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Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.22 no.2 Lisboa set. 2021  Epub 31-Ago-2021

https://doi.org/10.15309/21psd220207 

Artigos

Trabalho por turnos: efeitos na saúde

Shift work: health effects

José Antunes1,  2 

1Centro de Respostas Integradas de Lisboa Ocidental - Equipe de Tratamento do Eixo Oeiras - Cascais, Portugal, setuan59@hotmail.com

2Divisão de Intervenção em Comportamentos Aditivos e Dependências, Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, IP, Lisboa, Portugal


Resumo

O trabalho por turnos tem aumentado em todo o Mundo nos últimos anos. O recurso a esta forma de organização do trabalho é consequência do aumento da concorrência intensificada pela globalização. O trabalho por turnos tem efeitos negativos sobre a saúde dos trabalhadores aumentando o risco de doença. Fez-se uma pesquisa na literatura biomédica dos artigos publicados nos últimos onze anos sobre trabalho por turnos e os seus efeitos na saúde. A rutura dos ritmos circadianos e as alterações neuro-endócrinas associadas a que se juntam também estilos de vida pouco saudáveis, propiciam um aumento do risco de várias doenças. As intervenções quer de índole não-farmacológicas, quer farmacológica mostram-se pouco eficazes na diminuição dos riscos associados ao trabalho por turnos.

Palavras-Chave: Trabalho por turnos; trabalho; saúde; saúde ocupacional; revisão

Abstract

Shift work has increased worldwide in recent years. The use of this form of work organization is a consequence of the increased competition intensified by globalization. Shift work has negative effects on workers' health by increasing the risk of illness. Articles published in biomedical literature during the last eleven years on the effects of shift work in workers’ health was analysed. As a result of the disruption of circadian rhythms and the neuro-endocrine changes associated with unhealthy lifestyles, incidence of various diseases increase. Both non-pharmacological and pharmacological interventions are ineffective in reducing the risks associated with shift work.

Keywords: Shift work; work; health; occupational health; review

O trabalho por turnos é definido como aquele que é realizado fora do horário diário de trabalho normal entre as sete da manhã e as seis da tarde e incluiu o trabalho realizado nas primeiras horas da madrugada, ao serão ou durante a noite (Bonham et al., 2016). Assim sendo o trabalho noturno permanente é também definido como trabalho por turnos (Li et al., 2019). Os horários podem variar consoante aspetos organizacionais como sejam o número de horas consecutivas de trabalho ou a duração e direção de variação da rotação dos turnos. O tempo de duração dos turnos também pode variar, assim como os dias de descanso entre turnos. Um quinto da força global de trabalho estará envolvido no trabalho por turnos (Flahr et al., 2018). O trabalho por turnos abrangendo horas incómodas, horários noturnos, rotações e o trabalho noturno permanente é tão comum no Ocidente como o hábito de fumar, em especial na Europa e na América do Norte (Li et al., 2019). Estima-se que a prevalência do trabalho por turnos atinja os 29% na população trabalhadora americana e os 19% na europeia (Gan et al., 2018).

O trabalho por turnos pode dessincronizar o ritmo geral de vida dos trabalhadores e alterar os seus ritmos fisiológicos corporais. Os turnos têm um forte impacto em todos os aspetos da vida dos trabalhadores, incluindo alterações nos hábitos alimentares, nas atividades físicas, nos ritmos circadianos e noutros tipos de comportamentos. Estudos epidemiológicos têm mostrado que estilos de vida não saudáveis têm efeitos na incidência de várias doenças incluindo perturbações cardiovasculares e metabólicas (Saulle et al., 2018). O trabalho por turnos também pode provocar níveis mais elevados de burnout (De la Fuente-Solana et al., 2020).

O sono é um comportamento humano fundamental, desempenhando um papel vital na manutenção do equilíbrio corporal e na promoção da saúde física e mental. As perturbações do sono estão associadas a problemas de saúde e têm impactos sociais negativos (Qiu et al., 2019). As modificações dos padrões de sono, como acontece nos trabalhadores por turnos, mesmo por períodos curtos, têm efeitos adversos na saúde nomeadamente nas doenças cardiovasculares e podem mesmo aumentar a mortalidade. A má qualidade do sono é um preditor de riscos para a saúde sendo que a redução do descanso noturno por períodos prolongados, com a consequente alteração dos ritmos circadianos, altera o funcionamento metabólico para o qual também concorre o estresse psicossocial associado aos turnos. Uma maior tendência para ocorrerem alterações neuropsicológicas como perturbações do humor e de ansiedade foi também verificada (Saulle et al., 2018) bem como influências negativas na capacidade de condução rodoviária (Sholtes et al., 2020).

