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Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.20 no.3 Lisboa dez. 2019

https://doi.org/10.15309/19psd200318 

Satisfação laboral e burnout em assistentes gerontológicos

Job satisfaction and burnout in gerontological care assistants

Elisabete Silva1, Paulo Dias1, & Anabela Rodrigues1

1Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Católica Portuguesa, Braga, elisabeteribeirosilva@hotmail.com, pcdias@braga.ucp.pt, abela.anabela@gmail.com


 

RESUMO

Assistimos nas últimas décadas a uma crescente atenção sobre os idosos e os seus cuidadores, formais e informais. Com a organização das respostas, urge acompanhar os técnicos, as suas perceções e indicadores de satisfação, como stress e burnout podem dar indicações úteis para a melhoria das instituições. Existindo ainda escassos estudos sobre esta temática, o presente trabalho visa descrever e analisar a satisfação laboral e o burnout entre assistentes geriátricos, explorando, especificamente o papel de variáveis pessoais e profissionais. Foram recolhidos dados junto de uma amostra de 197 assistentes geriátricos de instituições no norte do País, com recurso a um questionário sociodemográfico, um questionário de satisfação no trabalho e o Oldenburg Burnout Inventory para avaliar o burnout. Dos resultados, destaca-se a maior satisfação com a formação profissional, com o local de trabalho e com os colegas, e menor satisfação com o salário e oportunidades de promoção laboral. No burnout, os valores encontram-se dentro da média teórica sendo superior a exaustão. Os dados permitem ainda perceber uma relação negativa entre o burnout e as habilitações literárias, e positiva entre a experiência profissional e a exaustão. Também na satisfação laboral, algumas dimensões apareceram relacionadas com as habilitações académicas e experiência profissional. A satisfação profissional apareceu como um preditor significativo do burnout, explicando 21,6% da exaustão e 34,8% do distanciamento. Entendendo a satisfação profissional como um indicador do funcionamento das instituições, os dados apresentados podem ser importantes para uma compreensão mais abrangente destas organizações e novas medidas para promover a sua qualidade.

Palavras-chave: satisfação laboral, burnout, gerontologia, cuidadores formais.


 

ABSTRACT

Over the last decades e have witnessed increasing attention on the elderly and their caregivers, both formal and informal. With the organization of the institutions, it is imperative to follow the technicians, their perceptions and indicators of satisfaction, as stress and burnout can give useful indications for the improvement of institutions. Given the few studies on this subject, the present work aims to describe and analyse job satisfaction and burnout among geriatric assistants, specifically exploring the role of personal and professional variables. Data were collected from a sample of 197 geriatric assistants from institutions in the north of the country, using a sociodemographic questionnaire, a job satisfaction questionnaire and the Oldenburg Burnout Inventory to assess burnout. Among the results, we highlight the greater satisfaction with vocational training, with the workplace and with colleagues, and less satisfaction with salary and job promotion opportunities. In the burnout, the values ​​are within the theoretical average being higher in exhaustion. The data also allow us to perceive a negative relationship between burnout and qualifications, and a positive relationship between professional experience and exhaustion. Also, in job satisfaction, some dimensions appeared related to academic qualifications and professional experience. Professional satisfaction appeared as a significant predictor of burnout, accounting for 21.6% of exhaustion and 34.8% of disengagement. Understanding professional satisfaction as an indicator of the functioning of institutions, the data presented may be important for a more comprehensive understanding of these organizations and new measures to promote their quality.

Keywords: job satisfaction, burnout, gerontology, formal caregivers.


 

