Os pais mais sensíveis são descritos como atenciosos, respeitadores, motivadores e capazes de responder às necessidades das crianças (Beeghly et. al, 2011), dedicando mais tempo a brincar e a estabelecer relações seguras (Fuertes et al., 2016).
A sensibilidade parental afeta o comportamento, socialização e bem-estar infantil, na medida em que as crianças com pais mais sensíveis tendem a apresentar melhor autorregulação em stress, mais amigos e relações de vinculação segura (Beeghly et al., 2011). Considerando o impacto da sensibilidade parental é compreensível que a relação pais-filhos/as seja uma área de Intervenção Precoce. No caso do bebé extremamente prematuro (idade gestacional <32 semanas), este aspeto reveste-se de grande importância porque a relação pais-filho/a é diferenciada desde o nascimento (Antunes et al., 2020). O nascimento muito prematuro e imprevisto, que ameaça a sobrevivência do recém-nascido e que pode deixar sequelas, inicia a relação. Algumas mães relatam esse momento como traumático (Almeida et al., 2018; Gonçalves et al., 2020), gerador de incerteza e choque/pânico. Seguidamente, o bebé muito prematuro viverá semanas de internamento, privado dos cuidados maternos típicos. A mãe, por seu lado, aguarda o momento de cuidar e viver com o bebé. Após a alta, os pais terão a tarefa de cuidar e amar um bebé mais frágil. Assim, importa compreender esta relação mãe-filho/a e pensar sobre como os apoiar.
Sensibilidade Materna
Ainsworth e colegas (Ainsworth et al., 1978) definiram a sensibilidade como a capacidade materna em reconhecer, interpretar e responder aos sinais do bebé, composta por quatro elementos: i) atenção aos sinais do bebé; ii) interpretação correta dos sinais; iii) resposta adequada; iv) resposta pronta e contingente. A sensibilidade materna e o comportamento infantil não podem ser analisados separadamente, uma vez que são produto da interação entre ambos, i.e., uma construção diádica (e.g., Beeghly et al., 2011). Por essa razão, a sensibilidade materna está associada à cooperação infantil, (e.g., Fuertes et al., 2009a). Por seu lado, intrusividade/controlo materno estão associados a comportamentos infantis de inibição e submissão (Fuertes et al., 2011).
Para Crittenden (2003), mais do que comportamentos específicos, o conceito de sensibilidade materna deve atender à sua função (e.g., satisfazer a criança, punir, confortar). A autora apresenta uma abordagem diádica do conceito de sensibilidade em que cada comportamento materno (ou infantil) é interpretado à luz da sua função e no âmbito da interação.
Para além dos aspetos diádicos, a sensibilidade é afetada por fatores maternos como a saúde mental, personalidade, educação, historial familiar, estatuto profissional, nível socioeconómico, entre outros (e.g., Serradas et al., 2016; Tarabulsy et al., 2005). As mães sem condições de risco económico e social apresentaram melhor qualidade interativa com os seus bebés, quanto à expressão facial, afetiva, posicionamento e manipulação (Serradas et al, 2016). Efeito semelhante foi encontrado para a literacia materna; mães com mais anos de escolaridade apresentam níveis superiores de sensibilidade (Fuertes et al., 2011).
Os fatores maternos, sociais e económicos apresentam uma complexa associação. A sensibilidade materna é superior em mães de bebés de termo e com estatuto socioeconómico médio, quando comparados com outras amostras (Fuertes et al., 2008). Porém, a sensibilidade materna não varia em famílias desfavorecidas quer com bebés de termo ou pré-termo, ou seja, a condição socioeconómica é tão determinante que elimina o impacto da prematuridade.
Em suma, a sensibilidade materna é uma capacidade da mãe para interagir com o bebé, que afeta o comportamento infantil e que pode ser condicionada por múltiplos fatores, pessoais, económicos, sociais e/ou culturais. Numa perspetiva transacional (Sameroff & Fiese, 2000), o desenvolvimento é o resultado das interações continuadas ao longo do tempo e em diversos contextos (familiar e social).
