Em todo o mundo, temos em torno de 300 milhões de pessoas que vivem hoje com uma patologia considerada rara, ou seja, 4% da população mundial. Ao pensar sobre as doenças raras de uma maneira coletiva, e não as especificidades que compõem esse termo de doenças raras (no plural) ou mesmo doenças genéticas, deve-se pensar na atuação das políticas públicas eficazes nos níveis globais e nacionais, para assim haver um maior empenho em melhorar a qualidade de vida dessa população. Uma doença é considerada rara quando não afeta mais de 5 pessoas em um grupo de 10.000 pessoas. Sabe-se também que o número de doenças raras que permeiam por volta de 6 a 8 mil variações pode não ser fidedigna com a realidade, derivado do motivo de inúmeras doenças raras não serem rastreáveis nos sistemas de saúde, ou não terem um diagnóstico preciso. Em média 30% das pessoas com doenças raras morrem antes dos cinco anos de idade; 75% delas afetam crianças e 80% têm origem genética. As doenças raras geralmente são crônicas, progressivas, degenerativas e muitas vezes fatais (European Journal of Human Genetics, 2019; OMS, 2019).
O próprio nome “doença rara” (DR) traz consigo a designação de raridade, ou seja, de algo que é infrequente, que foge à norma, marcando de modo muito particular a vida das pessoas que vivenciam ou convivem com uma doença rara. A raridade dessas doenças resulta em consequências que agravam não apenas as situações biológicas relacionadas aos diagnósticos tardios, longos tempos de espera, atendimentos inadequados as suas necessidades, mas, também, revela-se no corpo, implica olhares furtivos, contatos evitados, oportunidades perdidas, gera estigma, cria vidas escondidas, cotidianos que giram em volta da doença (Brasil, 2014; Barchifontaine & Zoboli, 2007).
A Organização Mundial de Saúde (OMS, 2019) aponta que os transtornos mentais atingem uma em cada quatro famílias que possuem pessoas com algum tipo de doença no seio familiar. Tais consequências atingem não apenas a pessoa que adoece, mas o núcleo da família como um todo, com um acentuamento ao familiar cuidador (Cardoso, 2018).
A família é o grupo primário no qual o ser humano está inserido, sendo assim, a dinâmica a qual a família constrói mediante a doença rara de um filho, é específica para cada qual. António (2010) e Machado (2009), apontam que existe uma mútua relação entre a saúde e a família, e isto acaba por influenciar investigações de todas as especialidades neste campo da saúde/doença.
Quando se refere a cuidadores, existem algumas distinções entre quem são: os cuidadores informais podem ser familiares ou uma pessoa amiga, conhecida, que se dispõem ao ato de cuidar, bem como, existem os cuidadores profissionais que possuem formação para o cuidado específico da pessoa. Este pode ser um enfermeiro, ou um técnico de enfermagem, por exemplo. Entre os cuidadores formais e informais, existem os que ocupam o papel de cuidador principal, sendo este o que se responsabiliza pelos cuidados na maior parte do tempo. Já os cuidadores secundários, auxiliam o que o cuidador principal orienta (Ministério da Saúde, 2012).
Ao analisar o ambiente social familiar e suas interações, observa-se que existem inúmeras mudanças de comportamento por parte da família, para poder suprir a demanda que a doença traz consigo. Vale ressaltar ainda que existem aspectos específicos culturais que influenciam a relação da família com a doença, a dor de um ente da família, tende a evocar a dor dos familiares (Dias et al., 2011; McGooldrick, 2003).
Existe uma característica no meio familiar, que após o diagnóstico, vem a procura pela responsabilização da doença. Logo cresce uma variância dos sentimentos, sensações e sintomas, tendo por base a culpa, inutilidade, depressão e ansiedade sobre a idealização de uma criança perfeita. É interessante perceber as características psicológicas da relação família e doença, mediante o desenvolvimento das funções que cada membro familiar possui. Por vezes sentimentos negativos permanecem, pois não há um espaço para falar sobre o impacto que a doença traz no núcleo da família (Kubller-Ross, 2009; Machado, 2009; Oliveira et al., 2016).
