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Psicologia, Saúde & Doenças
versão impressa ISSN 1645-0086
Psic., Saúde & Doenças vol.21 no.2 Lisboa ago. 2020
https://doi.org/10.15309/20psd210210
Tríade negra na adolescência: relação com impulsividade e perturbação do comportamento
Dark triad in adolescence: relationship with impulsivity and conduct disorder
Victor Hugo Palma1, Pedro Pechorro1, Cristina Nunes2, Beatriz Correia3, & Saúl Jesus1
1Centro de Investigação em Turismo, Sustentabilidade e Bem-estar (CinTurs), Universidade do Algarve, Campus de Gambelas, 8005-139 Faro, Portugal, victorhugopalma@sapo.pt, ppechorro@gmail.com, snjesus@ualg.pt
2Centro de Investigação em Psicologia (CIP), Universidade do Algarve, Portugal. Campus de Gambelas Edifício 9, 8005-139 Faro, Portugal, csnunes@ualg.pt
3University of Bedfordshire, Campus de Luton, LU1-3JU, Luton, Reino Unido, bfrcorreia@gmail.com
Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence
RESUMO
O objetivo do presente estudo foi analisar a capacidade preditiva da Tríade Negra (maquiavelismo, narcisismo e psicopatia) na impulsividade e perturbação do comportamento (PC). Para tal, recorreu-se a uma amostra total de adolescentes portugueses (N = 601; M idade = 15,95 anos; DP = 1,05 anos; amplitude = 13-18 anos), subdividida em grupo masculino forense (n = 131), grupo masculino escolar (n = 257) e grupo feminino escolar (n = 213). Após a elaboração de modelos de regressão linear múltipla, os resultados indicaram que a dimensão psicopatia da Tríade Negra (TN) é a que mais contribuiu para a predição da impulsividade e da PC. Adicionalmente procedeu-se à avaliação dos traços de TN, impulsividade e PC nos grupos em estudo. O grupo masculino forense apresentou pontuações mais elevadas do que os grupos masculino e feminino escolar. O grupo masculino escolar apresentou pontuações mais elevadas do que o grupo feminino escolar. Deve continuar a ser explorado, em estudos futuros, o papel da TN na predição da impulsividade e PC para melhor clarificar esta relação, assim como também a avaliação dos traços de TN, impulsividade e PC em adolescentes portugueses, em contexto forense e escolar.
Palavras-chave: Adolescência, impulsividade, perturbação do comportamento, tríade negra
ABSTRACT
The aim of this study was to analyze the predictive capacity of the Dark Triad (machiavellianism, narcissism and psychopathy) in impulsivity and Conduct Disorder (CD). For this, a total sample of Portuguese adolescents was used. (N = 601; M age = 15,95 years; DP = 1,05 years; range = 13-18 years), subdivided in forensic male group (n = 131), school male group (n = 257) and school female group (n = 213). After the elaboration of multiple linear regression models, the results indicated that the psychopathy dimension of the Dark Triad (TN) is the one that most contributed to the prediction of impulsivity and CD. Additionally proceeded assessment of the DT traits, impulsivity and CD in the study groups. The forensic male group had higher scores than the male and female school groups. The male school group had higher scores than the female school group. It should continue to be explored in future studies the DT role in predicting impulsivity and CD to further clarify this relationship, as well the evaluation of DT traits, impulsivity and CD in Portuguese adolescents, in forensic and school context.