Prematuridade
A prematuridade é uma das principais causas mundiais da mortalidade infantil em crianças abaixo dos 5 anos (Liu, et. al, 2016). Anualmente, estima-se que nasçam 15 milhões de bebés de pré-termo no mundo, entre 5% a 18% dos recém-nascidos (OMS, 2018). Na Europa a taxa de prematuridade varia entre 5 e 9% (Goldernberg et al., 2008). Em Portugal, é cerca de 6.7% e, no caso de bebés de pré-termo com menos de 32 semanas de Idade Gestacional (IG), ronda os 1.2% (PRODATA, 2021).
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2018), o bebé de pré-termo nasce antes de completar as 37 semanas de IG, frequentemente, necessita de cuidados médicos e pode permanecer internado durante um período de tempo indeterminado. A OMS (2018) definiu o bebé nascido entre 33-37 semanas de gestação como de pré-termo moderado; entre as 28-32 semanas como muito pré-termo; e antes das 28 semanas como extremo pré-termo.
A viabilidade de sobrevivência de um bebé nascido de pré-termo é influenciada pelo seu peso gestacional, idade gestacional e condição de saúde peri e pós-natal, sendo esta última uma das mais impactantes, uma vez que determina a maturidade dos órgãos e corpo do bebé.
As causas para o parto prematuro podem ser diversas, biológicas (e.g., genéticas) ou ambientais (e.g., stress, poluição). Maioritariamente, o parto ocorre espontaneamente, mas alguns partos prematuros devem-se a indução médica ou cesariana (OMS, 2018). Importante, sublinhar que a probabilidade de repetição de partos prematuros varia entre 17% a 40% (Antunes et al., 2020).
Os bebés de pré-termo apresentam alterações no peso, altura, perímetro cefálico e braquial (Lamônica & Ferraz, 2007). O bebé de pré-termo e com baixo peso gestacional está mais sujeito a sofrer de hemorragia intraventricular, cuja principal consequência é a paralisia cerebral do tipo diplegia espástica (Lamônica & Ferraz, 2007).
Os problemas de saúde e alterações neurológicas podem resultar em atrasos de desenvolvimento. No domínio motor, os bebés de pré-termo parecem mais suscetíveis a desenvolver perturbações devido a fatores biológicos (e.g., interrupção da maturação cerebral típica no útero) e ambientais (e.g., restrições posturais durante os cuidados neonatais intensivos) (Sansavini et al., 2014). Na linguagem e cognição observam-se dificuldades na linguagem recetiva e expressiva (Ribeiro et al., 2016), formação de conceitos verbais, pensamento associativo e capacidade de síntese (Smith et al., 2014; Spittle et al., 2015).
Adicionalmente, os bebés de pré-termo têm mais dificuldade na participação durante a interação com a mãe (Fuertes et al., 2011), demonstram menos afeto positivo e mais comportamentos orientados para o autoconforto (Seixas et al., 2017). Nestas relações, a prevalência da vinculação insegura é superior (Fuertes et al., 2009b). O afastamento materno (por internamento do recém-nascido), os problemas de saúde e o perigo de vida são fortes potenciadores do stress parental. A ansiedade vivida dificulta as interações entre pais e bebés, o que afetará o futuro desenvolvimento do bebé (Linhares & Martins, 2015).
No entanto, as mães de bebés de pré-termo são tão confiantes como as mães de bebés de termo, quanto às suas capacidades de estabelecer relações positivas com os(as) filhos(as) (Almeida et al, 2018; Gonçalves et al., 2020). Possivelmente, esta confiança prende-se com o facto de as mães dos bebés de pré-termo não terem ainda conseguido antecipar as possíveis dificuldades futuras, idealizando o momento da alta como o momento em que tudo ficará bem (Almeida et al., 2018).
Método
Objetivos
O presente estudo pretende averiguar a qualidade das interações em jogo livre, aos 3 e aos 9 meses, entre mães e bebés nascidos antes das 32 semanas de IG (prematuríssimos). Os objetivos específicos são: i) estudar a qualidade do comportamento materno e infantil, ii) descrever a Expressão Facial, Expressão Vocal, Trocas Afetivas, Posicionamento e Manipulação, Diretividade, Atividade Lúdica e Reciprocidade da mãe e do bebé; iii) estudar a continuidade dos comportamentos interativos materno e infantil dos 3 para os 9 meses; iv) relacionar os resultados obtidos com os dados demográficos.
