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Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.22 no.3 Lisboa dez. 2021  Epub 31-Dez-2021

https://doi.org/10.15309/21psd220307 

Artigos

Perturbação de ansiedade social: abordagem terapêutica com terapia cognitivo-comportamental

Social anxiety disorder: cognitive-behavioral therapy as a therapeutic approach

Catarina Cativo1 

Vera Barata1 

1 Serviço de Psiquiatria do Departamento de Saúde Mental do Hospital Prof. Dr. Fernando Fonseca, Amadora, Portugal, mariacatarinacativo@gmail.com, vera.barata@hff.min-saude.pt


Resumo

A Perturbação de Ansiedade Social (PAS) é uma doença incapacitante de elevada prevalência, manifesta como medo ou ansiedade marcados face a situações em que o indivíduo é exposto a uma possível avaliação por parte de outrem. A investigação até à data aponta a terapia cognitivo-comportamental (TCC) como um tratamento eficaz nesta patologia. O objetivo deste trabalho foi fornecer uma revisão sobre o papel da TCC na PAS, abordando os modelos cognitivo-comportamentais e a sua eficácia. Assim, foi realizada uma revisão narrativa da literatura publicada na base de dados PubMed. Os modelos cognitivo-comportamentais explicativos da PAS sugerem que estes doentes focam seletivamente a atenção nos aspetos interoceptivos e nos aspetos considerados ameaçadores relativamente aos interlocutores, apresentando esquemas cognitivos disfuncionais. Estes resultam em representações negativas do self, que não correspondem ao que o sujeito considera serem as expectativas do público, despoletando emoções negativas e sintomas de ansiedade. Para reduzir a ansiedade, os doentes recorrem a comportamentos de segurança e/ou evitamento que, funcionando como reforço negativo e perpetuam as crenças disfuncionais. As principais componentes da TCC para a PAS são a reestruturação cognitiva e a exposição. Até à data, os estudos realizados evidenciam bons resultados da TCC na PAS, no entanto, continua a ser necessário realizar investigação adicional para melhorar as respostas a estes doentes.

Palavras-Chave: Perturbação de ansiedade social; Terapia cognitivo-comportamental; Modelo cognitivo-comportamental; Eficácia

Abstract

Social Anxiety Disorder (SAD) is a highly prevalent and incapacitating disorder, manifested by marked fear or anxiety in situations in which the individual might be negatively evaluated by others Current investigations suggest that Cognitive-Behavioral Therapy (CBT) is an effective treatment strategy. The objective of this work was to provide a structured review of the role of CBT in SAD, addressing cognitive-behavioral models and their effectiveness. Thus, a non-systematized review of the literature was carried out through a bibliographic research at PubMed. CBT models for SAD suggest that these patients focus their attention selectively in interoceptive processes and in threatening cues perceived in the interaction with others. They develop maladaptive schemas that result in negative self-representations that don’t coincide with their overestimation of other’s expectations. This leads to negative emotions and symptoms of anxiety. In order to reduce these symptoms, patients tend to develop safety or avoidant behaviours that function as a negative reinforcement and perpetuate their dysfunctional beliefs. The main TCC approaches for SAD are: cognitive reconstructing and exposure techniques. To date, studies show that TCC is an effective treatment for SAD, but more investigation is necessary to improve treatment strategies for these patients.

Keywords: Social anxiety disorder, Cognitive-behavioural therapy; Cognitive-behavioural model; Efficacy

A Perturbação de Ansiedade Social (PAS) manifesta-se como medo ou ansiedade marcados em resposta a uma ou mais situações em que o indivíduo é exposto a uma possível avaliação por parte de outrem. (DSM-5; American Psychiatric Association, 2013). O indivíduo receia que, nestas situações, possa apresentar determinado comportamento ou manifestar sintomas ansiosos que possam ser avaliados negativamente ou ofender outros (Westenberg, 2009). Estas situações incluem interações sociais (como ter uma conversa ou conhecer pessoas novas), ser observado (por exemplo, a comer ou a beber) ou desempenhar uma tarefa em frente a outros (como, por exemplo, realizar uma apresentação oral).