Keywords: Adolescence, conduct disorder, dark triad, impulsiveness
Só recentemente os investigadores consideraram os traços aversivos da personalidade, como um grupo de fatores que devem ser estudados em conjunto (Furnham, Richards, & Paulhus, 2013; Jones & Paulhus, 2014; Lyons, 2019). Os três traços de personalidade (maquiavelismo, narcisismo e psicopatia) que compõem a Tríade Negra (TN), embora distintos, apresentam características comuns (Jones et al., 2014). O maquiavelismo é caracterizado pela manipulação, sendo esta um meio para atingir um fim (obtenção de benefícios instrumentais e/ou sociais) e ausência de empatia (Kowalski et al., 2018). O narcisismo é caracterizado pela crença de superioridade, necessidade de dominar (Furnham, Richards, Rangel, & Jones, 2014), egoísmo e ausência de empatia. A psicopatia é caracterizada por insensibilidade emocional, impulsividade, comportamentos antissociais e ausência de culpabilidade e empatia (Fowles & Dindo, 2006). Os construtos que compõem a TN podem ser medidos separadamente, porém, há instrumentos que os integram numa única escala, como são o caso da Short Dark Triad (SD-3; Jones, & Paulhus, 2014) de 27 itens e o Dark Triad Dirty Dozen (DTDD; Jonason & Webster, 2010) com validação portuguesa (Pechorro, Jonason, Raposo, & Marôco, 2019) de 12 itens.
As suas características, embora indesejáveis nas culturas que dependem da cooperação entre os indivíduos, podem no passado ter desempenhado um papel adaptativo e contribuído para a sua sobrevivência, em situações adversas e de competição (Jonason et al., 2010). No presente, a competitividade no “mundo do trabalho” pode estar a potenciar o aumento do número de indivíduos com traços de TN (Jonason, Slomski, & Partyka, 2012). As relações interpessoais estabelecidas por estes indivíduos são disfuncionais, podendo ocorrer nas mesmas, insensibilidade emocional, ausência de empatia, manipulação (Jones et al., 2014; Lyons, 2019), comportamentos agressivos (Jones et al., 2014), desprezo pelas normas sociais associado a danos significativos ou à exploração do outro (Furnham et al., 2013; Lyons, 2019) e impulsividade (Jonason et al., 2010).
Para James, Kavanagh, Jonason, Chonody, e Scrutton (2014) há uma correlação positiva forte entre as pontuações dos traços de TN e interesses sensacionais (violência, armas e crimes), sendo estes considerados preditores de comportamento delituoso. Alguns estudos evidenciaram associações significativas entre os três construtos da TN e altas pontuações de agressão e baixas pontuações de empatia (Jonason & Webster, 2012). Porém, podem ocorrer no maquiavelismo e no narcisismo, pontuações mais elevadas na empatia, quando comparadas às da psicopatia (Rauthmann, 2012). Alguns autores verificaram traços de TN em adolescentes e jovens adultos, responsabilizados por crimes violentos nos EUA e na Europa (Muris, Meesters, & Timmermans, 2013), havendo evidências de que, estes, podem ter relevância na etiologia de comportamentos violentos e/ou antissociais (James et al., 2014).
A impulsividade pode ser definida como uma tendência do individuo para reagir de forma não planeada aos estímulos a que é submetido, não tendo em consideração as consequências (Moeller, Barratt, Dougherty, Schmitz, & Swann, 2001). Há evidências de que, os jovens, com níveis elevados de impulsividade, apresentam um risco aumentado para causarem dano não só ao próprio como também aos outros (Moeller et al., 2001). Embora seja um construto multidimensional (Whiteside & Lynam, 2001) podem identificar-se fatores comuns tais como: incapacidade para esperar, tendência para agir sem pensar ou avaliar a situação, insensibilidade às consequências, incapacidade para inibir comportamentos indesejáveis e adiar a gratificação (Swann, Bjork, Moeller, & Dougherty, 2002). Em crianças e adolescentes a impulsividade tem sido relacionada, por autores diversos, com comportamentos de externalização e internalização (e.g., hiperatividade, agressividade, dificuldades de aprendizagem, perturbações de ansiedade e depressivas, perturbação do comportamento, abuso de substâncias) (Ryan, Mackillop, & Carpenter, 2013). Estudos longitudinais têm demonstrado que a impulsividade está associada ao aumento de comportamentos antissociais (López-Romero, Romero, & Andershed, 2015), podendo esta ser considerada como um preditor relevante de comportamentos de risco na adolescência (Carvalho & Novo, 2014).