Participantes
Participaram neste estudo 20 díades com bebés (12 meninas, 8 meninos) nascidos entre as 27 e as 32 semanas de gestação (M=30,7; DP=1,44). O Peso Gestacional variou entre 810g e 1930g (M=1385,95; DP=361,67) e os valores do Apgar foram, em média, 6,95 ao 1º minuto e 8,05 ao 5º minuto. O número de dias de internamento à nascença oscilou entre 6 e 90 (M=36,29: DP=20,72). Todos os dados podem ser consultados no quadro 1.
As mães tinham idades compreendidas entre os 21 e os 43 anos (M=34,35; DP=5,95), cerca de 90% era de nacionalidade portuguesa e apenas uma não coabitava com o pai da criança. A maioria das mães tinha entre 9 a 12 anos de escolaridade (cerca de 57%) ou eram licenciadas (42%). Dez porcento das mães recorreu à fertilização medicamente assistida.
Entre causas da prematuridade, destacam-se a rutura da membrana (30%), atraso de crescimento intrauterino (20%) e descolamento da placenta (20%).
Procedimentos
Neste estudo observamos a interação da mãe-bebé em jogo livre durante aproximadamente 5 minutos. As díades foram filmadas aos 3 e aos 9 meses, após as necessidades básicas dos bebés estarem satisfeitas.
As mães tinham ao seu dispor um conjunto de 7 brinquedos (livro, jogo de argolas, roca, argola com chaves, jogo de ação-reação e jogo de encaixe muito acima das possibilidades das crianças), dos quais tinham a opção de escolha (qual queriam usar e/ou se usariam algum). A única instrução dada era que brincassem como habitualmente o faziam.
Todas as mães participantes neste estudo consentiram a sua participação (anónima e confidencial) e dos seus filhos ou filhas, após terem sido informadas sobre objetivos e métodos de pesquisa. Igualmente, foram informadas que podiam desistir do estudo em qualquer momento da investigação sem prejuízo pessoal ou material. O material filmado foi armazenado em segurança (sem cópias online) e desgravado após a conclusão dos objetivos do projeto de investigação. Os objetivos e plano de investigação foram sujeitos à aprovação da comissão de ética dos hospitais participantes, e o projeto financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (PTDC/MHC-PED/1424/2014).
Material
Para a análise da qualidade da interação mãe-bebé foram utilizadas duas escalas - CARE-Index e MINDS. As escalas têm aspetos comuns, como o referencial teórico, mas distinguem-se na forma de pontuação e aspetos pontuados.
Em primeiro lugar, as escalas são diádicas. A pontuação atribuída à figura materna ou paterna é dada em função da resposta da criança e vice-versa (Crittenden, 2003). Se um adulto se ri quando a criança está aflita, este comportamento é pouco sensível. Se o adulto é diretivo, mas se a criança está confortável, esse comportamento é aceitável. A pontuação não é atribuída ao comportamento, mas ao reflexo no outro. Um comentário positivo, mas condescendente, pode ser uma resposta aversiva e um comentário mais diretivo pode estabelecer regras que regulem o comportamento da criança (Fuertes, 2004).
Observa-se detalhadamente os comportamentos interrompidos, hesitações, respostas de evitamento, de autorregulação e cota-se cada comportamento em função do contexto interativo. O cotador terá de ter em conta o seguinte: a criança tenta adaptar o seu comportamento ao adulto porque não tem autonomia para fazer mudanças nem pode sair da relação. Assim, observa-se como o faz e com que intensidade, ou seja, que estratégias usa para se adaptar.
Em suma, as duas escalas são diádicas, holísticas e baseadas nas funções dos comportamentos.
CARE-Index (Child-Adult Relationship Index), desenvolvida por Crittenden (2003) permite obter uma classificação global de Sensibilidade, Controlo e Não-Responsividade Materna e de Cooperação, Compulsão/Submissão, Dificuldade e Passividade Infantil. Este instrumento permite analisar indicadores da qualidade de interação, tendo em conta simultaneamente a mãe e a criança, nomeadamente o nível de participação e envolvimento, o ambiente interativo, a qualidade das respostas afetivas, vocais e faciais e a capacidade de a mãe proporcionar uma brincadeira apropriada à idade e nível de desenvolvimento da criança.
