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Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.22 no.2 Lisboa set. 2021  Epub 31-Ago-2021

https://doi.org/10.15309/21psd220219 

Artigos

Autoconceito físico e sintomas depressivos em crianças com excesso de peso

Physical self-concept and depressive symptoms in overweight children

Gicele Cunha¹ 

Gabriel Cunha¹ 

Julie Cruz² 

Lorena Silva² 

Gabriel Bergmann² 

¹Instituto Federal Sul-rio-grandense, Departamento de Educação Física, Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil, gicelecunha@ifsul.edu.br, gabrielcunha@ifsul.edu.br

²Universidade Federal de Pelotas, Escola Superior de Educação Física, Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil, julie.cruz@ufpel.edu.br, lorena.rodrigues@ufpel.edu.br, gabriel.bergmann@ufpel.edu.br


Resumo

O Autoconceito físico (AcF) é um dos fatores que sugestiona a aceitação pessoal, mostrando-se relevante nas alterações de autopercepção e autoestima, fatores associados ao surgimento de sintomas depressivos (SD). Diante disso, o presente estudo teve como objetivo identificar as possíveis associações entre o AcF e os SD de crianças com excesso de peso e em situação de vulnerabilidade social. Participaram do estudo 73 crianças (10,26 ±1,31 anos) que apresentavam sobrepeso, obesidade ou obesidade severa. Os SD foram avaliados através do Children’s Depression Inventory e o AcF através do Cuestionario de Autoconcepto Físico. A descrição das variáveis foi realizada através das frequências absolutas e relativas, média e desvio-padrão. Para a comparação das variáveis de caracterização entre os sexos foi utilizado o teste t para amostras independentes e o teste qui-quadrado. Nas análises das associações entre os domínios do AcF e os SD foi utilizado o coeficiente de correlação de Pearson. O nível de significância adotado foi de 5%. Os resultados indicaram que 7,4% das crianças possuem risco aumentado de depressão. Os meninos apresentaram valores superiores (p<0,05) ao das meninas no escore total e em quatro dos seis domínios que compõem o AcF. Associações inversas entre os diferentes domínios do AcF e os SD foram encontradas (p<0,05). Porém, ao serem realizadas por sexo, as associações se mantêm estatisticamente significativas apenas entre os meninos. Em conclusão, meninos com excesso de peso e menor AcF tendem a apresentar níveis mais elevados de SD.

Palavras-Chave: Depressão; autoconceito físico; estudantes; obesidade

Abstract

Physical self-concept (PSC) is a key factor related with personal acceptance, being relevant in changes in the self-perception and self-esteem, features associated with the onset of depressive symptoms (DS). The aim of this study was to examine possible associations between PSC and DS in overweight children in situation of social vulnerability. The DS were verified through the Children’s Depression Inventory and the PSC was measured by Cuestionario de Autoconcepto Físico. The sample was comprised by 73 (10.26±1.31 years old) overweight, obesity or severe obesity children. The variables were described using absolute and relative frequencies, mean and standard deviation. To compare them between sexes were used independent t test and chi-square test. Pearson's correlation coefficient was used to analyze the associations between the PSC and DS. The level of significance adopted was 5%. The results indicated that 7.4% of children are at increased risk of depression. Boys showed higher values (p<0.05) than girls in the total score and in four of the six domains of the PSC. Inverse associations between the different domains of the PSC and DS were found (p<0.05). However, when performed by sex, the associations remain statistically significant only among boys. In conclusion, boys who are overweight and have lower PSC tend to have higher levels of DS

Keywords: Depression; physical self-concept; students; obesity

A saúde mental de crianças e adolescentes tem recebido especial atenção devido às elevadas prevalências de transtornos mentais encontradas nesta população (Barker et al., 2019). Dentre estes transtornos, os depressivos ocupam posição de destaque, sendo o mais prevalente entre adolescentes no mundo (Gladstone et al., 2011; Pascoe & Parker, 2019).

A depressão ocorre normalmente no começo da adolescência, sendo que no mínimo 25% dos adolescentes até 19 anos já experimentaram um episódio depressivo (Pascoe & Parker, 2019). Metade dos primeiros episódios de depressão acontecem na adolescência e o início precoce da doença está associado a uma trajetória crônica da mesma, onde suas consequências variam, caracterizando-se por reduzido desempenho funcional e psiquiátrico, incluindo prejuízo no desempenho escolar, problemas no trabalho, escola, relacionamento interpessoal até abuso da utilização de substâncias e risco de suicídio (Gladstone et al., 2011).