Há evidências de uma ligação retrospetiva entre psicopatia e impulsividade (Sevecke & Kosson, 2010). Desde há muito que, os investigadores, têm defendido que a impulsividade é uma característica importante do comportamento antissocial e psicopático (Lynam, 1998). Para Hart e Dempster (1997) o conceito de psicopatia, refere-se a uma forma de perturbação da personalidade da qual a impulsividade é um sintoma importante. Para Wallace, Newman, e Bachorowski (1991) a incapacidade de adiar a gratificação, observada em psicopatas, pode dever-se a défices nas respostas associada a um nível mais elevado de impulsividade. Também Lynam (1998) ao aplicar o constructo da psicopatia a crianças e adolescentes deu especial relevo à impulsividade. Para este autor, as crianças que exibiam uma combinação de impulsividade, hiperactividade e défice de atenção, bem como de perturbação do comportamento, teriam uma variante especialmente grave de PC, apresentando estas muitas características atribuídas aos psicopatas adultos (Leistico, Salekin, DeCoster, & Rogers, 2008). Recorrendo a uma amostra clínica de 120 crianças Christian, Frick, Hill, Tyler, e Frazer (1997) avaliaram os traços calosos/não-emocionais, impulsividade e perturbações do comportamento/oposição. As crianças com níveis elevados de impulsividade e nas outras duas áreas, apresentaram comportamentos com características psicopáticas (e.g., comportamentos agressivos, desafio às figuras de autoridade).
A característica essencial da PC é para (American Psychiatric Association [APA], 2014) “um padrão de comportamento repetitivo e intermitente no qual são violados os direitos básicos dos outros ou as principais normas/regras sociais correspondentes à idade do individuo” (p. 566) onde são considerados quatro grupos: Agressão a Pessoas e Animais; Destruição de Propriedade; Falsificação ou Roubo; Violação Grave de Normas. A alteração no diagnóstico da PC no DSM-5, onde se incluiu um especificador de traços de insensibilidade emocional (e.g., falta de remorso ou culpa, indiferença-falta de empatia), caraterísticos da psicopatia, revela a crescente importância dada a este constructo (Frick & Moffitt, 2010). Para vários autores há evidências de que, este, pode estar associado à maior estabilidade dos comportamentos antissociais, comportamentos delinquentes graves e violentos, início precoce de atividades criminais, detenções e condenações precoces (Pechorro et al., 2014). A PC é mais frequente nos indivíduos do sexo masculino do que nos do sexo feminino (APA, 2014; Sevecke et al., 2010). Em geral, tem início entre a segunda infância e o meio da adolescência. Embora possa ser diagnosticada na idade adulta é raro ocorrer depois dos 16 anos de idade (APA, 2014).
Considerando que, os traços aversivos da personalidade só recentemente despertaram o interesse dos investigadores como um grupo de fatores que devem ser estudados em conjunto (Furnham et al., 2013; Jones et al., 2014; Lyons, 2019). Considerando ainda que, os construtos em causa são particularmente relevantes para a compreensão da adaptação dos adolescentes à comunidade onde estão inseridos, com forte impacto na mesma, a presente investigação dará um contributo relevante, pelos construtos abordados e pelas características da amostra em estudo (adolescentes portugueses, ambos os sexos, contexto forense e escolar). Assim sendo, o estudo da TN pode ser relevante para a compreensão de características observadas com frequência em jovens que apresentam comportamentos antissociais e delituosos (Lyons & Jonason, 2015). Por tal, o objetivo da presente investigação foi analisar a relação da TN na predição da impulsividade e PC, onde foram colocadas as hipóteses de que, o presente estudo, irá demonstrar: 1) A variável psicopatia da TN é a que apresenta maior contribuição na predição da impulsividade; 2) A variável psicopatia da TN é a que apresenta maior contribuição na predição da PC. Adicionalmente foram analisados os traços de TN, impulsividade e PC nos grupos em estudo.
