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Psicologia, Saúde & Doenças

versión impresa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças v.12 n.1 Lisboa  2011

 

Qualidade de vida e indicadores de ansiedade e depressão de pacientes com cancro colo-rectal

Elisa Kern de Castro1, Alice Scorza1, & Carolina Chem2

 

1 Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Brasil

2 Hospital Santa Rita, Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, Brasil

 

Contactar para E-mail: elisa.kerndecastro@gmail.com

 

RESUMO

Objetivo: examinar a qualidade de vida e indicadores de ansiedade e depressão de pacientes com cancro colo-rectal. Participantes: 29 pacientes, com idade média de 43,86 (DP=13,15) anos. Instrumentos: Questionário de dados biossociodemográficos, WHOQol-breve e Questionário de Saúde Geral de Goldberg –12. Resultados: Pacientes que realizaram quimioterapia apresentaram melhor qualidade de vida total (U = 51.000, p<0,05), física (t = 45.500, p<0,01), e ambiental (U=56.000, p<0,05) que os pacientes que não realizaram esse tipo de tratamento. Igualmente, pacientes que realizaram radioterapia demonstraram maior qualidade de vida na dimensão física (U=60.500, p<0,05). Não foram encontradas diferenças significativas na qualidade de vida e indicadores de ansiedade e depressão entre pacientes que usavam ou não saco de colostomia. Conclusão: a qualidade de vida pode estar associada ao tipo de tratamento realizado para o tratamento do cancro colo-rectal.

Palavras-chave: ansiedade, cancro colo-rectal, depressão, qualidade de vida.

 

Quality of life, anxiety and depression indicators in patients with colorectal cancer

ABSTRACT

Purpose: to examine quality of life, anxiety and depression indicators of patient with colorectal cancer. Participants: 29 patients, mean age 43,86 (SD=13,15) years. Instruments: Biosociodemographic questionnaire, WHOQol-bref and Goldberg General Health Questionnaire-12. Results: Patients who had undergone chemotherapy showed better total quality of life (U = 51.000, p<0,05) and physical (t = 45.500, p<0,01), and environment dimensions (U=56.000, p<0,05). Also, patients who had undergone radiotherapy demonstrated better physical (U=60.500, p<0,05) quality of life. There were no significant differences between patients with and without colostomy bag. Conclusion: quality of life is related with type of colorectal cancer treatment.

Keywords: anxiety, colorectal cancer, depression, quality of life.

 

O cancro é uma doença originada do crescimento de células malignas que invadem os tecidos e órgãos, podendo espalhar-se (metástase) para outras regiões do corpo (INCA 2009). O cancro colo-rectal é um tipo de cancro que inclui tumores que atingem o cólon (intestino grosso) e o recto. Os cólons recebem os restos do alimento digerido do intestino delgado e os eliminam na forma de fezes pelo ânus. Tanto homens como mulheres são igualmente afetados, sendo uma doença tratável e, freqüentemente, curável quando localizada no intestino e sem extensão para outros órgãos.

Em termos de incidência, o cancro colo-rectal é a terceira causa mais comum de cancro no mundo entre homens e mulheres, e a segunda causa em países desenvolvidos (INCA, 2009). A sobrevida média global em cinco anos varia entre 40 a 50%, não sendo observadas grandes diferenças entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento.

O tratamento do cancro colo-rectal pode ser feito através de quimioterapia, medicação, radioterapia ou cirurgia (Anjos & Zago, 2006). A cirurgia e a radioterapia são consideradas tratamentos locais, enquanto a quimioterapia e a terapia com agentes biológicos (como hormonas, anticorpos ou fatores de crescimento) são tratamentos sistêmicos. Para Bonassa (1996) a quimioterapia é considerada o tratamento mais difícil, pois interfere no processo de crescimento e divisão celular, destruindo as células tumorais, mas também agredindo as células normais. O paciente em tratamento de quimioterapia sofre de intensos efeitos colaterais (cansaço, náuseas, baixa imunidade, etc.), porém a perspectiva de que há tratamento para sua doença faz com que ele possa visualizá-la como recurso de vida para o caminho de cura. O acompanhamento contínuo dos pacientes para esclarecimento de dúvidas ou reforço das orientações sobre o tratamento de quimioterapia evita o agravamento de efeitos colaterais, melhorando a qualidade de vida e a aderência ao tratamento (Almeida, Gutierrez, & Adami, 2004). Segundo Lima Junior, Ferrino, Salvajoli, David Filho, Rossi, e Lopes (2001) e Nakamura, Ferrino, Salvajoli, Nishimoto, David Filho, e Lopes (2005), tratamentos como a radioterapia e a quimioterapia realizadas em conjunto oferecem uma chance real ao paciente de cura e preservação da função esfincteriana, evitando o uso do saco de colostomia.