O envelhecimento populacional tem criado novos desafios, mas, também, novas respostas sociais e institucionais. Desde os anos 90 não só têm surgido respostas residenciais e ambulatórias como têm sido contratados novos e mais profissionais para exercer os cuidados que a população mais envelhecida carece. Da observação e da reflexão com os técnicos, mas, também, na revisão da literatura internacional, percebem-se, por um lado, os desafios que o exercício destes cuidados acarreta (Cooper, Carleton, Chamberlain, Cummings, Bambrick, & Estabrooks, 2016; Duffy, Oyebode, & Allen, 2009; Kandelman, Mazars, & Levy, 2018; Zamora & Sánchez, 2008) e, por outro, como o stress e o burnout dos técnicos tem impacto na qualidade dos cuidados prestados (Sullivan & Miller, 2015), assim como o absentismo, a intenção de deixar a profissão e o desgaste pessoal e familiar (Suñer-Soler et al., 2014) que estão associados às profissões relacionadas com o cuidar. Em particular num país envelhecido como Portugal (Rodrigues, 2018), onde se discute o perfil dos cuidadores e da formação em gerontologia (Barbosa, Cruz, Figueiredo, Marques, & Sousa, 2011; Pereira & Marques, 2014; Pinheira & Beringuilho, 2017), importa perceber, no contexto dos assistentes geriátricos, os níveis de satisfação com o exercício da sua profissão assim como os níveis de burnout, explorando fatores que possam contribuir para a explicação e melhor compreensão desta problemática.

Neste sentido, e dada a escassez de estudos no nosso contexto sobre a presente temática, pretendemos, com este trabalho, explorar a satisfação laboral e o burnout entre assistentes geriátricos. Mais concretamente, estabelecemos como objetivos específicos: descrever os níveis de burnout e satisfação laboral; explorar o papel de variáveis pessoais (sexo, idade, estado civil, número de filhos e grau académico) e profissionais (experiência profissional) na satisfação laboral e no burnout; e explorar o papel preditivo da satisfação profissional no burnout. Os resultados permitir-nos-ão fazer não só fazer uma análise do momento atual como, também, encontrar pistas para intervenções futuras.

Burnout

A relação que as pessoas estabelecem com o seu trabalho e as dificuldades que daí podem advir têm sido reconhecidas como significativas (Reinhold, 2004) e apesar de, ao longo dos tempos, essa realidade ter sofrido sucessivas alterações, nas últimas décadas o trabalho é cada vez mais intenso, assistindo-se, segundo Maslach e Leiter (1997), a um desequilíbrio entre as exigências laborais e os princípios pessoais, aumentando, assim, o desgaste físico e emocional dos trabalhadores que se apresentam com níveis de stress cada vez mais elevados.

O Burnout é considerado uma síndrome que resulta, exatamente, desta exposição crónica ao stress no trabalho, acarretando consequências para o bem-estar e saúde dos trabalhadores, respetivas famílias, ambiente de trabalho e organizações (Salvagioni, Melanda, Mesas, Gonzales, Gabani, & Andrade, 2017). Surgindo, então, como resposta ao stress interpessoal persistente presente no trabalho, o burnout é visto como um processo (e não como um estado) que tem origem no ambiente de trabalho. Para Maslach, Schaufeli e Leiter (2001), trata-se de um constructo multidimensional composto por três dimensões: exaustão emocional, despersonalização e a diminuição da realização pessoal no trabalho.

A exaustão emocional é considerada a primeira fase da síndrome de Burnout, caracterizando-se pela sensação de estar emocionalmente sobrecarregado e esgotado, sem recursos emocionais, morais e psicológicos para enfrentar e prosseguir com as adversidades laborais (Maslach, 1998). Não se trata de uma vivência, mas de uma forma eficiente do profissional se distanciar emocionalmente e cognitivamente do trabalho, constituindo, assim, uma estratégia para poder lidar com a sobrecarga do trabalho (Maslach et al. 2001). Pode dizer-se que a exaustão emocional é a principal característica do Burnout, consistindo na sua manifestação mais óbvia (Benevides-Pereira, 2008).

Segue-se a desumanização (Delbrouck, 2006) ou despersonalização (Maslach et al. 2001), considerada a dimensão interpessoal do Burnout uma vez que afeta a relação com o outro. Nesta fase, denota-se uma perda do idealismo pelo trabalho, iniciando-se um distanciamento afetivo em relação aos outros, mesmo sobre os mais próximos (Maslach, 1998). No caso específico dos profissionais de saúde, a despersonalização é a dimensão do burnout caracterizada pelas alterações na forma como o profissional contacta com a pessoa cuidada. O profissional passa a ser frio e impessoal, mostrando-se indiferente em relação às pessoas que cuida (Benevides-Pereira, 2008). O profissional modera, assim, o afeto, com o objetivo de se afastar emocionalmente, protegendo-se de forma a encontrar uma funcionalidade efetiva no emprego (Maslach et al., 2001).