Método
Participantes
A amostra total foi constituída por 601 participantes (M idade = 15,95 anos; DP = 1,05 anos; amplitude = 13-18 anos), subdividida em grupo masculino forense (n = 131; M idade = 16,09 anos; DP = 1,14 anos; amplitude = 13-18 anos), grupo masculino escolar (n = 257; M idade = 15,97 anos; DP = 0,98 anos; amplitude = 14-18 anos) e grupo feminino escolar (n = 213; M idade = 15,75 anos; DP = 1,07 anos; amplitude = 14-18 anos). Os participantes que constituíram o grupo masculino forense encontravam-se detidos a nível nacional nos Centros Educativos (CE) da Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), aos quais foi aplicada pelo tribunal a medida tutelar educativa de internamento. Os participantes que constituíram os grupos masculino e feminino escolar encontravam-se a frequentar o ensino básico ou secundário em estabelecimentos públicos da Região do Algarve, Alentejo e Grande Lisboa.
Material
A Dirty Dozen (DD; Jonason & Webster, 2010) é uma medida breve de autorrelato de 12 itens, concebida para avaliar traços de tríade negra, composta por três subescalas, a saber: Maquiavelismo (e.g., Já enganei ou menti para obter o que eu queria), Narcisismo (e.g., Tenho tendência a querer que as outras pessoas sintam admiração por mim) e Psicopatia (e.g., Não costumo sentir remorsos ou arrependimento). Cada item é pontuado numa escala ordinal de 5 pontos (1 = Nunca/Quase nunca; 2 = Poucas vezes; 3 = Algumas vezes; 4 = Muitas vezes; 5 = Quase sempre/ Sempre), sendo que, a obtenção de valores mais elevados, refletem a presença de níveis mais elevados de traços de tríade negra. Na presente investigação foi utilizada a validação portuguesa da DD (Pechorro et al., 2019) com uma consistência interna medida pelo alfa de Cronbach de 0,92.
A SUPPS-P Impulsive Behavior Scale (SUPPS-P; Pechorro, Revilla, Palma, Gonçalves, & Cyders, submetido) é uma medida breve de autorrelato de 20 itens, concebida para avaliar a impulsividade, composta por cinco subescalas, que correspondem a cinco traços de impulsividade, a saber: Urgência positiva (itens 3, 10, 17 e 20), Urgência negativa (itens 6, 8, 13 e 15), Falta de premeditação (itens 2, 5, 12 e 19), Falta de perseverança (itens 1, 4, 7 e 11) e Busca de sensações (itens 9, 14, 16 e 18). Depois de inverter o resultado dos itens apropriados (1, 2, 4, 5, 7, 11, 12 e 19), cada item é pontuado numa escala ordinal de 4 pontos (4 = Discordo muito; 3 = Discordo; 2 = Concordo; 1 = Concordo muito). A obtenção de valores mais elevados, refletem a presença de níveis mais elevados de impulsividade. Na presente investigação a consistência interna medida pelo alfa de Cronbach foi de 0,92.
O Conduct Disorder Screener do Oregon Adolescent Depression Project (OADP-CDS; Lewinsohn, Rohde, & Farrington, 2000) é uma medida breve de autorrelato, composta por 6 itens, concebida para avaliar Perturbação do Comportamento em adolescentes. A escala pode ser pontuada adicionando os itens (1Quebrei regras em casa, 2Quebrei regras na escola, 3Entrei em brigas/lutas, 4Faltei às aulas, 5Fugi de casa, 6Meti-me em problemas por mentir ou roubar) numa escala ordinal de 4 pontos (1 = Nunca/Quase nunca; 2 = Algumas vezes; 3 = Muitas vezes; 4 = Quase sempre/ Sempre). Resultados mais elevados indicam níveis mais elevados de perturbação do comportamento. Na presente investigação foi utilizada uma validação portuguesa do CDS (Palma, Pechorro, Jesus, & Nunes, submetido) com uma consistência interna medida pelo alfa de Cronbach de 0,91.
As características sociodemográficas e criminais da amostra foram recolhidas através de um Questionário Sociodemográfico e Criminal (QSC), construído para a presente investigação, onde foram recolhidos os seguintes dados: Sociodemográficos (e.g., idade, sexo, nacionalidade dos pais, nacionalidade e escolaridade dos participantes, escolaridade, nível socioeconómico e estado civil dos pais) e Criminais (e.g., ocorreram problemas com a lei, idade do primeiro problema com a lei, tipo de problema que ocorreu).