A colostomia é um procedimento cirúrgico onde se faz uma abertura no abdômen (estoma) para a drenagem fecal provenientes do intestino grosso (cólon), feita geralmente após a ressecção intestinal. Essa cirurgia é feita em casos em que parte inferior do intestino grosso, o recto ou o ânus está impossibilitado de funcionar normalmente, como em alguns casos de cancro colo-rectal (Sonobe, Barrichello, & Zago, 2002). Esta abertura será o local por onde sairão as fezes que, por sua vez, serão armazenadas em um saco de colostomia, que é conectada na pele ao redor do estoma por meio de uma barreira adesiva especial. O saco coleta as fezes do estoma e proporciona proteção adequada, desde que colocada corretamente .

Existem dois tipos de colostomia: temporária e definitiva. A colostomia temporária tem como objetivo a exclusão total do trânsito fecal, a fim de evitar a contaminação dos tecidos adjacentes pelo extravasamento de fezes e permitir condições locais para a cicatrização completa da lesão (C arreiro , Silva , & Abrantes, 2000) , o que ocorre normalmente no período entre três a seis meses. Após este período de recuperação, o intestino é reconectado, o estoma é fechado e o paciente volta a evacuar normalmente. Já a colostomia definitiva é realizada quando a parte inferior do intestino grosso, o recto ou o ânus está impossibilitada de funcionar, sendo necessário o uso definitivo do saco (Sonobe, Barrichello, & Zago, 2002).

O paciente ostomizado por cancro tem que enfrentar dois desafios: a doença e a ostomia (Wanderbrooke, 1998). Essa situação implica em sofrimento, dor, deterioração do corpo, incertezas quanto ao futuro, medo da rejeição social etc. Para Cascais, Martini, e Almeida (2007), as perdas que esses pacientes sofrem são: perda de um órgão altamente valorizado e a conseqüente privação do controle fecal e de eliminação de gases; perda de auto-estima e auto-conceito; alteração de sua imagem corporal; perda do seu status social devido ao isolamento inicial imposto pela própria pessoa ostomizada etc. Sentimentos de inutilidade, depressão, desgosto, ódio, repulsa e não aceitação da doença podem aparecer e dificultar, inclusive, as relações familiares do paciente. Ainda podem ocorrer alterações na vida sexual do doente, tais como: diminuição ou perda da libido, impotência (relacionadas com a alteração da imagem do corpo) e a conseqüente diminuição da auto-estima, bem como de preocupações relacionadas com a eliminação de odores e fezes durante a relação sexual.

Diante dos diferentes tratamentos e inovações cientificas para o tratamento do cancro, torna-se importante não separar o sofrimento físico do psíquico. Segundo Carvalho (2003), identificar o papel dos aspectos psicológicos relacionados a uma doença como o cancro é importante para a sua prevenção e reabilitação. O desafio de enfrentar a doença e seu tratamento são elementos-chaves e determinantes de muitos aspectos da qualidade de vida do ostomizado, nas diversas fases de seu processo de reabilitação (Michelone & Santos, 2004). A ostomia possibilita a sobrevida da pessoa acometida por cancro colo-rectal, mas para o portador de colostomia, pode torna-se um problema (Maruyama & Zago, 2005).

A qualidade de vida, definida pela Organização Mundial de Saúde como “a percepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações” (Conde, Pinto-Neto, Júnior, & Aldrighi, 2006, p. 2), é importante ser avaliada em pacientes com cancro. No âmbito da saúde, a qualidade de vida é aspecto que deve ser avaliado para o atendimento integral ao paciente (Bertan & Castro, 2009).