O ritmo circadiano endógeno que determina a necessidade de dormir e acordar, a temperatura corporal, o batimento cardíaco, a pressão arterial e os níveis hormonais é sincronizado a partir de influências exógenas como a da luz, no ciclo dia-noite de um dia de 24 horas (Angerer et al., 2017). Os turnos obrigam os trabalhadores a mudarem com frequência os seus horários de sono, o que favorece não só o aparecimento de problemas do sono e da má qualidade do mesmo, como provoca uma inevitável perturbação da sua cronobiologia. O efeito adverso da interrupção repetida do circuito circadiano, devido aos turnos de trabalho poderá influenciar a secreção do eixo hipotálamo-hipófise-gonadas (Gan et al., 2015), a secreção de melatonina (Krstev & Knutsson, 2019) e outros equilíbrios hormonais (Aisbett et al., 2017). Em comparação com indivíduos que trabalham num horário típico de oito horas, aqueles que trabalham por turnos apresentam maior risco de desenvolver doenças como diabetes mellitus (DM) de tipo 2, doenças cardiovasculares (DCV), problemas digestivos, distúrbios do sono, depressão, deficiência de vitamina D (devido à redução da exposição à luz solar) e obesidade. Também os seus estilos de vida parecem ser menos saudáveis incluindo uma maior frequência de hábitos sedentários, hábitos tabágicos e consumo de substâncias psicoestimulantes como a cafeína (Saulle et al., 2018). O trabalho por turnos, incluindo o trabalho noturno, tem sido apontado como fator de risco de muitas doenças crónicas incluindo o cancro (Wang et al., 2011). No entanto não foi associado a reforma antecipada por incapacidade (Knardahl et al., 2017).

Método

Foi realizada uma pesquisa na PubMed, que é um mecanismo de busca para acesso gratuito à base de dados MEDLINE de citações e resumos da investigação biomédica, desenvolvida pela National Library of Medicine (NLM), utilizando os termos MeSH: Shift work, metanalysis e review selecionando-se os artigos publicados entre novembro de 2009 e dezembro de 2020. Para a estruturação desta análise aplicou-se o modelo PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-analyses) considerado como indispensável para elaborar uma revisão sistemática ou meta-análise (Liberati et al., 2009). Os critérios de inclusão foram: serem meta-análises ou artigos de revisão sobre trabalho por turnos e doenças associadas, estarem redigidos em língua inglesa e terem sido publicados nos últimos onze anos. Foram critérios de exclusão: artigos duplicados, artigos escritos em outras línguas que não a inglesa, artigos de natureza diversa nomeadamente artigos de opinião, artigos baseados em casos clínicos ou de investigação em laboratório e artigos não relacionados com a temática em estudo.

Resultados

A pesquisa efetuada resultou na identificação de 59 artigos e na escolha de 37 que respeitavam todos os critérios de inclusão e de exclusão. A figura 1 representa o fluxograma da seleção dos estudos.

Figura 1 Fluxograma de seleção dos estudos segundo as normas PRISMA 

Aspetos gerais

Aqueles que trabalham por turnos não trabalham nem dormem de acordo com o seu ritmo circadiano endógeno, acabando os seus tempos biológicos e sociais por ficarem desalinhados (Angerer et al., 2017). Os problemas que resultam do desalinhamento temporal do habitual ciclo sono-vigília (ou seja, ter que ficar acordado durante o tempo normalmente reservado para dormir e ter que dormir durante o período normalmente de horas ativas) são designados como perturbações do sono e vigília e manifestam-se por sonolência durante o turno da noite e dificuldades no sono durante o dia, que são os problemas de saúde mais frequentemente relatados pelos trabalhadores por turnos podendo comprometer a sua saúde e segurança e provocar erros humanos, bem como alterações nas condições fisiológicas e biológicas básicas. Além disto a duração do período de sono é sempre um pouco mais curta nos trabalhadores por turnos do que nos trabalhadores diurnos (Liira et al., 2014) e a adaptação cronobiológica do ciclo sono-vigília é geralmente inadequada (Angerer et al., 2017). Verificou-se experimentalmente que a restrição do sono tem impacto no funcionamento hormonal (Aisbett et al., 2017). Mesmo após uma exposição prolongada ao trabalho noturno apenas uma minoria dos trabalhadores (menos de 3%) mostram uma adaptação completa do seu padrão circadiano ao trabalho noturno (Sun et al., 2018).

O ritmo circadiano consiste nas mudanças cíclicas envolvendo a temperatura corporal, os níveis hormonais e o sono durante um período de 24 horas, que são impulsionadas por relógios biológicos. Este ciclo é sincronizado por pistas ambientais rítmicas, conhecidas como zeitgebers. Os principais zeitgebers são os ambientais, como o ciclo claro-escuro e a secreção de melatonina, ambos podendo ser manipulados para induzir uma mudança de fase no indivíduo. O ritmo circadiano dita os horários em que sentimos o desejo típico de dormir à noite e o de acordar pela manhã (Ker et al., 2010).