Finalmente, emerge a dimensão do insucesso profissional que se caracteriza por sentimentos de auto-desvalorização, culpabilidade e desmotivação, resultando em absentismo (Delbrouck, 2006) e na consequente perda de realização pessoal no trabalho associada a um sentimento de falha interior (Maslach, 1998) e insatisfação com as atividades laborais (Maslach et al., 2001).

Esta proposta de abordagem (multidimensional) ao conceito de Burnout deu origem ao instrumento de medida “Maslach Burnout Inventory” (MBI), o mais comumente utilizado no contexto do estudo do Burnout, apesar das suas limitações psicométricas, razão pela qual surgiu o Oldenburg Burnout Inventory (Halbesleben & Buckley, 2004), ancorado numa abordagem bidimensional ao constructo (exaustão emocional e despersonalização), que se apresenta como uma boa alternativa, dadas as suas qualidades psicométricas.

Relativamente aos sintomas do Burnout, a literatura é farta e consensual. Pereira (2010), agrupa-os em torno de quatro categorias: sintomas físicos (fadiga, dores musculares, perturbações do sono, cefaleias, anorexia, perturbações gastro-intestinais, alopécica, entre outros), psíquicos (alterações de humor, dificuldade de concentração, solidão, impaciência, baixa auto-estima, depressão, entre outros), comportamentais (aumento da agressividade, negligencia, perda de iniciativa, aumento do consumo de medicamentos e outras substancias, entre outros) e defensivos (isolamento, abandono do trabalho, ironia, entre outros). Apesar da diversidade de sintomas, verifica-se a predominância da dimensão comportamental, em detrimento da física, emergindo mais frequentemente sintomas como a fadiga, a depressão assim como a exaustação mental e emocional (Maslach & Schaufeli, 1993).

No que diz respeito às principais causas do burnout, é possível falar-se de causas situacionais e causas pessoais. As causas situacionais, estão relacionadas com a carga de trabalho, o controlo, as recompensas e a perceção de justiça (Vlăduţ & Kállay, 2010), enquanto que as causas pessoais se relacionam com a idade, o género, a baixa auto-estima, o locus de controlo externo e o baixo sentimento de controlo (Otero-Lopéz, Mariño, & Bolaño, 2008).

Nesta relação entre o sujeito e o seu trabalho interferem vários fatores de ordem pessoal como o gênero, a idade, o estado civil, as habilitações literárias, entre outros. A idade é das variáveis sociodemográficas que mais tem sido associada ao burnout, surgindo evidência de que os profissionais mais novos apresentam maior vulnerabilidade para desenvolver a sintomatologia (Maslach et al., 2001). Quanto ao estado civil, os sujeitos solteiros, especialmente os homens, tendem a apresentar maior propensão para o burnout quando comparados com os casados e divorciados (Maslach, et al., 2001). No que diz respeito à variável género esta não tem sido uma variável preditora de burnout (Maslach et al., 2001). Os estudos não têm sido consensuais, mas parece existir uma tendência para a relação entre mulheres e exaustão emocional versus homens e despersonalização (Maslach et al., 2001).

Finalmente no que diz respeito às habilitações académicas, Maslach et al. (2001), sugerem que os sujeitos mais habilitados não só possuem maiores expectativas em relação ao trabalho, como também, tendem a encontrar melhores posições profissionais, com maior responsabilidade, o que poderá influenciar o aumento do burnout. Contudo, o oposto também se verifica com alguns estudos a considerarem que os menos escolarizados tendem a apresentar maiores valores de cinismo e despersonalização.

Embora, aparentemente, pareça tratar-se de um fenômeno individual, para Maslach e Leiter (1997), o burnout não é um problema do indivíduo, mas sim do ambiente social onde se desenvolve o trabalho. Na verdade, numerosos estudos relacionam o Burnout com a satisfação no trabalho (Brewer & Clippard, 2002; Halbesleben & Bowler, 2007; Maslach, Jackson & Leiter, 1996; Razza, 1993, cit. Vara & Queirós, 2009), sendo que a baixa satisfação laboral pode ser, inclusive, considerada a variável mais importante para predizer a exaustão profissional (Vara & Queirós, 2009).