O diagnóstico de cancro geralmente representa uma sobrecarga emocional para o paciente e sua família, pois apesar dos índices de sobrevivência estar em aumento, o cancro ainda é visto como sinônimo de morte, sofrimento, dor. O diagnóstico de uma doença crônica é sempre um fator de ruptura, de perdas e de intensa desorganização psicológica (Moretto, 2003). Segundo Kovács (1992), o diagnóstico do cancro, muitas vezes, equivale a uma sentença de morte. O cancro causa um grande dano psicológico, pois o paciente se vê diante da possibilidade da morte, com sintomas aversivos, perda das habilidades funcionais, vocacionais, frustração e incerteza quanto ao futuro.

Na trajetória de um indivíduo com cancro, a ansiedade e a depressão reativas à enfermidade manifestam-se desde o diagnóstico até o fim do tratamento (Magalhães Filho, Segurado, Marcolino, & Mathias, 2006). Esses sintomas são os distúrbios psiquiátricos mais associados às doenças físicas, como o câncer (Brown, Kroenke, Theobald, Wu, & Tu, 2009; Osborn, Demoncata, & Feijerstein, 2006).

A ansiedade é um mal-estar que está ligado a sentimentos de medo, tensão e perigo. Pode ser desencadeada quando o paciente está em contato com algo novo ou com situações inesperadas ou desconhecidas (Bergeret, 2006). Os sintomas são os mais diversos: taquicardia, tremores, tensão muscular, aumento do desejo de urinar e defecar, cefaléia, dor no estômago, entre outros. A ansiedade tem sido associada a piores resultados em qualidade de vida, especialmente nas dimensões psicológica e social, em pacientes sem doenças crônicas físicas (Olatunji, Cisler, & Tolin, 2007).

Conforme o DSM-IV-TR (2002), a depressão é caracterizada por um estado alterado do humor em um determinado período de tempo, sendo uma alteração orgânica e psicológica, com conseqüentes alterações comportamentais e maneira de ver a vida e se posicionar frente a ela. Seus sintomas variam desde as sensações de tristeza e pensamentos negativos até alterações da sensação corporal como dores e enjôos, perda de interesse nas atividades cotidianas, insônia, entre outros.

O reconhecimento ativo e o tratamento agressivo dos quadros depressivos e ansiosos nos portadores de cancro é, portanto, parte essencial da correta abordagem dos pacientes (Raison & Miller, 2003). A ansiedade e a depressão estão fortemente associadas à saúde mental de pacientes com câncer (Brown et al., 2009). A depressão, em especial, possui um efeito negativo importante em vários domínios da qualidade de vida desses pacientes (Brown et al., 2009), e tem sido considerada um preditor importante dos níveis de mortalidade desses pacientes, mesmo quando variáveis da doença e do tratamento são controladas (Pinquart & Duberstein, 2010). Portanto, a avaliação da ansiedade e da depressão deveria ser rotina nos hospitais, assim como seu tratamento, uma vez que tem sido documentada na literatura a efetividade de intervenções psicológicas cognitivo-comportamentais na redução dos seus sintomas em pacientes com câncer (Osbron, Demoncada, & Feijerstein, 2006).

Sendo o cancro colo-rectal uma doença crônica na qual o paciente, desde o diagnóstico até a cura ou a morte, passa por diferentes níveis de adaptação física e psicológica, este estudo teve como objetivo examinar a qualidade de vida e indicadores de ansiedade e depressão de pacientes com cancro colo-rectal. Além disso, buscou comparar a qualidade de vida e os indicadores de ansiedade e depressão entre aqueles pacientes que usaram ou não saco de colostomia, fizeram ou não quimioterapia e radioterapia.

 

MÉTODO

Participantes

Participaram desse estudo 29 pacientes com cancro colo-rectal, adultos com idades entre vinte e sete e setenta e oito anos e que estavam vinculados ao Hospital Santa Rita do Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre para tratamento. A escolha da amostra ocorreu por conveniência entre os pacientes que tinham consulta médica nos dias em que os dados foram coletados. A tabela 1 e 2 mostram as principais características da amostra.