A disrupção dos ritmos circadianos é uma consequência da exposição à luz durante a noite e pode induzir a supressão da melatonina. A produção total de melatonina durante um dia de 24 horas é reduzida pela exposição noturna à luz (Angerer et al., 2017). Os níveis de melatonina produzidos pela glândula pineal, apresentam um ritmo circadiano próprio: níveis baixos durante o dia e altos níveis à noite. Mesmo baixos níveis de luz ambiente durante a noite são suficientes para reduzir os níveis de melatonina nalgumas pessoas não existindo diferenças entre homens e mulheres (Wei et al., 2020). Pensa-se que este seja um importante mecanismo subjacente às anormalidades encontradas nos trabalhadores dos turnos da noite. A melatonina tem um papel fundamental na sincronização circadiana central e periférica e regula a secreção de hormonas como o cortisol, insulina e leptina que regulam por sua vez os padrões metabólicos do organismo (Sun et al., 2018). A redução da melatonina pode favorecer o desenvolvimento de células cancerosas como foi demonstrado em modelos animais (Krstev & Knutsson, 2019). A melatonina parece impedir o desenvolvimento do cancro através de múltiplas vias incluindo a antioxidação, antimitose, antiangiogénese e através da regulação do sistema imunológico (Gan et al., 2017). Por outro lado, a supressão noturna da melatonina pode resultar em mutagénese e danos oxidativos, reduzindo a reparação do ácido desoxirribonucleico (ADN) e aumentando a imunossupressão através de mudanças na regulação das citocinas inflamatórias (Lin et al., 2015). O trabalho noturno, a curta duração do sono e a exposição à luz durante a noite podem reduzir a secreção de melatonina pela glândula pineal, afetando o ritmo circadiano (He et al., 2014).

Também várias hormonas apresentam ciclos de libertação que variam consoante o ritmo circadiano. Os níveis de testosterona geralmente aumentam durante o sono e diminuem ao acordar, a resistência à insulina aumenta com a privação do sono. O cortisol, a principal hormona libertada pelo sistema hipotálamo-hipófise-supra-renais, tem um padrão diurno de libertação com um pico de manhã ao acordar, caindo gradualmente ao longo do dia e atingindo o nível mais baixo entre três a cinco horas após o início do sono. Foram descritos padrões anormais na sua libertação, relacionados com a disrupção do ritmo circadiano em trabalhadores por turnos, causados pelas horas irregulares do acordar (Aisbett et al., 2017). O relógio central do organismo, que reside no núcleo supra quiasmático sincroniza numerosos osciladores periféricos, que por sua vez comunicam através de várias vias com o núcleo supra quiasmático, no sentido de manter o equilíbrio do ambiente interno. Os osciladores periféricos são indiretamente controlados pelo ciclo atividade-repouso e pelo ciclo fome-saciedade. Além disso o ritmo da temperatura corporal é também influenciado pelo ciclo atividade-repouso, que toma igualmente parte na sincronização dos osciladores periféricos. O núcleo supra quiasmático por seu turno sincroniza os osciladores periféricos diretamente através de hormonas e sinais neuronais. A exposição prolongada à luz durante a noite e ao trabalho por turnos pode perturbar o ritmo normal dia-noite do ser humano e levar à perturbação circadiana (Wang et al., 2015).

Além da disrupção do ritmo circadiano a redução da duração média do sono em uma hora ou mais - particularmente naqueles que trabalham no turno da noite, mas em menor grau também naqueles que trabalham em turnos iniciais, pode aumentar a atividade do sistema nervoso simpático e dos precursores inflamatórios sistémicos. No entanto para além dos seus efeitos biológicos, o trabalho por turnos encontra-se frequentemente associado a estresse e comportamentos pouco saudáveis como o sedentarismo e o tabagismo (Angerer et al., 2017) e a uma maior ingestão de gorduras e carboidratos bem como a consumos de álcool de tipo binge drinking (Aisbett et al., 2017). A atividade física, por exemplo, associada a uma boa condição cardiovascular e musculosquelética, está em geral diminuída nos trabalhadores por turnos (Flahr et al., 2018). O trabalho por turnos altera o ritmo geral da vida dos trabalhadores e não apenas os ritmos fisiológicos do seu corpo. As mudanças e trocas de horários têm um forte impacto em todos os aspetos da vida do trabalhador, incluindo a mudança de hábitos alimentares, atividade física e outros comportamentos. O trabalho por turnos também pode mudar o comportamento alimentar, uma vez que aqueles que assim trabalham, têm maior probabilidade de consumir lanches em vez de refeições completas. Os fatores que podem ter um efeito específico sobre a dieta incluem: falta de refeições rotineiras com a família e os amigos, alimentação por conta própria, quantidade de alimentos inapropriada, frequência de cantinas e má qualidade das refeições. Os estudos epidemiológicos mostraram que um estilo de vida desalinhado envolve um maior risco de efeitos indesejáveis ​​na saúde e um aumento da incidência de várias patologias, incluindo distúrbios cardiovasculares e metabólicos (Angerer et al., 2017).

