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Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.23 no.1 Lisboa abr. 2022  Epub 30-Abr-2022

https://doi.org/10.15309/22psd230128 

Artigos

Realidade virtual para medo de dirigir: cognições e senso de autoeficácia

Virtual reality for driving phobia: cognitions and self-efficacy

Ivna Matheus3 

Marcele Carvalho1  2 
http://orcid.org/0000-0003-0206-9143

Antonio Egidio Nardi1 
http://orcid.org/0000-0002-2152-4669

Rafael Costa1  2 
http://orcid.org/0000-0001-6641-0641

1Laboratório de Pânico e Respiração, Instituto de Psiquiatria (IPUB), Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil, marcelecarvalho@gmail.com, antonioenardi@gmail.com, faelthomaz@gmail.com

2Núcleo Integrado de Pesquisa em Psicoterapia na Abordagem Cognitivo-Comportamental (NIPPACC), Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil

3Psicologia Clínica, Brasil, ivnamatheus@gmail.com


Resumo

A Fobia de Dirigir tem sido alvo, nas últimas décadas, de um crescente número de estudos, uma vez que o medo excessivo e perseverante de conduzir um automóvel pode promover impactos na carreira do indivíduo, embaraço social e restrições significativas em sua autonomia. O objetivo desse estudo foi investigar se o tratamento através da exposição por realidade virtual e outras estratégias da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) foram capazes de 1- reduzir a frequência de pensamentos distorcidos associados à direção, 2- aumentar o senso de autoeficácia dos participantes e 3- contribuir para que esses se engajassem em exposições ao vivo. Dezoito participantes foram alocados de forma aleatória em três grupos: 1) 3 sessões de reestruturação cognitiva + 7 sessões de exposição por realidade virtual; 2) 3 sessões de relaxamento/ respiração diafragmática + 7 sessões de exposição por realidade virtual; 3) 3 sessões de relaxamento/ respiração diafragmática e reestruturação cognitiva + 7 sessões de exposição por realidade virtual. Os participantes responderam na primeira e na décima sessão o Questionário de Cognições na Direção (DCQ) e a Escala de Autoeficácia para dirigir (EADir-v2). Houve redução significativa na frequência de pensamentos distorcidos e aumento significativo no senso de autoeficácia dos participantes. Além disso, pode-se afirmar que o tratamento favoreceu para que os sujeitos enfrentassem posteriormente as exposições ao vivo. As estratégias de TCC e a exposição por realidade virtual mostraram-se eficazes. Apesar de se apresentarem mudanças estatisticamente significativas nos escores médios dos instrumentos utilizados, podemos apontar como limitações do estudo o tamanho da amostra, a utilização de um teste estatístico não paramétrico e a ausência de uma reavaliação para se confirmar se os ganhos foram mantidos. Portanto, recomendamos que outras investigações, controlando mais e melhor estas variáveis, sejam feitas.

Palavras-Chave: Realidade virtual; Fobia de dirigir; Cognições; Autoeficácia

Abstract

Growing number of researches has studied driving phobia of in the last decades. Excessive fear of driving can cause impacts on the individual's career, social embarrassment and significant restrictions on their autonomy. The aim of this study was to investigate whether treatment with virtual reality exposure and Cognitive Behavioral Therapy (CBT) strategies were able to 1- reduce the frequency of cognitive distortions associated with driving, 2- increase participants' sense of self-efficacy, and 3 - increase the probability of going to in vivo exposure. 18 participants were randomly allocated into three groups: 1) 3 cognitive restructuring sessions + 7 virtual reality exposure sessions; 2) 3 relaxation / diaphragmatic breathing sessions + 7 virtual reality exposure sessions; 3) 3 relaxation / diaphragmatic breathing sessions and cognitive restructuring + 7 virtual reality exposure sessions. Participants answered Driving Cognition Questionnaire (DCQ) and the Self-efficacy Driving Scale (EADir - v2) in the first and tenth session. There was a significant reduction in the frequency of distorted thoughts and a significant increase in participants' sense of self-efficacy. In addition, it can be observed that the treatment favored to go to in vivo exposures. CBT strategies and virtual reality exposure proved to be effective. Although there are statistically significant changes in the mean scores of the instruments used, we can point out as limitations of this study the sample size. We use nonparametric statistical test and there was not follow up to confirm if the gains were maintained. Therefore, we recommend new investigations, controlling these variables.