 

Tabela 1

Dados sócio-demográficos e clínicos

 

Tabela 2

Dados sócio-demográficos e clínicos

 

Medidas

Instrumento de Avaliação da Qualidade de Vida da Organização Mundial da Saúde – versão breve (WHOQol-breve) (Fleck et al., 2000)

E um instrumento desenvolvido pela OMS que objetiva avaliar a qualidade de vida em diferentes culturas. A versão breve do questionário contém 26 itens e deriva da versão original de 100 itens (Fleck et al, 2000). As versões em português do Brasil de ambos os instrumentos foram desenvolvidas no Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da UFRGS. O WHOQol-breve consta de duas questões gerais e de 24 questões que compõem cada uma das 24 facetas que compõem o instrumento original. Os quatro domínios do instrumento são: físico, psicológico, relações sociais e meio-ambiente. Para cada questão existem 5 graus de intensidade e o paciente escolhe uma delas. Quanto à consistência interna, os valores alpha de Cronbach das 26 questões no estudo de validação foi de 0,91 com pacientes adultos. No presente estudo, o alpha encontrado foi aceitável, de 0,70.

Questionário de Saúde Geral de Goldberg – GSG-12 (Goldberg, 1978; Gouveia, Chaves, Oliveira, Dias, Gouveia, & Andrade, 2003)

Consta de uma série de 12 afirmações sobre o estado de saúde das pessoas em geral e objetiva identificar doenças psiquiátricas não graves. O estudo de validação do instrumento de 12 itens no Brasil mostrou que sua estrutura é bifatorial, ou seja, que mede a ansiedade e a depressão (Gouveia et al., 2003). A tarefa do indivíduo consiste em dizer se as afirmações se aplicam ou não a ele. O QSG-12 é uma versão curta do instrumento, derivada da escala original que consiste em 60 itens. O estudo de Gouveia et al. (2003) verificou alpha de Cronbach para depressão de 0,81 e para ansiedade de 0,66, com índice geral de saúde mental (modelo unifatorial) de 0,84. Nessa pesquisa, o alpha para depressão foi de 0,65 e para depressão foi de 0,61.

Procedimentos

A pesquisa é de abordagem transversal e de comparação de grupos (Nachmias & Nachmias, 1996). Os pacientes faziam parte de um estudo maior que avaliou a qualidade de vida e aspectos psicológicos de cento e noventa pacientes com diferentes tipos de cancro. Inicialmente, foi contatada a psicóloga responsável do hospital e a equipe de Proctologia para apresentação do projeto e averiguação da possibilidade de desenvolvê-lo junto à instituição. Em seguida, o projeto foi submetido à avaliação do comitê de ética do Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre. O Hospital Santa Rita, local onde foram recrutados os pacientes, é um hospital especializado em oncologia e é referência no tratamento desse tipo de pacientes na região sul do Brasil.

A aplicação dos instrumentos ocorreu no próprio hospital, em uma sala de atendimento do serviço de psicologia. O convite para participar da investigação era feito no ambulatório após a consulta médica de rotina dos pacientes, em um ambiente reservado e propício à coleta de dados. Explicavam-se inicialmente os objetivos da pesquisa e solicitava-se ao paciente a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Todos os pacientes estavam cientes dos riscos e benefícios de participação no estudo.

Análise dos dados

Optou-se pela utilização de estatística não paramétrica em função do número de participantes no estudo (n=29). Primeiramente foi realizada análise de correlação de Spearman entre as variáveis qualidade de vida total e suas dimensões (física, psicológica, social e ambiental) e indicadores de ansiedade e depressão. Posteriormente, utilizou-se o teste U de Mann-Whitney para examinar possíveis diferenças entre subgrupos da amostra: pacientes com saco de colostomia x sem saco de colostomia, pacientes que foram submetidos ou não à quimioterapia, e pacientes que foram submetidos ou não à radioterapia. Foi estabelecido como resultado significativo o valor de p<0,05.

 

RESULTADOS

Inicialmente, realizou-se análise de correlação de Spearman para examinar as associações existentes entre as variáveis qualidade de vida e suas dimensões e indicadores de ansiedade e depressão. Verifica-se na tabela 3 que a qualidade de vida total e a dimensão psicológica tiveram correlações significativas e negativas com os indicadores de ansiedade. A qualidade de vida total e as dimensões física, psicológica e meio-ambiente também apresentaram correlações negativas e significativas com os indicadores de depressão. Esses resultados mostram que, quanto maior os indicadores de ansiedade e depressão, menor a qualidade de vida total e nas dimensões citadas.