Satisfação laboral e Burnout

Receber recompensas adequadas deveria equilibrar os esforços dos trabalhadores e reduzir sua reação de esforço. Assim, profissionais insatisfeitos seriam trabalhadores que consideram receber recompensas inadequadas pelos seus esforços, sendo que essa situação potenciaria ainda mais o processo de esgotamento (Siegrist, 2008). Contudo, nem sempre o burnout anda associado à insatisfação laboral. Na verdade, e apesar de alguns estudos terem vindo a demonstrar que os trabalhadores com níveis mais elevados de satisfação com o trabalho estão menos suscetíveis ao burnout (Griffin, Hogan, Lambert, TuckerGail, & Baker, 2010; Lizano & MorBarak, 2015 cit. in Gil et al., 2017), outros estudos encontraram níveis de stress elevados/burnout em profissionais de saúde que referem/percecionam níveis elevados de satisfação (Onyett, 2011), verificando-se, assim, uma relação (imprevisível) entre burnout e satisfação no trabalho. Muitos destes estudos que exploram esta relação entre burnout e satisfação do trabalho desenvolvem-se no contexto dos profissionais de saúde. Por exemplo, Guveli et al. (2015) compararam os diferentes grupos profissionais no contexto oncológico e perceberam que os assistentes operacionais eram os que apresentavam menor nível de burnout e o maior grau de satisfação laboral. Para os autores isso talvez se deva ao facto de médicos e enfermeiros estarem envolvidos principalmente com o tratamento e os cuidados dos pacientes e enfrentam mais desafios com a doença, sendo por isso o esgotamento mais comum entre eles.

Satisfação laboral e Bournout em Assistentes Geriátricos

Um pouco por todo o mundo, os investigadores começaram a preocupar-se com o fenómeno do Burnout, tendo-o associado, essencialmente, às profissões que envolvem uma componente de relação assistencial ou de ajuda (Maslach, Schaufeli & Leiter, 2001; Pocinho & Perestelo, 2011) uma vez que envolvem complexas interacções com outros indivíduos sendo, por isso, caracterizadas por um conjunto de exigências interpessoais, às quais, a exposição crónica dos trabalhadores pode desencadear o burnout (Maslach, 1993).

Os Assistentes Geriátricos incluem-se neste grupo de profissionais e, na verdade, estudos vários tem mostrado níveis elevados de stress em instituições geriátricas (Gandoy-Crego, Clemente, Mayán-Santos, & Espinosa, 2009; Rouxel, Michinov, & Dodeler, 2016). Fatores como o baixo estatuto da profissão, afetividade negativa, perceção de regras desadequadas e elevadas exigências no trabalho parecem associadas a maior burnout, enquanto um afeto positivo, regras ajustadas e maior controlo nas tarefas parece associado a uma perspetiva mais salutogénica e maior satisfação profissional.

No nosso contexto, alguns estudos têm sido realizados, explorando o papel da empatia e envolvimento como protetores do burnout (Monteiro, Queirós, & Marques, 2014). Num estudo misto (Vicente & Oliveira, 2015), com uma amostra de cuidadores de acordo com os critérios de burnout, foi possível perceber como manifestação clínica mais frequente a exaustão emocional, para isso contribuindo aspetos particulares da atividade profissional como o lidar com o outro em situação de fragilidade e a vivência da morte, além dos fatores organizacionais como os conflitos interpessoais ou falta de suporte social, além do significado atribuído ao trabalho. Por outro lado, estudos demonstram uma relação negativa entre o grau de exaustão do cuidador e a qualidade de vida de idosos institucionalizados (Alfonso, Fajardo, Cosme, Monduy, & Cuba, 2015).

Dada a necessidade premente de avaliar e promover a qualidade dos cuidados, e a escassez de trabalhos no nosso contexto sobre estas dimensões em assistentes geriátricos, o presente estudo propõe-se avaliar a satisfação profissional e o burnout em assistentes geriátricos e explorar o papel de variáveis pessoais (sexo, idade, estado civil, número de filhos e grau académico) e profissionais (experiência profissional) na sua explicação. Em particular, pretende-se contribuir para uma avaliação do papel preditivo da satisfação profissional no burnout.