Procedimentos
A recolha de dados do grupo masculino forense ocorreu após a obtenção das autorizações para tratamento de dados pessoais da Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) e recolha de dados nos Centros Educativos (CE) por parte da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP). A recolha de dados ocorreu em todos os CE de Portugal. Antes de ser aplicada a bateria de testes em grupos de 3 a 6, foi entregue a cada participante um termo de consentimento informado. A recolha de dados dos grupos masculino e feminino escolar ocorreu em Agrupamentos de Escolas das Regiões do Algarve, Alentejo e Grande Lisboa, após a obtenção das autorizações para tratamento de dados pessoais da Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD), realização de inquérito em meio escolar da Direção-Geral de Educação (DGE) e respetivas Direções dos Agrupamentos de Escolas do ensino público. Foi entregue um termo de consentimento livre para ser assinado pelos encarregados de educação dos alunos, autorizando a sua participação na investigação, antes de lhes ser aplicada a bateria de testes em grupo, onde se encontrava um termo de consentimento informado para alunos. Tanto no grupo masculino forense quanto nos grupos masculino e feminino escolar foram excluídos os participantes que se encontravam fora do intervalo etário pré-estabelecido (dos 12 aos 18 anos de idade) e que entregaram pelo menos um questionário não utilizável (e.g., não preenchido, ilegível). A taxa de participação foi de 90 % e 92 % respetivamente.
Análise de dados
Para inserir e analisar os dados foi utilizado o software IBM SPSS Statistics for Windows, v25 (IBM Corp, 2017). O tratamento de dados ocorreu com recurso a ANOVA, Kruskal-Wallis, Qui-quadrado para comparar os grupos em estudo quando as variáveis eram métricas, ordinais e nominais. Foi também analisada a consistência interna por alfa de Cronbach, utilizadas correlações Pearson para analisar as associações entre as variáveis escalares e modelos de regressão linear múltipla para analisar a relação entre as variáveis independentes e dependentes (Marôco, 2018). Relativamente à magnitude de correlações, foram estas consideradas entre 0 e 0,20 fracas, entre 0,20 e 0,50 moderadas e acima de 0,50 fortes (Ferguson, 2009). A consistência interna por alfa de Cronbach foi considerada entre 0,60 e 0,69 marginalmente aceitável, acima de 0,70 adequada e acima de 0,80 boa (Nunnally & Bernstein, 1994). Foram efetuados modelos de regressão linear múltipla para analisar as variáveis da TN na predição da impulsividade e PC. Foram analisadas as correlações entre as variáveis independentes, a Tolerância e o VIF para diagnosticar a multicolinearidade. Para analisar a qualidade de ajustamento ou como medida da confiança do modelo de regressão como instrumento preditivo, utilizou-se o coeficiente de determinação R2. Este mede a proporção da variabilidade total que é explicada pelo modelo de regressão (0 ≤ R2 ≤ 1). É uma medida da dimensão do efeito das variáveis independentes sobre a variável dependente. Um valor de R2 = 0 indica que o modelo não se ajusta aos dados. Um valor de R2 = 1 indica um ajustamento perfeito. Um valor próximo de 0 indica que o modelo é muito pouco adequado porque grande parte da variabilidade da variável dependente não é explicada pelas varáveis independentes. Um valor próximo de 1 indica um modelo bastante adequado. Um R2 > 0,50 é indicador de um bom ajustamento. A parte da variabilidade das variáveis dependentes que ficou por explicar, deveu-se a outros fatores não considerados no modelo de regressão (Marôco, 2018). Os resultados foram considerados significativos para p < 0,05.
Resultados
Foram encontradas diferenças estatísticas significativas entre os participantes do grupo masculino forense e grupo feminino escolar relativamente à idade (F = 3,79, p = 0,02). Os dados revelaram também diferenças significativas entre o grupo masculino forense e o grupo masculino e feminino escolar relativamente aos anos de escolaridade completados (F = 273,38, p < 0,001; M masculino forense = 6,49, DP = 1,42, amplitude = 4-10; M masculino escolar = 8,98, DP = 0,95, amplitude = 7-11; M feminino escolar = 8,92, DP = 0,95, amplitude = 7-11), ao nível socioeconómico (NSE) dos pais (KW = 50,47, p < 0,001) e à nacionalidade (χ2 = 18,76, p = 0,00). Os pais dos participantes do grupo masculino forense apresentaram menor NSE. O grupo masculino forense apresentou maior diversidade de nacionalidades relativamente aos grupos masculino e feminino escolar.
