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Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.22 no.1 Lisboa abr. 2021  Epub 30-Abr-2021

https://doi.org/10.15309/21psd220123 

Artigo

A transcendência no cuidar: percepções de enfermeiros.

Transcendence in care: nurses’ perceptions.

Vivian da Cunha1 

Fabio Scorsolini-Comin1 

1 Programa de Pós-graduação em Enfermagem Psiquiátrica da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil, vivianfcunha@usp.br, fabio.scorsolini@usp.br


Resumo

A religiosidade/espiritualidade (R/E) compõe uma força relacionada à transcendência, o que vem sendo investigado em contextos de cuidado à saúde a partir da Psicologia Positiva. O objetivo deste estudo é discutir como a força da transcendência pode se fazer presente no cotidiano profissional de enfermeiros que atuam em um hospital geral a partir da noção de R/E como estratégia ou intervenção na assistência prestada. Foram entrevistados 34 enfermeiros de um Hospital Geral do interior do estado de São Paulo (Brasil). Os entrevistados relatam não existir um consenso acerca de um protocolo de cuidado que abarque a R/E, sendo que alguns profissionais questionam o paciente sobre isso e outros não, mas a maioria reconhece essa dimensão como um recurso, fonte de significado e transcendência diante do adoecimento. Ao mesmo tempo, sinalizam resistências culturais/sociais e dificuldades para se sentirem melhor preparados para que cuidados dessa dimensão sejam mais presentes em suas práticas profissionais. As evidências deste estudo somam-se a outras disponíveis na literatura que consideram a R/E uma dimensão capaz de promover benefícios para os desfechos de saúde, mas destaca-se por trazer um reconhecimento de que essa dimensão não é só mais um componente a ser evocado no cuidado, mas uma necessidade humana que leva a uma conexão com o mais íntimo e sagrado para si, de sentimentos e capacidade de transcender as dificuldades. Reforça-se, portanto, a necessidade de uma formação em saúde mais humanizada, integralizada e com foco nos recursos para a superação, a transformação e o bem-estar.

Palavras-Chave: Espiritualidade; religião; enfermeiras e enfermeiros; cuidados de enfermagem; psicologia positiva

Abstract

Religiosity/spirituality (R/S) is a strength related to transcendence, which has been investigated in health care contexts based on Positive Psychology. The aim of this study is to discuss how the strength of transcendence can be present in the professional routine of nurses who work in a general hospital from the notion of R/S as a strategy or intervention in the care provided. 34 nurses were interviewed at a General Hospital in the interior of the state of São Paulo (Brazil). Respondents report that there is no consensus on a care protocol that encompasses R/S, with some professionals questioning the patient about it and others don’t, but most recognize this dimension as a resource, source of meaning and transcendence in the face of illness. At the same time, they signal cultural/social resistance and difficulties to feel better prepared so that care of this dimension is more present in their professional practices. The evidence in this study is added to others available in the literature that consider R/S to be a dimension capable of promoting benefits for health outcomes, but it stands out for bringing a recognition that this dimension is not just another component to be evoked in care, but a human need that leads to a connection with the most intimate and most sacred to oneself, of feelings and the ability to transcend difficulties. Therefore, the need for more humanized, integrated health training focused on resources for overcoming, transformation and well-being is reinforced.

Keywords: Spirituality; religion; nurses and nurses; nursing care; positive psychology

A virada do milênio veio consolidar um movimento na saúde que destaca a importância da religiosidade e da espiritualidade nesse campo, processo este que pode ser considerado milenar, mas que foi e tem sido impulsionado por importantes decisões e protocolos de organizações e instituições nacionais e internacionais responsáveis por pensar a promoção do cuidado. Desde 1998, a Organização Mundial de Saúde (OMS) vem enfatizando a promoção do cuidado e da atenção em saúde, passando pela compreensão de que os indivíduos são seres bio-psico-socio-espirituais (World Health Organization, 1998). Há que se considerar que os aspectos religiosos/espirituais sempre foram evidenciados pela OMS. No entanto, desde esse reconhecimento formal, favoreceu-se o movimento em torno da possibilidade de que pesquisas e protocolos de cuidado fossem construídos e também revisitados, tendo como norteadoras as noções de religiosidade e de espiritualidade (Toniol, 2017).

Ao final da mesma década, a Psicologia Positiva foi divulgada ao mundo, pelo então presidente da American Psychological Association (APA), Martin Seligman. A proposta era a de que o enfoque científico direcionasse pesquisas para investigar as qualidades das pessoas e da promoção do seu funcionamento positivo, ou seja, aspectos que, se forem melhor compreendidos, podem contribuir para uma vida com melhor qualidade, mais adaptativa e plena de significado (Snyder & Lopez, 2009). A proposta de Seligman não foi inovadora, haja vista que outros pesquisadores antes dele se engajaram em investigar esses mesmos aspectos. Em favor desse argumento destacamos o próprio termo Psicologia Positiva, cunhado pela primeira vez por Abraham Maslow, em 1954 (Scorsolini-Comin et al., 2013). Também alguns conceitos explorados por Carl Rogers dentro da abordagem centrada na pessoa, como a tendência atualizante, parecem convergir com diversos elementos que foram posteriormente corporificados pela Psicologia Positiva.

