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Psicologia, Saúde & Doenças
versão impressa ISSN 1645-0086
Psic., Saúde & Doenças vol.18 no.2 Lisboa ago. 2017
https://doi.org/10.15309/17psd180210
Versão portuguesa do inventário das cognições associadas à mania – revisto
Portuguese version of cognition checklist for mania - revised
Elzbieta Bobrowicz-Campos1,2,*, Maria Salomé Pinho1,3, Ana Paula Matos1,4
1Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal.
2email: elzbieta.campos@gmail.com; elboberek@poczta.fm;
3e-mail: salome@fpce.uc.pt ;
4e-mail: apmatos@fpce.uc.pt
Endereço para Correspondência
RESUMO
O Inventário das Cognições Associadas à Mania (CCL-M, Cognition Checklist for Mania; Goldberg, Wenze, Welker, Steer, & Beck, 2005) e a sua versão revista (CCL-M-R, Beck, Colis, Steer, Madrak, & Goldberg, 2006) foram construídos com o objetivo de avaliar a gravidade de crenças e pensamentos mal adaptativos associados à mania. As cognições disfuncionais são consideradas como fundamentais na fenomenologia e patogénese de perturbações do humor, tendo a sua identificação precoce um papel crucial na prevenção do agravamento de sintomas clínicos. O CCL-M-R engloba 29 itens organizados em 4 subescalas: “eu próprio”, “relações interpessoais”, “prazer/excitação” e “atividade”. A sua aplicação é rápida e a cotação simples. Neste estudo apresentam-se as propriedades psicométricas da versão portuguesa do CCL-M-R. A amostra é constituída por 85 doentes com perturbação bipolar (39 eutímicos, 23 deprimidos e 23 hipomaníacos) e 47 adultos saudáveis. Após a tradução do CCL-M-R por duas pessoas bilingues e a sua aplicação juntamente com escalas de avaliação de sintomatologia clínica, procedeu-se ao estudo da consistência interna e da validade concorrente. Realizou-se também uma análise em componentes principais deste inventário. O alfa de Cronbach para escala total foi de 0,94. O estudo de validade concorrente apontou para uma associação significativa de carácter positivo (p < 0,001) entre o CCL-M-R e a YMRS (Young Mania Rating Scale). Na análise em componentes principais foram identificados 6 componentes. A sua consistência interna variou entre 0,69 e 0,92. O CCL-M-R apresenta, assim, boas qualidades psicométricas. Estudos futuros do instrumento e a revisão da sua estrutura fatorial são ainda necessários.
Palavras-chave: avaliação psicológica, pensamentos automáticos, crenças mal adaptativas, perturbação bipolar, mania, CCL-M-R
ABSTRACT
Cognition Checklist for Mania (CCL-M; Goldberg, Wenze, Welker, Steer, & Beck, 2005) and its revised version (CCL-M-R, Beck, Colis, Steer, Madrak, & Goldberg, 2006) were developed to measure the severity of maladaptive beliefs and thoughts associated with mania. Dysfunctional cognitions are considered fundamental in the phenomenology and pathogenesis of affective disorders, and its early detection has a crucial role in preventing of exacerbation of clinical symptoms. CCL-M-R is composed by 29 items organized in four subscales: “myself”, “relationships”, “pleasure/excitement” and “activity”. It is quick to apply and simple to quote. In this study the psychometric properties of the Portuguese version of CCL-M-R are presented. The sample includes 85 patients with bipolar disorder (39 remitted, 23 depressive e 23 hypomanic) and 47 healthy controls. After CCL-M-R translation by two bilingual persons and its application together with clinical symptoms assessment scales, the study of internal consistency and concurrent validity was performed. Also the principal components of this inventory were extracted. Cronbach alpha for the scale as a whole was of .94. For the concurrent validity, a positive correlation between CCL-M-R and YMRS (Young Mania Rating Scale) was obtained (p < .001). Finally, six principal components were found, with internal consistency varying from .69 to .92. Thus, the psychometric quality of CCL-M-R is good. Further studies of the inventory and its factorial structure revision are still needed.