No Quadro 1 são apresentados os resultados das associações entre as variáveis em estudo. A variável maquiavelismo associou-se de forma positiva, forte e estatisticamente significativa com a impulsividade e positiva, forte e estatisticamente significativa com a perturbação do comportamento. A variável narcisismo associou-se de forma positiva, moderada e estatisticamente significativa com a impulsividade e a perturbação do comportamento. A variável psicopatia associou-se de forma positiva, forte e significativa com a impulsividade e com a perturbação do comportamento. As correlações entre as variáveis independentes maquiavelismo e narcisismo, entre o narcisismo e a psicopatia e entre a psicopatia e o maquiavelismo foram positivas, fortes e significativas.
Considerando os resultados da regressão múltipla para a TN na predição da impulsividade, pode verificar-se que o modelo é estatisticamente significativo. O valor do R2 indica que a proporção da variabilidade total da impulsividade explicada pelo modelo de regressão é de 73%. O coeficiente de determinação (R2) é indicador de um bom ajustamento do modelo aos dados. Os coeficientes de regressão estandardizados (β) não contribuem de igual forma para o modelo, apresentando magnitudes diferentes. A variável psicopatia é a que apresenta maior contribuição na predição da impulsividade. A variável maquiavelismo também deu o seu contributo, mas consideravelmente menor. O contributo da variável narcisismo não é significativo (ver Quadro 2).
Podemos verificar que, os resultados da regressão múltipla para a TN na predição da PC são estatisticamente significativos. O valor do R2 indica que a proporção da variabilidade total de PC explicada pelo modelo de regressão múltipla é de 57%. O coeficiente de determinação (R2) é indicador de um bom ajustamento do modelo aos dados. Os coeficientes de regressão estandardizados (β) não contribuíram de igual forma para o modelo de regressão. A variável psicopatia é a que apresenta maior contribuição na predição da PC. A variável maquiavelismo apresenta também a sua contribuição significativa, porém, é consideravelmente menor. A contribuição da variável narcisismo não é significativa (ver Quadro 3).
No Quadro 4 são apresentados os resultados dos traços de TN, impulsividade e PC relativamente aos grupos em estudo. Os dados revelaram que, o grupo masculino forense obteve pontuações mais elevadas e estatisticamente significativas do que os grupos masculino e feminino escolar e que, o grupo masculino escolar, obteve pontuações mais elevadas e estatisticamente significativas do que o grupo feminino escolar relativamente aos traços de TN, impulsividade e PC. Com recurso ao teste post-hoc Games-Howell, os dados revelaram diferenças significativas entre os grupos masculino forense e masculino escolar (p < 0,001), masculino escolar e feminino escolar (p < 0,001) e masculino forense e feminino escolar (p < 0,001).
Discussão
O objetivo da presente investigação foi analisar a relação da TN na predição da impulsividade e da PC. Foram colocadas as hipóteses de que iria ser demonstrado: 1) A variável psicopatia da TN é a que apresenta maior contribuição na predição da impulsividade; 2) A variável psicopatia da TN é a que apresenta maior contribuição na predição da PC.