Método

Participantes

Foi utilizada uma amostra não aleatória de conveniência, constituída por 197 sujeitos, dos quais a maioria mulheres (n = 188, 95,4%), com idades entre os 18 e os 64 anos (M= 43,31 e DP= 9,292). Relativamente ao estado civil, a maioria é casado (n= 148, 75,5%), com filhos, até 7 filhos (M= 1,60). Entre o ensino primário e o secundário (Mdn = 3º ciclo). Já no que diz respeito à experiência profissional, varia entre 1 e 43 anos (M=11,53, DP= 8,441).

 

 

Material

Foram utilizados no presente estudo três instrumentos um questionário sociodemográfico, um questionário relativo ao burnout e um questionário de satisfação com as condições laborais.

Através do questionário sociodemográfico, foram recolhidos dados para a caracterização da amostra, nomeadamente a idade, o género, estado civil, habilitações académicas e condições gerais de trabalho na actual situação profissional.

No que diz respeito á variável burnout, recorreu-se ao Oldenburg Burnout Inventory desenvolvido por Demerouti, Bakker, Vardakou e Kantas (2003). Constituído por 16 itens, que descrevem diferentes estados de exaustão emocional e distanciamento, com 4 opções de resposta (concordo fortemente, concordo, discordo e discordo fortemente), avaliando duas dimensões do burnout: exaustão e distanciamento. O instrumento foi adaptado para a população portuguesa com boas propriedades psicométricas, após eliminação de dois itens, um em cada dimensão (Campos, Carlotto, & Marôco, 2012).

Relativamente á variável satisfação no trabalho, foi estudada com recurso ao questionário adaptado por Scott McIntyre e Teresa McIntyre (2003), a partir de um questionário desenvolvido por Bowling Green State University, e com boas propriedades psicométricas na população portuguesa. Este questionário de satisfação com o trabalho considera um conjunto de dimensões, às quais os participantes respondem numa escala fechada com cinco pontos. Das dimensões avaliadas, são consideradas a orientação e supervisão dos superiores hierárquicos, a relação interpessoal, satisfação com o salário e natureza do trabalho, oportunidades de promoção e grau de satisfação a nível geral.

Procedimento

Depois de pedidas autorizações aos autores dos instrumentos, foram escolhidas instituições por motivos pragmáticos, nomeadamente geográficos, para a administração dos questionários. Após o contacto com a Direção de cada instituição, especialmente no Norte do País, foram expostos os objetivos gerais do estudo e o tipo de colaboração solicitada aos profissionais, salientando o facto da sua participação ser voluntária e de os dados servirem apenas para efeitos estatísticos, sendo garantido o carácter anónimo e confidencial das suas respostas. Os instrumentos foram entregues nas instituições, através dos Diretores Técnicos, sendo distribuídos pelos colaboradores, acompanhados por envelopes para a devolução das respostas.

Depois de recolhidos, os dados foram codificados no programa Statistical Package for Social Sciences (v. 23.0 para Windows). Foram realizadas estatísticas descritivas às dimensões da satisfação no trabalho e burnout e aplicados testes de diferenças de médias na avaliação do burnout e satisfação profissional em função das variáveis sexo, nomeadamente o teste t de student, e estado civil com o teste ANOVA; testes de associação foram utilizados para avaliar as duas dimensões do burnout e satisfação profissional em função da idade, número de filhos ou experiência profissional, nomeadamente o coeficiente de correlação de Pearson, e o coeficiente de correlação de Spearman na análise das variáveis em função do grau académico. Para avaliar a relação entre a satisfação profissional e burnout foi utilizada um teste de associação e regressão linear múltipla na avaliação dos mais fortes preditores de cada uma das dimensões

Resultados

Neste capítulo são apresentados os resultados e respetiva análise após tratamento estatístico dos dados obtidos quer através das pontuações das escalas utilizadas e quer através da exploração das possíveis relações entre as variáveis em estudo. Neste pressuposto, este trabalho pretende avaliar a relação entre algumas variáveis pessoais e profissionais dos assistentes geriátricos e o burnout com os valores organizacionais. Deste modo, seguir-se-á a exposição dos mesmos em três domínios: relação entre o burnout e questões sociodemográficas, burnout em função de características pessoais e burnout em função de características profissionais.