Key-Words: psychological assessment, automatic thoughts, maladaptive beliefs, bipolar disorder, mania, CCL-M-R
Os doentes com perturbação bipolar (PB) apresentam um padrão de funcionamento cognitivo e emocional que os torna mais vulneráveis ao desenvolvimento de sintomas afetivos (Fakhry, Ghonemy, & Salem, 2013; Mansell & Lam, 2004; Scott, Stanton, Garland, & Ferrier, 2000). Este padrão traduz-se por estratégias de regulação emocional mal adaptativas (Fakhry et al., 2013; Gruber, Eidelman, & Harvey, 2008; Johnson, McMurrich, & McKenzie, 2008) e estilo cognitivo disfuncional (Lam, Wright, & Smith, 2004; Tzemou, & Birchwood, 2007), variando as suas manifestações de acordo com sintomas clínicos e subsindrómicos experienciados no momento. Os episódios de depressão major são marcados por autoestima baixa e instável, pensamentos ruminativos e atitudes disfuncionais, entre outros (Scott & Pope, 2003; Tzemou, & Birchwood, 2007; van der Gucht, Morris, Lancaster, Kinderman, & Bentall, 2009). Os episódios de mania e hipomania distinguem-se pela presença de atitudes que incentivam comportamentos de risco e que estão fortemente orientadas para o alcance de objetivos pessoais (Beck, Colis, Steer, Madrak, & Goldberg, 2006; Goldberg, Gerstein, Wenze, Welker, & Beck, 2008; van der Gucht et al., 2009). A este conjunto de crenças somam-se os pensamentos relacionados com a importância da gratificação subsequente (van der Gucht et al., 2009), esquemas cognitivos com visão de si próprio distorcida e crenças desadequadas respeitantes a relações interpessoais (Beck et al., 2006; Goldberg et al., 2008). Não é invulgar observarem-se também nestas duas fases da PB (maníaca e hipomaníaca) a ativação de estratégias de regulação emocional e um estilo cognitivo que são próprios da fase de depressão major, ainda que os seus efeitos se possam manifestar principalmente ao nível implícito e menos no níevl explícito (Lam et al., 2004; Lex, Hautzinger, & Meyer, 2011; Scott & Pope, 2003). Os componentes do padrão de vulnerabilidade cognitiva de carácter depressivo evidenciam-se também no período de eutimia (Blairy et al., 2004; Fakhry et al., 2013; Lam et al., 2004; Scott & Pope, 2003; Thomas, Knowles, Tai, & Bentall, 2007). A sua existência reflete-se no processamento de informação, sobretudo quando este abrange conteúdos de carácter emocional, tendo como resultado o agravamento do mal-estar existente e dificuldade em regressar a níveis pré-mórbidos (Basco & Rush, 2005).
De acordo com alguns autores (Fulford, Tuchman, & Johnson, 2009; Goldberg, Wenze, Welker, Steer, & Beck, 2005), a observação de determinadas manifestações do padrão do funcionamento cognitivo e emocional pode ajudar na identificação dos estados precoces de mania ou depressão ou, mesmo, na identificação de pessoas com risco elevado de desenvolvimento de perturbações do humor. Além disso, o conhecimento de estratégias de regulação emocional mal adaptativas e de um estilo cognitivo disfuncional, característicos de indivíduos com PB, é extremamente útil no planeamento e orientação da intervenção psicoterapêutica.
Com o objetivo de avaliar a gravidade de crenças e pensamentos mal adaptativos associados à mania, Goldberg e colaboradores (2005) construíram o Inventário das Cognições de Mania (CCL-M, Cognition Checklist for Mania). Este inventário é composto por 61 itens organizados em sete subescalas. A primeira, designada “Eu próprio”, avalia os pensamentos de grandiosidade acerca da própria pessoa. A segunda, denominada “Relações Interpessoais”, diz respeito às relações do sujeito com os outros. Seguem-se a subescala “Gastos” relacionada com gastos excessivos e a subescala “Prazer / Excitação” que diz respeito às crenças erradas que derivam da necessidade de excitação e que resultam no envolvimento em situações de risco elevado. A quinta subescala concerne a sensação de frustração originada por relações interpessoais, sendo denominada como “Frustrações”, e a sexta subescala, “Atividade”, avalia os pensamentos irrealistas respeitantes à definição de novos objetivos pessoais e à realização de várias atividades a eles associados. Por fim, a subescala “Passado e Futuro” reporta a perspetivas individuais sobre a vida, próprias do dia de ontem e do dia de amanhã.
As propriedades psicométricas do CCL-M revelaram ser satisfatórias (Goldberg et al., 2005). Nomeadamente, a sua consistência interna, calculada em separado para uma amostra de doentes com perturbações do humor (bipolar em fase de mania e unipolar; n = 51) e para uma amostra de adultos saudáveis (n = 24), mostrou ser muito boa, atingindo os valores alfa de Cronbach de 0,96, e 0,91, respetivamente. Em relação às sete subescalas, os valores alfa de Cronbach apresentaram-se mais baixos, variando no grupo de doentes entre 0,72 e 0,89. Também se atestou a validade do instrumento, expressa numa correlação positiva (r = 0,37; p < 0,01) com as pontuações na Escala de Avaliação da Mania de Young (Young Mania Rating Scale; YMRS; Young, 1978) e numa correlação negativa (r = - 0,34; p < 0,05) com as pontuações na Escala de Avaliação da Depressão de Hamilton (Hamilton Depression Rating Scale; HDRS; Hamilton, 1960). Num outro estudo (Goldberg et al., 2008) observou-se que as pontuações do CCL-M de doentes com PB em fase de mania (n = 34) se correlacionavam, de forma significativa, com as pontuações da Escala de Atitudes Disfuncionais (Dysfunctional Attitudes Scale; DAS; Power, Katz, McGuffin, Duggan, Lam, & Beck, 1994). O mesmo não se registou com doentes com depressão unipolar (n = 35), nem com adultos saudáveis (n = 29). Além disso, os valores médios obtidos por doentes bipolares no CCL-M revelaram ser significativamente mais elevados do que os valores médios de doentes unipolares e adultos saudáveis, indicando assim a utilidade do inventário na identificação de pensamentos e crenças mal adaptativas característicos da PB (Goldberg et al., 2005).