Considerando os resultados obtidos foi a variável psicopatia da TN que apresentou maior contribuição para a predição da impulsividade. A variável maquiavelismo também deu o seu contributo, embora consideravelmente menor. O contributo do narcisismo não é significativo. Estes resultados estão em linha com a hipótese por nós colocada e são corroborados por estudos anteriores, consultados na revisão de literatura efetuada. São vários os investigadores que, há muito, têm defendido que a impulsividade é uma característica importante da psicopatia, sendo-lhe dada relevância quando é aplicado o constructo da psicopatia a crianças e adolescentes (e.g., Lynam, 1998), havendo evidências de uma ligação retrospetiva entre psicopatia no adulto e impulsividade na infância (e.g., Sevecke et al., 2010). O conceito de psicopatia refere-se a uma forma de perturbação da personalidade na qual a impulsividade é um sintoma relevante (e.g., Hart et al., 1997).A incapacidade de adiar a gratificação, observada nos psicopatas, pode dever-se a défices nas respostas associadas a níveis elevados de impulsividade (e.g., Wallace et al., 1991). Pelo referido a nossa primeira hipótese foi confirmada.
Considerando ainda os resultados obtidos, foi a variável psicopatia da TN que apresentou a maior contribuição para a predição da PC, estando também estes em linha com o por nós esperado. Estes resultados são corroborados por outros autores quando referem que, no DSM-5, os menores com diagnóstico de PC, apresentam comportamentos semelhantes aos dos adultos com psicopatia (e.g., Leistico et al., 2008), especialmente quando ocorrem emoções prossociais limitadas (e.g., falta de culpa ou remorsos, ausência de empatia) (e.g., Wilson, Juodis, & Porter, 2011). Em estudos anteriores são referidas evidências de uma ligação retrospetiva entre a psicopatia no adulto e a PC na infância (e.g., Sevecke et al., 2010) tendo sido encontradas correlações positivas e significativas entre a psicopatia e a PC (e.g., Myers, Burket, & Harris, 1995). Assim sendo, a nossa segunda hipótese também foi confirmada.
Adicionalmente analisámos os traços de TN, impulsividade e PC nos grupos em estudo. Os resultados obtidos revelaram que, o grupo masculino forense obteve pontuações mais elevadas e significativas do que os grupos masculino e feminino escolar e que, o grupo masculino escolar, obteve pontuações mais elevadas e significativas do que o grupo feminino escolar relativamente aos traços de TN, impulsividade e PC. Estes resultados são corroborados pelos autores por nós consultados na revisão de literatura efetuada para o presente estudo. Foram verificados traços de TN em adolescentes e jovens adultos responsabilizados por crimes violentos nos Estados Unidos da América (EUA) e na Europa (e.g., Muris, Meesters, & Timmermans, 2013). Há evidências de associações significativas entre as três dimensões da TN, pontuações elevadas de agressão e baixas pontuações de empatia (e.g., Jonason et al., 2012). São também referidas correlações positivas e fortes entre as pontuações de traços de TN e as pontuações de interesses sensacionais (violência, armas e crimes), sendo estes últimos considerados preditores de comportamento delituoso (James et al., 2014). Em estudos anteriores é referido que, a impulsividade em adolescentes, têm sido associada de forma significativa a uma maior diversidade e quantidade de crimes cometidos (e.g., Lynam, 1998) e considerada relevante em várias teorias criminais (Lynam & Miller, 2004). Os indivíduos que apresentam na infância predisposição para a impulsividade, podem apresentar tendências criminais ao longo da vida (Pratt & Cullen, 2000). Há evidências clínicas, educacionais e forenses de que, os jovens com níveis elevados de impulsividade, apresentam um risco aumentado para causarem danos não só a si como também aos outros (e.g., Moeller et al., 2001) e que, a impulsividade está associada ao aumento de comportamentos antissociais (e.g., López-Romero et al., 2015). A impulsividade por parte da criança ou do jovem aumenta o risco de comportamento antissocial persistente a longo prazo porque interferem diretamente na capacidade de controlar os seus comportamentos e pensar nas consequências futuras dos seus atos. A influência indireta deve ser considerada, quando os défices no controlo dos impulsos podem levar ao insucesso escolar, fomentando a incapacidade futura de ter sucesso socioprofissional, levando o indivíduo a procurar benefícios a curto prazo, associados ao envolvimento em atividades antissociais (Moffitt, 1993). Assim sendo, os adolescentes que apresentam níveis elevados de impulsividade e fraco controlo inibitório têm maior probabilidade de serem adolescentes com início precoce de delinquência (e.g., Carroll et al., 2006).
