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Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.22 no.1 Lisboa abr. 2021  Epub 30-Abr-2021

https://doi.org/10.15309/21psd220110 

Artigo

Escala brasileira de motivos para viver (bemviver): construção e validade de conteúdo.

Reasons to be alive brazilian scale (bemviver): construction and content validity.

Makilim Nunes Baptista1 

Ana Celi Pallini1 

1 Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade São Francisco, Campinas, Brasil, makilim01@gmail.com, anapallini@outlook.com


Resumo

Avaliar os motivos que as pessoas têm para viver pode fornecer dados de saúde em uma perspectiva positiva e medir indiretamente riscos e sintomas de diversos transtornos como a depressão, e o fenômeno do suicídio. Porém, além de existir poucos instrumentos que se propõem a mensurar esses aspectos, eles dificilmente contam com uma construção que considere a realidade vivencial das pessoas, bem como, amostras diferenciadas, aspecto que tem sido amplamente criticado nas pesquisas em psicologia. Desta forma, o objetivo desse estudo é apresentar o processo de construção de um instrumento pautado em categorias teóricas advindas do discurso de uma amostra heterogênea, bem como, buscar evidências de validade baseadas no conteúdo. Para isso, foram elaborados 72 itens, divididos em oito categorias denominadas: Suporte familiar, Suporte social, Espiritualidade/religiosidade, Perspectivas e planos para o futuro, Amor próprio, Saúde, Aproveitamento da vida e Realização profissional. Cada categoria contou com pelo menos sete itens. Posteriormente, o instrumento denominado como Escala Brasileira de Motivos para Viver (BEMVIVER) foi submetido à avaliação de cinco juízes especialistas e teve sua adequação semântica testada no estudo piloto com pessoas de baixa escolaridade. A análise de concordância entre os juízes medidas pelo Kappa revelou concordâncias substanciais (K=0,68) e, mediante análise das sugestões dadas, houve redução de 5 itens, ficando em uma versão de 67 itens para o estudo de estrutura interna, versão essa que se manteve ao final deste estudo.

Palavras-Chave: avaliação; escala; motivos para viver; validade

Abstract

Assessing people's reasons for living can provide health data in a positive light and indirectly measure risks and symptoms of various disorders such as depression and the phenomenon of suicide. However, in addition to the fact that there are few instruments that propose to measure these aspects, they hardly have a construction that takes into account people's living reality, as well as different samples, an aspect that has been widely criticized in research in psychology. Thus, the aim of this study is to present the process of building an instrument based on theoretical categories arising from the discourse of a heterogeneous sample, as well as to search for evidence of validity based on the content. For this, 72 items were prepared, divided into eight categories called: Family support, Social support, Spirituality / religiosity, Perspectives and plans for the future, Self-love, Health, Enjoyment of life and Professional fulfillment. Each category had at least seven items. Subsequently, the instrument called the Brazilian Scale of Reasons for Living (BEMVIVER) was subjected to the evaluation of five expert judges and had its semantic adequacy tested in the pilot study with people with low education. The analysis of agreement between the judges measured by Kappa revealed substantial concordances (K= 0.68) and, through the analysis of the suggestions given, there was a reduction of 5 items, remaining in a version of 67 items for the pilot study, a version that maintained at the end of the study.

Keywords: evaluation; scale; reasons for living; validity

Os Motivos Para Viver (MPV) podem contemplar aspectos de natureza individual, familiar ou social. Os aspectos individuais se tratam de valores pessoais, projetos de vida e características que dizem respeito somente à própria pessoa, como personalidade, visão de mundo, crenças pessoais (Pallini, 2020). Os familiares, envolvem ações de apoio, afetos, segurança e confiança no relacionamento entre os membros da família. Já os sociais, estão ligados ao pertencimento a um determinado grupo (amigos, religioso, esportivo e/ou afins), bem como, possuir estabilidade financeira e ter acesso a serviços básicos de saúde e da comunidade (Carvalho et al., 2013; Chan et al., 2017; Heisel & Flett, 2004; Organização Mundial da Saúde, 2006; Rodgers, 2011).

Esses aspectos foram abordados em documentos da Organização Mundial da Saúde (OMS), como cartilhas e manuais de prevenção (OMS, 2000; OMS, 2006), planos nacionais de prevenção ao suicídio (Carvalho et al., 2013; Ministério da Saúde, 2006) e se aproximam de temáticas e construtos estudados pela Psicologia Positiva, como o bem-estar subjetivo, por exemplo (Camalionte, 2020; Seligman, 2004). Apesar de já terem sido ressaltados os benefícios e a necessidade de se olhar com maior cuidado para aspectos protetivos e positivos da vida, eles ainda permanecem pouco explorados (Bakhiyi et al., 2016; Kirtley et al., 2018).