Posteriormente foi desenvolvida uma versão abreviada do CCL-M: o Inventário das Cognições Associadas à Mania - Revisto (CCL-M-R, Cognition Checklist for Mania - Revised; Beck et al., 2006), composta por 29 itens e 4 subescalas (“Eu próprio”, “Relações Interpessoais”, “Prazer / Excitação” e “Atividade”). As suas propriedades psicométricas foram avaliadas numa amostra de 100 doentes, entre os quais 45 com PB em diferentes fases da doença (maníaca, depressiva ou com sintomatologia mista), 35 com depressão unipolar e 20 com perturbação esquizoafetiva. Também neste caso a consistência interna mostrou ser muito boa (α = 0,93 para totalidade da pontuação; α > 0,80 para todas as 4 subescalas). Adicionalmente, evidenciou-se a existência de fidedignidade teste-reteste, tendo-se registado correlações significativas (p < 0,01; one-tailed test) entre os resultados obtidos com intervalo de uma semana (para totalidade da pontuação: r = 0,70; subescalas “Eu próprio”: r = 0,72; “Relações interpessoais”: r = 0,60; “Prazer / Excitação”: r = 0,53; “Atividade”: r = 0,53). À semelhança do estudo anterior (Goldberg et al., 2005), a validade convergente do instrumento foi atestada através da correlação positiva com o YMRS (r = 0,59; p < 0,01, one-tailed test).
Relativamente à análise fatorial do CCL-M-R, esta foi explorada por Fulford e colaboradores (2009), tendo com base uma amostra de 208 estudantes. Foram identificados três fatores: confiança, frustração e procura de excitação. Os mesmos abrangeram apenas 12 itens da escala. Posteriormente, verificou-se a confiabilidade dos fatores identificados numa amostra de doentes com perturbações do humor (bipolar e unipolar) e numa amostra de adultos saudáveis (> 0,80 para todos os fatores). Porém, a inclusão no grupo clínico de doentes com depressão unipolar torna esta análise menos esclarecedora, revelando-se necessária a realização de estudos que abranjam unicamente os doentes com PB.
Considerando fundamental a existência de um instrumento que permita identificar as crenças e cognições mal adaptativas associadas à mania, que possua boas propriedades psicométricas e seja fácil de administrar, as autoras propuseram-se a proceder à adaptação do CCL-M-R para a população portuguesa, analisando as propriedades psicométricas desta versão adaptada numa amostra de doentes com PB em diferentes fases da doença e numa amostra de adultos saudáveis recrutados na população geral.
MÉTODO
Participantes
A amostra deste estudo inclui 85 doentes com PB (39 eutímicos (Grupo E), 23 deprimidos (Grupo D) e 23 hipomaníacos (Grupo M), recrutados na Associação de Apoio aos Doentes Depressivos e Bipolares, na Clínica Psiquiátrica do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra e na Casa de Saúde Rainha Santa Isabel em Condeixa-a-Nova. Nenhum dos doentes em descompensação apresentava sintomatologia de carácter psicótico. Da composição da amostra excluíram-se todos os sujeitos com diagnóstico comórbido de perturbação de stress pós-traumático ou de dependência ou abuso de substâncias no período de um ano anterior à avaliação, bem como os sujeitos portadores de doenças neurológicas ou de doenças orgânicas que se relacionassem com alterações de humor (como, por exemplo, hipo ou hipertiroidismo).
A recolha de informações que permitiram averiguar os critérios para diagnóstico da PB e que possibilitaram obter os dados relativos à história clínica efetuou-se com recurso à Entrevista Clínica Estruturada para as Perturbações do Eixo I do DSM-IV (Structured Clinical Interview for DSM-IV Axis I Disorders; SCID - I; First, Spitzer, Gibbon, & Williams, 1997; versão portuguesa de Maia, 1999). Adicionalmente, aplicaram-se escalas para avaliar a gravidade da sintomatologia depressiva e maníaca experienciada no momento, mais concretamente, a HDRS (Hamilton, 1960) e a YMRS (Young, 1978). No grupo E observou-se a presença de sintomas residuais, quer de carácter depressivo (M = 5,33; DP = 2,40), quer de carácter maníaco (M = 2,26; DP = 2,04). Os níveis de sintomatologia depressiva, próprios do grupo D, revelaram ser de gravidade moderada (M = 23,17; DP = 5,36). Neste grupo verificou-se também a presença de alguns sintomas maníacos (M = 4,52; DP = 2,41), embora os itens cotados positivamente se refiram, na maioria dos casos, à alteração do padrão de sono e à experiência de irritabilidade excessiva, ambos considerados como indicadores comuns do estado de depressão e do estado de mania. No grupo M, os valores registados na YMRS apontaram para níveis moderados de gravidade da sintomatologia hipomaníaca (M = 17,87; DP = 3,68), e na HDRS para a presença de sintomas de depressão de gravidade pouco acentuada (M = 14,09; DP = 3,03).
Constituiu-se ainda um grupo de controlo que abrangeu 47 adultos saudáveis recrutados entre a população geral (grupo C). Aplicaram-se os seguintes critérios de exclusão: (i) preenchimento dos critérios de diagnóstico de qualquer uma das perturbações psiquiátricas do Eixo I do DSM-IV, (ii) presença de doenças neurológicas no passado ou no momento presente, (iii) presença de disfunções orgânicas com potencial influência nos processos cognitivos, e (iv) dependência ou abuso de substâncias.