De etiologia multifatorial, os transtornos depressivos podem surgir devido à fatores biológicos, psicológicos e sociais (Dell’Aglio & Hutz, 2004), além de serem intensificados por fatores como maus tratos e eventos de vida estressantes, negligências, abusos físicos, psicológicos e sexual, dentre outros. Esses eventos adversos potencializam as estatísticas de surgimento de problemas de saúde mental (Ramires et al., 2009).

Além da perigosa combinação entre os fatores supracitados, a associação entre elevados índices de massa corporal (IMC) e a presença de psicopatologias, sendo os transtornos depressivos a mais recorrente, também está bem evidenciada na literatura (Bal’Zhieva et al., 2017; Lamertz et al., 2002). Crianças com sobrepeso e obesidade são frequentemente vítimas de bullying, discriminação e isoladas socialmente nos ambientes em que frequentam, podendo essas situações servirem de gatilho para o aparecimento dos sintomas da doença. Um quarto das meninas e 12% dos meninos que sofreram bullying já relataram tentativa de suicídio (Hayden-Wade et al., 2005).

Além dos fatores relacionados ao peso corporal, o somatório dessa condição à vulnerabilidade social pode ser um importante fator no aumento dos sintomas depressivos em crianças. Viver em condições adversas, além da exposição a diferentes condições de estresse aumenta os riscos de problemas de ordem mental em crianças (Ramires et al., 2009).

Dentre os aspectos psicológicos que podemos identificar em crianças e adolescentes, está o autoconceito físico (AcF), que pode ser definido como o conjunto de opiniões, crenças e sensações que a pessoa tem de si mesma, sendo identificado a partir de dimensões como habilidade física, condição física, atração física e força (Navas Martínez et al., 2017).

O AcF é um dos aspectos que mais influencia a aceitação pessoal e o uso positivo das características individuais e sociais do adolescente (Alcalá et al., 2016). Essa avaliação torna-se relevante pelo fato de que mudanças na autopercepção ou baixa autoestima podem estar intimamente relacionadas ao surgimento de sintomas depressivos. Algumas associações entre baixo autoconceito e depressão já estão presentes na literatura, demonstrando uma clara associação entre essas variáveis (Alghamdi et al., 2011).

Considerando a escassez de estudos sobre as associações entre o AcF e SD em crianças com excesso de peso e em situação de vulnerabilidade social e a importante contribuição que tais evidências podem oferecer para o desenvolvimento de políticas públicas voltadas para a melhoria da saúde mental desta população, o presente estudo teve como objetivo identificar as possíveis associações entre AcF e os SD de crianças com excesso de peso e em situação de vulnerabilidade social.

Método

Este estudo transversal apresenta os dados da linha de base do projeto SHOW ( Sport and Health for Overweight children )1, que atendeu crianças de nove a doze anos de idade em situação de sobrepeso e obesidade provenientes de um bairro com elevada vulnerabilidade social da cidade de Pelotas, RS. Originando-se a partir da parceria entre a Secretaria Municipal de Educação e Desporto (SMED) e pesquisadores da Escola Superior de Educação Física da Universidade Federal de Pelotas (ESEF/UFPEL), o propósito surgiu a partir da inauguração de uma Praça (Centro de Artes e Esportes Unificado- Praça CEU) com o objetivo de ampliar as opções de lazer, educação e cultura aos moradores do bairro. A partir disto, representantes da SMED e a equipe de pesquisadores definiram que o primeiro projeto esportivo envolvendo crianças seria desenvolvido na quadra poliesportiva da Praça CEU e envolveria crianças em situação de excesso de peso. O protocolo de estudo do projeto SHOW foi analisado e aprovado (parecer número: 4.127.281) pelo Comitê de Ética da Escola Superior de Educação Física da Universidade Federal de Pelotas. Os pais ou responsáveis de todos os participantes consentiram a participação no estudo através da assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido e os participantes manifestaram desejo em participar do estudo assinando o termo de assentimento do menor.