Desta forma, a falta de clareza sobre quais seriam os componentes dos MPV é um desafio não somente para a compreensão, mas também, para a mensuração deles. O panorama geral aborda o conceito de duas formas diferentes, uma delas, conta com uma perspectiva ampla que não fornece indicadores passíveis de investigação, como pode ser visto no estudo de Wexler et al. (2012). Nesse estudo não foi apresentada uma definição de MPV, mas considerou como tal, qualquer situação ou aspecto que os participantes consideraram como positivo na vida, sem, contudo, classificá-los. Essa concepção leva em conta as individualidades, porém, representa uma limitação quanto ao reconhecimento de indicadores representativos e comuns a experiência humana.

Em um cenário diferente, outras pesquisas partem das razões para viver definidas por Linehan et al., (1983), a título de exemplo tem-se os estudos de Bakhiyi et al., (2017), Britton et al., (2008), e Lizardi et al., (2007), nos quais as razões para viver tratam de um conjunto de crenças importantes para mitigar o risco de suicídio. Uma ressalva sobre essa conceituação, é que ela não partiu exclusivamente dos motivos que as pessoas teriam para viver, mas, dos motivos que teriam para não tirarem a própria vida, podendo tratar de aspectos e visões completamente diferentes.

No Brasil, até o momento houve apenas uma iniciativa no que se refere a instrumento de avaliação dos MPV (Gomes et al., 2020). A escala desenvolvida por Gomes (2015), denominada como Escala de Motivos para Viver (EMVIVER) é baseada nos princípios da Psicologia Positiva e no Reasons for Living Inventory (RFLI), na qual os MPV são representados por três fatores, a saber: Relacionamentos significativos, Atração pela vida e Virtudes. O autor pontuou que o enfoque nos aspectos positivos é a principal diferença entre a EMVIVER e o RFLI, e por conter apenas itens positivos, ela enfatiza perspectivas positivas sobre a vida, bem como, sentimentos de esperança.

Se por um lado o enfoque nos aspectos positivos é uma característica interessante da EMVIVER, por outro, algumas lacunas podem ser apresentadas em detrimento da amostra. Os itens foram desenvolvidos com base somente no discurso de universitários (N=107), residentes em um mesmo lugar. Isso limitou a representação dos MPV para a população geral, desconsiderando possíveis aspectos importantes para grupos diferenciados, tais como pessoas doentes ou idosas, por exemplo.

As considerações feitas por Henrich et al. (2010), também destacadas por Ponciano et al. (2012) fundamentam as críticas levantadas. Eles destacaram que um dos grandes problemas dos instrumentos e pesquisas na psicologia é o fato de que se utilizam apenas amostras denominadas como Western, Educated, Industrialized, Rich and Democratic (WEIRD) - Ocidental, Educado, Industrializado, Rico e Democrático. Esse tipo de amostra é caracterizado por pessoas de alta escolaridade, industrializadas, ricas e democráticas (principalmente universitários). De acordo com os mesmos autores, 96% das amostras que compõe as pesquisas possuem essas características, o que representa um problema evidente visto que elas representam apenas 12% da população mundial. Sendo assim, faz-se necessário desenvolver pesquisas que considere diferentes perfis de pessoas, contextos, condições clínicas e sociodemográficas.

Além das características citadas como importantes de levar em conta na forma com que o instrumento é construído, também é importante destacar o porquê um instrumento com a temática de motivos para viver é importante. Diversos estudos têm demonstrado que os motivos para viver possuem relação negativa com diversos transtornos, tais como a depressão, e o fenômeno do suicídio, reduzindo os riscos (Bakhiyi et al., 2016; Bakhiyi et al., 2017; Cremasco & Baptista, 2017; Kirtley et al., 2018). Essa informação revela que a mensuração desses motivos pode ser uma forma de investigar indiretamente os riscos associados ao desenvolvimento de doenças e ameaças à vida.

Instrumentos que avaliam indicadores positivos, também conseguem funcionar como preditores de aspectos protetivos e melhor saúde mental, sendo um ponto importante para processos de promoção e prevenção da saúde (Monteiro et al., 2019). Essa contribuição pode ser de extrema relevância considerando que a OMS evidenciou a urgência de se pensar estratégias, ferramentas e programas que visem a saúde e prevenção (Organização Pan-Americana de Saúde & OMS, 2016; World Health Organization, 2002).

Diante das possíveis lacunas identificadas nos instrumentos citados e a necessidade de instrumentos com enfoque positivos, o objetivo do presente trabalho foi apresentar os passos iniciais da construção de um novo instrumento de avaliação dos motivos para viver, intitulado de Escala Brasileira de Motivos para Viver (BEMVIVER), que diferencia-se da EMVIVER por ter itens construídos com base em uma amostra maior e com diferentes características clínicas e sociodemográficas e da RFLI por não ter imposto uma situação negativa e focalizar os aspectos saudáveis e positivos. Posteriormente também foram investigadas evidências de validade baseadas no conteúdo, verificando se ele é apropriado para mensurar os motivos para viver, bem como se é acessível a pessoas com baixos níveis escolares, considerando que um dos objetivos é que seja um instrumento acessível e de fácil compreensão.