De facto, o trabalho por turnos pode dessincronizar os ritmos da vida geral dos trabalhadores e alterar os ritmos fisiológicos do seu corpo. As mudanças e trocas de horários sabe-se terem um forte impacto em todos os aspetos da vida incluindo os hábitos alimentares, a atividade física, os ritmos circadianos e outros tipos de comportamentos. Estudos epidemiológicos destacaram que um estilo de vida desalinhado envolve um risco de maiores efeitos indesejáveis na saúde e aumento da incidência de várias doenças (Saulle et al., 2018).

Hipertensão e doença cardiovascular

O trabalho por turnos pode desempenhar um papel importante no desenvolvimento de Hipertensão Arterial (HTA). Existe uma associação significativa entre o deslocamento rotativo dos turnos e a HTA mediada pela disrupção dos ritmos circadianos conjugada com as perturbações do sono que alteram os sistemas neuroendócrinos (Manohara et al., 2017) o mesmo se passando relativamente à DCV (Vyas et al., 2012; Bonham et al., 2016). Várias explicações foram propostas sobre a ligação do trabalho por turnos à DCV. A perturbação circadiana e também do sono e o estresse associados conduziriam a uma desregulação das funções metabólicas e hormonais. Por outro lado, a maior prevalência nos trabalhadores por turnos, de comportamentos como fumar e ter uma dieta pobre, também aumentariam o risco de desenvolver DCV. A perturbação circadiana, causada pelo trabalho por turnos, mostrou-se capaz de afetar vários fatores de risco para o desenvolvimento de DCV como sejam a pressão arterial e a quantidade de lípidos no sangue. As respostas neuroendócrinas ao estresse que envolvem o aumento da secreção de glucocorticoides e catecolaminas em resultado da ativação da glândula suprarrenal e do sistema nervoso simpático, conduzem a alterações metabólicas que podem provocar uma série de comorbilidades como sejam a obesidade central, HTA, dislipidemia e disfunção endotelial que compõem a síndrome metabólica e são fatores de risco para a DCV. O trabalho por turnos favorece também um vasto leque de alterações de estilos de vida que são igualmente fatores de risco para a DCV e para outras condições crónicas associadas (Wang et al., 2011).

Saulle et al. (2018) referem que a má qualidade do sono é um preditor de riscos para a saúde em geral. As modificações no regular funcionamento dos padrões de sono, mesmo por curtos períodos, têm um efeito desfavorável na saúde dos indivíduos e aumentam o risco de DCV tendo impacto na mortalidade. Impacto esse, que aumenta com a sua duração no tempo, fazendo-se sentir de forma mais intensa nas mulheres. O risco de morbilidade e mortalidade por DCV é maior nos trabalhadores por turnos e após cinco anos deste tipo de trabalho o risco aumenta em 7.1% (Flahra et al., 2018). O trabalho por turnos tem sido associado ao enfarte do miocárdio, acidentes coronários e acidentes vasculares cerebrais isquémicos, sendo o risco atribuível elevado nos trabalhadores expostos. (Vyas et al., 2012).

Diabetes

O trabalho por turnos está associado a um aumento do risco de desenvolvimento de DM (Bonham et al., 2016; Gan et al., 2015; Li et al., 2019; Wang et al., 2011) existindo uma forte e significativa relação do tipo dose-resposta nas mulheres, entre a duração do trabalho por turnos em anos e o risco de desenvolver DM (Li et al., 2019). No entanto o risco é significativamente maior nos homens (Bonham et al., 2016; Gan et al., 2015). A insuficiência de sono e a má qualidade do mesmo podem exacerbar a resistência à insulina (Gan et al., 2015) e aumentar os níveis de glicose no sangue fazendo crescer o risco de obesidade e diabetes (Saulle et al., 2018). Estudos de laboratório que manipularam a duração do sono e a sua qualidade em adultos saudáveis mostraram que alguns dias apenas de restrição do sono ou da sua da sua fragmentação, são suficientes para causar uma acentuada redução da sensibilidade à insulina e uma menor tolerância à glicose o mesmo se passando com o desalinhamento circadiano, quando o comer e o dormir não estão sintonizados com o ritmo interno. O risco associado às perturbações do sono é semelhante aos outros fatores de risco associados ao desenvolvimento de DM (Anothaisintawee et al., 2016).

O estresse psicossocial, a perturbação dos padrões sócio temporais e a inatividade física, também podem contribuir para alterar o metabolismo. Outros mecanismos foram ainda propostos para explicar o vínculo entre o trabalho por turnos e a DM. O trabalho por turnos pode interferir com a sincronia normal do ciclo claro-escuro, com o sono e ainda com os padrões alimentares. Sabe-se que a rutura circadiana, pode por si só, acelerar o desenvolvimento da DM em indivíduos predispostos. Nos homens, a desregulação androgénica foi implicado na resistência à insulina, uma vez que os níveis de testosterona são controlados pelo sistema de temporização circadiano. A interrupção repetida do circuito circadiano, devido aos turnos de trabalho, poderá influenciar a secreção de andrógenos e a resistência à insulina que está na base do desenvolvimento da doença. A investigação epidemiológica veio também confirmar que o trabalho por turnos está associado ao aumento do peso, do apetite e da adiposidade que são conhecidos fatores de risco para a DM (Gan et al., 2015).