Keywords: Virtual reality; Driving phobia; Cognitions; Self-efficacy

Atualmente, para muitas pessoas, dirigir pode representar uma necessidade, seja para facilitar a mobilidade diária, atender a exigências relacionadas ao trabalho, por conta da precarização dos serviços coletivos de transporte ou simplesmente por comodidade e até mesmo para possibilitar o lazer. Sendo assim, a independência é considerada um dos principais fatores motivadores para a direção, ficando esta prejudicada na vida daqueles que, por algum motivo, apresentam dificuldades em guiar um veículo (Cantini et al., 2013). Costa et al. (2014) destacaram consequências que incluem impactos na carreira, embaraço social e restrições na autonomia desses indivíduos (Costa et al., 2010).

Considerando as repercussões negativas ou limitações que podem causar, o medo de dirigir, tem sido alvo, nas últimas décadas, de um crescente número de estudos que têm como objetivo uma melhor compreensão do problema (Carvalho et al., 2011). De acordo com estes, na maior parte das vezes, o medo excessivo e perseverante de conduzir um automóvel seja diante da antecipação ou durante a direção, estando associado a sintomas de ansiedade e comportamento de evitação pode ser enquadrado no diagnóstico de fobia específica (APA, 2014). A quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) caracteriza fobia específica pelo medo acentuado e persistente, sendo este desproporcional em relação ao perigo real que surge seja na presença ou simplesmente pela antecipação de um objeto ou situação específica, eliciando, na maioria das vezes, resposta imediata de medo e ansiedade. O objeto ou situação fóbica, nesse caso, são propositalmente evitados ou suportados com intenso sofrimento (APA, 2014).

Por outro lado, Carvalho et al. (2011), aponta a discordância de vários autores sobre a classificação do medo de dirigir exclusivamente como uma fobia específica, já que, muitas vezes, aparece associado à outras classificações diagnósticas, mesmo que com sintomas subclínicos. Por este motivo, a prevalência da fobia de dirigir na população geral também não é consenso nos estudos, de forma que o medo de dirigir além de poder se manifestar em vários níveis de gravidade, também pode estar relacionado e/ou se confundir com outros quadros ansiosos como a fobia social, quando o medo está relacionado à preocupação com a avaliação negativa do outro, o transtorno do pânico com ou sem agorafobia, quando o indivíduo evita dirigir por medo de experimentar fortes sintomas de ansiedade, perda de controle ou mesmo ter um ataque de pânico na direção e ao transtorno de estresse pós-traumático, em casos de vítimas de acidentes de trânsito (APA, 2014; Cantini et al., 2013; Carvalho et al., 2011). Outro fator que pode mascarar a prevalência da fobia de dirigir é a dificuldade em identificar o problema quando os sujeitos não possuem necessidade ou não são, por alguma razão, obrigados a dirigir (Haydu et al., 2014).

A Associação Brasileira de Medicina e Trânsito, em 2003, estimou que cerca de 10% dos brasileiros habilitados, aproximadamente dois milhões de pessoas, apresentam medo de dirigir em algum nível (Bellina, 2003). Estudos sobre o perfil desses motoristas, no Brasil, são mais recentes, ocorrem a partir de 2013 (Mognon et al., 2017). Apesar disso, a literatura nacional corrobora a internacional, quando destaca que esse medo atinge majoritariamente mulheres, chegando a índices de até 90% dos afetados (Cantini et al., 2013; Mognon et al., 2017). Este fato está fortemente relacionado a questões de gênero, de forma que comumente mulheres são desqualificadas e tidas, no imaginário popular, como piores motoristas e por outro lado, a expectativa de que homens possuem o dever de dirigir, pode fazer com que eles tenham mais medo de assumir esse tipo de dificuldade (Mognon et al., 2017).