Nestes momentos, as crenças do indivíduo centram-se frequentemente no medo de ser julgado como ansioso, fraco, maluco, aborrecido ou desagradável (DSM-5; American Psychiatric Association, 2013). Particularmente, o indivíduo receia que estas possíveis experiências de vergonha ou humilhação possam culminar na rejeição (Westenberg, 2009).

Estas experiências são vividas com angústia intensa, desproporcional ao contexto, levando frequentemente a comportamentos de evitamento (DSM-5; American Psychiatric Association, 2013). A intensidade da ansiedade é variável, desde paroxismos ansiosos a crises de pânico. É frequentemente acompanhada de ansiedade antecipatória, que pode ocorrer desde dias a semanas antes de um evento importante (DSM-5; American Psychiatric Association, 2013).

A maioria dos indivíduos afetados (cerca de ⅔) apresentam o subtipo generalizado, associado a um maior impacto no funcionamento (Westenberg, 2009). Os restantes ⅓ correspondem a indivíduos com ansiedade social específica apenas para determinadas situações ou a indivíduos com ansiedade de desempenho, centrada em aspetos que impactam a sua atividade profissional (por exemplo músicos, dançarinos, atletas, oradores). (DSM-5; American Psychiatric Association, 2013).

Apesar de, nas suas primeiras descrições, esta doença ter sido por vezes colocada num continuum com a timidez dita normal (Hughes, 2002), nas classificações atuais é separada enquanto perturbação independente, com a duração de pelo menos 6 meses, causando sofrimento significativo e impacto nas várias esferas da vida do indivíduo, a nível social, ocupacional, entre outras (DSM-5; American Psychiatric Association, 2013).

Os indivíduos com PAS, em comparação com os pares saudáveis, têm maiores dificuldades no que diz respeito a aspetos relacionais, apresentando menor número de relações de amizade menor satisfação com a rede de suporte social e maior tendência a não casar e a habitar com os pais ou outras pessoas com perturbação mental (Hambrick et al., 2003). Frequentemente não são capazes de participar com todo o seu potencial nas atividades escolares ou laborais, culminando em menor produtividade, maior taxa de absentismo e maior dependência dos serviços de assistência social. Demonstram também maior propensão a não terminar a formação académica, a ter rendimentos anuais inferiores e ao desemprego (Westenberg, 2009). Estes fatores geralmente culminam numa menor qualidade de vida (Fink et al., 2009).

Relativamente ao contexto epidemiológico, a PAS está entre as perturbações de ansiedade mais frequentes. A sua prevalência ao longo da vida ronda os 12 % e a prevalência aos 12 meses ronda os 7% (Westenberg, 2009; Fink et al., 2009). Estima-se que a prevalência seja superior no sexo feminino, em comparação com o sexo masculino (com odds ratios entre os 1,5 e 2,2) (DSM-5; American Psychiatric Association, 2013; Westenberg, 2009).

A doença manifesta-se inicialmente na adolescência, geralmente entre os 10 e 19 anos (Westenberg, 2009), com 90% dos casos com início antes dos 25 anos de idade (Fink et al., 2009). O curso é crónico e persistente com o avançar da idade (Fink et al., 2009).

No que toca à predisposição para a doença, fatores genéticos, ambientais e temperamentais contribuem com um carácter multifatorial. Sabe-se que os traços de inibição comportamental têm uma componente genética importante, sendo estes indivíduos mais susceptíveis a influências ambientais como o modelamento ansioso por parte dos pais (American Psychiatric Association, 2013; Fink et al., 2009). As experiências traumáticas na infância são um fator de risco. A evidência demonstra que a PAS é uma doença com uma forte componente hereditária, apresentando familiares em primeiro grau de doentes com PAS um risco 2 a 6 vezes superior de desenvolver a doença (DSM-5; American Psychiatric Association, 2013).