Neste contexto, a atenção deste estudo será voltada ao cenário das pessoas com doenças raras, que são definidas pelo número da sua ocorrência, pelo significado estatístico da sua incidência na população. Por serem raras, isto pode implicar no aumento significativo da vulnerabilidade dos indivíduos com a doença, mas também suas famílias, onde os diagnósticos tardam, os exames, as consultas e as opiniões se multiplicam, as respostas não são adequadas, as necessidades não são atendidas, e a urgência do cuidado contrasta com o tempo longo da espera. Diante disto, a proteção dos indivíduos quanto as vulnerabilidades e ao itinerário terapêutico é uma fortaleza que garante ao prognóstico da doença e o respeito ao direito à vida. Não são raras as demandas judiciais para conseguir acesso a benefícios de direitos, como a medicação de alto custo para os pacientes que necessitam do mesmo, para uma melhor qualidade de vida ou prolongamento da mesma (Alves et al., 2017; Barbosa & Portugal, 2018).
Segundo a Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos (UNESCO, 2005), a vulnerabilidade humana é um princípio ético, que deve ir além do discurso bioético, todos devem falar e agir acerca da condição da vulnerabilidade (condição de carência, necessidade, impossibilitada de responder com seus próprios recursos a dada demanda que vive e o afeta), vulnerados (o que foi agredido, seja por ações ou palavras ou pela falta delas) e das situações de vulneração (ação de vulnerar algo ou alguém) (Schramm, 2003).
A vulnerabilidade é um conceito extremamente importante que ganha mais atenção no relatório de Belmont (1978) em que se discute que este não é um princípio, mas um conceito que deve ser analisada em todos os elos possíveis, pois todas as pessoas estão em condição possível de vulnerabilidade. Logo, existe a possiblidade de que uma doença rara (por exemplo) se desenvolva em qualquer organismo já que é sindrômico (possui causas, fatores ou condições diversas) e, portanto, necessitarão de cuidados que o acesso à saúde é definitivamente salutar. A permeabilidade do acesso aos cuidados de pessoas com doenças raras é um itinerário complexo e abrangem diversas vulnerabilidades devido ao tempo dispendido até o diagnóstico conclusivo e a terapia adequada as intercorrências ao longo da doença. Como são raros, a necessidade deste estudo se amplia na busca e entendimento das vulnerabilidades que pessoa com doenças raras e a sua família passam cotidianamente (Alves et al., 2017; Barbosa & Portugal, 2018).
A bioética traz consigo um arcabouço teórico e metodológico adequados para proporcionar significativos impactos nos enfrentamentos de temas persistentes e emergentes, sendo assim, auxilia no complexo diálogo, aprimoramento e consolidação dos direitos humanos e da justiça social (UNESCO, 2005).
O debate ético dentro de diversas situações que desprotegem o direito humano a vida digna com saúde, deve pautar no olhar interdisciplinar da bioética sendo este, essencial para contemplar o aspecto social, biológico, sanitário, jurídico e econômico envolvido na temática (Brasil, 2014; Carvalho & Rocha, 2013).
Sob a ótica da bioética se orienta pelo respeito e incentivo à liberdade individual de tomada de decisão, adicionada dos princípios da solidariedade, da justiça, da equidade e da responsabilidade, reforçando a necessidade de proteção dos mais desfavorecidos, vulneráveis ou vulnerados como menciona Fortes (2011), pois a ética que defende a dignidade de todos deve ter como prioridade a defesa dos mais frágeis (Sanches, 2004).
A luta diária de pacientes e familiares com doenças raras nos permite refletir sobre suas fragilidades e buscar de forma científica o apoio e auxílio à garantida dos direitos humanos, inerente a todos, independentemente da condição em que se encontre (Barbosa & Portugal, 2018).
Associando a importância da bioética nas questões voltada as doenças raras, alguns autores destacam que está atenção se torna importante por estar se tratando de pacientes frágeis, vulneráveis e marginalizados, com diferentes dificuldades de representação em instituição que os atendam adequadamente (Guedes, 2012), ou ainda sem um tratamento ideal, fazendo com que a assistência que lhes seria de direito se torne fragmentada e insuficiente. A descoberta de uma doença rara seja em uma criança ou em um adulto, afeta não somente o paciente, mas a família como um todo, tornando-os marginalizados psicologicamente, social, cultural e economicamente vulneráveis (Eurodis, 2005).
Por se fundamentar em uma visão macro, ampliada e seguramente comprometida com a dimensão social, a bioética, bem como seus referenciais, deve ser incorporada nos processos de definição das políticas públicas, contribuindo na construção de sociedades mais justas e que garantam os direitos humanos das pessoas com doenças raras. Neste sentido, questões éticas relacionadas a problemas que compreendem a existência humana submetida a riscos de vulneração, privações ou conflitos em saúde pública que venham a romper o princípio de justiça e da dignidade humana estão envoltos neste estudo (Carvalho & Rocha, 2013; UNESCO, 2005).