O medo de dirigir também pode estar relacionado a um déficit real nas habilidades dos sujeitos, assim não ter noção de espaço ou domínio de marcha e volante em curvas, dificuldade para estacionar e realizar manobras, além da falta autonomia para dirigir em diferentes tipos de trânsito sem companhia foi encontrado em quase todos os participantes de uma amostra de pessoas que buscaram ajuda em centros especializados de tratamento (Cantini et al., 2013). Esses dados sugerem que a falta de conhecimento e prática podem ser determinantes nesse contexto. Entretanto, um indivíduo com fobia de dirigir pode subestimar suas próprias habilidades como motorista (Costaet al., 2014), além da segurança das situações, mantendo a atenção focada em informações ameaçadoras (Taylor & Deane, 2000). Outra tendência comum é superestimar o medo que será experimentado (Taylor & Deane, 2000). A presença frequente de distorções cognitivas em pessoas com fobia de dirigir faz com que esses indivíduos envolvam-se em comportamentos de segurança mal adaptativos com o intuito de resguardar-se de riscos imprevisíveis, além de apresentarem uma personalidade mais ansiosa do que o grupo controle (Costa et al., 2014).

Corassa (2006) mapeou o perfil de pessoas com medo dirigir, segundo a autora, essas, em geral, são responsáveis, detalhistas, organizadas, mas possuem dificuldades pra lidar com críticas e para se engajar em determinadas atividades pelo medo excessivo de errar. Em relação às cognições mais frequentes nesses casos pode-se destacar o medo de errar ou ser criticado, o medo de envolver-se em acidentes e de perder o controle do carro e da situação (Cantini et al., 2013; Costa et al., 2014; Wilhelm et al., 2005). Mognon et al. (2017) agruparam as situações mais temidas por essas pessoas, em diversos estudos, entre elas: em relação à via (dirigir em rodovias, pontes, túneis, em ruas íngremes, cruzamentos, pegar engarrafamento, estacionar, mudar de faixa, conduzir em tráfego intenso, em locais desconhecidos ou se perder), em relação ao veículo (o carro quebrar, a potência do automóvel, dirigir em grandes velocidades e perder o controle do carro), em relação à condições meteorológicas (chuva, vento, neblina, granizo e falta de visibilidade noturna) e quanto aos aspectos sociais e pessoais (capacidade de reagir prontamente em uma situação inesperada, atrapalhar o trânsito, receber críticas e sofrer acidentes).

O medo de dirigir pode tonar-se crônico caso não seja tratado, isso porque os sintomas não somem ou diminuem espontaneamente com o passar do tempo (Carvalho et al., 2011). A esquiva é mantida por reforço negativo da resposta que ocorre anteriormente ao indivíduo ter contato com a situação temida, formando assim o que Haydu et al. (2014) chamaram de “círculo vicioso”, assim toda vez que a esquiva ocorre aumenta a probabilidade do individuo comportar-se da mesma forma.

O tratamento com melhores resultados em casos de fobias específicas envolve a utilização da exposição ao vivo (Haydu et al., 2014; Wolitzky-Taylor et al., 2008). Essa intervenção da terapia comportamental tem como objetivo promover a habituação, isto é, a redução da ansiedade a partir do contato gradual e prolongado com o estímulo ou situação temida até o momento da extinção da resposta (Carvalho et al., 2008; Haydu et al., 2014). Entretanto, aproximadamente 60% das pessoas com fobia de dirigir, não estaria disposta a iniciar esse tipo de tratamento (Wolitzky-Taylor et al., 2008), uma vez que a ansiedade diante da situação real muitas vezes é extrema (Carvalho et al., 2008). Por este motivo, a exposição por realidade virtual (ERV), já amplamente aceita como ferramenta utilizada no tratamento de distúrbios fóbicos (Costa et al., 2008), além de não envolver riscos (Carvalho et al., 2008, Costa et al. 2018; Haydu et al., 2014), poderia ser uma alternativa para melhorar as habilidades na direção, facilitando assim a aceitação do paciente à exposição ao vivo ( Carvalho et al., 2008; Costa et al., 2010; Costa et al., 2018; Haydu et al., 2014), podendo também contribuir para o aumento do senso de autoeficácia em indivíduos com medo de dirigir (Bellina, 2003; Powers & Emmelkamp, 2008) e fazer com que estes sejam capazes de mudar cognições distorcidas relacionadas ao medo (Carvalho et al., 2010).