Participantes

O procedimento de seleção dos participantes foi realizado a partir da triagem de crianças matriculadas nas duas escolas de ensino fundamental da rede municipal do bairro onde a Praça CEU foi construída (participantes que fariam parte do grupo intervenção). Ambas estão localizadas nas proximidades da praça. Para a composição do restante da amostra (participantes que fariam parte do grupo controle), a SMED intermediou o contato com representantes da direção de uma escola de ensino fundamental da rede municipal localizada em outro bairro da cidade que também apresenta elevada vulnerabilidade social. A opção por selecionar crianças de uma escola localizada em outro bairro para a composição do restante da amostra foi feita com o intuito de reduzir a possibilidade de contaminação no processo de intervenção com atividade física, fase posterior do projeto SHOW cujos dados serão apresentados em outros estudos.

Todos os estudantes das três escolas foram convidados a participar das avaliações de estatura e massa corporal. Com os valores das duas medidas antropométricas, o índice de massa corporal (IMC) foi calculado. Os resultados da classificação foram repassados às direções das três escolas e à SMED.

As crianças classificadas com sobrepeso, obesidade e obesidade severa, que estivessem dentro da faixa etária de interesse (9 a 12 anos de idade) e que não apresentassem nenhuma deficiência física ou intelectual que impedisse a participação em atividades esportivas foram consideradas elegíveis para o estudo.

Nas três escolas selecionadas, foram avaliados 759 alunos. Destes, 283 (37,2%) foram classificados com excesso de peso e 215 foram convidados a participar do estudo. Após reuniões com os pais para apresentação dos objetivos, procedimentos e possíveis benefícios do projeto, 73 crianças compuseram a amostra.

Material

Indicadores Antropométricos

Foram realizadas as medidas de estatura e massa corporal, seguindo procedimentos padronizados (Gaya, 2016). A estatura foi mensurada através de uma fita métrica fixada à parede; a massa corporal foi obtida através de uma balança digital X calibrada em quilogramas. Todos os sujeitos foram avaliados descalços e com roupas leves, que não influenciassem o seu peso significativamente. Para fins de classificação, foi utilizado o IMC, conforme pontos de corte específicos para sexo e idade (Cole & Lobstein, 2012) e cada participante foi classificado em sobrepeso, obesidade ou obesidade severa.

Autoconceito físico

O autoconceito físico (AcF) é a avaliação do conjunto de percepções multidimensionais parciais que a pessoa tem de si própria. Essa medida foi obtida através do Cuestionario de Autoconcepto Físico - CAF (Goñi et al., 2004), composto por 36 questões respondidas numa escala tipo Likert, de 5 pontos (“1- Discordo totalmente” e “5- Concordo totalmente”). As questões do instrumento possibilitam a análise do AcF a partir de seis domínios: Habilidade Física (percepção das qualidades e habilidades para a prática de esportes, capacidade de aprender esportes, segurança pessoal e pré-disposição para esportes); Condição Física (condição e forma física, resistência e energia física, confiança no físico); Atração Física (percepção de sua aparência física, segurança e satisfação pela própria imagem); Força (ver-se ou sentir-se forte, com capacidade para levantar peso, com segurança e pré-disposição para realizar exercícios que envolvam força); Autoconceito Físico Geral (opiniões e sensações positivas, felicidade, satisfação, orgulho e confiança no físico) e Autoconceito Geral (grau de satisfação com si próprio e com a vida, em geral). Além dos seis domínios propostos pelo instrumento, um escore geral total (AcF escore total) foi elaborado a partir da soma das 36 questões.

Sintomas depressivos

Os sintomas depressivos (SD) foram avaliados através do Children’s Depression Inventory (CDI) (Kovacs, 1992), que é uma adaptação do Beck Depression Inventory (BDI) para a população infantil. Esse instrumento autoaplicável pode ser utilizado em crianças e adolescentes de 7 a 17 anos e contém 27 itens que verificam a presença e a severidade dos sintomas depressivos em três dimensões: afetivas, cognitivas e comportamentais. Em cada uma das perguntas, as crianças respondem o que melhor descreve seus sentimentos referentes às duas últimas semanas, numa escala que varia de 0 a 2 pontos. A pontuação final é o somatório simples de todos os itens e o ponto de corte utilizado foi de 18 pontos, demonstrando que valores iguais ou superiores a esse representam alto risco de desenvolver depressão.

Procedimento

Os procedimentos de coleta de dados ocorreram nas dependências das escolas. Para a realização deste estudo foram utilizadas as informações relativas ao sexo (masculino e feminino), idade (anos completos), estatura, massa corporal, IMC, autoconceito físico (AcF) e sintomas depressivos (SD).