Ainda que a história da Psicologia Positiva não se inicie precisamente em 1998, pode-se destacar que a partir de então houve uma ampla divulgação dessa abordagem, incentivando um olhar apreciativo acerca dos aspectos positivos do ser humano, suas forças e virtudes. Com isso, muitas pesquisas cresceram ao redor do mundo, com destaque sobre aquelas relacionadas às chamadas forças de caráter (Peterson & Seligman, 2004). Entre essas forças, o presente estudo irá se debruçar sobre a religiosidade/espiritualidade (R/E).

A Psicologia Positiva pode ser considerada uma grande propulsora dos estudos científicos acerca da R/E, o que vem ganhando cada vez mais espaço em publicações das áreas da saúde, como na medicina, na enfermagem e na psicologia, por exemplo (Hill & Pargamet, 2003). Atualmente, de acordo com Koenig (2012), a temática da R/E ocupa um lugar central na atenção em saúde, o que já foi considerado marginal anos atrás.

Apesar de serem fenômenos distintos, religião, religiosidade e espiritualidade apresentam uma sobreposição inevitável, em que são compreendidos como fenômenos complexos e multidimensionais que podem ser vivenciados individualmente e coletivamente (Hill et al., 2001). Diante dessas características, não se tem um consenso entre os pesquisadores sobre como seriam conceituados. Este estudo adota a proposta do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (2015), baseado no Relatório síntese para atuação profissional do psicólogo divulgado no contexto brasileiro: (1) Religião: instituição social composta por um sistema de crenças e práticas reunidas que sustentam uma suposta relação com uma dimensão transcendental; (2) Religiosidade: modo pessoal de lidar com ou vivenciar um sistema de crenças e práticas religiosas, que podem estar, ou não ligadas a uma instituição; (3) Espiritualidade: busca de sentido para a vida que pode ou não estar ligada a uma crença religiosa.

Tais definições parecem ser semelhantes às das literaturas proposta por outros autores. De acordo com Koenig et al. (2012), religião seria o constructo com maior consenso entre os pesquisadores, sendo compreendida como envolvendo crenças, práticas e rituais relacionados ao sagrado, carregada de uma conotação popular cultural negativa, especialmente, na área da ciência e educação. Para Freitas (2014), a religiosidade refere-se a disposições humanas que levam as pessoas à capacidade de experimentar fenômenos religiosos. A espiritualidade, de acordo com Zinnbauer e Pargament (2005), é um termo que vem mudando a partir dos anos 1980, se distanciando de aspectos religiosos principalmente pelo aumento de formas individualizadas de expressão da fé e pelo movimento de ênfase na crença para experiência direta com o sagrado e pelo aumento do pluralismo religioso.

Para os últimos autores citados, qualquer definição acadêmica corre o risco de contradizer a autodefinição de um determinado indivíduo. Por essa razão e pela compreensão clínica que se tem no contexto de saúde, possibilitando que o próprio paciente/usuário defina ou expresse o que representa para ele, é que o termo pode ser também encontrado na literatura científica de modo intercambiável, ou seja, R/E (Koenig et al., 2012). Diante dessas considerações, adota-se neste estudo o termo combinado R/E, compreendendo a subjetividade e a complexidade da temática, em que o que está em evidência não é a investigação dos fenômenos em si, mas a relação atribuída pelos participantes a esses fenômenos a partir de suas experiências. Movimento semelhante tem sido empregado em outros estudos recentes (Cunha et al., 2020; Cunha, Pillon, et al., 2020).

Na concepção das forças de caráter proposta por Peterson e Seligman (2004), a espiritualidade é trazida como sinônimo de religiosidade, fé e propósito, sendo pertinente também o uso da nomenclatura combinada. Para os autores, a R/E é compreendida como uma força que leva à conexão com algo maior, à transcendência e, nesse caso, pode ou não envolver aspectos religiosos, mas, inevitavelmente, envolve algo que é sagrado, divino, um poder superior ou realidade última. Segundo eles, pessoas com algum nível de R/E têm um significado na vida que molda sua conduta e lhes proporciona conforto, além de ligar a valores morais e a busca da bondade, que não precisam ser relacionadas a uma crença religiosa/espiritual, mas deve fazer alguma referência ao transcendente.

Diante dessa compreensão, a R/E tem sido evidenciada como fonte importante para transcender o acometimento da saúde, em que se apontam repercussões positivas e negativas que a R/E apresenta na relação com a saúde. De acordo com Koenig (2012)) e Mishra, et al. (2017), a presença de R/E pode beneficiar desfechos em saúde física e mental, favorecendo maior qualidade de vida, oferecendo estratégias de enfrentamento e significado para o adoecimento, promoção de esperança e de bem-estar.