Todos os sujeitos se dispuseram voluntariamente a participar no estudo, dando o seu consentimento informado, por escrito. A redação deste documento baseou-se na “Declaração de Helsínquia” da Associação Médica Mundial. A mesma compreendeu também as recomendações da Comissão de Ética para a Saúde do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra.
Material
Inventário das Cognições Associadas à Mania – Revisto (CCL-M-R; Beck et al., 2006). A versão revista e abreviada do CCL-M-R engloba 29 itens que permitem avaliar a gravidade de crenças e pensamentos mal adaptativos associados à mania. A tarefa de sujeito consiste em indicar se pensou no conteúdo de cada uma das afirmações incluídas na lista, referindo-se em particular aos últimos dois dias. Caso a sua resposta seja negativa, atribui-se a pontuação de zero pontos e, se for afirmativa, solicita-se adicionalmente para determinar a frequência com que isso aconteceu. Nesta segunda situação, as respostas possíveis diferem entre “alguma coisa”, “muito” e “todo o tempo” e a sua cotação varia entre (1), (2) e (3), respetivamente. Assim, quanto menor é a intensidade do pensamento ou crença, menor é a pontuação obtida.
Inventário Depressivo de Beck (BDI, Beck Depression Inventory; Beck, Ward, Mendelson, Mock, & Erbaugh, 1961). O BDI foi construído para avaliar a gravidade de sintomas depressivos. É composto por 21 itens que englobam entre quatro a seis afirmações, estando as mesmas ordenadas de acordo com a gravidade crescente do sintoma à qual dizem respeito. Assim, a primeira das afirmações de cada conjunto descreve sempre a situação de não existência do sintoma em causa; quanto às restantes, estas correspondem a três níveis de gravidade: leve, moderado e grave. A tarefa do sujeito consiste em assinalar, em cada um dos conjuntos, a afirmação que melhor descreve a forma como se sentiu ao longo da última semana incluindo o momento atual. No presente estudo administrou-se a versão portuguesa do BDI, aferida por Vaz Serra e Abreu (1973a,b).
Escala de Auto-avaliação de Ansiedade de Zung (SAS,Self-Rating Anxiety Scale; Zung, 1971). A SAS permite avaliar o grau de ansiedade possibilitando, adicionalmente, obter informações relativas a quatro componentes (cognitiva, vegetativa, motora e do sistema nervoso central) da mesma. Ao aplicar esta escala pede-se ao sujeito para assinalar, em relação a cada uma das 20 afirmações que constam na lista, a resposta que melhor descreve a maneira como se sente. Entre as respostas possíveis encontram-se: “nenhuma ou raras vezes”, “algumas vezes”, “uma boa parte do tempo” e “a maior parte ou totalidade do tempo”. A versão portuguesa da SAS utilizada neste estudo foi traduzida e adaptada por Vaz Serra, Ponciano e Relvas (1982).
Inventário de Sintomas Psicopatológicos (BSI, Brief Symptom Inventory; Derogatis, 1993) O BSI constitui uma versão abreviada de escala de autorresposta The Symptom Checklist-R-90 (SCL-R-90; Derogatis, 1977). A sua utilização permite adquirir informação sobre sintomas psicopatológicos clinicamente relevantes, agrupados em nove dimensões: Somatização, Obsessões - Compulsões, Sensibilidade Interpessoal, Depressão, Ansiedade, Hostilidade, Ansiedade Fóbica, Ideação Paranóide e Psicotismo. A tarefa do sujeito é a de indicar o grau em que cada um dos 53 problemas enumerados na lista o incomodou durante a última semana. As respostas são apresentadas numa escala de tipo Likert, variando entre “nunca” (com o valor correspondente igual a zero) e “muitíssimas vezes” (com o valor correspondente igual a 4). Os valores intermédios de (1), (2) e (3) descrevem a frequência de “poucas vezes”, “algumas vezes” e “muitas vezes”, respetivamente. No presente estudo utilizou-se a versão portuguesa do BSI, traduzida, adaptada e normalizada por Canavarro (1999; ver também Canavarro, 2007).
Procedimento
Após obter a autorização dos autores do CCML-R para a sua utilização em Portugal, o inventário foi submetido a tradução, sendo esta efetuada de forma independente por duas pessoas bilingues. As duas versões foram posteriormente comparadas e discutidas. Deste modo, identificaram-se as expressões divergentes, selecionando-se aquelas que melhor refletiam o conteúdo do inventário original. Este processo, além de ser acompanhado por dois tradutores que foram responsáveis pela redação da primeira versão portuguesa do inventário, foi assistido também por um perito da língua inglesa que não tinha participado no processo de tradução. Seguidamente, procuraram-se redigir os itens que se afiguravam como mais difíceis de compreender. Simplificaram-se também as instruções. Este processo de adaptação teve por objetivo adaptar o instrumento a populações menos escolarizadas.
Posteriormente, aplicou-se o CCL-M-R, juntamente com outras escalas, na amostra de doentes com PB, procedendo-se, em seguida, à análise em componentes principais deste inventário, ao estudo da consistência interna e ao estudo da validade concorrente. O CCL-M-R foi também administrado a sujeitos controlo, o que permitiu a análise comparativa de respostas dadas por adultos saudáveis e doentes com PB.