MINDS - A Mother-Infant Descriptive Dyadic System - (Fuertes et al., 2014) é uma escala elaborada com base na observação de aproximadamente 400 díades portuguesas sem condições assinaláveis de risco. A escala permite analisar detalhadamente os comportamentos maternos e infantis, nomeadamente, Resposta Facial, Resposta Vocal, Trocas Afetivas, Posicionamento e Manipulação, Diretividade, Atividade Lúdica e Reciprocidade.
A cotação é obtida através da soma da pontuação, que varia entre 5 (máxima qualidade) e 1 (elevado risco), em 14 categorias comportamentais (e.g., resposta facial materna). As pontuações 5 e 4, referem-se a interações positivas, recíprocas e com qualidade. Os comportamentos pontuados com 3 dizem respeito a situações intermédias, isto é, interações com problemas, combinando momentos positivos com outros de dificuldade. Por último, as pontuações 2 e 1 representam situações de risco, com baixa qualidade nas interações, sobretudo com comportamentos difíceis ou passivos. A pontuação 1 corresponde a risco evidente, seja com comportamentos punitivos ou pela ausência de participação (consultar informação detalhada em Quadro 2).
O cálculo da média da soma dos resultados obtidos pela mãe e pela criança indica o nível de risco diádico (categorias descritas no quadro 3). A escala MINDS tem uma pontuação máxima de 35 pontos, que representa a sensibilidade máxima dos dois parceiros e quanto menor é a pontuação diádica maior o risco.
As autoras realizaram o treino e obtiveram fidelidade no uso da escala.
Análise dos Dados
Os dados foram analisados recorrendo a estatística descritiva e inferencial através do programa SPSS. A estatística descritiva foi usada para calcular as médias e os respetivos desvios padrão das variáveis independentes. A estatística inferencial calculou as diferenças de médias emparelhadas em cada escala aos 3 e 9 meses. Por fim, o estudo de associações por correlação permitiu estudar a associação das variáveis aos 3 e 9 meses e a associação a fatores demográficos.
O nível de significância neste estudo foi assumido a ,05 e a normalidade da distribuição das variáveis foi testada para efeitos de decisão entre estatística paramétrica e não-paramétrica.
Resultados
Qualidade da interação jogo livre aos 3 e 9 meses
Recorrendo à escala CARE-Index, verificamos uma relativa estabilidade no comportamento materno entre os 3 e os 9 meses (quadro 4). Com efeito, não se verificaram diferenças significativas nestes dois momentos de recolha quanto à: Sensibilidade Materna [t(19)=-1,29; p=,179], Controlo Materno [t(19)=,063; p=,951] ou Passividade Materna [t(19)=1,29); p=,210].
A Sensibilidade Materna variou entre 5 e 13 e a média de cerca de 8 pontos releva uma qualidade interativa moderada.
Adicionalmente, testamos a associação entre as escalas maternas aos 3 e aos 9 meses. A Sensibilidade Materna correlacionou-se aos 3 e 9 meses (r=,661; p=,002), comprovando a estabilidade deste comportamento. Contudo, esta associação não se verificou para o Controlo Materno (r=,411; p=,072) nem para a Passividade Materna (r=,382; p=,079).
Relativamente ao comportamento infantil, não se verificaram diferenças significativas nos dois momentos de avaliação quanto à Cooperação Infantil [t(21)=1,46; p=,158], Compulsão Infantil [t(21)=-,72; p=,477], Dificuldade Infantil [t(21)=-,77; p=,450] ou Passividade Infantil [t(21)=-1,28; p=,212].
A Cooperação Infantil oscilou entre 5-13 pontos e os valores médios de cerca de 8 pontos (quadro 5) indicam uma qualidade moderada.
Quanto à correlação entre as escalas infantis aos 3 e 9 meses, a Cooperação Infantil correlacionou-se aos 3 e 9 meses (r=,545; p=,009), bem como a Compulsão Infantil (r=,687; p=,000), a Dificuldade Infantil (r=,472; p=,026) e a Passividade Infantil (r=,552; p=,008). Assim, a estabilidade do comportamento do bebé em todas escalas parece maior do que a do adulto.