Relativamente às diferenças apresentadas entre os grupos masculinos (forense e escolar) e o grupo feminino escolar a investigação empírica tem demonstrado que os indivíduos do sexo masculino optam por métodos mais violentos para atingir os seus objetivos, enquanto que, os indivíduos do sexo feminino recorrem maioritariamente a outras estratégias (e.g., manipulação, sedução) (Forouzan & Cooke, 2005). Considerando a baixa incidência da atividade criminal entre o sexo feminino quando comparada ao sexo masculino, especialmente nos indivíduos mais jovens (Hipwell et al., 2002) é sugerido que, tanto o início precoce (infância) como o início tardio (adolescência) da atividade criminal não podem ser aplicados às raparigas. Alguns autores sugerem que as raparigas com comportamentos antissociais seguem um percurso diferente, o qual denominaram por trajetória de início adiado. Os mecanismos patogénicos que podem contribuir para o desenvolvimento de comportamentos antissociais nas raparigas (e.g., défices neuropsicológicos e cognitivos, ambiente familiar disfuncional, insensibilidade emocional) embora já estando presentes na infância, não as levam à prática de comportamentos antissociais graves até à adolescência (Silverthorn & Frick, 1999).
Relativamente à PC, também é referido por autores diversos que, esta, é mais frequente nos indivíduos do sexo masculino. Os rapazes apresentam mais comportamentos externalizantes (e,g., agressividade, antissociais) (e.g., APA, 2014; Pechorro, Pontes, DeLisi, Alberto, & Simões, 2018), enquanto as raparigas, na adolescência, apresentam mais tendência para comportamentos internalizantes relacionados com Perturbações de Ansiedade e Perturbações Depressivas (APA, 2014).
Concluímos que, a dimensão psicopatia da TN é a que apresenta maior contribuição para a predição da impulsividade. A dimensão maquiavelismo também deu o seu contributo, embora consideravelmente menor. O contributo da dimensão narcisismo não é significativo. Concluímos também que, a dimensão da psicopatia da TN é a que apresenta maior contribuição para a predição da PC. A dimensão maquiavelismo também dá o seu contributo, embora consideravelmente menor. O contributo da dimensão narcisismo não é significativo. Por fim, concluímos que, o grupo masculino forense apresentou pontuações mais elevadas do que os grupos masculino e feminino escolar e que, o grupo masculino escolar obteve pontuações mais elevadas do que o grupo feminino escolar de traços de TN, impulsividade e PC.
O facto de apenas terem sido utilizadas medidas de autorresposta pode ser considerada uma limitação deste estudo. Assim sendo, em estudos futuros, sugerimos também a utilização de métodos de avaliação múltiplos (e.g., rating scales), outros informadores (e.g., pais, professores) e outras fontes de informação (e.g., informação institucional dos Centros Educativos e Escolas). Outra limitação que deve ser referida é a ausência de um grupo feminino forense. Embora a investigação empírica tenha demonstrado que a delinquência juvenil está mais concentrada nos jovens do sexo masculino, o número de jovens do sexo feminino, neste contexto, tem vindo a aumentar nos últimos anos a nível nacional e internacional, como referem diversos autores (e.g., Duarte, 2012).
Os resultados obtidos fornecem informação relevante sobre os traços de TN como preditores de impulsividade e de PC e sobre a avaliação dos traços de TN, Impulsividade e PC em adolescentes portugueses, em contexto forense e escolar. Assim sendo, esperamos que, o presente estudo, estimule futuras investigações e sejam considerados os resultados aqui obtidos para reflexão e desenvolvimento de programas de prevenção e intervenção (e.g., psicoterapêuticos, psicossociais).
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Financiamento
Este artigo é financiado por Fundos Nacionais através da FCT - Fundação para a Ciência e a Tecnologia no âmbito do projeto UIDB/04020/2020 - CINTURS BASE” / ”This paper is financed by National Funds provided by FCTFoundation for Science and Technology through project UIDB/04020/2020 - CINTURS BASE.
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Recebido em 11 de Novembro de 2019/ Aceite em 04 de Maio de 2020