Obesidade

A perturbação do sono é um fator de risco independente para a obesidade uma vez que diminui a tolerância à glicose, influencia os ritmos hormonais e aumenta os níveis de cortisol. A exposição à luz durante a noite induz a supressão de melatonina que está associada a anormalidades metabólicas. Ambas as vias provocam aumento da fome e da ingestão de comida. No entanto o mecanismo exato ligando o trabalho por turnos e o ganho ponderal não é ainda claro (Zhang et al., 2020) mas várias meta-análises apontam no sentido do trabalho por turnos estar associado a um risco aumentado de obesidade havendo maior predisposição para ganho ponderal nos trabalhadores por turnos comparativamente com os seus colegas de trabalho diurno. Uma dieta pobre, a inatividade física, alterações do metabolismo nutricional, o acesso aos alimentos, a dessincronização dos ritmos circadianos e as alterações no padrão do sono parecem estar na base desta tendência. O trabalho por turnos afeta também o momento da ingestão de alimentos, o tipo de ingestão de alimentos, redistribui a energia ao longo das 24 horas e aumenta o hábito de fazer lanches (Bonham, 2016) bem como o consumo de alimentos muito energéticos e do álcool causando perturbações metabólicas (Zhang et al., 2020).

O trabalho por turnos e o trabalho noturno contribuem para o aparecimento da Síndrome Metabólica (Saulle et al., 2018). Tudo isto pode levar a um ganho de peso. O trabalho por turnos apresenta ainda um risco adicional para o aumento da obesidade abdominal, caracterizada pela adiposidade central, que está associada ao aumento mortalidade quando comparada com outros tipos de obesidade. A obesidade abdominal associa-se à síndrome metabólica e a perfis metabólicos anormais como são a resistência à insulina e as alterações do perfil lipídico. O trabalho noturno permanente apresenta ainda maior risco que o rotativo (Sun et al., 2018).

Cancro da mama

Em 2007, a IARC (Agência Internacional de Pesquisa sobre Cancro) considerou que o trabalho por turnos, envolvendo a interrupção circadiana, seria provavelmente cancerígeno (Grupo 2A) enfatizando em particular a associação com o cancro da mama devido às fortes evidências das pesquisas experimentais, embora com limitada evidência resultante de estudos epidemiológicos (Wang et al., 2015). Desde a publicação deste relatório foram desenvolvidos inúmeros estudos sobre o assunto e publicada legislação em alguns países. O cancro da mama é a forma de cancro mais comum e a principal causa de mortalidade nas mulheres de todo o Mundo. Apenas entre 20 a 40% dos casos de cancro da mama podem ser atribuídos a fatores de risco conhecidos como história familiar, alterações hormonais relacionadas com menarca precoce ou idade do nascimento do primeiro filho, sugerindo o envolvimento de múltiplos fatores ambientais desconhecidos. O aumento do cancro da mama nos países industrializados na década de oitenta promoveu a teoria de que a exposição à luz durante a noite está associada ao aumento do risco de cancro da mama. Embora os mecanismos sejam complexos e pouco compreendidos acredita-se que a exposição à luz durante a noite suprima a produção de melatonina conduzindo à carcinogénese da mama. Esta hipótese é apoiada por estudos em modelos animais que mostraram carcinogénese mamária após exposição constante à luz e também por estudos realizados em humanos que descrevem uma associação inversa entre risco de cancro da mama e os níveis urinários de melatonina (Kamdar et al., 2013). A supressão da produção de melatonina pode influenciar o risco de cancro através de uma variedade de mecanismos, incluindo uma alteração das concentrações endógenas de hormonas sexuais, que é um fator de risco bem estabelecido para o cancro da mama (Wang et al., 2011).

No entanto os autores dividem-se relativamente a esta problemática. Lin et al. (2015) estimam um aumento do risco de cancro da mama em 8,9 % nas trabalhadoras com turnos rotativos e referem uma relação do tipo dose-resposta, He et al. (2015) confirmam a mesma associação mas referem que a relação dose-resposta é incerta. Outros negam uma tal associação (Ijaz et al., 2013; Kamdar et al., 2013; Pahwa et al., 2018; Travis et al., 2016) e alguns (Wang et al., 2011) consideram que as evidências são sugestivas, mas não conclusivas. Kamdar et al. (2013) admitem que em certos grupos profissionais, como o das hospedeiras de bordo em voos internacionais e nas enfermeiras trabalhando por turnos durante muitos anos, poderá existir um risco aumentado de cancro da mama. Sugerem por isso, que no futuro, investigações envolvendo maiores populações de áreas geográficas diversificadas e de múltiplas profissões, devem ser efetuadas, atendendo às importantes questões políticas e de saúde pública levantadas em torno desta questão e ao crescente aumento do número de trabalhadores por turnos.