Comportamentos maternos e infantis aos 3 e aos 9 meses
Através da escala MINDS, procurámos identificar as áreas do comportamento materno e infantil, que obtiveram pontuações inferiores e superiores.
Aos 3 meses, as componentes de resposta materna com valores mais elevados foram a Expressão Facial (M=3,65; DP=1,3) e a Atividade Lúdica (M=3,55; DP=1,05) e a que obteve valores mais baixos foi as Trocas Afetivas (M=2,95; DP=1,27). A média dos comportamentos maternos variou entre 2,95-3,65, indicando interações com problemas de sincronia (quadro 6).
Aos 9 meses, as componentes que obtiveram valores mais elevados foram a Expressão Facial (M=3,55; DP=1,09) e o Posicionamento e Manipulação (M=3,45; DP=,88). A categoria com menor pontuação foi novamente as Trocas Afetivas (M=2,7; DP=1,21). A pontuação média dos comportamentos infantis variou entre 2,7- 3,55.
Para verificar se existiam diferenças no comportamento materno dos 3 para os 9 meses, aplicámos o teste de médias emparelhadas t-student. Os resultados não indicam diferenças na Resposta Facial [t(19)=,62; p=,541], Resposta Vocal [t(19)=,23; p=,815], Trocas Afetivas [t(19)=1,15; p=,262], Posicionamento e Manipulação [t(19)=-,23; p=,815], Diretividade [t(19)=,92; p=,367], Atividade Lúdica [t(19)=,82; p=,419] ou Reciprocidade [t(19)=1,22; p=,234]. Tal pode significar que os comportamentos estudados apresentam uma relativa continuidade dos 3 para os 9 meses.
Testamos a associação entre os comportamentos maternos aos 3 e 9 meses e verifica-se que todas as categorias comportamentais apresentam correlações positivas e significativas entre os dois momentos avaliados (quadro 7).
Tal como realizado para o comportamento materno, averiguamos os aspetos comportamentais da criança que obtiveram pontuações inferiores e superiores. Aos 3 meses, a média dos comportamentos infantis variou entre 2,65-3,4, indicadores de interações com problemas moderados e dificuldades na sincronia pouco graves.
Os bebés apresentaram pontuações médias superiores nas categorias de Resposta Facial (M=3,4; DP=1,23) e Resposta Vocal (M=3,2; DP=1,39). Por outro lado, a categoria com menor pontuação na interação foi as Trocas Afetivas (M=2,65; DP=1,18). Aos 9 meses, as pontuações médias variaram entre 2,7-3,4, indicando novamente problemas moderados na interação e reciprocidade. As categorias comportamentais com pontuações médias mais altas foram a Expressão Facial (M=3,4; DP=1,14) e Posicionamento e Manipulação (M=3,25; DP=1,02) e as Trocas Afetivas obtiveram a menor pontuação (M=2,7; DP=1,12).
Testamos diferenças no comportamento infantil dos 3 para os 9 meses (quadro 8). Os resultados não indicam diferenças na Resposta Facial [t(19) = ,001; p = 1,000], Resposta Vocal [t(19)=1,566; p=,134], Trocas Afetivas [t(19)=-,295; p=,772], Diretividade [t(19)=,001; p=1,000], Atividade Lúdica [t(19)=-1,285; p=,214] ou Reciprocidade [t(19)=,236; p=,816]. Porém, o Posicionamento e Manipulação apresenta uma subida significativa das pontuações médias [t(19)=-2,179; p=,042] entre os 3 (M=2,85) e os 9 meses (M=3,25).
Ao analisarmos os valores apresentados no quadro 9, verifica-se que todas as categorias comportamentais apresentam correlações positivas entre os dois momentos avaliados.
Associação entre a qualidade de interação mãe-bebé e os Dados Demográficos
Aos 3 meses (quadro 10) a Idade Materna, o Peso Gestacional e o Apgar 1 obtiveram associações significativas com o comportamento materno e infantil.
Aos 9 meses (quadro 11), o Apgar 5 e o número de dias de internamento correlacionaram-se com o comportamento materno e infantil.
Discussão
A presente pesquisa teve como objetivo analisar a qualidade das interações mãe-bebé em jogo livre, com bebés de extremo pré-termo, aos 3 e aos 9 meses de idade corrigida.