Estudo 1: Construção do instrumento

Esse estudo foi realizado com um banco de dados do Laboratório de Avaliação Psicológica em Saúde Mental (LAPSaM) da Universidade São Francisco.

Método

Participantes

Foram 690 participantes, ambos os sexos, com idade média de 46,1 anos (DP=22,1). A amostra foi heterogênea, visto que havia pessoas com características clínicas e sociodemográficas diferenciadas. A amostra foi composta por 268 universitários, 383 pacientes de neurologia e 39 pacientes de hemodiálise (público-alvo dos locais que tiveram abertura para coleta). Posteriormente, para melhor análise de dados, eles foram divididos em dois grupos: um geral, com pessoas saudáveis (que não estavam sobre nenhum tipo de tratamento e acompanhamento médico), representada pelos universitários (N=268); e outro de pacientes clínicos, com pessoas doentes (N=422), no qual foram agrupados os pacientes de neurologia e de hemodiálise. Maior detalhamento das características da amostra consta no Quadro 1.

Como critério de inclusão os participantes deveriam apresentar condições mínimas de compreensão cognitiva e lucidez para responder a pesquisa. Para o grupo de pacientes clínicos não era necessário ter domínio de leitura e escrita, uma vez que os pesquisadores fizeram abordagens individuais dos pacientes e a leitura e preenchimento das informações, quando necessário, foram feitas por eles.

Quadro 1 Dados sociodemográficos por grupo 

Material

Banco de dados contendo informações sociodemográficas e clínicas (sexo, idade, estado civil, existência de doença ou condição clínica, escolaridade) e respostas a pergunta aberta “Quais são os seus motivos para viver?”. Esse banco conteve coletas realizadas em diversas regiões do país, sendo a maior parte do sudeste e nordeste.

Procedimento

As coletas dos dados que compuseram o banco foram feitas mediante o cumprimento dos procedimentos éticos: aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade São Francisco (CAAE: 08037419.5.0000.5514) e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) pelos participantes. O grupo geral, de pessoas saudáveis (universitários), teve a coleta realizada de forma coletiva e em sala de aula. O grupo de pacientes clínicos teve a coleta feita de forma individual em salas apropriadas e disponibilizadas pelas instituições.

Análise de dados

As respostas a pergunta aberta foram analisadas qualititativamente, seguindo a proposta de codificação aberta de Gibbs (2009) em um estudo anterior e forneceu oito categorias teóricas (Pallini & Baptista, 2019a). Essas categorias foram nomeadas: Suporte familiar, Suporte social, Espiritualidade/religiosidade, Perspectivas e planos para o futuro, Amor próprio1, Saúde, Aproveitamento da vida e Realização profissional. No presente estudo, as respostas à mesma pergunta aberta foram codificadas, com atribuição de um ponto nas categorias em que melhor se encaixavam. Essa atribuição de pontos foi feita manualmente por dois pesquisadores independentes e somente foram consideradas aquelas em que a concordância foi de 100%, sendo antecipado que um terceiro avaliador faria uma avaliação em respostas que houvesse divergência de compreensão.

A atribuição de pontos permitiu a realização de testes de diferenças de média (teste t de Student e ANOVA) por intermédio do software estatístico SPSS-25, para verificar a variabilidade e frequência na escolha dessas categorias em relação aos dados sociodemográficos e clínicos (sexo, estado civil, grupos de doentes e saudáveis). O proposito dessa codificação e atribuição de pontos foi de identificar previamente se haveriam diferenças importantes na escolha desses motivos em detrimento das características sociodemográficas e clínicas. Isso permitiria aos autores ter uma visão mais ampla do processo de codificação, aproveitando as características diversificadas da amostra para poder elaborar um instrumento que fosse abrangente, mas não deixasse de considerar as particularidades.

A construção dos itens então foi feita levando em consideração as categorias teóricas supracitadas e o panorama geral das diferenças encontradas. Foi feita uma síntese com as definições de cada categoria para nortear a escrita dos itens e estabelecido que seriam criados pelo menos cinco itens por categoria, não tendo um limite máximo. A adequação e distribuição desses itens foi avaliada por juízes e pessoas com baixa escolaridade e os procedimentos e resultados dessa avaliação foram descritos no Estudo 2.

Resultados

A atribuição de pontos para as respostas que se encaixavam em cada categoria teve concordância total entre os pesquisadores, não necessitando de um terceiro avaliador. Alguns exemplos dessa atribuição de pontos: para a resposta “minha família, porque me ajuda na necessidade”, foi atribuído um ponto na categoria de suporte familiar; para a resposta “deus, porque é tudo para mim”, foi atribuído um ponto para a categoria espiritualidade/religiosidade, processo esse feito para cada uma das respostas. A Figura 1 mostra a distribuição geral das respostas que se encaixaram em cada categoria considerando toda a amostra.

Figura 1 Frequência de respostas para cada categoria. 