 

Tabela 3

Correlação de Spearman entre qualidade de vida e suas dimensões e os indicadores de ansiedade e depressão

 

Em seguida, foi realizado o teste não paramétrico de Mann-Whitney para examinar possíveis diferenças na qualidade de vida e suas dimensões e indicadores de ansiedade e depressão entre pacientes que usam saco e não usam saco de colostomia. Não foram encontrados significativos nos grupos analisados.

Igualmente, realizou-se o teste de Mann-Whitney para comparar os resultados da qualidade de vida e suas dimensões e indicadores de ansiedade e depressão entre os pacientes que fizeram e não fizeram quimioterapia (ver tabela 4). Observou-se que os pacientes que fizeram o tratamento de quimioterapia apresentaram melhor qualidade de vida total (U=51.000, p<0,05), física (U=45.500, p<0,01), e ambiental (U=53.000, p<0,05) de maneira significativa que os pacientes que não realizaram esse tipo de tratamento.

 

Tabela 4

Rank, valor de U (teste de Mann-Whitney), e nível de significância da comparação dos pacientes que realizaram e não realizaram quimioterapia.

 

Por fim, dividiram-se esses pacientes em grupos entre os que fizeram e não fizeram radioterapia. Observou-se que os pacientes que se submeteram ao tratamento de radioterapia apresentaram melhor qualidade de vida física de maneira significativa (U=60.500, p<0,05) que os demais pacientes.

 

DISCUSSÃO

O objetivo do presente estudo foi examinar a qualidade de vida e indicadores de ansiedade e depressão de pacientes com cancro colo-rectal. Por ser um tipo de cancro bastamte prevalente e que, em muitos casos, é necessário, além do tratamento tradicional para o cancro (cirurgia, quimioterapia, radioterapia), o uso de saco de colostomia, torna-se necessário investigar suas percepções sobre sua qualidade de vida e indicadores de possíveis transtornos psicopatológicos, como ansiedade e depressão. Especialmente nos casos em que o uso do saco de colostomia é definitivo, o funcionamento dos esfíncteres fica comprometido para o resto da vida, o que pode limitar a vida do paciente.

Na presente investigação, não foram observadas diferenças significativas na qualidade de vida e nos indicadores de ansiedade e depressão entre pacientes com e sem saco de colostomia. Apesar da limitação que esse procedimento gera para o controle esfincteriano desses pacientes, necessitando cuidados no seu manuseio para evitar infecções, a colostomia pode ser vista como algo positivo do tratamento para o cancro. Conforme Faria, Gomes e Zappas (2004) e Sonobe, Barrichello e Zago (2002), inicialmente o paciente pode entender o uso do saco de colostomia como algo que o limita, sendo de fundamental importância nesses casos que elabore o luto da perda de suas funções esfincterianas normais para encontrar forças para aceitar sua condição e trabalhar as suas perspectivas futuras. Quando a aceitação ocorre, o saco de colostomia pode ser visto como um recurso de vida e não de morte, uma vez que possibilitou a sua sobrevivência frente ao cancro. Assim, a resolução das dificuldades decorrentes do uso do saco de colostomia depende dos recursos internos do paciente e do apoio social fornecido pela sua família, pelos profissionais e pela estrutura de atendimento oferecido, o que pode ter relação direta na sua qualidade de vida (Sonobe, Barrichello , & Zago, 2002). Mesmo enfrentando adaptação ao estoma, o sujeito consegue vislumbrar uma expectativa positiva em relação a sua nova condição de vida já que o tratamento para a sua doença está sendo realizado.