Relativamente à fisiopatologia da PAS, esta é ainda uma área em investigação. Estudos genéticos, estudos com PET e estudos com ressonância magnética funcional revelaram alguns elementos-chave, destacando-se: a associação entre o gene da hormona libertadora de corticotrofina (CRH) e o padrão de inibição comportamental, o papel importante da serotonina nas vias implicadas na PAS e o papel da hiperativação da amígdala como elemento-chave dos circuitos neuronais da PAS (Fink et al., 2009).

Existe ainda um elevado risco de comorbilidade com outras perturbações psiquiátricas, maioritariamente com outras patologias do espectro da ansiedade, perturbação depressiva major, doença bipolar e surgimento de ideação suicida (Fink et al., 2009; Hambrick, 2003; Westenberg, 2009). A comorbilidade frequente com abuso de substâncias pode refletir uma tentativa de automedicação para mascarar os sintomas da doença (Fink et al., 2009). São as comorbilidades e não a PAS per se que habitualmente levam o doente a procurar tratamento, sendo que apenas cerca de 50% dos doentes o fazem (Fink et al., 2009). Isto dever-se-á provavelmente a aspetos inerentes à própria doença, como o medo de ser avaliado e julgado por outro (mesmo sendo técnico de saúde), a vivência de alguns padrões de sintomas como egossintónicos e a falta de insight associada a aspetos culturais que colocam a fobia social como quase sinónimo de “timidez”. Deste modo, mesmo perante a evidência actual acerca da eficácia do tratamento psicofarmacológico e da TCC, esta doença permanece subdiagnosticada e subtratada.

Este trabalho tem como objetivo fornecer uma revisão não sistemática da literatura sobre o papel da psicoterapia cognitivo-comportamental na PAS. Mais especificamente, pretende-se explorar os modelos cognitivo-comportamentais e as técnicas de intervenção nesta perturbação.

Método

Foi elaborada uma revisão não sistemática da literatura publicada na base de dados PubMed e no DSM-5, com recurso isolado ou combinado às palavras-chave: social anxiety disorder; cognitive behavioral therapy; cognitive behavioral models; efficacy. Foram consultados no total 35 abstracts de artigos relativos ao tema, publicados entre Janeiro de 1997 e Maio de 2021. Foram selecionados 21 trabalhos (8 revisões sistemáticas e/ou meta-análises, 12 artigos de revisão e 1 ensaio clínico controlado e randomizado) considerados pertinentes para a obtenção dos objetivos propostos, visto abordarem os tópicos que se pretende estudar de forma clara e organizada. Foram excluídos os artigos cujos abstracts não forneciam informação relevante sobre a temática que se pretende abordar.

Resultados

Vários estudos têm explorado os diversos fatores que parecem ter um papel relevante na etiologia e na manutenção da PAS. Com base nos resultados desses estudos, foram desenvolvidos vários modelos cognitivo-comportamentais para explicar o padrão de sintomas desta patologia. Com base no Modelo Compreensivo Cognitivo-Comportamental (Rapee & Heimberg, 1997), e em revisões sucessivas acerca desta temática realizadas por vários autores, apresenta-se um modelo explicativo para a PAS baseado nas distorções que ocorrem nos mecanismos de percepção e processamento de informação quando o indivíduo com PAS é confrontado com a possibilidade de ser avaliado, e como estes processos levam ao agravamento e à manutenção da PAS (Singh & Hope, 2009).

Modelo Cognitivo-Comportamental da PAS

Neste modelo considera-se que a sucessão de eventos que leva à ansiedade social tem início em situações nas quais o indivíduo é exposto a um público que é percepcionado como potencialmente crítico, ou seja, com potencial para elaborar uma avaliação negativa acerca do sujeito (Hambrick et al., 2003). Os indivíduos com PAS têm tendência à generalização, assumindo que a maioria das pessoas são críticas, e a maximizar os aspetos competitivos das relações interpessoais, minimizando os aspetos cooperativos e de interajuda (Hofmann, 2007).