Os resultados das análises de diferenças de média revelaram que em relação ao sexo da amostra total, as diferenças foram significativas apenas para o Suporte familiar (t[688]=3,01; p<0,001) e Suporte social (t[688]=2,27; p=0,02), sendo que, em ambos, as mulheres pontuaram mais que os homens. Em relação ao estado civil, a ANOVA demonstrou diferenças em relação a maior parte das categorias (Suporte social, Espiritualidade/religiosidade, Perspectivas e planos para o futuro, Saúde e Realização profissional). Porém, essas diferenças foram significativas (p<0,05) apenas dos solteiros em relação aos demais grupos. Os solteiros demonstraram maior valorização do Suporte social, Perspectivas e planos para o futuro e Realização profissional, e valorizaram menos as categorias de Espiritualidade/religiosidade e Saúde. Nessa amostra, 76,1% dos solteiros, eram universitários.

Em relação ao nível de escolaridade, as principais diferenças se deram do grupo que compunha o ensino superior incompleto (que no caso, representam na maioria, o grupo formado por universitários) em relação aos outros grupos. Sendo assim, essa diferença será melhor verificada na comparação entre os lugares de coleta. Uma ANOVA com prova post-hoc de Tukey, feita em relação ao lugar da coleta indicou diferenças significativas entre os grupos na maioria das categorias de MPV. Em relação ao Suporte familiar, não houveram diferenças significativas entre os grupos. Já em relação às categorias de Suporte social, Perspectivas e planos para o futuro e Realização profissional, os universitários se diferenciaram significativamente dos demais grupos, demonstrando que tais aspectos são mais valorizados por eles. As médias para os universitários foram de 0,46 (Suporte social), 0,49 (Perspectivas e planos para o futuro) e 0,35 (Realização profissional), enquanto para os pacientes em hemodiálise foram sequencialmente de 0,05, 0,26 e 0,03 e para os do centro de neurologia de 0,19, 0,27 e 0,09. Além disso, em relação a Espiritualidade/religiosidade, os universitários também se diferenciaram, com uma média de 0,10, enquanto os pacientes do centro de neurologia e de hemodiálise tiveram média de 0,26. Nesse último caso, de forma contrária aos construtos anteriores, a Espiritualidade/religiosidade não apareceu como um fator de alta relevância para universitários.

Os pacientes do centro de neurologia se diferenciaram significativamente dos demais grupos apenas em relação às categorias de Amor próprio (0,34) e a de Saúde (0,33), também demonstrando maior valorização desses aspectos (pacientes de hemodiálise obtiveram média de 0,15 e 0,03 e universitários de 0,18 e 0,01 consecutivamente) destes aspectos. O grupo de pacientes em hemodiálise se diferenciou dos demais apenas em relação ao Aproveitamento da vida (que não apareceu em seus relatos), apontando essa categoria como algo de pouca ou nenhuma relevância.

Dado que as diferenças foram bastante parecidas entre os pacientes de neurologia e em tratamento de hemodiálise, além de a amostra dos pacientes de hemodiálise ser relativamente pequena em relação aos outros dois grupos, optou-se por dividir a amostra em dois grupos. Os universitários passaram a compor a amostra geral, e os pacientes do centro de neurologia e em tratamento de hemodiálise, o grupo denominado de pacientes clínicos. É importante ressaltar que as condições físicas e características da condição de saúde dos participantes em tratamento são diferentes, portanto, entender as particularidades de cada uma é fundamental para a discussão, mesmo que elas tenham passado a compor o mesmo grupo.

O teste t comparando os dois grupos, confirmou as diferenças evidenciadas pela ANOVA (Quadro 2). Uma observação de mudança pode ser feita apenas em relação à categoria de Aproveitamento da vida. Nessa nova configuração (grupo geral versus grupo de pacientes clínicos), as diferenças passaram a ser não-significativas, ou seja, quando o grupo de pacientes em hemodiálise se juntou aos do centro de neurologia, as diferenças em relação aos universitários para essa categoria, se anularam. Isso quer dizer que, tanto para pessoas tratamento de saúde, quanto para os da população geral representada pelos universitários, aproveitar a vida tem graus semelhantes de importância, assim como o suporte familiar. As categorias de Suporte familiar e Aproveitamento da vida apresentaram tamanhos de efeito considerados como médios pelo r e grandes pelo d de Cohen. As demais categorias tiveram valores considerados como grandes (r) e enormes (d de Cohen) consecutivamente (Tabela 2).

Quadro 2 Test t de Student para diferenças de média em relação aos grupos de universitários e pacientes clínicos e r e d de Cohen para tamanho do efeito 

*. A diferença média é significativa no nível 0,05.

Em relação aos itens, foram construídos inicialmente 72 itens a partir das categorias teóricas, sendo que cada categoria contou com pelo menos sete itens. A divisão detalhada da quantidade de itens por categoria foi: Suporte familiar (8 itens), Suporte social (14 itens), Espiritualidade/religiosidade (7 itens), Perspectivas e planos para o futuro (12 itens), Amor próprio (7 itens), Saúde (7 itens), Aproveitamento da vida (10 itens) e Realização profissional (7 itens). As categorias de Suporte social, Perspectivas e planos para o futuro e Aproveitamento da vida tiveram mais de itens em virtude de contemplarem aspectos mais amplos.