Tom Beauchamp e James Childress reforçaram a ideia de vulnerabilidade, com o indivíduo ou grupo de pessoas, quando ambos necessitam que o princípio de autonomia seja cumprido, e para tal é de suma importância rigor e cuidado com o outro. Logo, a autonomia, nomeada como mantenedora das: “perspectivas, fazer as suas escolhas e decidir agir baseada nos seus valores e crenças pessoais”, bem como, proporcionando a capacitação do indivíduo para agir autonomamente, é fundamental, para que haja maior qualidade de vida, e esta, com dignidade (Beauchamp & Childress, 2002).
Para podermos olhar para a autonomia e capacitação prática, é importante compreender qual é o nível sócio-educacional da família cuidadora, pois isso causa interferência no que tange a vulnerabilidade da pessoa com doença rara, seu cuidador e seu família de forma geral. Pois o baixo nível educacional juntamente com a renda familiar - ou falta desta - pode ocasionar inúmeras dificuldades que se relacionarão diretamente com o tratamento e acompanhamento da saúde da família com doença rara. Quando se há esclarecimento sobre a doença - e se pontua que o esclarecimento é até onde o sujeito quer saber sobre a doença, ou o que precisa saber para um tratamento coerente - mudanças podem acontecer, como questões de ansiedade e estresse, que tendem a diminuir, bem como a relação harmônica com uma equipe médica/terapêutica com conhecimento. A bioética de proteção busca olhar, acolher e fortalecer a proteção da qualidade de vida e da saúde do cuidador familiar, preocupando-se com os princípios da responsabilidade e autonomia que o cuidador possui (Guimarães et al., 2009; Schramm, 2003).
Quando se fala sobre doenças raras, fala-se sobre saúde, e quando se fala sobre saúde deve-se olhar para as políticas públicas que devem ser construídas e fortalecidas pela comunidade. Ao observamos as práticas sanitaristas é salutar que haja transdisciplinaridade e que ela possa se comunicar entre as diversas ciências, assim sendo, ciências da vida, saúde, humanas e ciências sociais, bem como a biotecnologia. Logo, devem caminhar de mãos dadas, buscando trabalhar em prol da dignidade e esquivando-se do sofrimento evitável, respeitando, portanto, a autonomia do indivíduo e coletivamente, proporcionando bem-estar e qualidade de vida sem discriminação (Schramm, 2003; Schramm, 2017).
Frente o exposto, o objetivo deste artigo é analisar sob o ponto de vista bioético as vulnerabilidades dos cuidadores familiares de pacientes com doenças raras.
Método
A presente artigo de revisão integrativa tem por objetivo responder à pergunta sobre o cuidado com a saúde mental dos cuidadores familiares de pessoas com doenças raras. As buscas aconteceram na base de dados Bireme.org e Scielo.org, focando-se em textos completos, de língua portuguesa, espanhola e inglesa, publicados desde 2009 a 2019. Textos duplicados, em outra língua que não fosse português, espanhol e inglês foram desconsiderados. Ao total foram analisados 462 artigos, sendo que 53 artigos respondiam inicialmente à pergunta, após análise mais aprofundada que mostrava oito textos incompletos e cinco artigos duplicados, chegou-se ao resultado de 39 artigos que responderam à pergunta inicial. As buscas dos termos nas plataformas aconteceram com o termo “doenças raras” + “vulnerabilidade, relações familiares, empatia, acesso de serviços em saúde, avaliação em saúde, respeito, justiça social, cuidadores, saúde mental, atenção primária” ou procurou-se como “doenças genéticas cuidadores” e ainda como “rare diseases caregivers”. Os textos podem ser analisados no “Quadro 1”, que explicita o título, autor, data de publicação, vulnerabilidades encontradas no discurso do artigo, e um recorte analítico dos principais pontos que o autor destaca no seu texto.
Para as análises das vulnerabilidades utilizou-se as propostas conceituais de Ayres (2006) e Sanches et al. (2018).
Resultados
O “Quadro 1”, explicita a vulnerabilidade programática, vulnerabilidade social, vulnerabilidade individual e vulnerabilidade moral. Mediante tais vulnerabilidades foi possível analisá-las de acordo alguns grupos temáticos analisados, esses grupos estão especificados na discussão deste artigo, e estão divididos em: questões que envolvem profissionais; medicação e outros custos; relação familiar; suporte no tratamento e informação. Também neste quadro é possível observar a variância da publicação dos autores, isto é, se os autores se repetem. No Quadro 1, ainda é possível observar o título dos artigos lidos, seus autores, o ano de publicação, que compõem a revisão integrativa deste estudo e as suas vulnerabilidades.