Quando expostos a situações sociais, os indivíduos, de um modo geral, formam uma representação mental do self a partir daquela que consideram ser a perspetiva do público. Para tal, contribuem várias fontes de informação já armazenadas na memória episódica do sujeito, como representações pré-existentes do self, feedback prévio por parte de outros e experiências prévias. Contribuem também fontes de informação percecionadas em tempo real durante a interação, como pistas internas e externas (Singh & Hope, 2009). A representação mental que resulta destes processos é comparada a um construto que corresponde à antecipação que o sujeito faz das expectativas do público (Hambrick et al., 2003). Os indivíduos com PAS possuem frequentemente altas expectativas para os padrões sociais, o que resulta numa subestimação das suas capacidades e atributos (Hofmann, 2007). Baseiam-se tendencialmente em memórias associadas a experiências prévias negativas para a formação da representação do self.

Tendem ainda a focar a atenção no próprio self, auto-monitorizando-se em detalhe e centrando-se nos pensamentos negativos acerca do seu desempenho, nos sintomas físicos de ansiedade e nos comportamentos de segurança (Hambrick et al., 2003). Têm também propensão a focar a atenção em estímulos externos considerados ameaçadores como rostos e palavras, negligenciando outros estímulos positivos ou neutros, que seriam essenciais no processamento da informação (Singh & Hope, 2009). Deste modo, os indivíduos com PAS tendem a formar representações mentais do self mais negativas, em comparação com os grupos de controlo (Singh & Hope, 2009).

Os comportamentos de segurança são comportamentos realizados com o intuito de reduzir ou esconder a ansiedade (por exemplo: desviar o olhar, movimentos estereotipados, procura de isolamento) e acabam por ser também um importante fator de manutenção para a PAS (Hofmann, 2007).

Quanto às respostas emocionais, os indivíduos com PAS acreditam ter pouco controlo sobre as suas reações emocionais em situações sociais, julgando que estas poderão ser facilmente notadas por outros (Hofmann, 2007).

Segundo o modelo Compreensivo Cognitivo-Comportamental para a PAS (Rapee & Heimberg, 1997), como já referido anteriormente, esta doença tem o seu core na distorção cognitiva de que o indivíduo é incapaz de corresponder aos padrões dos outros nas interações sociais, o que resulta nos sintomas característicos da doença (Singh & Hope, 2009). Os indivíduos com PAS têm tendência a catastrofizar os possíveis outcomes sociais, ou seja, crêem estar em risco de se comportar de modo inadequado e acreditam que esse comportamento poderá ter consequências graves ao nível do seu status social e do seu valor e resultar na rejeição (Hambrick et al., 2003).

No seguimento de uma interação social, o indivíduo com PAS tem tendência a iniciar pensamentos ruminativos, ou seja, a rever detalhadamente o sucedido durante a mesma, centrando-se nos sintomas ansiosos e nas cognições negativas. Assim, acabam por recordar os eventos como mais negativos do que realmente foram, reforçando assim as crenças de inaptidão social e promovendo o evitamento (Hofmann, 2007).

Deste modo, as distorções cognitivas, as representações mentais negativas do self, o foco excessivo nos processos internos como os pensamentos negativos e os sintomas físicos de ansiedade, os comportamentos de segurança e os pensamentos ruminativos, no seu conjunto, acabam por culminar num ciclo de feedback negativo (figura 1), que, em cada repetição, alimenta a apreensão face às interações sociais futuras. O evitamento e a fuga de situações sociais podem causar uma redução rápida e momentânea dos níveis de ansiedade mas acabam por impedir que os indivíduos tenham oportunidade de desafiar as suas distorções cognitivas e desenvolver padrões mais adaptativos de interação social (Radomsky & Otto, 2001). O modelo descrito salienta padrões significativos no desencadear e na manutenção da PAS e que são focos importantes para o tratamento com TCC, que se descreve em seguida.