Para a categoria de Suporte familiar, foram elaborados itens que envolvessem ações de cuidado e apoio compartilhado entre familiares, independente de sua estrutura ou modelo. Tais ações dizem respeito à promoção e recebimento de afetos, diálogo, autonomia, empatia, regras, orientações, dentre outras, que resultam na satisfação, sentimento de valorização e pertença. Exemplo de itens: “Ser amada(o) pela minha família”, “Ter uma família que me ajuda”, “Cuidar da minha família”. Em relação à categoria de Suporte social, a definição foi bastante semelhante ao suporte familiar, porém, mais relacionada a amigos e comunidade de forma geral, podendo ser compreendido como interações e ações de apoio, ajuda, cuidado e compartilhamentos feitos entre os grupos sociais. Sendo assim, os itens criados envolveram além de afetos e suporte, a participação em diferentes grupos (e.g. religiosos, esportivos, artísticos e outros), como exemplo: “Ter amigos para compartilhar meus sonhos e planos”, “Poder contar com meus amigos” e “Participar de grupos esportivos”.

Na categoria de Espiritualidade/Religiosidade, foram elaborados itens que contemplassem de alguma forma uma experiência individual e/ou grupal, na qual a crença em um “deus” ou “ser superior”, práticas religiosas ou filosofias de vida estivessem em evidência, de forma a contemplar o ato de busca por conexão com algo que transcenda e dê sentido e propósito à experiência de viver. É importante ressaltar que espiritualidade e religiosidade são fenômenos diferentes, porém optou-se por unificar essa categoria e elaborar itens que comtemplassem características de ambos os construtos em um mesmo fator, entendendo que a probabilidade deles se agruparem por proximidades teórica é grande. Alguns exemplos de itens foram: “Ter fé em um ser superior” e “Participar de reuniões religiosas (cultos, missas, encontros)”. A categoria Perspectiva e planos para o futuro tinha como objetivo contemplar uma orientação, expectativa e metas a serem realizadas no futuro, seja ele próximo ou distante. Nessa categoria se incluí sonhos, projetos e ações nas quais se tenha esperança, vontade ou planejamento estabelecido para algo que queira realizar e atingir na vida, dentre outros aspectos que as pessoas ainda queiram viver, conhecer e/ou experienciar. Alguns itens foram: “Fazer planos para o futuro”, “Conhecer lugares diferentes”, “Ter sonhos na vida”.

Em Amor próprio o objetivo foi elaborar itens que acessassem a felicidade das pessoas com sua própria vida, de querer continuar vivendo e sentir prazer em viver. Envolveu aspectos de bem-estar pessoal, como se sentir bem consigo mesmo, desfrutar da própria companhia e conseguir ver a vida como algo valioso. Alguns itens foram: “Dar valor a vida” e “Estar de bem comigo”. Já na categoria de Saúde, optou-se por itens que focalizassem mais os cuidados e dedicação à saúde de forma geral, mas principalmente com o corpo, visto que haveriam outras categorias que contemplariam o bem-estar em outras esferas da vida, como a categoria de Aproveitamento da vida, por exemplo. Portanto itens exemplos da categoria de Saúde, foram: “Tirar tempo para cuidar da saúde”, “Me informar de hábitos que façam bem ao meu corpo”.

A categoria de Aproveitamento da vida disse respeito ao quanto uma pessoa sentia prazer e desfrutava da própria vida. Envolveu aspectos ligados a felicidade e bem-estar, como realizar atividades que gosta e experienciar momentos prazerosos, resultando no acúmulo de experiências felizes. Alguns itens como “Passear e ter momentos de lazer” “Me divertir fazendo coisas que eu gosto” e “Aproveitar cada minuto da vida” são exemplos dela. Por fim, a categoria de Realização profissional compreendeu noções de estabilidade financeira, possuir um emprego ou ocupação, ter possibilidade de estudar ou capacitar-se profissionalmente, entre outros meios considerados como ocupação. Tratou-se de ofícios nos quais as pessoas investem seu tempo e habilidades para executar, e da qual lhe poderia prover sustento presente ou futuro. Alguns itens exemplos: “Estudar e obter conhecimento”, “Ter um bom salário”, “Ter um trabalho em que sou reconhecido”.

Após a elaboração dos itens foi definida uma chave de resposta para o instrumento, em escala tipo Likert de quatro pontos, sendo 0 “Nada importante”, 1 “Pouco importante”, 2 “Muito importante” e 3 “Totalmente importante”. Desta forma, com a primeira versão do instrumento finalizada, ele foi submetido ao primeiro estudo de evidências de validade baseada no conteúdo, que será descrito na sequência.

Estudo 2: Evidências de validade de conteúdo

A busca por evidências de validade baseada no conteúdo, se constituiu em duas etapas. Na primeira delas, o instrumento (BEMVIVER), foi avaliado por juízes e na segunda, após as adequações necessárias, ele foi aplicado em pessoas com baixa escolaridade para atestar a validade semântica dos itens (compreensão).