A estrutura fatorial do CCL-M-R foi analisada a partir da extração dos componentes principais com rotação Varimax. Para verificar a consistência interna da escala e dos componentes principais, utilizou-se o coeficiente alfa de Cronbach, e para averiguar a validade concorrente do CCL-M-R com outras escalas de avaliação clínica calcularam-se coeficientes de correlação rho de Spearman.
Análise de Dados
A análise comparativa de dados compreendeu maioritariamente o uso de testes estatísticos não paramétricos, devido à ausência de distribuição normal dos resultados obtidos. Assim, para comparar variáveis de natureza nominal utilizou-se o teste de Homogeneidade do Qui-Quadrado, sendo a dimensão do efeito estimada através do teste V de Cramer. Quanto à análise de variâncias simples de variáveis ordinais, esta baseou-se no teste de Kruskal-Wallis. Caso os resultados desta última indicassem que as diferenças observadas eram estatisticamente significativas, recorria-se à comparação múltipla das médias das ordens (como descrito em Marôco, 2011), usando a probabilidade do erro tipo I (α) de 0,05. O estudo de tamanho de efeito compreendeu o uso do teste Eta Quadrado Parcial (η2p). Utilizou-se também a ANOVA não paramétrica a dois fatores, recorrendo ao teste H calculado a partir da fórmula na qual a soma dos quadrados das ordens de um determinado fator é dividida pelo quadrado médio das ordens totais. Também neste caso mediu-se o tamanho do efeito através do coeficiente η2p.
Adicionalmente, analisaram-se as relações entre algumas das variáveis em estudo. Na situação em que se tratava de variáveis quantitativas, recorreu-se ao teste de Spearman (rho). Esta escolha teve por base a ausência de distribuição normal dos resultados obtidos. Na presença de uma variável quantitativa e outra dicotómica de natureza discreta usaram-se as correlações ponto-bisseriais.
O tratamento estatístico de dados efetuou-se com recurso ao programa SPPSStatistics (v. 21, IBM SPSS, New York).
RESULTADOS
Características demográficas da amostra
Apresentam-se no Quadro 1 as características demográficas de amostra.
Características clínicas da amostra
Em seguida procedeu-se à comparação de grupos de doentes com PB ao nível das variáveis clínicas (para mais detalhes ver Quadro 1). No que se refere ao diagnóstico, 80% de todos os doentes foram identificados como portadores de PB I (Grupo E = 72%, Grupo D = 78%, Grupo M = 96%) e 20% como portadores de PB II (Grupo E = 28%, Grupo D = 22%, Grupo M = 4%). As diferenças registadas revelaram-se marginalmente significativas (χ 2 (2) = 5,21; p = 0,074; N = 85; VC = 0.25). Em relação à idade de início da doença e anos de doença, apurou-se que os grupos são semelhantes entre si [Idade de Início da doença: Md(E) = 11,00; Md(D) = 16,00; Md(M) = 15,00; H(2) = 3,30; p = 0,192; Anos de Doença: Md(E) = 30,00; Md(D) = 27,00; Md(M) = 25,00; H(2) = ,70; p = 0,706]. A equivalência entre grupos verificou-se também quanto ao número de episódios com sintomatologia de PB [Md(E) = 7,00; Md(D) = 7,00; Md(M) = 7,00; H(2) = 1,88; p = 0,392] e número de episódios com sintomatologia psicótica [Md(E) = 0,00; Md(D) = 0,00; Md(M) = 0,00; H(2) = 2,17, p = 0,338].
Pontuações obtidas no CCL-M-R
A apresentação sumária de estatísticas descritivas respeitantes aos resultados obtidos no CCL-M-R encontra-se no Quadro 2.
No que diz respeito à totalidade de respostas, tal como esperado, as pontuações mais elevadas foram registadas no grupo de doentes em hipomania (M = 42,30; DP = 17,87). Os doentes em remissão obtiveram em média 29,18 pontos (DP = 17,98), os doentes deprimidos 28,39 pontos (DP = 12,34), e os sujeitos controlo 23,89 pontos (DP = 11,38). A utilização do teste Kruskal-Wallis permitiu apurar que se trata aqui de diferenças estatisticamente significativas (H(3) = 16,30; p = 0,001; η2p = 0,12). Através da comparação múltipla das médias das ordens verificou-se que os grupos que se distinguem significativamente entre si são os grupos C e M (p < 0,001) e E e M (p = 0,015). As diferenças observadas em relação aos grupos D e M revelaram ser marginalmente significativas (p = 0,054). Os resultados obtidos por grupos C e D (p = 0,808), C e E (p = 0,761), e E e D (p = 1,000) mostraram-se equivalentes entre si.
