na variável rendimentos mensais [÷2 (3, N = 81) = 7.272, p = .064].
Influência das variáveis clínicas
Sobre a informação descritiva das variáveis clínicas registamos que dos 61 doentes, que caracterizam a relação terapêutica como sendo positiva (Apositiva), a média de anos de infecção foi de 3.31 anos (DP = 2.07).Amaioria dos sujeitos deste grupo segue um esquema terapêutico não simplificado (51.7%), em comparação com os 46.7%de doentes que seguem um esquema terapêutico simplificado. Quanto à via de infecção observamos que a categoria sexual foi a mais expressiva, com 64.4% de doentes infectados, comparativamente com a outra via de infecção, sanguínea, com cerca de 35.6% de sujeitos.
Já entre o grupo que avaliou a relação terapêutica como negativa, a do tempo de infecção foi de 2.45 anos (DP = 1.46 anos); o tratamento farmacológico anti-retrovírico é simplificado em 44.4%dos doentes e não simplificado em 55.6%. O modo de contágio por via sexual verificou-se em 70% dos sujeitos e por via sanguínea em 30% dos doentes deste grupo.
Como se verificou anteriormente, a média de anos de infecção foi superior no grupo A positiva comparativamente ao grupo Anegativa. Esta diferença não foi, porém, estatisticamente significativa, embora o valor se encontrasse no limiar da significação (Mann-Whitney U = 44456.5000; p = .080). Em termos descritivos os valores evidenciam uma melhor percepção da relação terapêutica entre os pacientes com maior tempo de infecção.
Considerando o esquema terapêutico (simplificado versus não simplificado), a análise comparativa entre os grupos Apositiva e Anegativa evidenciou a inexistência de diferenças estatisticamente significativas [÷2 (1, N = 77) = 0.50, p = .823]. O mesmo aconteceu quando se considerou o tipo de transmissão (sexual versus sanguínea) nos dois grupos [÷2 (1, N = 79) = 2.08, p = .649].
Relação terapêutica e adesão terapêutica
De acordo com os objectivos do presente estudo, procurámos verificar a associação entre a avaliação pelos doentes da relação terapêutica e a adesão à medicação. As frequências e percentagens encontram-se descritas no Quadro 2. Pela leitura deste quadro é possível constatar que a maior proporção de doentes que não adere à medicação classificam a relação terapêutica como negativa (entre os 20 doentes que não aderem esta percentagem é de 85%).
Quadro 2
Relação terapêutica e adesão terapêutica
Comparação das dimensões psicopatológicas nos grupos de estudo
Em relação à sintomatologia psicopatológica, globalmente, não se verificaram diferenças estatisticamente significativas entre os gruposApositiva eAnegativa (cf. Quadro 3). A única excepção verificou-se na dimensão do BSI Hostilidade [Mann-Whitney U = 417.500, p = .035]. Neste caso, observou-se que o grupo de doentes que percepciona a relação terapêutica como negativa apresenta índices mais elevados nesta dimensão, em comparação com o grupo que caracteriza a relação terapêutica como positiva.
Quadro 3
Comparação da sintomatologia psicopatológica entre o grupo Apositiva e Anegativa
De assinalar que nos dois grupos o valor do ISP ultrapassou o valor 1.7 (MApositiva = 2.10; M Anegativa = 2.11), que constitui o ponto de corte do BSI (cf. Canavarro, 1999), e acima do qual existe uma maior possibilidade de encontrar pessoas perturbadas emocionalmente.
DISCUSSÃO
Um dos aspectos focados neste estudo foi a relação entre comportamento de adesão e relação médico-paciente, grupos Apositiva e Anegativa. Neste caso, verifica-se a existência de uma associação entre estes dois tipos de variáveis: os doentes seropositivos que classificam a relação terapêutica como positiva tendem a manifestar um maior comportamento de adesão, ao contrário daquilo que acontece com os pacientes que classificam a relação terapêutica como negativa. Estes dados vêm ao encontro daquilo que tem sido verificado noutros estudos empíricos (Chesney, 2003; Murphy et al., 2000; Roberts, 2000; Roberts, 2003; Vincke & Bolton, 2002.
A adesão e a relação terapêutica são variáveis marcadas por um conjunto de elementos comuns, nomeadamente no que diz respeito às expectativas em relação à eficácia do tratamento e à percepção da competência do médico (onde se inclui o discurso claro e objectivo), entre outras. Estes parâmetros são, portanto, fulcrais, uma vez que contribuem para a implicação do doente no processo de tratamento (Murphy et al., 2000; Vincke & Bolton, 2002).
Os pressupostos relacionais, entre médico e doente, enquanto dimensões comportamentais, facilitam os processos de tomada de decisão, incluindo o cumprimento da prescrição medicamentosa. O doente, ao considerar-se como parte integrante do seu próprio tratamento, consegue manter e maximizar comportamentos ajustados, aumentar expectativas de auto-eficácia e desenvolver respostas mais adaptadas às vivências emocionais causadas pela situação de doença (Murphy et al., 2000; Vincke & Bolton, 2002).