Etapa 1: Avaliação de Juízes

Método

Participantes

Foram cinco especialistas, com conhecimento e experiência em construção de instrumentos psicológicos e psicometria. Todos eles já tinham trabalhado com processos de construção de instrumento, sendo que três deles eram doutores e professores de programas de pós-graduação stricto sensu especializado em Avaliação Psicológica, os outros dois eram mestre e doutorando, também vinculados a uma instituição de ensino superior do estado de São Paulo, com a mesma especialidade.

Instrumentos

Ficha de avaliação do instrumento: Documento em formato excel. Foi composto por uma parte com resumos teóricos de cada categoria (exemplo de descrição de uma delas: O aproveitamento da vida, diz respeito ao quanto uma pessoa sente prazer e desfruta da própria vida. Envolve aspectos ligados a felicidade e bem-estar, como realizar atividades que gosta e experienciar momentos prazerosos, resultando no acúmulo de experiências felizes). Na segunda parte foram dispostos os itens do instrumento e espaços destinados a uma série de avaliações (categoria pertencente, grau de adequação do item, sugestões para melhora dos itens) e a última parte para comentários e sugestões adicionais aos itens e ao instrumento.

Procedimento

A ficha de avaliação do instrumento criado (BEMVIVER), foi enviada via e-mail para os juízes. Essa avaliação foi realizada em duas semanas.

Análise de dados

A indicação de categorias para cada item foi inicialmente avaliada por meio da Análise de Concordância Kappa, com o valor mínimo estabelecido de 0,60, por intermédio do programa R. Esse valor indica a existência de concordâncias substanciais de acordo com Landis e Koch (1977). As sugestões extras que foram dadas pelos juízes foram analisadas qualitativamente pelos pesquisadores, que conjuntamente decidiram pela aceitação delas no instrumento.

Resultados

A análise dos juízes sobre a primeira versão da BEMVIVER teve como resultado um Kappa geral de 0,68 (p<0,01), indicando concordâncias substanciais entre os juízes (Landis & Koch, 1977). Separadamente, os índices de concordância para cada categoria foram: Suporte Familiar (k=0,91; p<0,01), Suporte social (k=0,79; p<0,01), Espiritualidade/religiosidade (k=0,53; p<0,01), Perspectiva e planos para o futuro (k=0,55; p<0,01), Amor próprio (k=0,43; p<0,01), Saúde (k=0,86; p<0,01), Aproveitamento da vida (k=0,48; p<0,01), Realização profissional (k=0,72; p<0,01).

A escala teve diminuição de cinco itens, sendo que nenhum item foi retirado por avaliação negativa de três juízes (maioria), apenas foi sugerido que alguns deles tivessem seu conteúdo readequado para itens que tratavam da mesma ideia. Um exemplo pode ser dado em relação aos itens “Participar de um grupo religioso” e “Participar de grupos esportivos”, se tratando do pertencimento a um determinado grupo social, que foram readequados e compilados em um único item, ficando em sua formulação final como “Participar de um grupo (e.g. esportivo, religioso, amigos, entre outros)”. Não houve sugestões quanto ao cabeçalho e formato de resposta e a versão piloto para aplicação em pessoas de baixa escolaridade foi composta por 67 itens.

Etapa 2: Estudo piloto

Método

Participantes

Foram 10 pessoas, ambos os sexos, com idade média de 37,9 anos (DP=11,5), de baixa escolaridade (Ensino Fundamental Incompleto n=6; Ensino Médio Incompleto n=1 e Ensino Médio Completo n=3). A amostra foi de conveniência, sendo que a maioria das pessoas foram do sexo feminino (60%), todos de religião evangélica e estado civil casado/amasiado. Destes, 60% trabalhavam, 10% tinha diagnóstico de depressão há 10 anos, 30% já tinham pensado em cometer suicídio e 10% já haviam tentado.

Material

Escala Brasileira de Motivos para Viver - (BEMVIVER) (Pallini & Baptista, 2019b). Instrumento construído com base nos resultados empíricos de pesquisa e fatores de proteção a vida. Composto nessa versão por 67 itens, divididos nas oito categorias teóricas supracitadas (“Suporte Familiar”, “Suporte Social”, “Espiritualidade/religiosidade”, “Perspectiva e planos para o futuro”, “Amor próprio”, “Realização profissional”, “Saúde” e “Aproveitamento da vida”). As respostas são dadas em escala tipo Likert de 4 pontos, sendo que 0 corresponde a “nada importante” e 3 a “totalmente importante”.

Procedimento e análise de dados

A coleta foi realizada individualmente com metade da amostra (N=5) e de forma presencial com a outra metade (N=5) devido a disponibilidade dos participantes. Ambas as formas de coleta foram realizadas em uma sala fechada e livre ao máximo de ruídos do ambiente externo. Os objetivos da pesquisa foram explicados para cada participante e, posteriormente, apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), atestando a participação voluntária na pesquisa.