Figura 1 Modelo cognitivo-comportamental da perturbação da ansiedade social. Fonte: Adaptado de Hambrick et al., 2003 e Hofmann, 2007. 

Terapia Cognitivo-Comportamental para o tratamento da PAS

As técnicas da TCC baseiam-se numa intervenção limitada no tempo e orientada para a pessoa. É uma abordagem colaborativa entre o terapeuta, que assume uma postura de orientador, e o paciente que é ele próprio o agente de mudança (Hambrick et al., 2003). Do ponto de vista cognitivo-comportamental, o principal objetivo é a desconstrução do padrão de ansiedade e evitamento das interações sociais (Singh et al., 2009). De um modo geral, todos os tratamentos se iniciam com uma componente psicoeducativa, em que o terapeuta fornece informação acerca da doença e do processo de tratamento, fomentando a motivação para a mudança (Radomsky & Otto, 2001). As modalidades da TCC mais estudadas no tratamento da PAS são: exposição, reestruturação cognitiva, relaxamento e treino de competências sociais (Hambrick et al., 2003).

Exposição

A exposição a situações temidas é essencial para a redução do medo. Muitos indivíduos com PAS encontram-se extremamente isolados, com poucas oportunidades de participar em atividades sociais, tendo a exposição um papel essencial para contrariar o padrão de evitamento, dando ao paciente a oportunidade de incorporar informação nova que contrarie as distorções cognitivas (Singh & Hope, 2009).

Quando o indivíduo é exposto a uma interação social e não encontra o resultado esperado (como, por exemplo, a rejeição), os processos naturais de condicionamento envolvidos na redução do medo - habituação, extinção - podem ocorrer (Heimberg, 2002). As experiências de exposição são desenhadas de forma a ajudar o paciente a permanecer o tempo suficiente para re-obter uma sensação de segurança nas interações. Algumas considerações importantes são: o tempo de exposição, a semelhança entre a situação de exposição e o cenário temido, os contornos da situação (por exemplo um cenário imaginado versus in vivo) e o direcionamento adequado da atenção para o estímulo temido (Radomsky & Otto, 2001).

O primeiro passo para a terapia de exposição é a elaboração de uma lista ordenada de situações sociais indutoras de ansiedade para o paciente. Este deve iniciar a exposição pelas situações menos temidas, progredindo pela lista à medida que se sente mais confortável em cada situação, no sentido de maior dificuldade (Heimberg, 2002; Radomsky & Otto, 2001). Para maximizar a eficácia da intervenção, é indicado ao paciente que este deve manter o foco da atenção na situação em si e nos vários aspetos do presente, ao invés de automaticamente filtrar os aspetos que provocam maior ansiedade, e evitar comportamentos de segurança. É também indicado que este deve tentar permanecer na situação até a ansiedade se começar a reduzir naturalmente (Heimberg, 2002; Hambrick et al., 2003).

A exposição pode ser aplicada através de imagens mentais, role-play ou interações na vida real fora das sessões, sendo que o terapeuta poderá em casos específicos acompanhar o paciente nas interações in vivo. A terapia de exposição é geralmente combinada com outras componentes como a reestruturação cognitiva ou o relaxamento (Hambrick et al., 2003).

Reestruturação cognitiva

O modelo apresentado para a PAS sugere que as crenças erróneas sobre os potenciais perigos decorrentes das interações sociais, as predições negativas acerca do outcome das mesmas e o processamento enviesado da informação estão no epicentro da PAS (Heimberg, 2002). A reestruturação cognitiva corresponde ao processo através do qual um indivíduo identifica os pensamentos irracionais ou mal adaptativos - desde crenças, suposições e expectativas - e as substitui por pensamentos mais adaptativos, realistas ou racionais (Singh & Hope, 2009).