Uma ERV bem sucedida depende de o participante experimentar significativo sentimento de presença, isto é, sentir-se imerso no ambiente virtual (Anderson et al., 2004) já que essa condição influencia na intensidade do estado emocional provocado (Bellina, 2003). Durante uma ERV é possível controlar a situação e os estímulos apresentados, simulando situações realistas e induzindo emoções de forma padronizada e controlada (Costa et al., 2014; Haydu et al., 2014; Hofman, 2019; Loomis et al., 1999). Como desvantagens da ERV pode-se destacar o alto custo do equipamento e a possibilidade de não produzir grande sentimento de presença, sendo realista o suficiente para todos os pacientes (Costa et al., 2014; Haydu et al., 2014).

De acordo com Mognon e Santos (2016) as crenças são muito importantes no processo de aprendizagem em motoristas inexperientes. Para as autoras, indivíduos com medo de dirigir tanto podem estar inseguros em relação à suas habilidades na direção como ter suas crenças de autoeficácia comprometidas, sendo que indivíduos com baixa autoeficácia na direção estariam mais sujeitos a cometer erros no trânsito (Mognon & Santos, 2016). O conceito de autoeficácia diz respeito ao quando as pessoas acreditam ser capazes de acessar recursos cognitivos, motivacionais, afetivos e comportamentais para desempenhar determinada tarefa (Bandura, 2006).

O objetivo desse estudo foi investigar se a ERV acompanhada de outras estratégias da TCC como a reestruturação cognitiva e o relaxamento/respiração diafragmática foi capaz de reduzir a frequência de pensamentos distorcidos associados à direção, aumentar o senso de autoeficácia dos participantes e servir como um facilitador no engajamento dos sujeitos em exposições ao vivo.

Método

Este estudo experimental, desenvolvido pelo Laboratório de Pânico e Respiração (LABPR) do Instituto de Psiquiatria (IPUB) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) teve seu projeto de pesquisa aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa CEP-UFRJ (46Aliv2-08), o qual adere aos princípios da Declaração de Helsinki.

Participantes

Dentre os interessados em participar da pesquisa, foram convocados 27 sujeitos, mas apenas 18 completaram o protocolo e o preenchimento de todas as escalas.

A idade média dos participantes foi de 38 anos (± 12,07). Essa amostra foi composta por 50% de solteiros, 33,33% de casados, 11,11% divorciados ou separados e 5,55% viúvos.

Quanto ao nível educacional, 16 possuíam formação superior completa e dois formação superior incompleta.

Os participantes tinham em média 11,16 anos (±8,07) em relação ao tempo em adquiriram a carteira de habilitação; fizeram em média a prova prática 1,6 vezes (± 0, 6); e estavam sem dirigir em média há 5,58 anos (± 7,33).

Critérios de inclusão e exclusão

Os participantes incluídos na pesquisa precisavam ter, obrigatoriamente, idades entre 18 e 60 anos, carteira de motorista ou ao menos terem concluído todas as aulas teóricas do Departamento de Trânsito do Estado do Rio de Janeiro (DETRAN-RJ). Além disso, precisavam preencher critérios para fobia específica (medo de dirigir), assinar o termo de consentimento livre esclarecido, ter escolaridade mínima relativa à 4ª série do ensino fundamental, preencher todos os questionários e inventários solicitados, participar de todas as sessões de tratamento e ter acesso a um carro como possibilidade para exposição ao vivo ao final das exposições por realidade virtual.