Discussão
Ayres (2006), pontua três tipos de vulnerabilidades, a individual, a social e a programática, estas vulnerabilidades estão sendo analisadas mediante a saúde mental de cuidadores familiares de pessoas com doenças raras, ao qual a vulnerabilidade individual compreende aspectos biológicos, emocionais e cognitivos referentes às relações sociais. A vulnerabilidade social está caracterizada como aspectos culturais, sociais e econômicos que determinam as oportunidades de acesso a bens e serviços. E a vulnerabilidade programática é referida pelos recursos sociais necessários para a proteção do indivíduo a riscos à integridade e ao bem-estar físico, psicológico e social. Logo, essas vulnerabilidades podem combinar-se em seus três elementos, individual, social e programática, pois, irá haver uma variação mediante as experiências de cada pessoa, seu ambiente, seu estilo de vida, sua cultura e a maneira que conseguiram se relacionar com as vulnerabilidades. Outra dimensão da vulnerabilidade é a moral, que diz respeito aos problemas que indivíduos e grupos passam por serem de alguma forma excluídos segundo Sanches et al. (2018).
A seguir, estão compilados os artigos e correlação com as vulnerabilidades, sejam elas: individual, social, programática e moral.
Vulnerabilidade Individual: Existem 24 apontamentos que abordam questões de vulnerabilidade individual, estes textos majoritariamente estão relacionados com a relação familiar. Dentro de diversas dimensões que um mesmo artigo busca explicitar, a vulnerabilidade individual aparece em uma média menor que a vulnerabilidade social e programática. Quando é possível relacionar esta vulnerabilidade com a atuação profissional, encontra-se 3 textos (3, 27 e 32) ao observar com um viés da relação familiar, existem 19 textos (2, 5, 7, 9, 10, 11, 14, 17, 18, 19, 20, 21, 23, 24, 26, 31, 32, 35 e 38) que se correlacionam com a presente vulnerabilidade, e 2 textos (28 e 30) apontam para questões de suporte terapêutico. Pode-se observar estas afirmações nos seguintes textos presentes no quadro 1.
Vulnerabilidade Social: É possível perceber 39 menções da vulnerabilidade social nos textos, isso acontece, pois, os textos possuem não apenas um subtema, o que faz com que possa ser analisado todos os apontamentos do artigo em sua diversidade de vulnerabilidades. Logo, a vulnerabilidade social possui questões que envolvem os profissionais de saúde (9 artigos englobam essa temática, sendo os artigos 5, 8, 13, 26, 27, 28, 32, 33 e 36); existem 5 textos (1, 12, 14, 15 e 28) que pontuam as questões sociais e o uso da medicação, além de 19 textos (2, 4, 6, 7, 11, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 23, 26, 27, 29, 30, 31, 32 e 38) que pontuam a relação familiar e vulnerabilidade, 6 textos (9, 16, 24, 25, 30 e 38) que englobam o suporte terapêutico com um viés social e um texto que trata da vulnerabilidade social e informação. É possível analisar esses textos no quadro 1.
Vulnerabilidade Programática: É possível perceber 44 menções a essa vulnerabilidade nos artigos encontrados nas bases de dados, sendo que os textos em que podemos observar a vulnerabilidade programática possuem conteúdo voltado para questões que envolvem profissionais da saúde (17 textos com essa temática, sendo: 1, 4, 5, 10, 11, 12, 13, 20, 25, 26, 27, 28, 31, 33, 36, 37 e 39), suporte terapêutico (9 textos: 2, 17, 22, 24, 25, 28, 33, 34 e 38), sentimento familiar (16 textos: 3, 6, 8, 16, 19, 20, 21, 23, 24, 26, 27, 28, 30, 31, 32 e 36), custos financeiros (1 texto com essa temática, sendo este o 25) e informação sobre doenças raras (1 texto com essa temática, sendo o texto 29). Pode-se encontrar o conteúdo de Vulnerabilidade Programática no quadro 2.
Vulnerabilidade Moral: Existem 6 textos, com 9 menções que relacionam a vulnerabilidade moral com os eixos estabelecidos nos artigos encontrados nas bases de dados aqui já mencionadas. É possível constatar, que essa vulnerabilidade apresenta um menor número de correlações, seriam estas: um artigo sobre a relação profissional (texto 32), um artigo (texto número 9) sobre a medicação e custos econômicos, 6 artigos (6, 7, 9, 18, 21 e 32) sobre a relação familiar e a sua influência na vulnerabilidade moral e um artigo (texto número 6) sobre suporte terapêutico. Estes apontamentos podem ser encontrados no quadro 1.