Cancro da próstata

O cancro da próstata é o segundo tipo de cancro mais prevalente no Mundo no sexo masculino. O trabalho por turnos, incluindo o trabalho noturno, pode aumentar o risco de cancro da próstata (Gan et al., 2018; Krstev & Knutsson, 2019). Apenas um estudo limitado de Wang et al. (2011) não confirma esta associação. Gan et al. (2018) estimam o aumento de risco em 23% e Krstev e Knutsson (2019) em 25% tendo por base meta-analises recentes e muito alargadas. A idade avançada, a etnia e a história familiar são os únicos fatores de risco bem estabelecidos do cancro da próstata. No entanto outros fatores, como a atividade física, o índice de massa corporal (IMC), hormonas e a dieta também se acredita modelarem o risco de cancro da próstata. Tem sido proposto que o risco associado ao trabalho por turnos poderia ser explicado pela menor exposição à luz do dia, pela alteração dos níveis das hormonas sexuais ou através da supressão da melatonina que poderiam facilitar o crescimento das células tumorais (Gan et al., 2018).

Vários outros mecanismos foram propostos para explicar a associação do cancro da próstata com o trabalho por turnos. A privação do sono afeta vários mecanismos endócrinos, incluindo o sistema imunológico, o que por sua vez pode aumentar o risco de desenvolvimento de cancro. Por outro lado, a produção de melatonina pode ser reduzida devido a uma menor exposição à luz durante a noite o que estimularia o crescimento de células cancerígenas, como foi comprovado em estudos feitos com animais. Um estudo islandês documentou que, uma quantidade reduzida de um derivado da melatonina na urina, estaria relacionado com um risco aumentado cancro da próstata em homens mais velhos. Há ainda a hipótese de o ritmo circadiano afetar a secreção hormonal, incluindo as hormonas sexuais, que por sua vez irão condicionar o crescimento das células cancerígenas na próstata. Esta hipótese é apoiada por um estudo desenvolvido em Espanha que mostrou que os trabalhadores do turno da noite tinham níveis mais altos de andrógenos do que os trabalhadores diurnos (Krstev & Knutsson, 2019). Ao perturbar a sincronia normal do ciclo dia-noite, dos padrões de sono e da alimentação bem como a disrupção dos ritmos circadianos, o trabalho por turnos pode acelerar o desenvolvimento do cancro da próstata. O aumento da prevalência do trabalho por turnos e do cancro da próstata no Mundo recomendam a implementação de horários com turnos ergonómicos como forma de proteção contra o risco do cancro da próstata (Gan et al., 2018).

Cancro do cólon e reto

Wang et al. (2015) discutem a associação entre trabalho por turnos e o cancro colorretal, que inclui o cancro do cólon e do reto, a terceira forma de cancro mais comum em homens e a segunda mais comum em mulheres no Mundo. Nas últimas décadas a morbilidade por cancro do cólon e do reto aumentou significativamente nos países desenvolvidos onde os estilos de vida se alteraram drasticamente. Várias vias importantes de sinalização molecular, envolvidas na carcinogénese, são controladas pelo sistema de temporização circadiano que sai afetado pelo trabalho por turnos. Uma das vias implicada é a redução da libertação de melatonina que tem uma ação protetora relativamente ao cancro. Por outro lado, o trabalho noturno reduz a exposição solar e os níveis de vitamina D tendo sido demonstrada uma correlação inversa significativa entre a concentração dos níveis de 25-hidroxivitamina D e o risco de cancro colorretal. Os autores, na primeira meta-analise realizada sobre a possível associação entre trabalho por turnos e cancro do cólon e do reto, concluíram existir um incremento do risco do tipo dose-resposta estimando que o trabalho noturno durante 5 anos está associado a um aumento de 11% no risco de cancro colorretal.

Perturbações músculoesqueléticas

Aisbett et al. (2017) abordam a influência do trabalho por turnos no sistema músculoesquelético. Este não é apenas essencial para o movimento, também funciona como um órgão de armazenamento e desempenha um papel crucial no metabolismo e na produção de energia. Os músculos esqueléticos contêm entre 50% a 75% do total de proteínas do corpo. A exposição alterada à luz, os padrões alimentares anormais e as alterações do sono associadas ao trabalho por turnos podem prejudicar significativamente a saúde dos músculos e do esqueleto através de múltiplas vias fisiológicas, resultando numa redução da síntese de proteínas e num aumento da degradação de proteínas no músculo.