Outro tratamento bastante frequentemente para pacientes com cancro colo-rectal é a quimioterapia. Devido a seus intensos efeitos colaterais e à mudança na auto-imagem que traz com a perda dos cabelos, a aparência frágil e o emagrecimento, pode ser um fator agravante do estado de saúde do paciente com cancro (Roque & Forones, 2006). No entanto, os resultados apresentados aqui indicaram que pacientes que realizaram a quimioterapia têm melhor qualidade de vida total e nas dimensões física e ambiental. Conforme Machado e Sawada (2008), no início do tratamento de quimioterapia é mais comum que os pacientes apresentem desgaste físico, emocional, cognitivo e social e piora dos sintomas como fadiga, náuseas e vômitos, dor, insônia, perda de apetite, diarréia. Contudo, após os três meses de tratamento, os pacientes começam a perceber os benefícios da quimioterapia para a sua saúde, o que faria aumentar sua qualidade de vida. Além disso, outra explicação alternativa poderia ser a de que os pacientes que não passaram por esse tratamento, ao não sofrer as conseqüências que estão relacionadas ao estereótipo do paciente oncológico (magreza, perda do cabelo, etc.), estejam menos seguros de que seu cancro esteja sendo tratado adequadamente, ficando a dúvida se deveriam fazer a quimioterapia para ter a certeza de que tudo o necessário está sendo feito.

Chama à atenção, também, a ausência de diferenças significativas nos indicadores de ansiedade e depressão de pacientes que foram submetidos à quimioterapia. De acordo com Caplette-Gingras e Savard (2008), a quimioterapia, ao alterar drasticamente a imagem do paciente, pode ser um fator de risco para depressão em pacientes com cancro. Assim, partir dessa constatação, é possível afirmar que esses pacientes, apesar de travarem uma luta diária contra o cancro e de sofrerem as conseqüências do tratamento de quimioterapia, percebem suas vidas de formam positiva, afastando, também, possíveis indicadores de psicopatologia como ansiedade e depressão.

Em relação à radioterapia, observou-se também que os pacientes que passaram por esse tipo de tratamento apresentaram melhores resultados nas dimensões física da qualidade de vida. Segundo Lorencetti e Simonetti (2005), o paciente que faz radioterapia, ao longo do seu tratamento, adquire mais confiança de que o mesmo está sendo feito corretamente. Também é possível pensar que, na medida em que a radioterapia é um tratamento que alivia os sintomas de dor de pacientes com cancro (INCA 2009), essa pode ser a razão pela qual esses pacientes demonstraram melhor qualidade de vida.

A partir dos resultados desse estudo, ressaltamos que a percepção dos pacientes com cancro colo-rectal sobre sua qualidade de vida pode estar relacionada com o tipo de tratamento realizado, em especial a quimioterapia e a radioterapia. Assim, é importante que o paciente tenha compreendido claramente a sua doença e o objetivo de cada tratamento a que deve ser submetido, para que tenha expectativas realistas sobre o mesmo e consiga ter uma qualidade de vida satisfatória dentro de suas limitações. No momento em que os pacientes se apropriam destas informações, podem modificar seus pensamentos e atitudes frente à vida, à doença, ao tratamento e à necessidade do uso do saco de colostomia.

Podemos considerar uma limitação da presente pesquisa o número reduzido de participantes. Talvez por esse motivo não tenha sido possível detectar possíveis diferenças na qualidade de vida e indicadores de ansiedade e depressão entre pacientes com e sem saco de colostomia, ou com uso de saco de colostomia definitiva e temporária. Contudo, por ter sido realizado com um grupo específico de pacientes oncológicos (cancro colo-rectal), essa limitação é relativa.

Os resultados dessa investigação dão informações importantes sobre aspectos da doença e do tratamento que se relacionam com a qualidade de vida de pacientes com cancro colo-rectal. Assim, é fundamental que esses pacientes sejam acompanhados por uma equipe multiprofissional que esteja atenta aos vários aspectos relacionados à sua qualidade de vida e a possíveis indicadores de transtornos psicopatológicos. Os resultados obtidos dessa pesquisa poderão ajudar profissionais da saúde no estabelecimento de prioridades e intervenções com esses pacientes; auxiliando no manejo dos pacientes na medida em que podemos afirmar que o tratamento agressivo ao que o paciente com cancro colo-rectal é submetido pode ser entendido por ele como algo positivo e que lhe trouxe de volta a vida.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em 14 de Setembro de 2009/ Aceite em 12 de Outubro de 2010