Stress e Burnout em assistentes geriátricos

Num primeiro momento, começamos por descrever os níveis de satisfação com o contexto laboral (Quadro 2). Analisadas as respostas, percebe-se maior satisfação pela formação profissional (M= 4,48), a satisfação geral com o local de trabalho (M=3,97) e a relação com os colegas (M= 3,96). No extremo oposto, menor satisfação com o salário (M= 2,39) e oportunidades de promoção laboral (M= 2,96). De forma semelhante, as estatísticas descritivas sobre o burnout permitiram encontrar, numa amplitude teórica entre 1 e 5 (Quadro 3), valores na média ou abaixo da média da escala, sendo superior na dimensão exaustão (M= 2,51).

 


(clique para ampliar ! click to enlarge)

 

 

Burnout e satisfação laboral em função de características pessoais e profissionais

Analisando as respostas dos sujeitos às duas dimensões do burnout não foram encontradas diferenças em função do género (p > ,05), nem estado civil (p > .05), nem correlações com a idade (p > .05), ou número de filhos (p > ,05), Apenas no que diz respeito às habilitações literárias, apareceram correlacionadas negativamente com a dimensão distanciamento (r = -,154, p = ,030) e exaustão (r = -,276, p < ,01). Da mesma forma a experiência profissional apareceu correlacionado positivamente com a dimensão exaustão (r = ,174, p = ,014).

Também no que diz respeito à satisfação laboral, não foram encontradas diferenças de género em nenhuma das dimensões (p > ,05) ou com o estado civil (p > ,05). No estudo da relação entre as dimensões e a idade, também não encontramos relação significativa (p>,05) nem com o número de filhos (p > ,05). Foi encontrada uma relação positiva entre as habilitações académicas com a utilidade da formação para o exercício profissional (r = ,186, p = ,009) e com a dimensão desafio no local de trabalho (r = ,254, p>,01). Foi, ainda, encontrada uma relação negativa entre a experiência profissional no local de trabalho e a caracterização do local de trabalho (r = -,169, p = ,018), com os participantes com maior experiência profissional a descrever menos positivamente o local de trabalho.

Papel preditivo da satisfação laboral no burnout

No sentido de perceber o papel da satisfação laboral no burnout, começamos por analisar a relação entre as variáveis. Quando consideramos a satisfação com diferentes condições profissionais, foram encontradas correlações significativas com as dimensões do burnout. Como se percebe no Quadro 4, destacam-se as correlações significativas e moderadas entre o distanciamento com a descrição geral do trabalho (r = -,414, p < ,01) e a satisfação profissional (r = - 410, p < ,01). No sentido oposto, a relação com a chefia não parece ter um papel significativo nas dimensões do burnout (p > ,05), nem a formação ou orientação dos superiores hierárquicos na exaustão (p > ,05)

 

 

No sentido de aprofundar a análise, foram realizadas regressões lineares múltiplas, com o método stepwise, nas duas dimensões. Foi encontrado um modelo significativo (F= 17,682, p < ,01) para a exaustão (R = ,465, R2= ,216), integrando como preditores as oportunidades de promoção (β= - ,221), satisfação com as atividades que desenvolve (β= - ,219) e salário (β= - ,176). Também na dimensão distanciamento um modelo significativo foi encontrado (F = 20,250, p < ,01), integrando cinco preditores (R= ,590, R2= ,348): satisfação com as atividades que desenvolve (β = - ,244), salário (β= - ,263), apreciação geral do trabalho (β= - ,239), relação com superiores hierárquicos (β= - ,208) e supervisão (β= - ,148).

Discussão

O presente trabalho pretendia dar um contributo para o conhecimento da satisfação profissional e burnout entre assistentes geriátricos, uma população muito heterogénea e com uma profissão desafiante. Para isso, começou-se por analisar os dados relativos à sua satisfação laboral e burnout. Se são claros os indicadores de satisfação pelas oportunidades de formação e pelo local de trabalho, assim como pelas relações com os colegas de trabalho, parece, também, evidente a menor satisfação pelo salário e pelas oportunidades de remuneração. Já ao nível das dimensões do burnout, os valores parecem estar dentro da média teórica e em linha com o que tem sido encontrado em outros estudos (Campos, Carlotto, & Marôco, 2012), com valores mais baixos na dimensão distanciamento e um nível de exaustão mais saliente (Truzzi, Valente, Ulstein, Engelhardt, Laks, & Engedal, 2012; Vicente & Oliveira, 2015).