Gravidez e saúde reprodutiva

Os dados do sexto Inquérito Europeu às Condições de Trabalho de 2016 mostram que 21% das mulheres trabalhadoras foram expostas ao trabalho por turnos e 14% ao trabalho noturno. Dado o número crescente de mulheres no mercado de trabalho, a questão do trabalho por turnos durante a gravidez, tornou-se um tema de particular interesse (Cai et al., 2019). Quansah e Jaakkola (2010) encontraram em enfermeiras uma associação entre o trabalho por turnos e o aborto espontâneo. Stocker et al. (2014) colocam a hipótese da desregulação dos ritmos circadianos pela exposição noturna à luz poderem influenciar a ovulação e implantação do ovo na parede uterina, à semelhança do verificado em modelos animais, podendo afetar a gravidez desde fases muito precoces e referem que as trabalhadoras por turnos apresentam um aumento das taxas de disrupção menstrual e de interrupções espontâneas de gravidez, numa fase precoce, mas não de infertilidade. Bonde et al. (2013) no entanto não encontraram risco aumentado de interrupção espontânea de gravidez, associada ao trabalho por turnos, defendendo no entanto que devido ao número limitado de estudos, mulheres com alta exposição ou gravidez de risco, devem receber um acompanhamento personalizado.

Vários autores sugeriram, que alguns horários de trabalho, incluindo o trabalho por turnos e o trabalho noturno podem apresentar riscos para as mulheres grávidas, devido às alterações neuroendócrinas decorrentes da privação do sono ou da disrupção dos ritmos circadianos, que poderiam afetar o crescimento fetal e a data do parto. Em apoio desta opinião, estudos observacionais encontraram um maior risco de parto pré-termo ou de baixo peso ao nascer em mulheres expostas ao trabalho por turnos. Já relativamente ao risco de pré-eclampsia os resultados têm sido contraditórios (Bonzini et al., 2011). No entanto Palmer et al. (2013) defendem que o trabalho por turnos tem um impacto muito limitado nos riscos de parto pré-termo e no baixo peso à nascença.

Ao contrário destes autores Cai et al. (2019) numa recente meta-analise de 62 estudos observacionais concluíram que as mulheres grávidas que trabalham por turnos, em períodos fixos noturnos ou com longas jornadas de trabalho, têm um risco acrescido de complicações na gravidez e apresentam um maior risco de parto prematuro ou de ter um recém-nascido com baixo peso para a idade gestacional e de sofrer de pré-eclâmpsia ou hipertensão na gravidez, quando comparadas com aquelas que trabalhavam num turno fixo diurno. O trabalho noturno fixo foi ainda associado a um aumento do risco de parto prematuro e aborto espontâneo.

Depressão

Angerer et al. (2017) analisaram o risco do trabalho por turnos relativamente à depressão. Parece haver uma tendência geral, para o trabalho por turnos estar associado a consequências adversas para saúde mental que se manifestam habitualmente pela fadiga e exaustão crónica. Embora haja claras correlações entre a disrupção crono biológica e os problemas de saúde mental, o efeito do trabalho por turnos, no início ou na exacerbação de problemas mentais, particularmente da depressão, permanece incerto. Viver desalinhado com os seus ritmos internos, tanto biológicos como sociais é comparável ao jetlag de quem atravessa em pouco tempo muitos fusos horários numa viagem de avião. Os estudos longitudinais realizados apresentaram evidências de um risco aumentado de perturbações depressivas após muitos anos de trabalho por turnos. As condições psicossociais estressantes que diferem qualitativa e quantitativamente entre os trabalhadores por turnos e os trabalhadores diurnos, parecem explicar grande parte do risco. No entanto os autores não recomendam o afastamento dos trabalhadores com doença depressiva deste tipo de trabalho, embora aconselhem uma monitorização médica apertada destas pessoas e das suas condições de trabalho.

Perturbações do sono e perturbação do trabalho por turnos

As perturbações do sono abrangem uma variedade de queixas como sejam o sono não retemperador, dificuldades em iniciar ou manter o sono, despertar muito cedo de manhã, sono de curta ou longa duração, sonolência diurna excessiva entre outros. O sono é um comportamento humano fundamental, desempenhando um papel vital na manutenção da homeostase, sendo essencial para uma boa saúde física e mental. As perturbações do sono estão associadas a um sem número de problemas de saúde e sociais. Os estudos mostram que os problemas de sono estão altamente associados a perturbações mentais, doenças metabólicas, doença cardíaca e aumento do risco de mortalidade (Qui et al., 2019). O sono insuficiente está associado a um risco aumentado de obesidade, DM de tipo 2, problemas cardíacos e demência (Ker et al., 2010). A diminuição do tempo do sono é comum nos trabalhadores por turnos e nos trabalhadores noturnos permanentes (He et al., 2014).