O primeiro passo é identificar os pensamentos negativos que ocorrem antes, durante ou após uma interação social. Em segundo lugar, através de uma avaliação lógica, auxiliada pelo terapeuta através de um questionamento socrático, juntamente com a análise dos dados da automonitorização durante as experiências de interação social, os pacientes são convidados a avaliar se as suas cognições negativas traduzem uma representação precisa da realidade. Em terceiro lugar, os pacientes são ajudados a encontrar modos alternativos de pensar (Heimberg, 2002; Radomsky & Otto, 2001). Ao longo do tempo e com a repetição destas técnicas, o raciocínio negativo habitual é substituído pelos pensamentos adaptativos aprendidos (Hambrick et al., 2003).

No entanto, a maioria das técnicas utilizadas para a TCC não são puramente cognitivas, e são associadas à exposição (Radomsky & Otto, 2001). As experiências comportamentais são utilizadas como oportunidades para o doente em situações concretas conseguir desafiar os seus pensamentos (Hambrick et al., 2003). É pedido ao doente que procure atividades específicas que ponham em causa as suas crenças, ou então que se exponha a situações sociais tentando não recorrer aos comportamentos de segurança, que, por sua vez, como já descrito no modelo para a PAS, constituem fatores de manutenção para a ansiedade (Heimberg, 2002).

Relaxamento

O treino de relaxamento pode ajudar os pacientes com PAS a controlar a ativação fisiológica inerente aos estados de ansiedade, durante ou em antecipação aos eventos temidos. São ensinados aos pacientes exercícios de relaxamento progressivo envolvendo diferentes grupos musculares, na própria sessão e como trabalho de casa (Hambrick et al., 2003). O relaxamento geralmente só é eficaz quando combinado com a exposição a situações indutoras de ansiedade (Heimberg, 2002).

Treino de competências sociais

Os indivíduos com PAS não possuem necessariamente défices nas suas competências sociais, sendo que a eficácia do treino de competências sociais não está diretamente relacionada com a correção dos défices (Hambrick et al., 2003). Esta está sim relacionada com o facto de os aspetos inerentes ao treino, naturalmente, incluírem a terapia de exposição no seu processo (Radomsky & Otto, 2001). O treino de competências sociais engloba psicoeducação sobre interações sociais positivas, modelação de comportamentos alvo, treino de role-play, feedback do terapeuta sobre o desempenho e aplicação dos ensinamentos em situações reais (Heimberg, 2002).

Discussão

Existe um consenso de que a TCC é uma intervenção eficaz na PAS, apresentando particular benefício a utilização de estratégias de exposição juntamente com a reestruturação cognitiva (Hambrick et al., 2003; Hofmann, 2007; Mayo-Wilson et al., 2014; Singh & Hope, 2009). A TCC individual pode ser considerada a melhor intervenção para o tratamento inicial da PAS (Mayo-Wilson et al., 2014).

Em comparação com a sua aplicação noutras perturbações psiquiátricas, a TCC na PAS demonstra menor tamanho do efeito quando comparada com a sua utilização na Perturbação Obsessivo-Compulsiva, Reação aguda ao Stress e Perturbação de Ansiedade Generalizada; e tamanho do efeito aproximadamente semelhante à sua aplicação na Perturbação de Stress Pós-Traumático e Perturbação de Pânico (Hofmann et al., 2009).

Em estudos comparativos da utilização da farmacoterapia como potenciadora da TCC nas várias perturbações de ansiedade, existe evidência para o seu uso na PAS, ainda que com um tamanho de efeito inferior à sua utilização na Perturbação de Pânico e na Perturbação de Ansiedade Generalizada (Hofmann et al., 2009).

Para indivíduos que não podem aceder à TCC como intervenção, a farmacoterapia é a segunda linha com maior evidência, especialmente no que toca à utilização dos inibidores seletivos da recaptação de serotonina (SSRIs) (Mayo-Wilson et al., 2014; Yoshinaga et al., 2016).