Os dados encontrados permitem, ainda, reforçar como estas variáveis são explicadas pela formação anterior e pela experiência profissional. Outros estudos com profissões relacionadas com o cuidar, como profissionais que acompanham crianças com necessidades especiais (Llorent & Ruiz-Calzado, 2016) encontraram resultados semelhantes, o que vem reforçar o papel destas dimensões como decorrentes do contexto profissional e não tanto de dimensões pessoais.

Quando tentamos perceber a associação e o carácter preditivo da satisfação profissional e o burnout, os dados sublinham relações interessantes. Desde logo, o facto de variáveis como a formação e a relação com os superiores ou colegas, interferir com o distanciamento no trabalho, o que não acontece com a dimensão exaustão. Estudos com professores, com o recurso ao modelo de Maslach, mostraram como estas relações interferem com o burnout nas suas três dimensões (Rodríguez-Mantilla & Fernández-Díaz, 2017). Por outro lado, variáveis como a avaliação atual sobre o trabalho, as oportunidades de promoção, mais especialmente o salário, a consideração e a satisfação geral sobre o trabalho, constituem dimensões que parecem pesar mais negativamente sobre o distanciamento e a exaustão (Cooper et al., 2016; Kandelman, Mazars, & Levy, 2018; Yeatts et al., 2018). Estes dados podem sugerir o papel de risco, ou protetor, se adequadamente geridas, das dimensões relacionais no distanciamento, enquanto que as dimensões mais transversais assumem um papel mais invasivo e indicativo do burnout.

Entendendo-se a satisfação profissional como um indicador da qualidade da instituição, pelo menos para os seus colaboradores, estes dados podem dar pistas para futuras alterações institucionais. Desde logo, o contacto com as instituições permite perceber os baixos salários que são praticados e que aparecem recorrentemente como tópico de insatisfação profissional, para além da baixa autonomia e satisfação profissional, como sugerem outros estudos (e.g.: Kim et al., 2018; Portoghese, Galletta, Coppola, Finco, & Campagna, 2014).

Dos resultados, destaca-se a maior satisfação com a formação profissional, com o local de trabalho e com os colegas, e menor satisfação com o salário e oportunidades de promoção laboral. No burnout, os valores encontram-se dentro da média teórica sendo superior a exaustão. Os dados permitiram, ainda, perceber uma relação negativa entre o burnout e as habilitações literárias, e positiva entre a experiência profissional e a exaustão. Da mesma forma, na satisfação laboral, algumas dimensões apareceram relacionadas com as habilitações académicas e experiência profissional. A satisfação profissional apareceu como um preditor significativo do burnout, explicando 21.6% da exaustão e 34.8% do distanciamento.

Em síntese, o presente trabalho permitiu perceber uma relação estreita entre dimensões da satisfação com a organização e o burnout e o papel das relações interpessoais no distanciamento. Pistas interessantes para um sistema em desenvolvimento e que poderá contar com a autonomia e envolvimento dos colaboradores como uma forma de promoção da satisfação laboral e da qualidade da prestação de serviços.

Apesar dos contributos, o trabalho foi realizado num estudo de corte transversal e com recurso a questionários de auto-relato, numa amostra não aleatória de conveniência, especialmente no Norte do País, o que pode limitar o seu poder de generalização. Futuros estudos, com recurso a amostras representativas da população, e do tipo longitudinal, com recolha de dados em vários momentos, poderão permitir uma perceção mais apurada da relação entre estas variáveis e do efeito do tempo e da experiência profissional na dinâmica entre elas.

Contudo, entendendo a satisfação profissional como um indicador do funcionamento das instituições, os dados apresentados podem ser importantes para uma compreensão mais abrangente destas organizações e novas medidas para promover a sua qualidade.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em 11 de Março de 2019 / Aceite em 31 de Agosto de 2019

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