Cada participante respondeu aos itens da escala e posteriormente a pesquisadora releu cada um dos itens e perguntou o que foi compreendido. Esse procedimento foi feito para que em casos de discrepância no entendimento do item ou existência de palavras não conhecidas pelos participantes, a ideia central do item fosse explicada e fossem obtidas sugestões de outras palavras que pudesse substituí-las. A aplicação durou em média 30 minutos.

Foi feita uma análise qualitativa sobre a compreensão das pessoas em cada item, verificando se o conteúdo foi entendido conforme o esperado. Essa análise serviu para averiguar se o instrumento precisaria de novas adequações.

Resultados

Todos os participantes conseguiram entender o enunciado e conteúdo da versão de 67 itens advinda da análise de juízes, não relatando qualquer dificuldade na compreensão das palavras. Porém, em decorrência de um dos participantes ter perguntado se realmente havia entendido o item “Estar ligado a um ser supremo” corretamente, o que de fato aconteceu, os autores optaram por complementá-lo com exemplos para facilitar a compreensão. Esse item foi adaptado para “Estar ligado a um ser supremo (Ex. Deus, Alá, Javé, Orixás, etc)”.

Discussão

O instrumento foi construído com base nas categorias advindas de análises qualitativas dos motivos para viver obtidos a partir dos discursos das pessoas, que também estiveram em consonância com construtos já estabelecidos na literatura (e.g. Suporte familiar; Suporte social; Espiritualidade/religiosidade). Esse aspecto confere ao instrumento um valor diferencial de acordo com Willis (2015), visto que partem da realidade vivencial das pessoas e por isso estão mais próximos das percepções e sentido que elas dão ao seu mundo social, além de possibilitar a ampliação das concepções teóricas.

Essas características de criação da BEMVIVER são semelhantes tanto dos instrumentos citados (EMVIVER e RFLI), quanto de outros instrumentos amplamente utilizados, como o Minnesota Multiphasic Personality Inventory (MMPI), por exemplo (Hathaway & Mckinley, 1940). O MMPI foi criticado inicialmente por seu caráter “ateórico” de construção, mas se mostrou altamente eficaz na avaliação, sendo um dos instrumentos de avaliação da personalidade mais utilizados (Buchanan, 1994; Butcher & Williams, 2009). Esse aspecto reforça que, apesar de diversos autores criticarem instrumentos que advenham inicialmente de dados empíricos e depois tem seus dados confirmados por aspectos teóricos e psicométricos, eles também podem se mostrar suficientes e adequados para mensuração dos fenômenos, não havendo apenas uma forma fixa de construção.

Por contar com uma amostra relativamente grande e heterogênea a BEMVIVER também se destaca, uma vez que sua construção não esteve limitada apenas a amostras WEIRD. Recentemente diversas críticas a construção de instrumentos e estudos psicométricos tem sido feitas, justamente por se basear apenas em amostras com características muito específicas (e.g. universitários, pessoas de alto nível socioeconômico, de apenas uma região, entre outros) (Brito-Júnior, 2018; Feldman, 2015). Henrich et al. (2010 a, b) e Markus (2016), expõem que os instrumentos que possuem somente essas amostras como base acabam por desconsiderar aspectos importantes e se tornam um viés nas pesquisas em psicologia, uma vez que, seus resultados só poderiam ser generalizados para no máximo 12% da população, porcentagem essa que fica muito aquém da realidade e representatividade. Talvez estudos com amostras mais diversificadas possuam maior potencial de generalização.

As categorias teóricas, além de condizer com a realidade vivencial das pessoas, também estiveram de acordo com diversas investigações. Alguns exemplos podem ser encontrados nos estudos de Chan et al. (2017), Nguyen et al. (2015), Patias et al. (2017), e Santos et al. (2016), que evidenciaram a religiosidade e espiritualidade, suporte social e familiar e ter planos para o futuro como destaques enquanto fatores de proteção a vida e indicadores de melhor saúde mental e bem-estar subjetivo. O estudo realizado por Bowling (1995) também mostrou que os relacionamentos com a família ou parentes, saúde própria e de outra pessoa próxima, finanças, padrão de vida e moradia foram indicados como sendo os aspectos mais importantes para viver. Um acréscimo desse estudo é que as pessoas que relataram ter doenças de longa data ou crônicas também enfatizaram a capacidade de sair, fazer compras, andar e executar atividades sociais de vida, lazer e de trabalho como essenciais.

É importante destacar que, apesar da importância evidente de todas as categorias, já no processo de codificação e categorização foi identificado que a escolha dos motivos para viver podem sofrer variações em detrimento das características clínicas e sociodemográficas. Isso acrescenta uma informação útil a ser usada em estudos posteriores de forma que ao controlar melhor essas variáveis, se pode entender melhor como funcionam esses motivos e expandir o conhecimento sobre a temática, que ainda é pouco abordada. Além disso, entender essas variações pode fornecer dados cruciais a clínicos e profissionais da saúde, uma vez que, a partir delas se elaborar programas preventivos e interventivos direcionados a diferentes grupos, adaptando suas práticas aos contextos, necessidades e aquilo que é identificado como muito importante para as pessoas, seja no tratamento clínico individual ou para grupos específicos, como universitários, pacientes crônicos, e outros.