A má adaptação ao trabalho por turnos pode conduzir à Perturbação do Trabalho por Turnos (Sholtes et al., 2020) que é descrita pela Academia Americana da Medicina do Sono como «uma perturbação consistindo em sintomas de insónia ou sonolência excessiva que ocorrem, como fenómenos transitórios, em relação aos horários de trabalho» afetando principalmente as pessoas cujo horário de trabalho é agendado durante as horas habituais de sono. A principal queixa dos doentes é a incapacidade de manter uma duração normal do sono, quando os principais episódios de sono são iniciados pela manhã após um turno da noite. A sonolência excessiva ocorre frequentemente durante o turno de trabalho, prejudicando o estado de alerta. Um estudo de seguimento efetuado em Detroit nos Estados Unidos da América estimou que cerca de 10% dos trabalhadores noturnos ou que trabalham por turnos rotativos, sofrem desta perturbação (Ker et al., 2010). O trabalho por turnos foi recentemente identificado como um importante fator de risco ocupacional, com um crescente corpo de evidência mostrando uma associação entre trabalho por turnos e efeitos adversos na saúde (Sun et al., 2018). Existe muita incerteza sobre se alguma intervenção não medicamentosa ou dirigida por pessoas pode realmente ajudar os trabalhadores por turnos com sonolência e problemas de sono (Slanger et al., 2016).

Intervenções que podem minorar os prejuízos

O trabalho por turnos foi identificado como um importante fator de risco ocupacional (Sun et al., 2018) devendo os trabalhadores serem alertados para manifestações precoces de doenças (Vyas et al., 2012). A atividade física e as intervenções baseadas em atividades físicas podem ser usadas para mitigar fatores de risco associados ao IMC, peso corporal, massa gorda, colesterol, aptidão física e qualidade do sono. Essas atividades têm significativos efeitos protetores no desenvolvimento de DCV, DM e em alguns tipos de cancro reduzindo o risco de mortalidade por todas as causas (Flahr et al., 2018). Foram observadas algumas associações entre o exercício físico e melhorias em vários parâmetros do sono, no entanto não foi possível demonstrar que intervenções não farmacológicas dirigidas às pessoas tais como, programas de higiene do sono ou de exercício físico, sejam eficazes na melhoria da qualidade do sono ou na sua duração (Slanger et al., 2016).

A modificação e racionalização dos horários dos turnos pode ajudar na minimização dos riscos (Vyas et al., 2012). Horários longos e com tempos mais curtos entre os turnos estão associados a um pior alinhamento circadiano e a um sono mais curto. Maximizar a proporção do tempo de descanso, cumprindo estritamente o horário do início e do fim do turno, garantindo que as equipes começam e terminam no mesmo horário a cada 24 horas, melhoram o sono e a performance (Short et al., 2015). As rotações lentas dos turnos minimizam os problemas do sono (Manohar et al., 2017).

Não existem intervenções farmacológicas eficazes para os problemas do sono relacionados com o trabalho por turnos. Existe alguma evidência de que a cafeína poderá reduzir a sonolência durante o turno da noite, mas não os acidentes (Ker et al., 2010). Os hipnóticos não melhoraram a duração e a qualidade do sono após o turno da noite. A melatonina parece melhorar a duração do sono após o turno da noite, mas não os outros parâmetros de qualidade do sono. O modafinil e o armodafinil aumentam o estado de alerta e reduzem a sonolência nos turnos noturnos mas provocam grandes efeitos adversos (Liira et al., 2014).

Discussão

Ao mesmo tempo que o trabalho por turnos tem crescido no Mundo, em resultado da concorrência introduzida pela globalização, vão-se também acumulando evidencias sobre os seus efeitos nocivos na saúde. A maioria dos estudos aqui analisados apontam para um aumento do risco de inúmeras patologias como DM, HTA, DCV, cancro, síndrome metabólica, obesidade, perturbações da gravidez, problemas do sono, depressão, burnout e afeções musculoesqueléticas. Grande parte dos estudos incluídos nesta revisão são meta-análises, envolvendo milhares de trabalhadores que participaram em dezenas de pesquisas independentes, aumentando desta forma a confiança nos resultados. A explicação para o aumento do risco de adoecer prende-se com o facto bem conhecido de que viver desalinhado com os ritmos internos provoca desequilíbrios neuroendócrinos e comportamentais de grande amplitude. A rutura dos ritmos circadianos internos regulados por estímulos ambientais como são o ciclo dia-noite associados com a exposição noturna à luz, implicada na diminuição da secreção de melatonina, parecem ser os mecanismos chave das alterações biológicas. A estas juntam-se os estilos de vida pouco saudáveis que habitualmente acompanham o trabalho por turnos.

Embora possam existir intervenções que minimizem o risco, nomeadamente ao nível da organização dos horários e da rotatividade dos turnos, a verdade é que, quer as intervenções não-farmacológicas quer as farmacológicas, se mostraram pouco eficazes. A Saúde Ocupacional das empresas deverá fazer a avaliação do risco e acompanhar os trabalhadores de uma forma individualizada e apertada de natureza iminentemente preventiva. Uma vez que muitos dos efeitos nefastos do trabalho por turnos na saúde são do tipo dose-resposta, a melhor forma de os prevenir será reservar este tipo de trabalho apenas para atividades onde ele é imprescindível mas, mesmo nestes casos, dever-se-á reduzir-se o tempo de exposição dos trabalhadores a este tipo de horários.

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Recebido: 27 de Fevereiro de 2021; Aceito: 23 de Maio de 2021

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