Também efeitos negativos podem ocorrer, ainda que em menor grau, como inibir tratamentos de saúde, produzir tensão e sentimentos negativos diante do adoecimento, por exemplo. No entanto, pela segunda onda da Psicologia Positiva (Ivtzan et al., 2016), também esses elementos se tornam oportunos, uma vez que movimentos anteriormente compreendidos como disfuncionais, como o retraimento, os afetos negativos e mesmo a tristeza podem contribuir, nessa nova acepção, para que o sujeito entre em contato com sentimentos outrora escamoteados, promovendo, por exemplo, maior conexão, autocompreensão e aceitação.

Estar atento à R/E do paciente/usuário vem sendo uma diretriz proposta por diversos órgãos de referência profissionais da saúde (Moreira-Almeida et al., 2014) e a enfermagem ocupa um lugar privilegiado na assistência e cuidado, em que os enfermeiros reconhecem a importância da R/E como componente da necessidade humana, mas relatam dificuldades de fazer intervenções pautadas nessa dimensão (Nascimento et al., 2016). Tomasso et al. (2011) levantam que a maioria de docentes e estudantes de enfermagem investigados por eles acreditam que a R/E influencia na saúde dos pacientes/usuários, mas poucos deles relatam questionar a R/E de seus pacientes/usuários, apresentando como principais barreiras para contemplar a temática o medo de impor suas crenças, de ofender os pacientes e de que os colegas não aprovem. Além disso, são evidenciadas também barreiras como a falta de tempo, de conhecimentos, de treinamento e desconforto com relação ao tema. A partir desse panorama, o objetivo deste estudo é discutir como a força da transcendência pode se fazer presente no cotidiano profissional de enfermeiros que atuam em um hospital geral a partir da noção de R/E como estratégia ou intervenção na assistência prestada.

Método

Trata-se de um estudo descritivo, exploratório, de corte transversal e construído a partir da abordagem qualitativa de pesquisa. Adotou-se o critério internacional para apresentação dos resultados de pesquisas qualitativa, o COREQ - Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (Tong et al., 2007). O presente estudo está amparado nos norteadores éticos para pesquisas que envolvem seres humanos, proposto pelo Conselho Nacional de Saúde do Brasil, Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012, com aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade de origem dos autores e do CEP da Instituição coparticipante.

Participantes

Participaram da pesquisa 34 enfermeiros(as), maiores de 18 anos, contratados/concursados em um Hospital Geral do interior do Estado de São Paulo, Brasil. Para participar do estudo esses profissionais tinham que possuir formação superior em enfermagem, atuando há pelo menos um ano no referido equipamento de saúde. Para essa pesquisa não houve restrição em relação ao setor de atuação dentro do equipamento de saúde.

Material

Foi utilizado um roteiro de entrevista construído especificamente para este estudo. O roteiro continha 24 questões referentes à R/E e às experiências pessoais e profissionais dos enfermeiros, mas com a possibilidade de fazer novas questões conforme as respostas dos participantes. Entre as perguntas, há questões sobre os dados de caracterização dos participantes, as suas relações e envolvimentos religioso/espiritual, suas visões sobre o conhecimento e investigação da R/E do paciente/usuário e se a R/E é utilizada por eles na assistência prestada.

Procedimento de coleta e análise dos dados

As entrevistas se deram com o consentimento do(a) enfermeiro(a) chefe do setor e nos próprios espaços do hospital, de maneira que os entrevistados foram abordados no período de trabalho, nos diversos turnos manhã/tarde/noite, em um momento oportuno, que não atrapalhasse suas atividades. Os dados foram coletados depois da leitura e anuência do termo de consentimento livre e esclarecido e as entrevistas foram gravadas em equipamento de áudio e transcritas na íntegra.

A análise dos dados foi pautada nos procedimentos proposto por Bardin (2011), de análise de conteúdo temático, divididos em três momentos: pré-análise, exploração do material e tratamento e interpretação dos resultados. Em um primeiro momento, o material foi organizado em unidades de registro. Posteriormente, foram elencados os pontos de semelhança e de diferenças entre as falas dos participantes, permitindo retratar as visões compartilhadas e não compartilhadas entre eles.

A interpretação dos dados será discutida a partir de literaturas que abarcam o tema da R/E na sua interface com a saúde, notadamente de estudos da Psicologia Positiva e da Enfermagem. Garantindo as condições de sigilo e anonimato, os participantes serão identificados pela letra E (enfermeiro) e, subsequentemente, por número, de 1 a 34. Como categorias temáticas evidenciadas pelas respostas dos participantes, destacaram-se três: 1-A R/E como recurso, fonte de significado e transcendência, 2-Investigação sobre a R/E do paciente/usuário, e 3- Inibição, receio e despreparo do enfermeiro. Essas categorias, conforme descrito no percurso analítico, foram construídas após análise do corpus, ou seja, tratam-se de categorias produzidas a posteriori.