Estabilidade e Associação da qualidade interativa dos 3 para os 9 meses
Na nossa amostra verifica-se uma relativa estabilidade da sensibilidade materna e cooperação infantil, entre os 3 e 9 meses, tal como foi encontrada em amostras com bebés de termo (Barbosa et al., 2019) e de moderado pré-termo (Fuertes et al., 2009b). Assim, os nossos dados corroboraram a investigação anterior e confirmam uma relativa continuidade no comportamento materno.
Não obstante, entre os 3 e os 9 meses ocorrem mudanças fundamentais no desenvolvimento em termos motores (e.g., sentar sem apoio ou gatinhar), comunicativos (balbuciar ou usar gestos para comunicar), sociais (e.g., recear estranhos ou expressar mais eficazmente as suas emoções) (Papalia et al., 2009). Estas alterações previsivelmente exigiriam adaptações por parte das díades, que podiam desafiar o equilíbrio anterior.
Assim, os nossos resultados (adicionados ao corpo de conhecimento anterior) levantam-nos duas hipóteses: i) as díades apresentam capacidade de adaptação às mudanças e aquisições do desenvolvimento infantil, num processo constante de adaptação; ii) os modelos de representação interna propostos por Bowlby (1969) são prévios aos 3 meses de idade, mãe-bebé já organizaram comportamentos e se adaptaram à interação diádica.
Seria importante testar estas duas hipóteses em futuros estudos. Do ponto de vista do desenvolvimento, é fundamental compreender se o processo de estabelecimento de modelos de representação interna e consequentes ações suportadas por objetivos corrigidos para metas relacionais se podem estabelecer desde os 3 meses de vida.
Qualidade Interativa Materna aos 3 e aos 9 meses
A pontuação da Sensibilidade Materna indica uma qualidade interativa moderada, com uma média de 8,65 aos 3 meses e de 8,14 aos 9 meses. Noutras pesquisas, verifica-se que a Sensibilidade Materna é em média 9,49 (Serradas et al., 2016) ou 9,36 (Rodrigues et al, 2018) para mães de bebés de termo; 6,33 para mães de bebés de pré-termo com baixa escolaridade e baixo nível socioeconómico (Fuertes et al., 2009b); e 5,00 para mães de bebés de pré-termo em situação de pobreza (Fuertes et. al, 2008).
O nosso estudo adiciona-se a um corpo de conhecimento que indica que o comportamento materno é afetado por fatores de risco como a prematuridade, literacia ou condição económica. Não só a sensibilidade materna é menor, como o comportamento de cooperação é inferior em condições de risco (e.g., Rodrigues et al., 2018).
Especulamos que na necessidade de responder às necessidades do bebé extramente prematuro, as mães tendem para comportamentos mais controladores. Noutras pesquisas (Fuertes et al., 2011; Almeida et al., 2018), o comportamento das mães dos bebés prematuros já tinha sido descrito como intrusivo ou excessivo.
Qualidade Interativa Infantil aos 3 e aos 9 meses
Aos 3 e 9 meses, Expressão Facial materna e infantil foram os domínios que obtiveram as pontuações mais altas. As díades parecem reagir bem em termos vocais e faciais, tendo maior dificuldade na reciprocidade e jogo, como já tinha sido observado em bebés de pré-termo (Rodrigues et al., 2018). A novidade deste estudo foi encontrar dificuldades nas trocas afetivas, que pode ser uma especificidade de bebés de extremo pré-termo, que importa confirmar em futuros estudos.
Adicionalmente, no comportamento infantil, o Posicionamento e Manipulação apresentaram um aumento significativo das pontuações entre os 3 e os 9 meses. Esta subida poderá ser um indicador de que os bebés, no segundo momento, seriam mais autónomos a deslocarem-se e a manipularem brinquedos. Os marcos no desenvolvimento motor (e.g., segurar um objeto com oposição do polegar ou gatinhar) permitem ganhos nas deslocações e manipulação de objetos (Papalia et al., 2009). Assim, este é um indicador de que o desenvolvimento infantil vai introduzindo mudanças na interação mãe-bebé, desafiando o vínculo estabelecido.