Análise estatística

Inicialmente as variáveis numéricas foram analisadas em relação à normalidade de suas distribuições. O teste Shapiro-Wilk indicou parametria para todas as variáveis (p>0,05). Assim, a descrição das variáveis numéricas foi realizada pela média ( x ) e desvio-padrão (DP). A descrição das variáveis categóricas foi realizada pelas frequências absolutas (n) e relativas (%) seguidas de seus respectivos intervalos de confiança de 95% (IC 95%). Para a comparação das variáveis de caracterização foi utilizado o teste t para amostras independentes e o teste qui-quadrado. Para testar as possíveis associações entre os domínios do AcF e os SD foi utilizado o coeficiente de correlação de Pearson (r). O nível de significância adotado foi de 5% e todas as análises estatísticas foram realizadas no programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS) versão 20.0.

Resultados

No Quadro 1 estão descritas as características demográficas, antropométricas e referentes ao AcF (escore total e os seis domínios) e aos SD (escore total e classificação), com valores totais e classificação por sexo. Para fins estatísticos, as classificações do IMC “obesidade” e “obesidade severa” foram agrupadas em uma mesma categoria denominada obesidade. Participaram do estudo 73 crianças com idade média de 10,26 (±1,3) anos, sendo a maior parte do sexo masculino e classificados com sobrepeso. Em relação aos SD, 7,4% dos participantes foram classificados com risco aumentado de depressão. Considerando os escores dos domínios do AcF, o sexo masculino apresentou médias superiores em praticamente todos os domínios quando comparado ao sexo feminino, com exceção do domínio atração física, apresentando diferença estatisticamente significativa nos domínios habilidade física, condição física, força e autoconceito geral, além da média no escore total do AcF (p<0,01).

Quadro 1 Caracterização dos participantes. 

Nota: n: número de participantes; 𝑥 : média; DP: desvio padrão; %: frequência relativa; IMC: índice de Massa Corporal.

As associações entre o escore de SD e os escores dos domínios que compõem o AcF de acordo com o sexo são apresentadas no Quadro 2. No sexo masculino, todos os domínios do AcF apresentaram associações inversas com o escore de SD não sendo estatisticamente significativas apenas nos domínios autoconceito físico geral e atração física. No sexo feminino, a maior parte das associações também foram inversas, mas não apresentaram significância estatística entre o escore de SD e os domínios do AcF.

Quadro 2 Associações entre os escores dos domínios do Autoconceito Físico e o escore de Sintomas Depressivos de acordo com o sexo. 

Nota: r: Coeficiente de correlação de Pearson.

Discussão

Este estudo verificou a associação entre o AcF e SD em crianças com sobrepeso e obesidade e em situação de vulnerabilidade social. Os resultados encontrados indicaram associações inversas entre os diferentes domínios do AcF e os SD sugerindo uma tendência de que crianças com excesso de peso e menores níveis de AcF apresentem níveis mais elevados de SD. Quando analisados de acordo com o sexo, os resultados se mantiveram apenas para os meninos.

Alguns estudos têm relacionado diferentes indicadores de AcF com SD em crianças e adolescentes. Em estudo transversal realizado no Canadá com escolares do 3º ao 6º ano (Alghamdi et al., 2011), pesquisadores buscaram identificar possíveis associações entre o autoconceito e os SD em meninos e meninas. O autoconceito foi avaliado pelo Self-perception profile for children (SPPC), que possui sete dimensões em sua avaliação. Os SD foram avaliados através do Children’s Depression Inventory (CDI), mesmo instrumento utilizado no presente estudo. Nas meninas, a aparência física demonstrou associação inversa com os SD. O estudo identificou também forte associação entre níveis mais baixos de autoestima e maiores SD.

No caso do presente estudo, os resultados também indicaram uma associação inversa entre AcF e SD, porém, o fato da amostra ter sido composta somente por crianças com sobrepeso e obesidade pode ter sido um fator importante para que não fossem verificadas associações entre o domínio aparência física e os SD, visto que toda a amostra apresentava excesso de peso.