Resultados

Os participantes dessa pesquisa foram, predominantemente, mulheres (n=30), com média de idade de 39,9 anos, com média de tempo de atuação como enfermeiro(a) de 14,85 anos, sendo 10 solteiros(as), três noivos(as), 15 casados(as), três amasiados(as) e três divorciados(as). Metade dos participantes (n=17) tem filhos. A Quadro 1 elenca as principais denominações de crença religiosa/espiritual atribuídas pelos participantes e os setores de atuação profissional no Hospital Geral.

Quadro 1 Crença religiosa/espiritual e setor de atuação profissional dos participantes 

A R/E como recurso, fonte de significado e transcendência

Os participantes revelaram que a dimensão da R/E é tida por eles como um recurso e/ou uma estratégia de intervenção presente no cuidado. A maioria dos profissionais (n =27) acredita que a R/E pode ser utilizada como fonte para amenizar, confortar e relaxar diante das situações vivenciadas, sendo um recurso evocado para o uso do paciente/usuário, assim como para os próprios profissionais para lidar com as dificuldades da profissão. A partir de alguns trechos é possível identificar que a presença da R/E permite compreensões e comportamentos que vão além da matéria e trazem significado para o contexto de adoecimento e do cenário hospitalar, frequentemente associado à iminência de morte:

A gente passa muito por isso aqui, do paciente tá sem esperança e da gente conseguir o apoio (religioso/espiritual). Para gente também é difícil, às vezes ver uma vida tão nova, uma pessoa tão nova finando e a gente sem fazer nada, então é onde é a esperança que a gente tem, o apoio espiritual. (E6)

No meu setor tem todo dia de manhã, a gente reza um pai nosso, acho que é um tratamento para quem trabalha também para começar num nível mais baixo e, também, com paciente já participei de orações de várias religiões, não só do católico. (E32)

Eu acho que é uma estratégia para acalmar o paciente, os familiares, dar uma palavra de conforto nesse momento, mostrar uma proximidade, acho que ajuda nisso, nessa relação, nessa tentativa de amenizar aquela situação ruim. (E2)

No sentido de acalmar o paciente, com muita frequência. Às vezes, quando o paciente está muito assustado, ansioso, a gente acaba usando o que ele acredita para acalmar. É mais, não a respeito da religião dele, mas de expor que ele vai operar e que existe um risco, mas que ele precisa confiar no que Deus tem para ele. Falo para fazer uma oração, rezar, tento falar o que a pessoa quer ouvir no momento. (E24)

Como a gente lida muito com casos graves e os pacientes sentem muito medo de morrer, de não dar certo, existem situações em que o medo não está só na esfera psicológica, ele é real mesmo, então nesses momentos a gente lança mão de solicitar. Geralmente, nesses momentos, eles previamente já tiveram contato com o representante da religião, mas quando a coisa aperta, de maior medo, de realmente ter um desfecho mais trágico, a gente chama sim para ajudar (chama o serviço de apoio religioso/espiritual que tem no hospital). (E21)

Investigação sobre a R/E do paciente/usuário

Embora a maioria dos respondentes considere a R/E importante para a assistência em saúde, pouco menos da metade dos enfermeiros (n =16) fazem perguntas sobre essa dimensão no contato com o paciente/usuário. Esse questionamento ocorre em três situações: (1) pelo protocolo de admissão no setor: “A gente sempre pergunta na admissão e a gente tem um trabalho aqui de oferecer esse apoio espiritual pros pacientes.” (E6); (2) como um conhecimento importante para alguma conduta restritiva/alternativa de cuidado: “Pergunta para saber como proceder em alguma condição de restrição, como os Testemunha de Jeová, porque se não aceitarem a transfusão precisam buscar alternativas para aquele paciente.” (E14); (3) como uma maneira não promover desconforto ao paciente/usuário, respeitando a sua crença “Eu gosto de perguntar para gente não dar essas falhas, às vezes a pessoa não gosta e você fala: “Ah, Deus te abençoe, não sei o que...”, aí a pessoa nem acredita. Tem essas coisas, então eu gosto de perguntar.” (E31).

Alguns participantes (n =8) relatam ter essa conduta de perguntar sobre a R/E “às vezes”. Eles identificam que essa investigação não é realizada com todos os pacientes/usuários de maneira uniforme, mas a partir de situações específicas e em alguns momentos. De acordo com os participantes, a necessidade de conhecer a R/E pode existir quando fazem uma avaliação negativa do estado afetivo/emocional do paciente, visando ter recursos para motivar o paciente: “Às vezes, quando ele está muito desanimado, quando ele está querendo desistir.” (E19). Outro motivo pelo qual investigam a R/E “às vezes” é quando existe a necessidade de elementos para um diferencial diagnóstico: “Não, eu evito. Só se, de repente, se eu ver um paciente que está bastante místico, delirante, a gente acaba sabendo que religião ele tem, para gente também saber abordar nesse sentido, né?” (E27). Uma outra razão elencada para que isso se dê algumas vezes é que o profissional acaba esquecendo em alguns momentos: “Eu pergunto, mas acabo esquecendo em algumas ocasiões. Não é 100% das vezes que eu faço a entrevista que eu lembro não.” (E10).