De acordo com a literatura, a não adesão ao tratamento está correlacionada com a má relação terapêutica, o abuso de álcool, a toxicodependência, a doença mental e o nível sociocultural baixo (Murphy et al., 2000; Roberts, 2000; Sarmento e Castro, 2004; Wagner et al., 2003). Em contrapartida, o comportamento de adesão está associado a uma rede de suporte pessoal e social ajustado, nível de escolaridade elevado, idade mais avançada, melhor funcionamento socio-ocupacional, relação terapêutica positiva (marcada, fundamentalmente, pela percepção do doente de que o médico é alguém disponível), e maior tempo de doença (Boyle, 2000; Elliot et al., 2002; Miller & Hays, 2000; Penedo et al., 2003; Spire et al., 2002; Tsasis 2001; Vincke & Bolton, 2002). Assim, tendo em conta a noção de complexidade que estrutura a terapêutica anti-retrovírica e que vários factores podem influir negativamente na adesão à terapêutica, torna-se central que também estes factores devam ser avaliados antes de se iniciar a terapêutica anti-retrovírica e monitorizados durante o tratamento.
No presente estudo empírico os doentes que caracterizam a relação terapêutica como disponível e positiva são aqueles que apresentam um maior tempo de infecção. Estes doentes apresentam, também, um conjunto de respostas adaptativas baseadas em experiências prévias, factores situacionais, ambientais e pessoais. Quanto maior o tempo de infecção, maiores e melhores são as capacidades dos doentes em lidar, de forma adaptativa, com a doença. Estes doentes demonstram uma maior percepção de autocontrolo sobre a ideia de doença, capacidades inter-relacionais adequadas, menos sintomas depressivos e ansiosos, estilos de vida saudáveis e capacidades ocupacionais (Kenneth & Judith, 1998).Aadaptação à doença parece, portanto, não depender apenas da percepção, real ou enviesada, da infecção por VIH, mas sim de um somatório de recursos que contribuem para reagir e lidar com a doença.
De acordo com alguns autores os doentes que têm uma maior percepção de autocontrolo sobre a infecção VIH, são os que apresentam maior longevidade e consequente menor progressão da doença (Zaleski, 2000). Inclusivamente, a percepção de auto-controlo, no sentido de um optimismo, parece ser psicologicamente adaptativo, contribuindo para a manutenção e/ou aumento da adesão à terapêutica, adaptação de hábitos de vida saudáveis e funcionamento global ajustado.
REFERÊNCIAS
Aspeling, H. E., & van Wyk, N. C. (2008). Factors associated with adherence to antiretroviral therapy for the treatment of HIV-infected women attending an urban care facility. International Journal of Clinical Practice, 14, 3-10.
Bakken, S., Holzemer, W., Brow, M., Cope, G., Turner, J., Inouye, J., et al. (2000). Relationship between perception of engagement with health care provider and demographic characteristics, health status, and adherence to therapeutic regimen in persons with HIV/Aids. Aids Patient Care and STDs, 14(4), 189-197.
Canavarro, M. C. (1999). Inventário de Sintomas Breves BSI. In M. R. Simões, M. M. Gonçalves, & L. Almeida (Eds.), Testes e provas psicológicas em Portugal (pp. 95-109). Braga: SHO/APPORT.
Chesney, M. (2003). Adherence to HAART regims. Aids Patient Care and STDs, 17(4), 169-177.
Farber, E.W., Mirsalini, H.,Williams, K. A., & McDaniel, S. (2003). Relationship between meaning of illness and psychological adjustment in HIV. Psychossomatics, 44, 485-491.
Lecour, H., Sarmento, & Castro, R. (2004). Infecção VIH/ Sida: 2º curso de pós-graduação. Colectânea de textos. Glaxo Smith Kline
Miller, L. G., & Hays, R. D. (2000).Adherence to combination antiretroviral therapy: Synthesis of the literature and clinical implications. Aids Read, 10(3), 177-185.
Murphy, D., Roberts, K.,Martin, D.,Marelich, D.,Marelich,W., & Hoffman, D. (2000). Barriers to antiretroviral adherence among HIV infected adults. Aids Patient Care and STDs, 14(1), 47-58.
Remor, E., Carrobles, J. A., Arranz, P., Martinez-Donate, A., & Ulla, S. (2001). Ansiedade y percepcion de control en la infeccion por VIH y Sida. Psicologia Conductual, 9, 323-336. [ Links ]
Roberts, K. J. (2000). Physician beliefs about antiretroviral adherence communication. Aids Patient care and TDs, 14(9), 477-484.
Roberts, K. J. (2003). Physician-patient relationships, patients satisfaction, and antiretroviral medication adherence among HIV infected adults attending a public health clinic. Aids Patient care and STDs, 16(1), 43-50.
Stone, V., Hogan, J., Schman, P., Rompalo, A., Howard, A., Korsontzelow, C., & Smith, D. (2001). Antiretroviral regimen complexity, self-reported adherence, and HIV patients understanding of their regimens; survey of women in the HER study. Journal of Acquired Immune Deficiency Syndrome, 28, 124-131.
Taylor, S. E., & Brown, J. D. (1998). Illusions and well being: A social psychological perspective on mental health. Psychological Bulletin, 103, 193-210.
Tsasis, P. (2001).Adherence assessment to highly active antiretroviral therapy. Aids Patient Care and STDs, 15(3), 109-115.
Vincke, J., & Bolton, R. (2002). Therapy adherence and highly active antiretroviral therapy: comparison of three sources of information. Aids Patient Care and STDs, 16(10), 487-495.
Zaleski, H. (2000). Individual change in depression, perceived control, and immune functioning in person living withAIDS. Dissertation Abstracts International: section B: The Sciences and Engineering, 61-68.
Recebido em 16 de Dezembro de 2008/ Aceite em 24 de Outubro de 2009