Também a análise comparativa de resultados referentes às quatro subescalas apontou para a existência de diferenças estatisticamente significativas entre grupos [Eu Próprio: H(3) = 17,25; p = 0,001; η2p = 0,13; Relações Interpessoais: H(3) = 27,93; p < 0,001; η2p =0,21; Prazer / Excitação: H(3) = 11,86; p = 0,008; η2p =0,13; Atividade: H(3) = 10,18; p = .017; η2p =.0,08]. No que se refere à subescala “Eu Próprio”, as pontuações do grupo M revelaram-se significativamente mais elevadas do que as pontuações dos restantes três grupos [p(M, E) = 0,006; p(M, D) < 0,001; p(M, C) = 0,002]. Não se observaram diferenças entre os grupos E e D (p = 0,794), E e C (p = 1,000), e D e C (p = 0,860). A subescala “Relações Interpessoais” distinguiu de forma significativa os grupos M e C (p < 0,001), M e E (p = 0,011), e D e C (p < 0,001), e de forma marginalmente significativa os grupos E e D (p = 0,069). Observou-se a equivalência dos resultados obtidos pelos grupos E e C (p = 0,215), e D e M (p = 0,994). Relativamente à subescala “Prazer / Excitação”, registou-se apenas uma diferença estatisticamente significativa. Esta evidenciou-se na comparação dos grupos M e C (p = 0,003). Outros resultados referentes a esta subescala mostraram-se semelhantes entre si [p(M, E) = 0,280; p(M, D) = 0,340; p(E, D) = 1,000; p(E, C) = 0,378; p(D, C) = 0,662]. A subescala “Atividade” distinguiu os grupos M e C (p = 0,017), e M e D (p = 0,044). Adicionalmente, observou-se a existência de diferenças marginalmente significativas entre os grupos E e M (p = 0,081). A equivalência dos resultados na referida subescala foi verificada para os grupos E e D (p = 0,994), E e C (p = 0,994), e D e C (p = 1,000).
Pontuações obtidas no CCL-M-R e influência da variável género
Tendo em conta que os quatro grupos incluídos no estudo diferiram entre si de forma marginalmente significativa quanto à variável género, decidiu-se verificar se as diferenças encontradas contribuíram para a variância observada na pontuação total obtida no CCL-M-R. Assim, recorreu-se à ANOVA não paramétrica com dois fatores [grupo (E, D, M, C) X género (feminino, masculino)] para um erro tipo I de 0,05. Os resultados indicaram que a interação entre os fatores referidos não contribuiu para a distribuição dos resultados obtidos no CCL-M-R (H(3) = 0,97; p = 0,810; η2p = 0,01). Posteriormente, estudaram-se os efeitos principais, o que permitiu apurar que apenas o fator grupo contribuiu de forma significativa para a diferenciação nas respostas dadas no CCL-M-R [grupo: H(3) = 14,78; p = 0,002; η2p = 0,12; género: H(1) = 0,15; p = 0,701; η2p = 0,00].
Análise em Componentes Principais
Análise em componentes principais do CCL-M-R baseou-se unicamente nos resultados obtidos por doentes com PB, justificando-se esta decisão pela necessidade de identificar com clareza as cognições disfuncionais e mal adaptativas que marcam as várias fases desta doença e de distinguir entre elas as que são próprias apenas da fase de hipomania. Os indicadores de Keiser-Meyer-Olkin (KMO = 0,853) e de Barlett (= 1598,45; p < 0,001) apontaram para a existência de correlações entre os itens do CCL-M-R, revelando deste modo que tinham sido atingidos os pré-requisitos necessários para prosseguir a análise de componentes principais. Esta última compreendeu o método de rotação varimax (os seus resultados apresentam-se no Quadro 3).
Foram retidos seis componentes com valores próprios superiores a 1 que contribuíram para explicação de, aproximadamente, 68% da variância observada. Mais especificamente, no primeiro componente saturaram por 11 itens (2, 3, 4, 5, 6, 7, 10, 24, 26, 27 e 29), encontrando-se entre eles os referentes à autoestima aumentada e os relacionados com ideias de grandiosidade. Este componente explicou 21% de variância observada. O segundo componente englobou 4 itens (18, 21, 22 e 23), todos eles associados à prontidão de correr riscos. Neste caso a percentagem da variância observada foi estimada em 13%. O componente nº 3 foi constituído por itens 11, 13, 14, 25 e 28, refletindo estes, por um lado, a atitude de que os outros condicionam negativamente o alcance de objetivos pessoais, por outro, a atitude de que é necessário envolver-se em várias atividades para conseguir obter o desejado. A contribuição deste componente para explicação da variância observada foi de 11%. Quanto ao componente nº 4, este permitiu determinar 9% da variância total. Neste saturaram os itens 15, 16 e 17, todos eles relacionados com a procura de prazer. O componente nº 5 reuniu os itens 1 e 12, ambos referentes à necessidade de ser ouvido e compreendido por outros, bem como os itens 19 e 20, associados à procura de excitação. A sua identificação possibilitou a determinação de 7% da variância observada. O valor da variância explicada é igual a 7% sucedendo o mesmo com o último componente. Este foi refere-se a apenas dois itens, o item 8 e o item 9, ambos alusivos a relações com outros. A seguir descrevem-se os itens que saturam os componentes identificados.
Frustração
Relações Interpessoais
Consistência interna
A análise de estatísticas descritivas respeitantes aos resultados no CCL-M-R obtidos pelos doentes com PB mostrou que os desvios-padrão registados em relação a cada um dos itens deste inventário variam entre 0,72 e 1,11 evidenciando, deste modo, a sensibilidade do mesmo à variação entre os indivíduos e o seu poder discriminativo (Quadro 4).
No que se refere às correlações item-total, estas revelaram-se maioritariamente moderadas (0,4 < r < 0,7). Além destas, identificaram-se também cinco correlações fortes (r > 0,7) que abrangeram a totalidade das respostas e os itens 3, 6, 26, 28 e 29, e três correlações de carácter fraco (r < 0,4) respeitantes à totalidade da pontuação obtida e os itens 8, 11 e 12. O alfa de Cronbach estimado para totalidade dos itens atingiu o valor de 0,94, o que permite concluir que a consistência interna do CCL-M-R é muito boa.