Os demais participantes (n=10) não têm como critério investigar a R/E do paciente por razões como: (1) já foi perguntado pelos médicos e está na ficha do paciente/usuário: “Não. Geralmente, é perguntado pelos médicos na anamnese, então a gente acaba sabendo pela anamnese.” (E1); (2) por não ser essencial para oferecer um conforto mais genérico: “Não, porque eu nunca aprofundo, sempre falo palavras positivas sobre Deus, eu nunca entro em religião, eu nunca perguntei.” (E18); (3) por não dar tempo diante da rotina e prioridades: “É muito difícil. A gente aprendeu isso na faculdade, ela ensina que isso é importante, mas a rotina do dia a dia faz com que a gente tire algumas informações dali, porque não dá tempo de a gente tratar tudo.” (E4). Outra razão elencada é evitar o desconforto para o paciente/usuário:

Aqui a gente não questiona, mesmo porque o paciente, muitas vezes, dependendo do diagnóstico dele, se está muito recente, às vezes ele tá um pouco revoltado, entendeu? Então muitos estão nesse momento transitório, meio de briga, de revolta, então a gente tenta confortar de alguma forma, às vezes um abraço, um olhar, mas é muito difícil a gente perguntar “Qual a sua religião?” por conta disso, às vezes ele chega para gente nesse momento de descoberta de um diagnóstico. (E5)

Apesar de a investigação da R/E do paciente/usuário não ser uma ação uniformemente realizada pelos entrevistados, a maioria (n=29) reconhece ser uma informação útil para o tratamento, porque possibilita uma oferta e assistência dessa dimensão: “A gente sempre oferece, no momento da internação a gente oferece. Tem todas as religiões, tem pastor, tem padre, tem para todos.” (E6). Mas esse tipo de investigação pode implicar também em cuidados especiais/diferenciados por conta de algumas tradições e crenças religiosas/espirituais: “Em alguns casos eu acho que sim, porque, por exemplo, eu já trabalhei com paciente que não pode fazer transfusão, então o que acontece, às vezes eles não falam porque tem medo de ser marginalizado.” (E8).

Além disso, ter essa informação mostra-se útil para acionar uma fonte de suporte a partir do diálogo e expressão do paciente: “Acho que é mais útil para o paciente, na verdade. Eu questionando, ele me fala e conversa e eu tento dar força para ele buscar na fé dele, buscar a força que ele teria que ter.” (E9). Essas informações podem direcionar o profissional em como abordar a necessidade religiosa/espiritual do paciente/usuário: “Ela é muito útil, porque eu posso abordar, saber como abordar o paciente de acordo com a religião dele, se ele quiser falar sobre eu me coloco a disposição.” (E12), possibilitando estar mais à vontade para esse conteúdo emerja e seja bem recebido pelo paciente/usuário evitando causar qualquer desconforto: “Me deixa mais à vontade para conversar. Se eu vejo que a pessoa está desanimada não adianta eu abordar o tema se ele não tem fé [...] Eu preciso abordar ele de alguma forma que vai dar força.” (E19).

Inibição, receio e despreparo do enfermeiro

Alguns enfermeiros mostraram-se receosos, inibidos e despreparados para lidar com a temática da R/E na prática. Isso aponta para uma problemática de ordem formativa e profissional, mas que também pode ser pessoal, em que o próprio repertório religioso/espiritual do enfermeiro pode ser usado favoravelmente quando há o compartilhamento de crenças comuns entre paciente e profissional de saúde ou prejudicando quando são divergentes. Para ilustrar essas questões, os seguintes relatos foram destacados:

Hoje, como faz pouco tempo que eu estou mais praticante, então nesse período ainda não tive oportunidade. Acho que ainda falta conhecimento para isso, mas antes eu tive oportunidade, mas é o que eu te falei, a gente procura sair disso porque não detém esse conhecimento e é melhor não entrar nesse mérito. (E4)

O hospital tem pessoa evangélica, católica, espírita, que vem, mas eu, particularmente, é uma coisa que eu não gosto de entrar na intimidade do paciente a não ser que ele solicita. Quando o paciente é mais aberto e conversa a respeito, a gente acaba manejando ali uma conversa, mas tem que ter um cuidado muito grande porque nem sempre as ideias são conexas, iguais e é um assunto bastante delicado e você tem que tomar bastante cuidado para não ter nenhum atrito com o que a gente da equipe acredita [...]. Acho que tem que ser abordado na nossa formação no sentido de não interferir com o que a gente acredita, deixar o espaço do paciente para eles. (E24)

Discussão

As evidências apresentadas na categoria A R/E como recurso, fonte de significado e transcendência apontam que a maioria dos participantes percebe que a R/E pode ser utilizada como um recurso e fonte de esperança, conforto, compaixão, transcendência, fé, o que se mostra valioso para o paciente/usuário, mas também para os próprios profissionais. O sentido expresso é de que as experiências e sentimentos advindos da presença da R/E revelam uma maneira pessoal de ver a vida, de modo que pode auxiliar a enxergar a partir de uma perspectiva transcendente da experiência momentânea, capaz de auxiliar para que direções e ajustes possam ser feitos na vida (Paiva & Granato, 2014).