Num estudo longitudinal também canadense (Saint-Georges & Vaillancourt, 2019), 612 crianças foram acompanhadas durante cinco anos com o objetivo de identificar as possíveis alterações em indicadores de saúde mental durante a fase de transição da infância para o início da adolescência (7 aos 11 anos). A baixa autoestima foi preditor para maiores níveis de SD. Embora não tenhamos avaliado diretamente a autoestima, os domínios que compõem o AcF também fazem referência à percepção do sujeito em relação a essa variável. De fato, é inequívoco afirmar que os domínios que compõem o CAF (Goñi et al., 2004) retratam, mesmo que de forma indireta, a autoestima. Os estudos de Alghamdi et al. (2011) e Saint-Georges e Vaillancourt (2019) sugerem que a melhoria da autoestima é parte importante para a formação e manutenção da saúde mental em crianças e adolescentes, além do que a melhoria do conceito da autoestima conduz o sujeito a outras melhorias comportamentais.

Os participantes do presente estudo foram crianças com sobrepeso e obesidade e em situação de vulnerabilidade social. Esses dois fatores por si só podem ser responsáveis por reduzir os níveis de AcF e elevar os SD. No que se refere à vulnerabilidade social, um estudo realizado na China (Zhou et al., 2018) composto por 2679 crianças e adolescentes de 10 a 15 anos mostrou que os indivíduos pertencentes a grupos de minorias étnicas, provenientes de famílias mais pobres e com pais depressivos estão mais propensos a desenvolverem SD.

Em relação ao sobrepeso e a obesidade, esta condição corporal pode contribuir para que as crianças apresentem níveis mais baixos de autoestima, que por sua vez podem reduzir os níveis de AcF e aumentar os SD. Em estudo francês (Bégarie et al., 2011) realizado com escolares entre 12 e 18 anos que possuíam deficiência intelectual, pesquisadores investigaram os efeitos do sexo e do peso corporal no autoconceito e autoestima geral dos estudantes. Adolescentes obesos obtiveram piores escores de autoestima, percepção do físico e aparência física comparados aos adolescentes com peso normal. Além disso, meninos apresentaram autoestima geral e autopercepções físicas superiores às meninas.

Embora o presente estudo possua algumas limitações como o delineamento, que não permite o estabelecimento da relação temporal de causa e efeito, além do reduzido número de participantes que não permite a generalização dos resultados encontrados, aspectos importantes relacionados ao público-alvo estudado devem ser pontuados. A obesidade e viver em regiões de elevada vulnerabilidade social tendem a manter as crianças ainda mais afastadas das atividades sociais, como o envolvimento em atividades físicas e esportivas, potencializando o isolamento e contribuindo para o aparecimento de problemas de ordem física e mental (Hayden-Wade et al., 2005).

O desenvolvimento de ações voltadas ao fortalecimento dos fatores de proteção à depressão2 seriam formas adequadas de prevenir o aparecimento da doença (Gladstone et al., 2011). Dentre estas ações destaca-se o incentivo à prática esportiva e de atividades físicas, considerando seus inúmeros benefícios à saúde física e mental de crianças em geral, e daquelas em situação de excesso de peso em específico (Pascoe & Parker, 2019; Poirel, 2017)

Reconhecendo que a depressão poderá ser a terceira maior patologia dos próximos anos (Ledochowski et al., 2017), urge a necessidade de intervenções profiláticas e não somente ações que visem o processo terapêutico após o aparecimento dos primeiros sintomas ou diagnóstico da doença. Efeitos negativos na saúde mental, ocasionados por SD, acrescidos de excesso de peso e seus fatores de riscos associados, podem tornar-se um grave problema de saúde pública, maximizando desigualdades sociais já existentes em populações vulneráveis.

O AcF se associa de forma inversa aos SD de crianças com excesso de peso em situação de vulnerabilidade social, sendo essa relação mais consistente no sexo masculino. Torna-se fundamental a implementação de políticas públicas que combatam a obesidade e o sedentarismo, a fim de reduzir os danos psicossociais futuros ocasionados por essa condição em crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social.

Referências

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1O projeto SHOW se caracteriza como um programa de intervenção multicomponente com ênfase em práticas esportivas, que inclui atividades de educação para a saúde e comunicação semanal com os pais dos participantes através de um aplicativo de mensagens instantâneas.

2Segundo Gladstone (2011), os fatores de proteção da depressão seriam o desenvolvimento da solidariedade e compreensão dos pais, habilidades de enfrentamento, consolidada rede de amigos e habilidade na regulação das emoções das crianças e jovens.

Recebido: 21 de Novembro de 2020; Aceito: 23 de Maio de 2021

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