Foram excluídos participantes que tivessem cardiopatia grave, doença pulmonar obstrutiva crônica ou doença pulmonar em fase aguda, deficiência visual grave, transtornos de personalidade ou qualquer outro transtorno psiquiátrico do Eixo I, assim como aqueles que estivessem fazendo uso de psicotrópicos, álcool ou drogas ilícitas e ainda história de convulsão, implantes metálicos pelo corpo e gravidez.

Aparatos

Foi utilizado o simulador veicular modelo RT01/RS da Empresa Rota Simuladores, composto por carroceria inspirada em um automóvel real, com duas portas, volante, painel de instrumentação, câmbio, acelerador, freios de pedal e manual, embreagem, chaves direcionais e alertas, limpadores de para brisas, banco e cinto de segurança. Além de 3 telas de LCD de 32 polegadas, Computador Core 17, 4 GB RAM, HD500GB, Placa de Vídeo 1GB DDR5 128 BIT, Windows 7 Profissional.

Material

O Questionário de Cognições na Direção (DCQ) (Carvalho et al., 2011) é utilizado para investigar as cognições distorcidas associadas à direção e a frequência com que ocorrem. O DCQ contém 20 itens que avalia preocupações relacionadas à direção em três dimensões: sintomas de pânico, ocorrência de acidentes e preocupações sociais (Carvalho et al., 2011). Os itens variam a pontuação, em uma escala likert, entre 0 e 4, da seguinte forma: 0 - o pensamento nunca ocorre, 1 - o pensamento raramente ocorre, 2 - o pensamento ocorre metade das vezes em que dirijo, 3 - o pensamento frequentemente ocorre e 4 - o pensamento sempre ocorre quando eu dirijo.

A Escala de Autoeficácia para dirigir versão 2 (EADir -v2), por sua vez, avalia à percepção de autoeficácia dos participantes (Mognon & Santos, 2016). Composta por 20 itens que descrevem situações e o quanto cada indivíduo acredita em sua capacidade para realizar atividades relacionadas à direção, sendo 0 nada capaz, 1 - pouco capaz, 2- capaz, 3- muito capaz e 4 - extremamente capaz.

Procedimentos

A captação de sujeitos para compor a amostra foi feita através de ampla divulgação da pesquisa em diversas mídias. Os candidatos com queixa de fobia de direção receberam e assinaram um termo de consentimento informado por escrito. Posteriormente, preencheram questionários para coletar dados pessoais e informações sobre a condução, e foram entrevistados usando o Mini International Neuropsychiatric Interview - MINI 33 (Amorim, 2000) e a Structured Clinical Interview for DSM-IV Axis Personality Disorders - SCID-II (First et al., 1997).

Após preencherem os critérios de inclusão, foram randomicamente alocados em um dos três grupos possíveis. Os critérios utilizados para randomização foram: sexo, escolaridade, idade e tempo de habilitação. No primeiro grupo foram realizadas 10 sessões, sendo três delas focadas em restruturação cognitiva e sete em exposição por realidade virtual em um simulador de direção. O segundo grupo, teve três sessões utilizando técnicas de relaxamento/respiração diafragmática e sete sessões de exposição por realidade virtual e o último grupo três sessões com reestruturação cognitiva e técnicas de relaxamento/respiração diafragmática além das outras sete sessões com exposição por realidade virtual.