Os profissionais também mostram utilizar a R/E para promover um espaço de acolhimento das dificuldades enfrentadas no setor. De acordo com Couto et al. (2019), desordens emocionais e espirituais provenientes do ambiente hospitalar se relacionam a riscos psicossociais e podem causar danos à saúde dos profissionais. No entanto, a fala dos participantes parece corroborar com a literatura que aponta que uma R/E desenvolvida no local de trabalho, independentemente da crença de cada um, pode beneficiar aspectos como senso de propósito, melhor comunicação entre a equipe, um ambiente mais seguro, confiável e, consequentemente, maior bem-estar e menos adoecimento entre os profissionais (Baldacchino, 2017).

Os mecanismos pelos quais a R/E promove efeitos e mudanças na saúde física e mental ainda são poucos conhecidos (Mishra et al., 2017), mas as evidências já conseguem mensurar esses efeitos, ou seja, o impacto que a presença de uma R/E pode apresentar nos desfechos de saúde, em que pessoas que possuem uma R/E apresentam mais resultados positivos em saúde (Koenig, 2012). O coping religioso/espiritual tem sido uma importante medida para avaliar esses desfechos.

De acordo com Panzini e Bandeira (2007), o coping religioso/espiritual é uma estratégia de enfrentamento que faz uso de conteúdos da ordem do religioso/espiritual para lidar com os problemas, emoções e liberação de sentimentos. O que se observa a partir dos relatos dos participantes é que existe o reconhecimento da R/E como um recurso e/ou uma estratégia de intervenção para proporcionar a mudança de situação adversa, o que pode ser entendido como a evocação do coping religioso/espiritual positivo. Ainda de acordo com essas autoras, o coping religioso/espiritual positivo abrange estratégias que proporcionam efeito benéfico/positivo ao praticante como, por exemplo, procurar amor/proteção de Deus ou maior conexão com forças transcendentais, buscar ajuda/conforto na literatura religiosa e orar pelo bem-estar de outros. Dessa maneira, o que se observa é que os enfermeiros buscam promover a R/E como uma dimensão do ser que contribui para garantir o melhor resultado em saúde.

No entanto, a oferta de um atendimento que garanta a todos os pacientes/usuários as mesmas condições de cuidado ainda perpassam a condição do profissional que o atende, conjuntamente com uma política ou cultura institucional de promoção de cuidado que considere a R/E. Na categoria Investigação sobre a R/E do paciente/usuário fica evidente que existe uma conduta não uniformizada da investigação e avaliação dessa dimensão que é observada através dos relatos que mencionam que essa investigação é feita “às vezes” ou até mesmo não é investigada.

Pelas falas é possível notar que os participantes se referem a um cuidado mais biomédico, centralizado em aspectos biológicos do adoecimento e não na experiência do adoecer. Nem sempre a R/E é investigada juntamente ao paciente/usuário pela falta de tempo em relação à rotina, pelo esquecimento e pela ênfase que o profissional dá para essa dimensão ou a superficialidade da necessidade desse conhecimento. Uma hipótese para se pensar esses achados é retomar o lugar que a R/E ocupa no meio científico, na formação em saúde e, consequentemente, nos protocolos de cuidado.

Historicamente, observa-se que foi a partir dos anos 2000 que o tema da R/E passou a se destacar em periódicos de outras áreas para além da religião (Lucchetti & Lucchetti, 2014). Especificamente no Brasil, esse aumento da investigação da R/E na saúde é observado a partir do ano de 2004 (Damiano et al., 2016). Isso não quer dizer que a temática não era investigada antes desse período, mas que a ênfase e contribuições desse campo eram menos valorizadas do que nos dias atuais. Dessa maneira, faz sentido a predominância de um olhar mais positivista sobre a saúde, onde se observa, a partir das falas dos participantes, que a R/E é investigada em alguns momentos, quando carece de algum diagnóstico diferencial ou quando os recursos físicos foram supridos e se tem a necessidade de intervenções de outra ordem. A R/E, desse modo, acaba sendo associada a um cuidado complementar.

No entanto, os entrevistados apontam que conhecer a R/E do paciente/usuário permite acesso e maior conhecimento sobre quem é o indivíduo que está sendo cuidado e pode oportunizar direcionamentos, não só técnicos e procedimentais, mas também simbólicos e curativos na ordem do psíquico, afetivo/emocional e religioso/espiritual. Esse movimento pode ser compreendido como um cuidado mais próximo do transcendente, em que a R/E pode, de fato, ocupar um lugar de força, de recurso, de estratégia de enfrentamento ou mesmo de conexão do ser (Cunha et al., 2020).