Um dado interessante diz respeito aos autores que escreveram os artigos mencionados neste estudo, é possível perceber que alguns autores se repetem, isso nos mostra que eles estão constantemente estudando e publicando questões sobre doenças raras. Logo, constatou-se que dos 40 artigos, 13 autores publicaram duas vezes artigos distintos sobre o tema de doenças raras em um apanhado de língua inglesa, portuguesa e espanhola entre os anos de 2009 e 2019, como é possível perceber no “Quadro 1”. Logo, pode-se considerar que o estudo sobre a temática de doenças raras tem um grupo de pessoas relativamente amplo, que não necessariamente publica continuamente sobre esse tema.
A influência que a família exerce na sua relação com a pessoa com doença rara é relevante, pois refere-se a aspectos como o nível social, familiar e econômico, que possuem grande peso na dinâmica do bem-estar da família nuclear (Machado, 2009; Mano, 2005; Pais-Ribeiro, 2007).
A abordagem teórica sistêmica no que tange o olhar da psicologia, afirma que quando uma pessoa adoece a família toda adoece em alguma instância, em algum grau. Isso acontece, mediante as mudanças, em especial, ambientais e emocionais que a família passa como um todo (Soares et al., 2016).
Existem algumas características das famílias com uma doença sem cura: a primeira delas diz respeito ao cuidador, os primeiros cuidadores do doente crônico são os familiares. Existem quatro características comuns às famílias que têm no seu meio pessoas com doenças raras: a) a doença tem a tendência de dominar a vida familiar, b) o desenvolvimento de relações mais acentuadas entre a pessoa e a família, c) a capacidade de adaptação da família ao exterior diminui, d) as famílias com doentes tendem a isolar-se ou sua rede de contatos é restrita (Alves et al., 2007; Cardoso et al., 2012).
Outro aspecto a ser considerado é o papel ocupado culturalmente pelas mulheres na dinâmica familiar, normalmente associado ao cuidado. Diante do adoecimento quem assume esta posição normalmente é a mãe. A sobrecarga pode afetar não apenas o lado profissional, mas também os relacionamentos sociais da cuidadora, acabando por negligenciar suas próprias necessidades. Mas, isso não isenta os sofrimentos por não ter momentos para si, ou para os demais membros da família, o que pode acarretar a sintomas depressivos, por exemplo (Faria, 2008; Lopes et al., 2018; Oliveira et al., 2016).
A busca por acompanhamento psicológico por parte dos cuidadores de pessoas com doenças raras é importante, para melhor lidar com sentimento de frustração, vergonha, culpa e tristeza. Uma rede de apoio é extremamente importante para ajudar os pais, e em especial a mãe a lidar com as dificuldades que surgem dia após dia (Lopes et al., 2018).
É salutar discutir sobre doenças raras, e a amplitude que esta temática pode alcançar. Quando se relata sobre pessoas com doenças raras que perdem habilidades ou capacidades fala-se sobre um luto, tanto familiar quanto da pessoa que possui doença rara. Existe um luto da saúde, que pode passar pelo processo de negação, raiva, barganha, depressão e aceitação.
A família, neste último caso, por mais que não queira, nasce cuidadora, quando nasce alguém que demanda ajuda, e uma ajuda que muitas vezes tem um diagnóstico longínquo, o que traz sofrimento e possíveis doenças psicológicas, como a ansiedade, por exemplo. Adultos e idosos necessitam que toda a família se adapte junto. Não é uma escolha de quem está doente. Existe uma escolha que pode ser feita, é essa é do cuidador familiar que normalmente escolhe cuidar. Pode-se dizer que este cuidador não vê outra solução ou esta é a escolha mais óbvia, ou amorosa, seja ele escolhido pela família para esse papel, ou seja uma escolha própria, existe uma escolha, essa pessoa escolher cuidar. Todos merecem acolhimento e cuidado, merecem uma vida digna e que possam vive-la da maneira mais plena possível. O que a bioética e a psicologia podem fazer a respeito desta temática? Podem olhar as vulnerabilidades, entender as dores e alegrias e frente elas, desenvolver uma resolução de conflitos que se mostram no resultado e discussão deste estudo. Em suma, a jornada terapêutica é um caminho que familiares de pessoas com doenças raras e as próprias passarão, pois, se uma pessoa está doente toda a sua família está doente e necessitam de cuidados.