A hierarquia de estímulos no ambiente virtual foi utilizada para expor os participantes gradualmente a situações desconfortáveis ​​ao longo de um período de 50 minutos, da seguinte forma: Sessão 1 - Aula 3 (Condução eficiente e segura) e Aula 10 (Direção livre) condição climática normal, horário dia, agressividade leve, pouco movimento, via urbana bairro; Sessão 2 - Aula 10 (Direção livre) condição climática normal, horário dia, agressividade normal, pouco movimento, via urbana bairro; Sessão 3- Aula 10 (Direção livre) condição climática normal, horário dia, agressividade normal, normal movimento, via urbana centro; Sessão 4 - Aula 10 (Direção livre) condição climática normal, horário noite, agressividade normal, normal movimento, via urbana centro; Sessão 5 - Aula 10 (Direção livre) chuva - chuva torrencial, horário dia, agressividade normal, normal movimento, rodovia; Sessão 6 - Aula 10 (Direção livre) Neblina Suave- neblina média, horário dia, agressividade normal, normal movimento, Estrada; Sessão 7- Aula 10 (Direção livre) condição climática normal, horário dia, agressividade alta, muito movimento, Aclive.

Durante as exposições por realidade virtual, os pacientes puderam conversar com o pesquisador e foram utilizados o Igroup Presence Questionnaire - IPQ e as Unidades Subjetivas de Escala de Dificuldade - SUDS para atestar que os participantes tenham experimentado senso de presença significativo durante as exposições.

Os participantes preencheram também na primeira e na última sessão o DCQ (Carvalho et al., 2011) e a EADir -v2 (Mognon & Santos, 2016).

Análise estatística

Os escores médios obtidos no DCQ e na EADir -v2 foram comparados antes e depois das intervenções com exposição por realidade virtual e outras estratégias da TCC. Todos os procedimentos estatísticos foram realizados no SPSS versão 17.0. Para comparar, correlacionar e analisar escores da escala utilizou-se o teste de Wilcoxon (um teste não paramétrico, teste de hipóteses usado para comparar medidas repetidas em uma única amostra para avaliar os escores médios diferem) e a correlação de ordem de classificação de Spearman (uma versão não paramétrica do momento-produto de Pearson correlação). O nível de significância foi definido como p ≤ 0,05.

Resultados

O tratamento com realidade virtual e outras estratégias de TCC suscitou redução na frequência de pensamentos distorcidos associados à direção, uma vez que o escore total médio entre os participantes no DCQ antes da intervenção foi de 47,72 (± 14,02). Na décima e última sessão essa média caiu para 19,82 (± 7,48). Pode-se afirmar também que houve aumento no senso de autoeficácia dos participantes, com elevação nos escores totais médios referentes à EADir-v2 de 14,78 (± 6,49), para 36,47(± 6,53). Dessa forma, os resultados encontrados indicaram diferenças estatisticamente significativas quando comparados os escores de antes e depois da intervenção (Quadro 1).

Dos 18 indivíduos da amostra 14 voltaram a dirigir e os 4 restantes relataram ter o desejo de voltar a dirigir, tendo, esses últimos, sido encaminhados para psicoterapia individual. Dos 14 que voltaram a dirigir, 7 retornaram de forma gradual antes mesmo de concluir as sessões de exposição por realidade virtual, 4 começaram a dirigir após o término das exposições por realidade virtual em situação de trânsito menos intenso, perto de casa e com auxílio de algum familiar e 3 passaram a dirigir após contratar o serviço de autoescola, já que sentiram-se mais seguros ao realizar as exposições ao vivo com um instrutor profissional em um carro mais controlado.

Quadro 1 Comparação dos escores médios - antes e depois das intervenções com estratégias da TCC e exposição por realidade virtual (n=18). 

Nota: *dif. Sig. p ≤0,05; BDI_1: Inventário de depressão de Beck antes de iniciar o tratamento; BDI_10: Inventário de depressão de Beck depois do tratamento; Ans.traço_1: Escala de ansiedade - traço antes de iniciar o tratamento; Ans.traço _10: Escala de ansiedade - traço depois do tratamento; Ans.estado_1: Escala de ansiedade - estado antes de iniciar o tratamento; Ans.estado _10: Escala de ansiedade - estado depois do tratamento; DCQ_1: Questionário de cognições na direção antes de iniciar o tratamento; DCQ_10: Questionário de cognições na direção depois do tratamento; Autoeficácia_1: Questionário de autoeficácia na direção antes de iniciar o tratamento; Autoeficácia_10: Questionário de autoeficácia na direção depois do tratamento.