No manejo da atuação profissional dos enfermeiros na assistência ao paciente/usuário, observa-se que existe um cuidado e atenção dos profissionais em evitar que a R/E se apresente como problemática e de maneira negativa, em que a R/E é questionada para direcionar procedimentos e cuidados de saúde, mas também deixa de ser questionada para evitar produzir tensão diante do contexto do adoecimento, quando utilizada como coping religioso/espiritual negativo.

O coping religioso/espiritual negativo é quando a R/E é evocada como estratégia que gera consequências prejudiciais/negativas como, por exemplo, questionar a existência, o amor ou atos de Deus, sentir descontentamento em relação a Deus e entender seu estressor (no caso a doença) como uma punição ou força do mal (Panzini & Bandeira, 2007). Em alguns adoecimentos como, por exemplo, o câncer, é comum se deparar com situação de finitude, o que pode gerar angústia espiritual e acarretar em questionamentos e dúvidas, produzindo os efeitos do coping religioso/espiritual negativo (Silva et al., 2019). Dessa maneira, é oportuno o cuidado do profissional em estar atento para não provocar um agravo ao paciente/usuário, mas ao mesmo tempo, pode impedir oportunidades de intervenções dessa ordem para modificar e amparar o paciente/usuário quanto a essa dimensão.

Esse receio que permeia a atuação em enfermagem pode ser repensado quando consideramos os pressupostos da segunda onda da Psicologia Positiva (Ivtzan et al., 2016). Esse movimento de questionamento sobre a própria R/E também pode ser benéfico no sentido de promover ações de esclarecimento e de um emprego positivo dessa dimensão, que não necessariamente mascare a realidade, por exemplo, mas que permita uma experiência de resignação, conforto e bem-estar justamente quando o cenário de saúde se apresenta de modo complexo, com pouca esperança ou reduzidas possibilidades de manejo.

Apesar de não ser elencado como objetivo inicial do estudo, a categoria “Inibição, receio e despreparo do enfermeiro” emergiu de modo significativo nos relatos, corroborando com estudos que problematizam as dificuldades que profissionais da saúde encontram na prática em relação à R/E (Cunha & Scorsolini-Comin, 2020; Menegatti-Chequini et al., 2019). O que se observa a partir dessa categoria é que as questões ligadas ao repertório profissional e pessoal dos enfermeiros sobre a R/E parecem influenciar diretamente em como essa dimensão pode se fazer mais ou menos presente na assistência ao paciente/usuário. Alguns entrevistados relataram receio e desconforto em abordar esses conteúdos, destacando a R/E como um assunto delicado e referindo conhecimentos insuficientes para esse manejo.

Essas questões também são encontradas em outros estudos como barreiras para que a R/E se faça presente na formação dos profissionais e, consequentemente, em suas práticas (Tomasso et al., 2011). Outros estudos corroboram que os enfermeiros se sentem despreparados para atender às necessidades religiosas/espirituais dos pacientes/usuários por conta de suas formações (McSherry & Jamieson, 2013; Nascimento et al., 2016). No entanto, já existem diretrizes que reconhecem e consideram a importância de a R/E ser abordada e investigada no cuidado de saúde (Précoma et al., 2019), o que parece ainda não ser efetivado na prática desses profissionais.

Uma possível explicação para esse desencontro é que, apesar das evidências sobre a importância da R/E na prevenção e nos desfechos de saúde (Koenig, 2012; Mishra et al., 2017), as mesmas ainda não foram incorporadas na mesma intensidade pelos currículos que formam os profissionais de saúde, priorizando outros conteúdos (Marques, 2017). Além disso, a dificuldade em definir e uniformizar os conceitos de religião, religiosidade e espiritualidade é amplamente mencionada (Hill et al., 2001; Koenig et al., 2012). No entanto, no campo da saúde, cada vez mais se clama por uma sensibilidade de olhar para os fenômenos a partir da lente de quem os vivencia, considerando que em maior ou menor impacto, a R/E está presente na construção subjetiva de todos os indivíduos e não pode ser negligenciada no cuidado (Cunha et al., 2020).

Na opinião de estudantes e profissionais, é bem-vinda a presença de uma formação que contemple a temática da R/E, apontando abertura e disposição para que esse tema faça parte da atenção e cuidado em saúde, tanto no cenário nacional como internacional (Lewinson, et al., 2015; Tomasso et al., 2011). Além disso, a presença de discussões sobre R/E nos currículos possibilita também a oportunidade de desmarginalizar o tema e criar uma abertura para a tolerância e o respeito, o que ajudaria a combater os preconceitos.

A R/E ainda é um tabu em uma perspectiva biomédica. No entanto, o movimento que se observa nos últimos anos é pela consideração de um maior protagonismo do paciente/usuário em todas as suas dimensões, o que inclui a transcendência. As falas dos enfermeiros neste presente estudo confirmam que a R/E se apresenta como um recurso potencial de melhora de uma situação adversa, capaz de proporcionar acalento e transcender o momento vivenciado. De acordo com Jibeen et al. (2017), o uso da R/E no enfrentamento das adversidades promove um crescimento positivo diante do evento, reduzindo sentimentos de angústia e aumentando a crença na autoeficácia, satisfazendo a necessidade inata de relacionamento com um divino/sagrado, transcendendo o sofrimento psicológico e/ou físico, promovendo um senso de controle secundário, autodescoberta, aumento da força interior e justificativa para que a cura afetiva/emocional ocorra.