Associação entre os dados demográficos e a qualidade interativa
Aos 3 meses, a Idade da Mãe foi um dos fatores com maior associação aos comportamentos maternos e infantis. As mães mais velhas demonstram maior sensibilidade materna e os seus bebés maior cooperação. As mães mais novas apresentaram mais comportamentos controladores. Num estudo anterior, as mães mais novas de bebés de termo tinham apresentado maior passividade, ou seja, foram menos ativas, propuseram menos atividades e foram pouco estimulantes (Fuertes et al., 2009a; Rodrigues et. al, 2018). Questionamos se a prematuridade tem um impacto distinto, aliada ao fator idade?
Para além dos fatores maternos, aos 3 meses os bebés com menor peso gestacional apresentavam tendencialmente comportamentos mais difíceis, com períodos de choro e/ou agitação. Inversamente, aos 3 e 9 meses, bebés com maior peso gestacional demonstraram tendência para comportamentos mais passivos, com baixa responsividade. Num estudo sobre as representações maternas, a maioria das mães de bebés de extremo pré-termo não soube como descrever o seu bebé (ao terceiro dia de vida), ou respondeu entre bebé calmo e agitado/chorão (Almeida et al., 2018). Eventualmente, os bebés com menor Peso Gestacional passam mais tempo nos cuidados intensivos, sujeitos a intervenções dolorosas e intrusivas e adquirem mais estratégias de contenção e controlo comportamental. Em consequência, as mães apresentam mais preocupações face à saúde e sobrevivência dos(as) seus(suas) filhos(as) (e.g., Almeida et al., 2018).
Adicionalmente, aos 3 e 9 meses, os bebés com menores valores de Apgar ao 1.º minuto e mais dias em internamento tinham mães com comportamentos mais passivos. Por um lado, estes aspetos traduzem problemas clínicos aumentando a preocupação materna. Por outro lado, remete para uma maior atuação dos profissionais de saúde e menor das mães, aumentando o sentimento de impotência (e.g., Gonçalves et al., 2020).
Em síntese, os bebés com piores indicadores de saúde - menor peso, idade gestacional, Apgar e maior período de internamento - eram os bebés mais afetados pela extrema prematuridade, que precisaram de maior intervenção médica e, consequentemente, estiveram menos em contacto com as suas mães. Adicionalmente, tendo nascido muito antes do esperado, também se encontram menos preparados para interagir e se autorregular, traduzindo-se em comportamentos difíceis. As características do bebé de extremo pré-termo dificultam a perceção da mãe acerca do seu temperamento e resulta em respostas maternas menos adequadas, com tendência para comportamentos passivos ou excessivos. Esta resposta materna, repetida ao longo do tempo, diminui a qualidade das interações e pode conduzir uma relação insegura.
A nossa pesquisa parece suportar o modelo Transacional (Sameroff & Fiese, 2000), pois as mães dos bebés de extremo pré-termo tendem a apresentar comportamentos intrusivos em resposta ao comportamento infantil de passividade, sobretudo quando estes bebés têm baixo Peso Gestacional, piores indicadores de saúde e passam mais tempo internados. O comportamento das mães tende a funcionar simultaneamente como suporte e estímulo ao bebé, potenciado pelas condições de nascimento e saúde do bebé, num processo de feedback contínuo, em que as transições de estado têm rotas específicas de relacionamento. Assim, a prematuridade não pode ser encarada como um estado único, mas como uma situação sistémica de riscos e fatores que afetam as rotas da vinculação.
Segundo o modelo de corregulação diádica, mãe e bebé formam um sistema diádico, no qual ambos regulam as suas interações, afetos e comportamentos, pelo que é fundamental que cada um consiga identificar os significados comunicativos das interações, expressar as suas emoções e contribuir para reparação dos desencontros afetivos (Tronick et al., 2020). O papel dos dois parceiros é fundamental para interpretar e responder às mudanças de estado cada um e da relação (Beeghly et al., 2011).
Limitações do Estudo
O reduzido número de participantes não permite a generalização dos resultados. Adicionalmente, a análise de resultados baseia-se em parte em estatística descritiva e correlacional, que cumpre os objetivos de estudo, mas não descreve o tipo e sentido da causalidade entre as variáveis dependentes e independentes.