Discussão

Os resultados encontrados nesse estudo indicam que de fato as exposições por realidade virtual podem contribuir na mudança de cognições distorcidas relacionadas ao medo (Carvalho et al., 2010), uma vez que antes da intervenção proposta, foi identificada uma alta prevalência de distorções cognitivas com um escore bruto médio de 47,72, o que significa que os participantes experimentavam alguns pensamentos distorcidos com muita frequência quando dirigiam. Tendo reduzido para 19, 82 logo após o tratamento.

Os pensamentos distorcidos mais frequentes antes do tratamento estavam em sua maioria associados ao medo de se envolver em algum acidente propriamente: “eu não serei capaz de reagir rapidamente”; “eu vou travar - ficar paralisado”; “eu não serei capaz de pensar de forma clara”; “eu irei machucar alguém”; “eu irei tremer e não conseguirei dirigir”; “eu não posso controlar os outros carros que irão bater em mim”; “eu irei perder o controle e farei algo estúpido ou perigoso”; “eu irei causar um acidente”. Os pensamentos distorcidos que estão mais associados ao pânico/agorafobia e ansiedade social apresentaram frequências um pouco mais baixas desde o princípio, o que é justificável pelo fato de terem sido excluídos sujeitos com comorbidades: “meu coração vai parar de bater”; “não vou conseguir controlar minha respiração”; “as pessoas irão rir de mim”; “pessoas importantes para mim irão me criticar”.

Apesar ser comum o sujeito com fobia de dirigir apresentar pouca prática e habilidades reduzidas no volante (Cantini et al., 2013), os achados encontrados nessa amostra confirmam que indivíduos com fobia de dirigir frequentemente subestimam suas habilidades na direção (Costa et al., 2014), possuindo assim um baixo senso de autoeficácia (Mognon & Santos, 2016). A média encontrada antes das intervenções alcançou um escore bruto médio de 14,78 (a pontuação máxima possível é de 80 pontos). Esse escore médio sugere que os indivíduos oscilaram entre acreditar não ser nada capazes ou no máximo acreditar ser pouco capazes de uma série de situações durante a condução de um veículo. Essa média, ao final, chegou a 36,47, comprovando assim que as exposições por realidade virtual seriam capazes de ampliar o senso de autoeficácia em indivíduos com medo de dirigir (Bellina, 2003; Powers & Emmelkamp, 2008).

Foi possível também confirmar a hipótese de que a exposição por realidade virtual pode facilitar a aceitação do paciente à exposição ao vivo (Carvalho et al., 2010; Costa et al., 2014; Costa et al., 2018; Haydu et al., 2014), sendo útil como preparação e um facilitador para futuras exposições ao vivo (Cavalho et al., 2010).

Apesar das mudanças nos escores serem estatisticamente significativas e favoráveis à TCC e exposição por realidade virtual, podemos apontar como limitações de nosso estudo: o tamanho da amostra, considerado pequeno; a utilização de testes não paramétricos; a ausência de um grupo controle para comparar com efeito em uma população sem o diagnóstico de fobia de dirigir; e a ausência de uma reavaliação meses à frente, visando avaliar se os ganhos obtidos foram mantidos. Recomendamos que outras investigações sejam feitas tentando controlar estas variáveis e corroborar esses achados.

Contribuição dos autores

Ivna Matheus: Concetualização, Análise formal, Investigação, Metodologia, Redação do rascunho original, Redação - Revisão e edição.

Marcele Carvalho: Metodologia, Curadoria dos dados, Validação, Visualização

Antonio Nardi: Metologia, Aquisição de financiamento, Administração do projeto

Rafael Costa: Concetualização, Análise formal, Investigação, Metodologia, Software, Supervisão, Redação - Revisão e edição.

Referências

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Recebido: 04 de Dezembro de 2021; Aceito: 22 de Março de 2022

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