No presente estudo por exemplo, os universitários demonstraram maior valorização dos aspectos ligados as relações/vínculos sociais e realização profissional, o que condiz com estudos como o de Almeida et al. (2018), Cruz et al. (2016) e Kirtley et al. (2018). Os autores enfatizaram que ter um bom suporte social, perspectivas de futuro e realização, ajudam a obter melhor rendimento acadêmico, sucesso profissional e fornecem melhores estratégias para lidar com as situações difíceis que essa fase requer.

Os pacientes clínicos, por sua vez, mostraram valorizar mais as categorias de saúde e espiritualidade. Alvarez et al. (2016), Botega (2017), e Soratto et al. (2016), ressaltaram que as preocupações e apego a espiritualidade, bem como, as condições de saúde se tornam muito presentes quando as pessoas estão acometidas por alguma doença ou enfrentando algum tipo de tratamento. Isso ocorre porque nesses momentos elas precisam lidar como aspectos ligados a finitude e fragilidade da vida, quebras de rotina, cuidados específicos, em alguns casos privação de contatos sociais e atividades prazerosas, entre outros aspectos que geram medo, incômodos, frustração, dor e questionamentos existenciais, sobre os quais precisam repensar suas ações de cuidado próprio e seu sentido de vida.

Uma ressalva também pode ser feita em relação aos tipos de doença, gravidade e métodos de tratamentos na escolha de algumas categorias. Por exemplo, os pacientes de hemodiálise apresentaram menor valorização do aproveitamento da vida, tanto em relação aos universitários, quando aos pacientes de neurologia. Esse aspecto pode indicar que pacientes que estejam passando por métodos mais invasivos de tratamento (como os em hemodiálise), se sintam mais restringidos quanto as possibilidades de aproveitar a vida. Dados como esse pode ajudar os profissionais a pensar atuações voltadas ao fortalecimento das potencialidades do paciente frente aos impactos do tratamento ao qual está submetido, entendendo que os MPV podem variar a depender de sua nova condição de saúde. Porém, é valido considerar que o grupo de pacientes em hemodiálise tinha um número menor de participantes em relação aos demais, sendo um aspecto que precisa ser melhor investigado em amostras maiores.

Em relação a análise de juízes, os dados estiveram próximos dos esperados. As quatro categorias que tiveram valor abaixo de 0,60 individualmente, foram mantidas, em vista da aproximação teórico-prática de algumas delas, percebidas na avaliação dos juízes. Essa aproximação quer dizer que a semântica de alguns itens, nesse caso, foram passíveis de se encaixar em mais de uma categoria, como por exemplo, o item “Tirar um tempo só para mim”, foi vista como passível de fazer parte das categorias de “Amor próprio”, “Aproveitamento da vida” e “Espiritualidade/ Religiosidade”, aspecto que reduziu o valor do Kappa. Esses valores já eram esperados, tendo em vista que as temáticas são semelhantes em algum grau, portanto, tais itens e categorias foram mantidos, sendo possível que na análise fatorial a ser realizada em outro estudo psicométrico da escala, esses itens acabem se agrupando em apenas um fator, em função de tais semelhanças.

Em virtude de pessoas de baixa escolaridade terem compreendido bem o conteúdo dos itens, é possível afirmar que além de ser um instrumento acessível às pessoas com menor grau de instrução, os itens da BEMVIVER possuem boa validade semântica. Em virtude disso, não foi necessária a exclusão de itens, fato que contribuiu para que a versão com 67 itens pudesse prosseguir para uso em outros estudos psicométricos a serem realizados posteriormente.

É importante destacar que apesar de as pessoas terem compreendido bem o conteúdo dos itens no estudo piloto, a amostra foi reduzida e tinha características semelhantes. Portanto, é necessário que sejam feitos outros estudos que possibilitem agregar mais evidências aos resultados encontrados, com a aplicação da BEMVIVER em pessoas que compartilham diferentes características e situações de vida, como por exemplo, pessoas hospitalizadas, adolescentes, idosos, universitários, de diferentes lugares e culturas, verificando se a boa compreensão dos itens se mantém.

Referências

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1Nota. Inicialmente a categoria de Amor próprio possuía a nomenclatura de Amor próprio e a vida (Pallini & Baptista, 2019). Porém, os autores optaram, no presente estudo, pela mudança do nome afim de evitar confusão entre ela e a categoria de Aproveitamento da vida. Desta forma, a primeira (Amor próprio) tem relação com o quanto a pessoa tem apreço por viver e se ama e a última (Aproveitamento da vida) corresponde a forma com que ela aproveita o tempo, lazer e desfruta de momentos prazerosos e felizes.

Recebido: 25 de Novembro de 2020; Aceito: 23 de Fevereiro de 2021

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