Em seguida, estudou-se a consistência interna dos seis componentes identificados anteriormente. A confiabilidade muito elevada foi apurada apenas para o componente nº 1 (= 0.92), sendo as correlações bisseriais calculadas para item-componente moderadas e fortes (Quadro 5). Em relação aos componentes 2, 3 e 4 verificou-se uma consistência interna boa ( componente nº 2 = 0,85; componente nº 3 = 0,84; componente nº 4 = 0,82). No caso dos componente nº 2 e 3, as correlações item-componente revelaram ser moderadas e fortes, e no caso do componente nº 4 unicamente moderadas. Quanto aos componente nº 5 e 6, a sua confiabilidade mostrou ser fraca (para ambos os comentes = 0,69), porém, no que se refere às correlações bisseriais, estas, com a exceção de uma, afiguraram-se como moderadas. A correlação excecional foi de carácter fraco. A mesma abrangeu o item 1 e o componente nº 5. Adicionalmente, procedeu-se à análise de correlações entre os componentes do CCL-M-R. Apresentam-se no Quadro 6 os resultados desta análise.
Todas as associações identificadas entre os componente nº 1, 2, 3, 4 e 5 revelaram ser moderadas e estatisticamente significativas, sendo a probabilidade de erro tipo I (α) considerada igual a 0,01. No que se refere ao 6, este relacionou-se de forma estatisticamente significativa apenas com os componentes nº 1, 2, 3 e componente nº 4. O carácter da associação identificada entre os componentes nº 1 e 6 foi moderado, as restantes três associações (entre componentes 2 e 6, 3 e 6, e 3 e 4) afiguraram-se como fracas. Importa ainda realçar que a exclusão de qualquer um dos componentes do inventário repercutia-se na diminuição da consistência interna do mesmo.
Validade concorrente
Também o estudo de validade concorrente compreendeu apenas os resultados obtidos pelos doentes com PB. A análise de correlações entre a totalidade de pontos obtidos no CCL-M-R e níveis de sintomatologia maníaca na YMRS apontou para a existência de uma associação significativa de carácter linear, positiva e moderada (rho = 0,48; p < 0,001). A mesma determinou aproximadamente 23% da variação observada. Não se registaram associações significativas entre o CCL-M-R e as escalas de avaliação de sintomatologia depressiva (rho(CCL-M-R x HDRS) = 0,10; p = 0,346; rho(CCL-M-R x BDI) = 0,08; p = 0,480), nem entre o CCL-M-R e os estados de ansiedade avaliados através da SAS (rho = 0,07; p = 0,553). A não observação de relações relevantes foi atestada também no que diz respeito ao CCL-M-R com o BSI (rho = 0,17, p = 0,114).
Correlações entre o CCL-M-R e variáveis clínicas
Procurou-se, ainda, averiguar se as cognições associadas à mania, avaliadas com recurso ao CCL-M-R, se relacionavam com variáveis clínicas respeitantes aos anos de doença, idade de início de doença, número de episódios com sintomatologia afetiva e número de episódios com sintomatologia psicótica. Nenhuma das associações encontradas revelou ser significativa estatisticamente (CCL-M-R e anos de doença: rho = -0,12; p = 0,276; CCL-M-R e idade de início de doença: rho = 0,15; p = 0,161; CCL-M-R e número de episódios com sintomatologia afetiva: rho = -0,02; p = 0,869; CCL-M-R e número de episódios com sintomatologia psicótica: rho = -0,06; p = 0,585). Calculou-se ainda a correlação ponto-bisserial para analisar a relação entre pontuações obtidas no CCL-M-R e o tipo de diagnóstico (PB I, PB II). Também neste caso, não se encontrou uma associação estatisticamente relevante (r = -0,12; p = 0,275).
DISCUSSÃO
O CCL-M e CCL-M-R foram construídos com o objetivo de avaliar a gravidade de crenças e pensamentos mal adaptativos associados à mania, sendo apresentados como instrumentos robustos, de confiabilidade e validade satisfatórias (Beck et al., 2006; Goldberg et al., 2005). Apesar de se tratar de instrumentos que fornecem informação relevante no contexto de diagnóstico precoce e intervenção, e que são de aplicação rápida e cotação fácil, a sua utilização ainda não é muito comum. O presente estudo teve por objetivo a adaptação do CCL-M-R para a população portuguesa e o estudo das suas propriedades psicométricas.
Depois de ser traduzido e adaptado para a população portuguesa, o CCL-M-R foi aplicado numa amostra de doentes com PB em diferentes fases da doença e numa amostra de adultos saudáveis. O estudo de propriedades psicométricas revelou que a consistência interna do inventário é muito elevada. Posteriormente, a análise em componentes principais permitiu identificar 6 componentes: autoestima aumentada e ideias de grandiosidade, prontidão para correr riscos, alcance dos objetivos, procura do prazer, frustração, e relações interpessoais. Apenas 4 destes componentes evidenciaram ter consistência interna boa ou muito boa. A confiabilidade dos dois restantes (relacionados com a frustração e relações interpessoais) foi avaliada como inferior aos valores preconizados na literatura. Contudo, a exclusão destes dois componentes do inventário resultava na redução da consistência interna do mesmo.