O âmbito deste trabalho cinge-se à aplicação da TCC no tratamento da PAS, no entanto, é necessário referir o papel do tratamento psicofarmacológico na PAS, com SSRIs, inibidores da recaptação serotonina-noradrenalina (SNRIs) ou inibidores da monoaminoxidase (iMao), especialmente úteis como primeira linha em casos graves de PAS, como estratégia alternativa à TCC quando esta é ineficaz ou quando por algum motivo não está acessível ou é recusada pelo paciente, e essencialmente como terapêutica de combinação com a TCC (Pelissolo et al., 2019). As Benzodiazepinas pelo seu perfil ansiolítico podem ser úteis na gestão aguda dos sintomas ansiosos, mas não existe evidência para o seu benefício a nível crónico (Otto, 1999; Singh & Hope, 2009). Outros fármacos como a ketamina e a oxitocina intra-nasal no tratamento da PAS estão a ser investigados, mas a evidência ainda não é robusta (Pelissolo et al., 2019).

No que toca a outras abordagens para o tratamento da PAS através da TCC, há que fazer referência a algumas estratégias cuja utilização em combinação com TCC se tem demonstrado promissora.

Na PAS, a aplicação de TCC sob a forma de Terapia de Grupo apresenta a vantagem de se poder criar um cenário pré-concebido com os pacientes a representarem personagens num role-play. Este cenário é adaptado aos objetivos dos intervenientes de modo a reproduzir a experiência de exposição real (Heimberg, 2002; Singh & Hope, 2009). No entanto, a terapia de grupo, comparativamente com a terapia individual, revelou menor tamanho do efeito (Hofmann & Smits 2008). A Terapia de Aceitação e Compromisso e a Terapia de Redução de Stress Baseado em Mindfulness (MBSR), que são estratégias que tentam modificar o modo como o paciente se relaciona com as experiências de ansiedade, ao invés de incidirem na mudança das cognições associadas, mostram benefício para complementar a TCC clássica no tratamento da PAS (Pelissolo et al., 2019). As Terapias de modificação de viés atencional (ABM) são novas técnicas computadorizadas que podem ser utilizadas para potenciar o efeito da TCC. Os estudos realizados até à data mostram evidência preliminar para a combinação de ABM com TCC (Hang, Xu et al., 2021). Os programas de Realidade Virtual (VR) são uma potencial plataforma para os pacientes poderem realizar um treino personalizado de dessensibilização antes de estarem prontos para situações da vida real (Pelissolo et al., 2019).

Em conclusão, a PAS é uma doença altamente prevalente, ainda que subdiagnosticada e subtratada. A sua psicopatologia deriva de crenças disfuncionais do paciente acerca da sua capacidade para corresponder aos padrões dos outros, em interações sociais em que está sujeito a ser avaliado negativamente. Estas crenças resultam de representações negativas do self, expectativas elevadas face ao padrão de exigência dos outros, que se traduzem numa elevada exigência em relação ao próprio, e do enviesamento do foco da atenção para estímulos interoceptivos ou apenas para os aspetos exteriores mais ameaçadores. Os comportamentos de segurança e de evitamento vão reforçar as crenças disfuncionais, alimentando o ciclo de ansiedade social. O tratamento com maior evidência enquanto primeira linha é a TCC, particularmente a combinação de exposição com técnicas de reestruturação cognitiva. O tratamento deve ser individualizado e adaptado às dificuldades de cada paciente para atingir maior benefício. A psicofarmacologia, especialmente o uso de SSRIs, tem um papel importante enquanto potenciador do tratamento com TCC ou enquanto alternativa ao mesmo.

Ainda que a utilização da TCC na PAS tenha sofrido um processo de grande desenvolvimento e que a sua eficácia seja atualmente um dado adquirido, ainda existe uma grande necessidade de aperfeiçoar e desenvolver novos tratamentos psicoterapêuticos para um tratamento mais eficaz desta perturbação.

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Recebido: 25 de Agosto de 2021; Aceito: 12 de Outubro de 2021

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