Esses desfechos alinham-se diretamente aos pressupostos da Psicologia Positiva, em um movimento no qual a transcendência ocupa um papel de destaque, representando uma força que não deve ser acessada apenas por pacientes/clientes, mas também pelos profissionais que atuam no cuidar. Para que a R/E possa desempenhar essa função identificada por Jibeen et al. (2017), os enfermeiros se mostram valiosos agentes capazes de identificar, promover, explorar, valorizar e incentivar a R/E nos contextos de saúde (Veras et al., 2019).

Dentre as limitações deste estudo, deve-se destacar o possível viés decorrente do fato de que todos os participantes se identificaram com crenças religiosas/espirituais. Esse fato pode explicar ou contribuir na explicação do papel da R/E em suas vidas e em suas rotinas profissionais. Para diminuir o risco de viés seria importante também conhecer amostras sem essa vinculação direta com a R/E. No entanto, há que se considerar que a presença dessas crenças religiosas/espirituais sinaliza uma configuração pertinente da representada pelo contexto local em que se deu a pesquisa, ou seja, o Brasil, país eminentemente religioso e marcado pela diversidade religiosa/espiritual. Desse modo, em outras regiões do país ou do mundo, as crenças religiosas/espirituais dos participantes e da localidade em que se dá a pesquisa podem influenciar nos resultados. Profissionais da saúde que sejam ateus e agnósticos também podem apresentar outra maneira de conceber tais fenômenos, o que pode oportunizar outros resultados que podem ser comparados aos profissionais religiosos/espirituais. Outra limitação que vale ser destacada é que as entrevistas aconteceram no próprio espaço de trabalho do enfermeiro, o que pode gerar desconforto e inibição em suas falas, com receios de estarem sendo avaliados.

Acredita-se que outros estudos sobre como a presença de uma R/E impacta os próprios enfermeiros e, consequentemente, sua visão profissional, podem ajudar a pensar e complementar os dados encontrados neste estudo. Investigações sobre as percepções de pacientes/usuários em relação à presença ou não da R/E no cuidado podem ser importantes para compreender como a transcendência pode se constituir, de fato, como um recurso e uma estratégia positiva para os desfechos em saúde.

Dessa maneira, a R/E se mostra um recurso importante no cuidado de saúde não só para balizar atitudes, comportamentos e intervenções positivas que proporcionem uma melhora ao paciente/usuário, mas também evitar que possa acontecer algum desconforto para ele diante dessa temática. Além disso, mostra-se como uma fonte impulsionadora capaz de transcender os aspectos físicos do acometimento da doença, oferecendo respostas e significado para o que está acontecendo. Investigar a R/E dos pacientes/usuários, além de ser uma diretriz apregoada por órgãos de saúde, é também uma forma do enfermeiro conhecer e/ou reconhecer o como e quais as melhores maneiras de usar a R/E como fonte de transcendência para o adoecimento e um recurso e estratégia de saúde.

Os dados deste estudo somam-se a outras evidências que destacam a R/E como uma dimensão que é capaz de promover benefícios para os desfechos de saúde e que é utilizada por enfermeiros como um recurso e estratégia de intervenção positiva para promoção de bem-estar e enfrentamento de situações adversas. No entanto, diferencia-se por trazer aproximações que caminham para um movimento mais apreciativo, em que a R/E se localiza como uma força humana e, com isso, parte do movimento da Psicologia Positiva.

A partir da presente proposta, assinalam-se as discrepâncias entre as diretrizes propostas e as práticas de alguns profissionais, ressaltando as dificuldades enfrentadas por eles e as visões que ainda manifestam a ênfase positivista, médico-centrada e hospitalocêntrica das formações em saúde. Os enfermeiros, assim como outros profissionais da saúde, precisam ser melhor preparados para refletir, reconhecer e abordar as questões da R/E. Destaca-se a importância de compreender que essa dimensão não apenas como algo utilitário em saúde e com foco nos desfechos positivos, mas como um processo relacionado à transcendência, à capacidade de realizar uma conexão com o mais íntimo e sagrado para si. Assim, reforça-se a noção de transcendência não apenas como força de caráter, mas como necessidade para uma formação em saúde mais humanizada, integralizada e com foco nos recursos para a superação, a transformação e o bem-estar.

Agradecimentos

Esta é uma pesquisa financiada pela Coordenação de Apoio ao Pessoal de Nível Superior (CAPES), por meio de bolsa de doutorado da primeira autora e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), através do Processo nº 409892/2018-1.

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Recebido: 18 de Novembro de 2020; Aceito: 23 de Fevereiro de 2021

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