Em comparação, num estudo do CCL-M-R realizado com alunos do ensino superior, Fulford e colaboradores (2009) verificaram que muitos dos itens do inventário não saturavam nas 4 subescalas propostas. Os autores identificaram três fatores (“confiança”, “frustração” e “procura de excitação”) que abrangeram apenas 12 itens da escala, confirmando em simultâneo a sua utilidade na avaliação do risco de desenvolvimento de mania (com base no estudo de correlações entre o CCL-M-R e a Escala de Personalidade Hipomaníaca de Eckblad & Chapman, 1986). Em conclusão, os autores apontaram para a necessidade de revisão do conteúdo do inventário, no sentido de o tornar menos abrangente. A nosso ver, essa solução seria apropriada, sobretudo no contexto de rastreio de perturbações do humor. Nesta perspetiva, estudos complementares são necessários. Estes deverão ter por objetivo a diferenciação entre as cognições disfuncionais que são próprias apenas duma determinada fase de doença e as que marcam todo o percurso da mesma. Devem ser estudadas também as questões da sensibilidade e da especificidade do instrumento, para tornar possível a definição de um ponto de corte adequado para população portuguesa.
No que respeita à validade convergente do CCL-M-R, esta foi atestada através da correlação positiva com o YMRS. A existência de uma associação significativa de carácter positivo entre estes dois instrumentos foi também documentada por Beck e colaboradores (2006). Quanto à validade divergente, a análise das correlações entre os resultados do CCL-M-R e os resultados dos instrumentos que avaliam a sintomatologia depressiva (HDRS, BDI) apontou para a não existência de associações significativas. O mesmo se verificou em relação à SAS que avalia os estados de ansiedade, e em relação ao BSI que permite identificar sintomas psicopatológicos clinicamente relevantes. Saliente-se que no estudo de Beck (et al., 2006), as correlações entre o CCL-M-R e o BDI-II revelaram ser de carácter negativo, porém a amostra avaliada por estes autores não englobou os doentes em fase de eutimia. É possível ainda que as diferenças registadas entre esse estudo e o nosso se relacionem, parcialmente, com a utilização de versões diferentes do BDI. Também no estudo de Goldberg (et al., 2005) apontou-se para a existência de correlações negativas entre o CCL-M e a escala de avaliação de sintomas depressivos (neste caso, a HDRS). Contudo, mais uma vez, a amostra incluída por estes autores divergiu da amostra do estudo presente, não contemplando os doentes com PB em fase de remissão, e englobando adicionalmente os doentes com depressão unipolar.
O CCL-M-R apresenta ainda uma boa capacidade de discriminação entre os doentes em fase de hipomania e os adultos saudáveis, sendo a diferenciação entre estes dois grupos observada quer ao nível da totalidade de respostas, quer ao nível das 4 subescalas. O mesmo já não se verificou em relação aos doentes em fases de eutimia ou de depressão. Nomeadamente, no que respeita aos doentes eutímicos, a sua diferenciação dos doentes hipomaníacos evidenciou-se apenas nas subescalas “Eu Próprio” e “Relações Interpessoais”, bem como na totalidade das respostas ao CCL-M-R. Quanto aos doentes deprimidos, estes distinguirem-se dos doentes hipomaníacos ao nível das subescalas “Eu próprio” e “Atividade”. Estes resultados apontam para a possibilidade de que as cognições e crenças mal adaptativas relacionadas com a necessidade de excitação e de envolvimento em situações de risco elevado marcam todo o percurso da PB, independentemente da fase da doença. Sugerem também que os pensamentos irrealistas respeitantes à definição de novos objetivos pessoais e à realização de várias atividades a eles associados são também próprios de doentes em fase de remissão. Neste contexto, torna-se necessário examinar a validade discriminante do CCL-M-R em função de outras perturbações do humor.
É importante ainda realçar que, de acordo com resultados obtidos, a presença de crenças e pensamentos mal adaptativos associados à mania não depende de variáveis demográficas (género), nem de variáveis clínicas relacionadas com percurso da doença. Resultados semelhantes foram descritos por Beck e colaboradores (2006).
A limitação principal deste estudo prende-se com o tamanho da amostra, sobretudo no que diz respeito aos grupos de doentes em fase de hipomania e em fase de depressão.
Em conclusão, a versão portuguesa do CCL-M-R apresenta boas qualidades psicométricas. Estudos futuros deste instrumento e a revisão da sua estrutura fatorial são ainda necessários.
AGRADECIMENTOS
Este trabalho foi financiado por uma bolsa de investigação (SFRH/BD/35934/2007) atribuída à primeira autora pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia.
Os nossos agradecimentos a Associação de Apoio aos Doentes Depressivos e Bipolares, Clínica Psiquiátrica do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra e Casa de Saúde Rainha Santa Isabel em Condeixa-a-Nova.
REFERÊENCIAS
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Endereço para Correspondência
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra; Rua do Colégio Novo, 3000-115 Coimbra; Telf.:965518245. E-mail: elzbieta.campos@gmail.com
Recebido em 29 de Outubro de 2015
Aceite em 11 de Maio de 2017